Gestão Centralizada de Tesouraria (Cash Pooling) e Preços de Transferência
Cash Pooling and Transfer Pricing
João Sérgio Feio Antunes Ribeiro
Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Mestre em Direito pela London School of Economics and Political Science da Universidade de Londres. Professor de Direito Tributário da Escola de Direito da Universidade do Minho. Diretor do Mestrado em Direito dos Negócios Europeu e Transnacional (LL.M. in European and Transglobal Business Law) da Universidade do Minho (Portugal). E-mail: jribeiro@direito.uminho.pt.
Resumo
O artigo que se inicia tem como objetivo fazer uma breve introdução ao contrato de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling) e à sua articulação com a matéria dos preços de transferência tal como é tratada no âmbito das diretrizes da OCDE, sendo feita uma especial referência ao caso português. Nesse contexto, o autor sugerirá que o método de determinação dos preços de transferência mais consentâneo com o cash pooling é o método do fracionamento do lucro.
Palavras-chave: gestão centralizada de tesouraria/cash pooling, preços de transferência, OCDE, Direito português, método do fracionamento do lucro.
Abstract
This article seeks to make a brief introduction to cash pooling transactions and their relationship to transfer pricing in light of OECD guidelines and Portuguese law. In this context the author will suggest that the most suitable transfer pricing method to tackle those transactions is the profit-split method.
Keywords: cash pooling transactions, transfer pricing, OECD, Portuguese law, profit-split method.
Introdução
Os contratos de gestão de tesouraria centralizada, vulgarmente designados por cash pooling, levantam amiúde questões relativas à aplicação dos preços de transferência. Através deste estudo tentaremos contribuir para a discussão do tema, propondo um entendimento que nos parece ser o mais consentâneo não só com a natureza do contrato em causa, mas sobretudo com a dinâmica que está subjacente aos preços de transferência.
Importa sublinhar que, não obstante este texto ter como referência o Direito português e, de certo modo, todos os ordenamentos que seguem os princípios da OCDE aplicáveis em matéria de preços de transferência, espera-se que possa, ainda assim, ser relevante para o público brasileiro. É certo que as normas de preços de transferência no Direito brasileiro não correspondem às da OCDE1, essencialmente no que toca aos métodos da sua fixação, contudo, a divulgação de outros sistemas contribuirá certamente para estimular um debate que se espera interessante e profícuo. Além do mais, não nos parece de todo inusitado considerar que, face à crescente globalização, as regras brasileiras venham, no futuro, a aproximar-se mais das orientações da OCDE em matéria de preços de transferência.
Num primeiro ponto será feita uma breve introdução ao cash pooling. Seguir-se-á uma abordagem, de índole igualmente introdutória, aos preços de transferência. E, num momento final, depois de circunscritos os conceitos que delimitam a análise proposta, far-se-á a articulação entre essas duas realidades – cash pooling e preços de transferência -, clarificando os principais aspetos dessa inter-relação que vem assumindo um interesse crescente2.
1. Cash Pooling
O contrato de cash pooling é a designação que internacionalmente é dada a um contrato de gestão centralizada de tesouraria de um grupo de sociedades que tem como objetivo maximizar as disponibilidades da mesma, não pela via do financiamento bancário, mas através de um mecanismo de compensação entre os excessos e as necessidades de tesouraria dentro desse mesmo grupo. Para esse propósito é feita diariamente a consolidação, real ou virtual, dos saldos bancários das contas de cada uma das sociedades do grupo, numa conta bancária gerida pela entidade centralizadora, na qual o Banco credita ou debita juros.
Através deste contrato consegue-se não só uma negociação mais favorável com as instituições financeiras, mas também diminuem os riscos financeiros e cambiais que existiriam fora de uma gestão integrada dos recursos existentes no seio do grupo. São ainda de referir outras vantagens, designadamente, (i) a simplificação do processo de gestão ao nível individual de cada empresa, libertando recursos para outras atividades; (ii) a obtenção de ganhos de valor, pela redução de juros associados a contas devedoras; (iii) o reforço das demonstrações financeiras da empresa pela redução dos empréstimos bancários; (iv) a maior atratividade do grupo no mercado de capitais; e (v) a minimização da retenção de impostos sobre juros3.
Existem dois tipos principais de cash pooling: o zero balancing ou physical cash pooling e o notional cash pooling.
No zero balancing ou physical cash pooling há transferência física dos excedentes de contas individuais para a conta de concentração do cash pooling e simultaneamente uma cobertura dos défices individuais pelo débito da conta central. Existe, portanto, uma compensação real entre os saldos das contas das várias sociedades que fazem parte do contrato. As contas individuais são, de certo modo, anuladas, e os juros a pagar e a receber são calculados a nível da conta central. A entidade centralizadora, que pode ser a sociedade mãe ou uma outra sociedade do grupo, procede subsequentemente à distribuição dos juros pelos diversos participantes em função dos saldos transferidos. De um modo simples, pode dizer-se que há uma série de empréstimos entre os participantes.
No notional cash pooling os excedentes e os débitos das contas individuais não vão fisicamente para a conta de concentração. Em vez disso, cada participante mantém a sua posição com o Banco e recebe ou paga juros em função da sua situação devedora ou credora. Nesta modalidade agrupa-se o saldo das várias contas associadas unicamente para efeitos de cálculo de juros, sendo a compensação meramente virtual. É como se na prática se verificasse uma série de empréstimos entre o Banco e os participantes. O Banco é, todavia, um mero intermediário, dado que não suporta o risco, ou fá-lo de modo muito atenuado4.
2. Preços de Transferência
A expressão “preço de transferência” traduz-se no preço fixado por um determinado sujeito passivo quando vende ou compra bens, ou partilha recursos com uma pessoa com quem tenha relações especiais. Nessas situações, os preços utilizados podem não corresponder aos preços de mercado, ou seja, aos preços negociados livremente.
Ora, esse afastamento do preço que normalmente seria praticado numa transação equivalente pode ter como objetivo a manipulação dos preços com o intuito de transferir rendimentos (sob a forma de lucro, por exemplo) de um sujeito passivo para outro, obtendo vantagens fiscais. Estas situações verificam-se tipicamente no plano internacional quando se tenta, através da manipulação de preços, transferir o lucro para o país onde a tributação é mais favorável, embora também sejam relevantes no plano interno5.
A resposta dos países a esta situação é a correção desses preços de transferência, no sentido de evitar que outros países obtenham uma parte do rendimento que foi gerado no seu território. Este ajustamento tem como referência os preços que teriam sido fixados por empresas sem uma relação especial, atuando de forma independente. Este método, designado por arm’s length method (princípio da plena concorrência), é partilhado pela maioria dos países, embora haja frequentemente dissonâncias quanto à forma como deve ser posto em prática.
O mecanismo dos preços de transferência, não obstante ser, em grande medida, identificado como método de combate à transferência artificial de lucros, adquirindo, por conseguinte, as disposições que o incorporam frequentemente a designação de cláusulas específicas antiabuso, tem outras funções. Concretamente, a redução do risco da dupla tributação económica e contribuir para um equilíbrio na repartição dos lucros a tributar nos vários países onde atuam as multinacionais.
Importa, portanto, ter presente que ainda que as entidades com relações especiais não tenham qualquer intenção abusiva, podem, ainda assim, ver ser-lhes aplicados os preços de transferência. O ponto 1.2. Dos princípios da OCDE aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais6 é bastante elucidativo a esse respeito nos excertos que de seguida se transcrevem. “As Administrações Fiscais não devem presumir, sistematicamente, que as empresas associadas tentam manipular os respectivos lucros. (…) Com efeito, um ajustamento fiscal, a título do princípio da plena concorrência, não afeta as obrigações contratuais que vinculam as empresas associadas a todos os níveis, com a exceção do fiscal, podendo revelar-se necessário, mesmo que não haja a intenção de reduzir ou de iludir o imposto. Não se deve confundir a análise de um preço de transferência com as análises que incidem sobre casos de fraude ou de evasão fiscal, ainda que as medidas de ação adotadas em matéria de preços de transferência prossigam tais objetivos.”
Existem cinco métodos para determinar os preços de transferência: o método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado, o método do custo majorado, o método do fracionamento do lucro e o método da margem líquida de operação7.
3. Cash Pooling e Preços de Transferência
Em circunstâncias normais os contratos de gestão centralizada de tesouraria na modalidade de notional cash pooling, independentemente de alguns sistemas legais os repudiarem, são um mecanismo legítimo, praticado, aliás, um pouco por todo mundo, com vantagens consideráveis para os grupos de sociedades. Pelo que a aplicação dos preços de transferência, a ter lugar, quadrará com aquelas situações em que não há qualquer fraude ou evasão fiscal. A não ser, obviamente, que se prove que o contrato de cash pooling tem em vista outros propósitos que não os que dele normalmente decorrem.
O cash pooling de um modo geral, não obstante na maior parte dos países as disposições de preços de transferência não se lhe referirem especificamente, suscita algumas considerações a esse nível8. Isto porque as operações que compreende no âmbito do grupo têm implicações nas taxas de remuneração dos depósitos, empréstimos e até na criação de garantias cruzadas, entre as sociedades relacionadas, perante a instituição financeira que participa na gestão centralizada de tesouraria, isto é, o Banco. Na decorrência deste circunstancialismo, tenta verificar-se se os benefícios resultantes do cash pooling são devidamente distribuídos pelos participantes9.
3.1. Operações sujeitas aos preços de transferência
Sem prejuízo de o physical cash pooling e de o notional cash pooling terem em vista objetivos semelhantes, as implicações que cada um deles tem no que respeita aos preços de transferência não são necessariamente as mesmas.
No physical cash pooling as várias operações que o compõem são desenvolvidas diretamente entre as partes que têm relações especiais, pelo que é concebível que a cada uma dessas operações sejam aplicados os preços de transferência.
No notional cash pooling, não obstante existir um contrato que, de facto, tem como participantes entidades que têm entre si relações especiais, as operações concretas que suscitam a aplicação dos preços de transferência desenvolvem-se, todavia, entre o Banco e os vários participantes, e não nas relações entre aquelas. Pelo que os preços de transferência a serem aplicados devem contemplar o contrato no seu todo, única situação em que concretamente há uma operação entre partes com relações especiais. A esta constatação não será alheio o facto de os grupos, podendo escolher o physical cash pooling, escolherem o notional cash pooling. Haverá certamente várias ponderações a fazer na escolha, mas as implicações fiscais, designadamente as referentes aos preços de transferência, não serão seguramente despiciendas.
Com efeito, a circunstância de as operações inerentes ao contrato serem totalmente interdependentes implica que se apresentem como necessárias no seu conjunto, não só para assegurarem a subsistência do contrato, mas sobretudo para que este gere os benefícios procurados, o que, como é óbvio, favorece de forma global todos os membros. Constata-se, aliás, através das vantagens do cash pooling, elencadas anteriormente no ponto 1, que os benefícios conjuntos são superiores à mera soma dos benefícios de cada operação que o compõe entendida de forma isolada. A este propósito, impõe-se a referência a um excerto do ponto 1.42. Dos princípios da OCDE aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais, que está num capítulo que tem precisamente como epígrafe Avaliação de operações separadas e combinadas. “Em termos teóricos, o princípio de plena concorrência deve ser aplicado numa base de operação a operação para se aproximar o mais possível do justo valor de mercado. Mas acontece com frequência que operações distintas se encontrem tão estreitamente ligadas ou contínuas que não é possível fazer uma avaliação correta sem as tomar em consideração no seu conjunto. (…) Estas operações devem ser analisadas conjuntamente, utilizando o método ou métodos mais adequados assentes no princípio de plena concorrência.”10
Parece-nos, assim, que os contratos de gestão centralizada de tesouraria, pelo menos na versão notional cash pooling, não podem ser fragmentados para fazer uma aplicação dos preços de transferência a cada uma das operações e inerentes obrigações que o componham, sejam os débitos, créditos, juros pagos ou recebidos, garantias de tipo cruzado, ou outras (prováveis) vantagens. Pois, todas essas operações estão estreitamente ligadas, podendo, pela situação de verdadeira integração que existe entre elas (fazem parte do mesmo contrato), ser reconduzidas a uma só operação complexa. Consequentemente, os ganhos decorrentes do cash pooling só podem ser aferidos na globalidade, enquanto referidos ao grupo no seu todo.
Na interpretação da disposição dos preços de transferência portuguesa11 e seguramente de outros sistemas jurídicos que sigam as diretrizes da OCDE, para além do elemento literal, devem ser tidos em consideração outros elementos relevantes que sigam as diretrizes da OCDE, para a interpretação. No que respeita à ponderação do elemento histórico e também do teleológico não será certamente alheia a consideração dos Princípios da OCDE aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais. A propósito deste importante instrumento de interpretação já foi transcrita parte do ponto 1.42 que diz que não é possível fazer uma avaliação correta de operações que se encontrem estreitamente ligadas ou sejam contínuas, sem as tomar em consideração no seu conjunto. Ora, por maioria de razão, este raciocínio deve ser aplicado às operações que estão mais do que estreitamente ligadas, isto é, que se encontram verdadeiramente integradas, como as que fazem parte do contrato de notional cash pooling.
Fazemos esta ressalva porque já admitimos, não sem dúvidas, que no contexto do physical cash pooling ainda poderia ser concebível a aplicação dos preços de transferência a cada uma das operações envolvendo as sociedades do grupo, dado que se realizam diretamente entre elas. Porém, no caso do notional cash pooling, em que não há qualquer operação entre as sociedades do grupo, mas unicamente entre estas e o Banco, não é possível a aplicação dos preços de transferência individualmente a cada uma das operações inerentes a esse contrato, mesmo que fosse possível destacar cada uma delas (do resto do contrato). Pois, os movimentos de fundos (depósitos e financiamentos) realizam-se diretamente com o Banco, entidade que se presume independente, isto é, que não tem com o grupo qualquer relação especial – conditio sine qua non para que pudesse ser aplicada essa norma relativa aos preços de transferência. Não havendo, por conseguinte, qualquer apoio ou correspondência na letra da maior parte das disposições legais referentes aos preços de transferência que permita aplicá-las a entidades que não estejam numa situação de relações especiais.
É ainda importante salientar que, tendo em conta que as normas sobre preços de transferência, pelo impacto direto que têm na quantificação do facto tributário, estão, em grande parte dos sistemas jurídicos de tradição românico-germânica, abrangidas pela reserva de lei parlamentar, não serão suscetíveis de ser aplicadas por via da analogia12.
Restaria, por conseguinte, uma única via para abstrair do negócio, uma ou mais operações a fim de serem enquadradas individualmente nos preços de transferência – a da desconsideração do negócio celebrado e a requalificação do mesmo. Ora, uma atuação deste tipo, apesar de não se afigurar impossível, seria sempre excecional. Tanto no plano geral como no estrito contexto dos direitos nacionais.
No contexto geral e fazendo mais uma vez apelo aos Princípios da OCDE aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais, transcrevemos um excerto do ponto 1.36 que é suficientemente expressivo para dispensar qualquer comentário: “a verificação pela Administração Fiscal de uma operação vinculada deve basear-se na operação efetivamente ocorrida entre as partes e no modo como foi estruturada pelas partes (…). Salvo em casos excecionais, a Administração Fiscal não deve abstrair das operações efetivas, nem substituí-las por outras operações. A restruturação de operações comerciais legítimas relevaria de um procedimento totalmente arbitrário…”13 Os casos excecionais em que é possível não atender à estrutura adotada pelo contribuinte referem-se às situações em que há uma discordância entre a forma da operação e a sua substância e económica, e aos casos em que a estrutura adotada impede a Administração Fiscal de determinar um preço adequado14. Isto acontecerá quando, subentende-se, a estrutura originária teve na sua base razões eminentemente fiscais, independentemente de existirem outras.
Também nos direitos internos o enquadramento que se faz do problema reflete em grande medida o princípio a que se fez alusão no parágrafo anterior. A desconsideração da operação realizada é igualmente algo de excecional e que pressupõe a aplicação de um procedimento próprio, com o enquadramento, no caso português, na normal geral antiabuso15. Único procedimento através do qual pode ser posta em causa a efetividade do contrato de cash pooling ou sugerido que aquele visa a redução de imposto de forma artificiosa, fraudulenta e com abuso, ocultando eventualmente a única operação realmente pretendida pelas sociedades do grupo e que poderia corresponder a uma das operações implícitas no cash pooling. Decorre do exposto, portanto, que não sendo iniciado o único procedimento que permite uma requalificação em termos fiscais da operação praticada, não é de todo possível aplicar, sem mais, as disposições referentes aos preços de transferência a uma operação que com elas não quadre.
Por outras palavras, não tendo sido utilizado o procedimento correto para eventualmente desconsiderar o cash pooling e pôr a tónica numa eventual operação que se teria em vista com o negócio previsto, está afastada a possibilidade de ser requalificada a operação e, consequentemente, lhe serem aplicados os preços de transferência.
Os preços de transferência podem, por consequência, ser unicamente aplicados ao contrato de cash pooling no seu todo, devendo ser escolhido o método mais consentâneo com esta sua natureza complexa.
3.2. Método de determinação dos preços de transferência
Dos vários métodos existentes de determinação dos preços de transferência – o método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado, o método do custo majorado, o método da margem líquida de operação e o método do fracionamento do lucro -, tendo em conta a forma como cada um deles funciona, parece-nos que o mais apropriado para contratos de natureza complexa, como a do contrato de que tratamos, é seguramente o do fracionamento do lucro. Vejamos de forma sucinta em que consiste cada um deles, para perceber a razão deste posicionamento.
O método do preço comparável de mercado consiste em confrontar o preço efetivo com o praticado em transação comparável, entre pessoas independentes. Este é o método prioritário nos casos em que exista uma venda de produtos idênticos entre pessoas independentes, em situações semelhantes16, o que não é seguramente o caso do contrato de que tratamos.
O método do preço de revenda minorado “tem como base o preço de revenda praticado pelo sujeito passivo numa operação realizada com uma entidade independente, tendo por objeto um produto adquirido a uma entidade com a qual esteja em situação de relações especiais, ao qual é subtraída a margem de lucro bruto praticada por uma terceira entidade numa operação comparável e com igual nível de representatividade comercial”17.
O método do custo majorado “tem como base o montante dos custos suportados por um fornecedor de um produto ou serviço fornecido numa operação vinculada, ao qual é adicionada a margem de lucro bruto praticada numa operação não vinculada comparável”18.
O método da margem líquida da operação “baseia-se no cálculo da margem de lucro líquido obtida por um sujeito passivo numa operação ou numa série de operações vinculadas tomando como referência a margem de lucro líquido obtida numa operação não vinculada comparável efetuada pelo sujeito passivo, por uma entidade pertencente ao mesmo grupo ou por uma entidade independente”19.
Tal como no caso do primeiro, também os três últimos métodos referidos não cumprem plenamente a sua função nas situações em que estamos perante contratos de gestão integrada de tesouraria, essencialmente porque são apenas celebrados num contexto de operações vinculadas, não sendo concebíveis fora delas.
Ora, o método do fracionamento do lucro distingue-se dos métodos referidos anteriormente, precisamente porque se aplica ao lucro global de operações complexas, ou de uma série de operações vinculadas realizadas de forma integrada entre as entidades intervenientes, e não a operações individuais. Baseia-se, portanto, na partilha dos resultados provenientes da atividade desenvolvida pelas partes que se encontram numa relação especial, o que faz dele seguramente o método mais indicado para determinar os preços de transferência na situação que nos ocupa20.
Antes de concluir, vejamos só, de uma forma compacta, como funciona este método especialmente indicado para dividir os benefícios do cash pooling pelas sociedades do grupo.
O rateio pelas partes intervenientes pode ser feito segundo duas modalidades. Uma “consiste em determinar o lucro global obtido pelas partes intervenientes nas operações vinculadas e, de seguida, proceder ao seu fracionamento entre aquelas entidades, tendo como critério o do valor relativo da contribuição de cada uma para a realização das operações, considerando para esse efeito as funções exercidas, os ativos utilizados e os riscos assumidos por cada uma e, bem assim, tomando como referência dados externos fiáveis que indiquem como é que entidades independentes exercendo funções comparáveis, utilizando o mesmo tipo de ativos e assumindo riscos idênticos teriam avaliado as suas contribuições. Em alternativa, é admitida outra modalidade de aplicação do método, a qual consiste no fracionamento do lucro global das operações em duas fases: a) Na primeira, a cada uma das entidades intervenientes é atribuída uma fração do lucro global que reflita a remuneração apropriada suscetível de ser obtida com o tipo de operações que realiza, determinando-se a partir de dados comparáveis sobre as remunerações normalmente obtidas por entidades independentes quando realizam operações similares e tendo em consideração as funções exercidas, os ativos utilizados e os riscos assumidos, podendo ser usado, para este efeito, qualquer dos restantes métodos; b) Na segunda, procede-se ao fracionamento do lucro ou do prejuízo residual entre cada uma das entidades, em função do valor relativo da sua contribuição, tendo em conta as funções relevantes exercidas, os ativos utilizados e os riscos assumidos e recorrendo, para o efeito, à informação externa disponível que forneça indicações sobre o modo como partes independentes repartiriam o lucro ou o prejuízo em circunstâncias similares, sendo o lucro assim atribuído utilizado para determinar o preço.”21
Conclusões
– Mesmo que as entidades com relações especiais não tenham qualquer intenção abusiva nas operações desenvolvidas entre elas, podem, ainda assim, ser aplicados os preços de transferência.
– Em circunstâncias normais, os contratos de gestão centralizada de tesouraria, na modalidade de notional cash pooling, são um mecanismo legítimo, com vantagens consideráveis para os grupos de sociedades, pelo que a aplicação dos preços de transferência, a ter lugar, quadrará com aquelas situações em que não há qualquer fraude ou evasão fiscal.
– Os contratos de gestão centralizada de tesouraria, pelo menos na versão notional cash pooling, não podem ser fragmentados para fazer uma aplicação dos preços de transferência a cada uma das operações e inerentes obrigações que o componham, sejam os débitos, créditos, juros pagos ou recebidos, garantias de tipo cruzado, ou outras vantagens. Pois, todas essas operações estão estreitamente ligadas podendo, pela situação de verdadeira integração que existe entre elas (fazem parte do mesmo contrato), ser reconduzidas a uma só operação complexa.
– Consequentemente, os ganhos decorrentes do cash pooling só podem ser aferidos na globalidade, enquanto referidos ao grupo no seu todo.
– Os preços de transferência podem, por consequência, ser unicamente aplicados ao contrato de cash pooling no seu todo, devendo ser escolhido o método mais consentâneo com esta natureza complexa.
– Tendo em conta a forma como cada um desses métodos funciona, parece-nos que o mais apropriado para contratos de natureza complexa, como o cash pooling, é seguramente o método fracionamento do lucro.
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1 Cfr. SCHOUERI, Luís Eduardo. Tributos e preços de transferência, 4º vol., Dialética, São Paulo, 2013.
2 Ver Danish Tribunal Rules on Cash Pooling Arrangement, Deloitte, TP ALERT 2014-002, 5 March 2014. Disponível em http://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/global/Documents/Tax/
dttl-tax-tpalert-2014-002-050314.pdf. Acesso em 9.7.2015; DALTON, John. “Why Portuguese taxpayers need to review arm’s-length nature of cash pooling arrangements”, International Tax Review, fevereiro de 2013. Disponível em http://www.internationaltaxreview.com/Article/3152879/Why-Portuguese-taxpayers-need-to-review-arms-length-nature-of-cash-pooling-arrangements.html. Acesso em 9.7.2015.
3 Cfr. REBOUTA, José F. Abreu. Contextualização fiscal da gestão centralizada de tesouraria (cash pooling) em ambiente internacional, Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2005, p. 3, que seguimos de perto.
4 Para mais desenvolvimento, ver REBOUTA, José F. Abreu. Contextualização fiscal da gestão centralizada de tesouraria (cash pooling) em ambiente internacional, op. cit., pp. 3 e ss.
5 Cfr. TEIXEIRA, Glória; e BARROS, Duarte. Preços de transferência e o caso português, Vida Económica, Porto, 2004.
6 “OCDE – Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal 189, Ministério das Finanças, Lisboa, 2002, p. 35.
7 Cfr. ARNOLD, Brian J.; e McINTYRE, Michael J. International tax primer, 2ª edição, Kluwer Law International, Haia, 2002, p. 58; XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional, Almedina, Coimbra, 2007, p. 436.
8 Cfr. HOLLAS, John C.; e HANDS, Gordon. “Transfer pricing and intragroup cash pooling”, Tax Management Report vol. 19, n. 20, 24 de fevereiro de 2011; KENNEDY, John; McGINTY, David B.; e McNALLY, John. “Cash pooling: tax-efficient implementation of global cash management strategies”, International Tax Journal, maio/junho de 2008.
9 Em países como a Holanda, onde a prática do cash pooling é corrente, o líder do cash pool apresenta normalmente um pedido prévio sobre preços de transferência, onde é fixada remuneração da entidade centralizadora ou líder do cash pool, taxas de juro e divisão dos benefícios. Cfr. Cash pooling efficient working capital funding, Baker McKenzie, março de 2012.
10 “OCDE – Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais”, op. cit., p. 54.
11 Cfr. artigo 63 do Código do Imposto sobre Pessoas Coletivas (Circ).
12 Cfr. artigo 11, n. 4, da Lei Geral Tributária (LGT) portuguesa.
13 “OCDE – Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais”, op. cit., pp. 51 e 52.
14 Cfr. ponto 1.37 de “OCDE – Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais”, op. cit., p. 51.
15 Cfr. artigo 63 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) português e artigo 38, n. 2, da LGT portuguesa.
16 Cfr. artigo 6 da Portaria 1446-C/2001, de 21 de dezembro. Para ver exemplos práticos da utilização deste método, consultar: “OCDE – Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais”, op. cit., pp. 70 e 71; ARNOLD, Brian J.; e McINTYRE, Michael J. International tax primer, op. cit., p. 62.
17 Artigo 7, n. 1, da Portaria 1446-C/2001, de 21 de dezembro. Para ver exemplos práticos da utilização deste método, consultar: “OCDE – Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais”, op. cit., pp. 77 e 78; ARNOLD, Brian J.; e McINTYRE, Michael J. International tax primer, op. cit., pp. 62 e 63.
18 Artigo 8, n. 1, da Portaria 1446-C/2001, de 21 de dezembro. Para ver exemplos práticos da utilização deste método, consultar: “OCDE – Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais”, op. cit., pp. 85 e 86; ARNOLD, Brian J.; e McINTYRE, Michael J. International tax primer, op. cit., p. 63.
19 Artigo 10, n. 1, da Portaria 1446-C/2001, de 21 de dezembro. Para ver exemplos práticos da utilização deste método, consultar: “OCDE – Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais”, op. cit., pp. 104 e 105; ARNOLD, Brian J.; e McINTYRE, Michael J. International tax primer, op. cit., p. 68.
20 Cfr. HÜLSHORS, Jörg. “The profit split in cash pooling transactions”, 14 Tax Management Transfer Pricing Report vol. 14, 698, 21 de dezembro de 2005.
21 Artigo 9, ns. 1 a 3, da Portaria 1446-C/2001, de 21 de dezembro. Para ver exemplos práticos da utilização deste método, consultar ARNOLD, Brian J.; e McINTYRE, Michael J. International tax primer, op. cit., pp. 65 e 66.