A Tributação de Rendimentos Provenientes de Atos Ilícitos
Taxation of Proceeds from Illegal Activities
Michell Przepiorka
Pós-graduando em Direito Tributário Internacional e em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Advogado. E-mail: michellprzepiorka@hotmail.com.
Resumo
O estudo da tributação de rendimentos provenientes de atos ilícitos ganha força a partir de recentes anunciamentos da Fazenda Nacional de que tributaria os valores declarados para aproveitamento de delações premiadas. A análise será realizada a partir do potencial conceito de renda e aquele adotado pelo nosso Ordenamento Jurídico. Como se observará, a tributação de tais rendimentos é mandatória por determinação dos princípios e regras que orientam o Imposto de Renda. Além disso, em caso de perdimento, sua repetição decorre do princípio da legalidade.
Palavras-chave: imposto de renda, atos ilícitos, conceito de renda tributável.
Abstract
The research on the taxation of proceeds from criminal/illegal activities gains particular importance due to recently announcements of Brazilian National Treasury that it would tax declared values for taking advantages of lenience agreements. Such analysis will start from the potential taxable income and the concept of taxable income adopted by Brazilian Legal System. As will be seen, such taxation is mandatory by principles and rules that guide income taxation. Moreover, in case of forfeiture, tax refund derives from legality.
Keywords: income tax, illegal activities, taxable income.
1. Introdução1
A tributação de rendimentos provenientes de atos ilícitos é tema relevante e atual2 que merece estudo mais aprofundado a fim de se discernir suas eventuais limitações, principalmente no que diz respeito à disponibilidade da renda e eventual ofensa ao princípio da capacidade contributiva.
Tentaremos, dentro do escopo do trabalho e no limite de nossa capacidade, determinar quais requisitos seriam necessários para que tal incidência respeitasse o sistema tributário brasileiro tal qual previsto na Constituição Federal de 1988.
Note-se que a controvérsia que se lhe circunscreve pode ser analisada sob diversos enfoques, entre os quais, moral3, ético4 ou sistemático, considerando as limitações ao poder de tributar.
Nossa análise focará na determinação do critério material do imposto de renda, passando pelo alcance normativo do princípio do non olet e, por fim, verificar se há disponibilidade jurídica ou econômica que atraia a incidência do imposto de renda.
Em termos objetivos, a questão que nos propomos a responder é: pode o Estado impor uma tributação sobre a renda de um indivíduo que lhe entregou todo o capital proveniente da atividade ilícita seja através da pena de perdimento, seja para fazer uso de uma delação premiada?
Nesse sentido, aplicar-se-iam os efeitos penais (perdimento) e tributários (incidência do imposto sobre a renda)? A nosso ver, tal tributação seria, para dizer o mínimo, confiscatória, na medida em que teria alcançado o patrimônio do indivíduo sem que acréscimo patrimonial se tenha verificado.
2. Conceito de Renda Tributável Adotado em nosso Sistema Jurídico
O primeiro passo para se determinar se o rendimento proveniente de atos ilícitos é abrangido pelo imposto sobre a renda, é determinar quais eventos tributáveis estariam sob seu escopo5.
A expressão “renda” é um vocábulo plurissemântico, podendo ser utilizado em muitos sentidos, a depender do interlocutor e do contexto em que é utilizada6. A contabilidade pode atribuir um sentido diverso daquele atribuído pela administração, que de sua parte pode atribuir um conceito diverso do jurídico e assim sucessivamente7.
Inúmeras teorias foram desenvolvidas a fim de estabelecer o conceito de renda tributável8, entre as quais podemos citar, entre outras: (a) renda psíquica; (b) renda consumo; (c) renda produto (teoria da fonte); (d) renda acréscimo; e (e) legalista.
A teoria da renda psíquica adota como pressuposto as sensações prazerosas que os indivíduos revelam no consumo9. Seus adeptos a fundam na premissa de que o Estado proporciona bem-estar ao indivíduo, e este, por sua vez, deve contribuir aos cofres públicos proporcionalmente para que aquele possa desenvolver suas atividades10.
Enquanto muitos economistas importantes abraçaram a teoria da renda psíquica11, outros, de outro lado, emprestaram suas bases para propor uma teoria que mensurasse a renda a partir do consumo12.
Irving Fisher, por exemplo, define a renda de um indivíduo como o total de serviços que lhe são prestados a partir de sua propriedade13, partindo desta definição o autor desenvolve sua teoria que, apesar de ter como pilar o consumo, reflete em última análise uma teoria psíquica de renda14-15.
Segundo Polizelli, os conceitos de renda fundados em atributos do consumo cumpririam melhor os ideais de igualdade e de capacidade contributiva, frustrados, entretanto, por questões de ordem prática, como a vagueza do termo “bem-estar” e a mensuração de elementos psíquicos; tais dificuldades levaram ao desenvolvimento de teorias objetivas16, fundadas na variação de riqueza em determinado período17.
Entre as teorias que definem a renda a partir da ótica da produção18 se enquadrariam a da fonte (ou renda-produto) e a do acréscimo patrimonial líquido (ou renda-acréscimo).
Segundo a teoria da renda-produto, o conceito de renda estaria associado a um ideal de periodicidade19, normalmente vinculado à manutenção da fonte produtora, característica à qual se acrescentou em momento posterior o elemento produtividade20. Schoueri ilustra a teoria a partir da figura de uma “árvore” (capital) da qual o “fruto” seria a renda21.
A teoria da renda-produto não ficou isenta de críticas, as principais relacionadas à sua abrangência, que não abarcaria ganhos eventuais (windfallgains) por inexistir uma fonte permanente, nem ganhos de capital que não seriam um “fruto”22.
À teoria da renda-produto se opôs a teoria da renda-acréscimo, segundo a qual aquilo que pode se chamar de renda surgiria a partir da comparação da situação patrimonial em dois momentos distintos23.
As teorias do acréscimo patrimonial líquido foram evoluindo, complementando-se e aperfeiçoando-se até finalmente chegar ao modelo Schanz-Haig-Simons (SHS)24-25, reputado por Holmes como aquele que melhor mediria a capacidade contributiva de um indivíduo e que poderia ser implementado na prática26.
Segundo o modelo Schanz-Haig-Simons, “renda” corresponderia ao acréscimo líquido de riqueza, adicionado da renda imputada e dos gastos com consumo em determinado período27.
Como recorda Schoueri, mesmo a teoria da renda-acréscimo não restou isenta de críticas: em sua concepção inicial, aquela falhava em explicar a possibilidade de o contribuinte gastar tudo o que tenha auferido durante o período em análise, crítica posteriormente solucionada quando da formação do modelo SHS.
Outra crítica direcionada ao modelo aponta que este falharia em explicar a tributação exclusiva na fonte, dado que não seria possível mensurar o acréscimo patrimonial do não residente28-29.
Conhecidas as principais teorias econômicas que tentaram definir o conceito de renda, bem como expostas as críticas a estas, importa lembrar que para fins de tributação é necessário delimitar qual o conceito de renda aceito pelo sistema jurídico30, pois, ainda que dentro de um dos conceitos econômicos, e percebemos como eles podem ser abrangentes, não poderia a Administração Tributária pretender alcançar manifestações de capacidade contributiva não previstas pela lei31, em respeito ao princípio da legalidade adotado expressamente no art. 150, I32, da Constituição Federal.
A Constituição Federal, em seu art. 153, III, prevê genericamente que a União pode instituir impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza, mantendo a expressão já consagrada no Código Tributário Nacional de 196633.
Muitos autores sustentam a existência de um conceito constitucional de renda que delimitaria o campo de discricionariedade do legislador34, enquanto outros, fundados na teoria tipológica, entendem que não caberia à Constituição definir com precisão os limites da tributação35, tarefa que seria incumbida à lei complementar36-37.
Interessante a posição de Humberto Ávila, que constrói um conceito constitucional de renda a partir “dos princípios fundamentais e gerais; das regras de competência (...); das normas que delimitam a hipótese material de incidência do imposto sobre a renda”38.
A interpretação dos dispositivos constitucionais leva o consagrado autor a definir renda: “produto líquido (receitas menos as despesas necessárias à manutenção da fonte produtora ou da existência digna do contribuinte) calculado durante o período de um ano”39.
Embora a interpretação do autor seja bem fundamentada, não concordamos que leve impreterivelmente a um conceito de renda delimitado tal como apresentado, pois: (a) a construção a partir dos princípios e postulados40 aplica-se a tributos em geral, não somente ao imposto sobre a renda; e (b) a delimitação por meio de regras de competência41 não conduz a um conceito diretamente, também podendo ser associada a um tipo.
Nesse ponto, desde logo firmamos nosso posicionamento contrário à existência de um conceito constitucional de renda, concordando com Polizelli42 e Schoueri43. Admitimos, entretanto, que tal distinção tende a desaparecer e não acarretar efeitos práticos na medida em que a doutrina constitucionalista passa a sustentar a possibilidade de conceitos firmados na Constituição sofrerem uma “mutação”44 e adaptar-se a uma nova realidade socioeconômica45.
Além disso, mesmo os defensores da doutrina tipológica não ousariam afirmar que não há limites na Constituição Federal que devam ser respeitados pelo legislador complementar quando da definição do fato gerador do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza46.
Ainda que não concordemos com a conclusão de Ávila pela existência de um conceito constitucional de renda, concordamos com a análise do autor em relação aos limites que a Constituição impõe ao legislador, desta forma o conceito de renda a ser definido pelo legislador complementar47 deve ser estabelecido tendo como limite inferior o mínimo existencial e como limite superior o princípio do não confisco48.
A definição de mínimo existencial em um país sob a égide de uma Constituição dirigente (ou programática) deve ser buscada no próprio rol de direitos e garantias ali estabelecidos49, bem como na qualidade de vida média de seus cidadãos50.
O não confisco, por sua vez, é um limite não determinado a priori, mas determinável a partir das circunstâncias do caso concreto51: em alguns países, diferentemente do Brasil, optou-se pela adoção de limites quantitativos52.
Dentro deste parâmetro, o Código Tributário Nacional delimitou o fato gerador do imposto de renda como53:
“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.”
Parcela da doutrina nacional, bem como a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tende a sustentar uma pacificação no sentido de que a renda sempre compreenderia um acréscimo54.
Schoueri critica tal raciocínio, adotando a posição de A. J. Costa, segundo o qual o Código Tributário Brasileiro, em seu art. 43, teria contemplado ambas as teorias, a da fonte, em seu inciso I, e a do acréscimo patrimonial, em seu inciso II55. Explica o professor paulista:
“Tal entendimento, conquanto encontre respaldo em doutrina de peso, não parece mandatório. É verdade que o inciso II se refere a acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior, o que pressupõe que o inciso I também inclua acréscimos patrimoniais. Entretanto, não está dito que o inciso I compreende apenas os casos de acréscimos patrimoniais. Aquele inciso versa sobre a renda-produto, que pode, ou não, resultar em acréscimos patrimoniais. O inciso II, por sua vez, versa sobre acréscimos patrimoniais apenas.”56
Importante ressaltar que a adoção de tais critérios na conformação do aspecto material do imposto sobre a renda seria excludente das teorias da renda psíquica e da renda consumo57.
Ressalta-se que não é a mera existência de uma riqueza que disparará a incidência do imposto sobre a renda, mas sim a aquisição de sua disponibilidade jurídica ou econômica.
A “disponibilidade”, segundo Mariz de Oliveira, corresponde à faculdade de o indivíduo dispor, ou melhor, de “alienar o objeto do direito em que a renda se constitui”58. A expressão “econômica ou jurídica”, porém, foi objeto de grandes estudiosos do direito tributário, o que levou à criação de inúmeras correntes explicativas59.
Alguns autores entendem despicienda tal distinção, entre eles Brandão Machado que, em conhecido estudo, aponta a desnecessidade de um conceito de disponibilidade econômica; partindo da premissa de que o patrimônio é composto de direitos reais e pessoais, o autor conclui que todo acréscimo de direitos estará necessariamente disponível60.
Mesmo entre os autores que defendem uma diferenciação entre os termos disponibilidade jurídica e disponibilidade econômica não há um consenso sobre que critério deveria ser utilizado.
São os critérios já utilizados: (a) licitude ou ilicitude da origem da renda61; (b) posse e propriedade62; (c) realização e separação (que considera o regime de caixa ou o de competência63).
Particularmente nós nos alinhavamos com a teoria adotada por Polizelli, segundo a qual a disponibilidade jurídica equivaleria a renda adquirida, mas ainda não percebida (accrual basis regime); enquanto a disponibilidade econômica equivaleria a renda efetivamente percebida (cash basis regime)64.
Entretanto, parece-nos pertinente a crítica levantada por Schoueri, para quem o legislador teria dispensado tais elucubrações doutrinárias: para fins de tributação importa a existência de uma disponibilidade, seja jurídica, seja econômica65.
O exposto até aqui nos permitiria concluir que renda tributável no ordenamento jurídico brasileiro é a variação patrimonial positiva verificada dentro de um período de tempo determinado pela legislação, que se manifesta entre o atendimento das necessidades vitais mínimas e a proibição ao efeito de confisco.
3. Tributação de Rendas Derivadas de Atos Ilícitos
No Brasil, a possibilidade ou não de tributação de rendimentos provenientes de atos ilícitos ou inválidos é tema de debates doutrinários anteriores à promulgação do Código Tributário Nacional e que até hoje ainda não se pacificou66-67.
Esta não é uma preocupação que se circunscreve à realidade brasileira. Cucci elencou as principais teses favoráveis e contrárias em torno do tema, considerando autores espanhóis, italianos, alemães, brasileiros e argentinos68.
A primeira e a segunda tese fundam-se, do nosso ponto de vista, em princípios quase indissociáveis, quais sejam a capacidade contributiva e o princípio da igualdade69. Assim, a possibilidade da sujeição ao imposto de renda se justificaria em virtude da capacidade econômica. Nessa linha estariam incluídos Rubens Gomes de Souza70 e Amílcar de Araújo Falcão71.
Ricardo Lobo Torres, na mesma linha dos consagrados autores, sustenta que a tributação de tais rendimentos é mandatória, já que outra posição ofenderia o princípio da capacidade contributiva e, em última instância, um princípio de justiça72.
A terceira tese a favor da tributação, segundo Cucci, fundamentar-se-ia na ideia de que o legislador tributário poderia selecionar livremente os atos que conformariam o critério material do imposto, considerando a autonomia do direito tributário, que poderia atribuir efeitos diversos daqueles determinados por outras áreas do ordenamento jurídico73.
Entendemos que tal posicionamento não receberia guarida no Ordenamento Jurídico Brasileiro pelo que expusemos alhures acerca do conceito de renda tributável. Apesar de dispor de grande margem, o legislador deve respeitar as fronteiras tracejadas pela Constituição Federal.
Importante notar que na doutrina e na jurisprudência acabou-se consagrando o princípio do pecunia non olet (dinheiro não fede) como base para a tributação de tais rendimentos74, fundamentado na interpretação conjunta do art. 3 com o art. 118, ambos do CTN75.
Schoueri recorda que o Ministro Moreira Alves, ao analisar os artigos nos autos do Recurso Extraordinário n. 94.001, de sua relatoria, teria afirmado que o “inciso I do art. 118 (...) permite que se enquadre na previsão legal tributária a atividade nela prevista sem se levar em conta sua licitude ou sua ilicitude, irrelevância esta que afasta a ideia de sanção de ato ilícito”76.
Interessante a crítica de Becho ao desvirtuamento das palavras de Vespasiano: para o autor, da tributação sobre o uso de latrinas públicas à justificativa para a tributação de rendimentos derivados de atos ilícitos há um salto argumentativo muito grande, ilustrando verdadeiro exemplo de má técnica argumentativa77.
Nesse ponto concordamos com o autor, a evocação de tal princípio para o debate não se faz necessária, a tributação de tais rendimentos está muito mais associada às opções do legislador e às próprias bases do sistema jurídico, como veremos.
As teses contrárias à tributação ora estudada também possuem diversos fundamentos, entre eles a ideia de que ao tributar tais rendimentos o Estado estaria sendo cúmplice em alguma medida de tais atividades ilícitas.
Tratando da matéria antes da promulgação do Código Tributário Nacional em 1966, Becker concluía que a regra jurídica tributária escolheria implicitamente para a conformação de sua hipótese de incidência um fato jurídico lícito78.
Contundente a posição de Mary Elbe Queiroz, para quem a tributação destes rendimentos representaria a “concordância do Estado e a permissão para que ele se beneficiasse e se locupletasse de uma parte a título de imposto, do valor oriundo de atividades criminosas por ele conhecidas” e que melhor seria o perdimento de tais bens em consonância com a legislação penal79.
Não nos parece totalmente correta visão da autora, pois pressupõe que o Estado sempre conhece a origem ilícita do rendimento, assertiva que pode ser contraditada em muitos casos.
Dentre os argumentos contrários à tributação encontramos ainda o da interpretação sistemática do ordenamento jurídico, seja pela coerência do sistema, seja pela incompatibilidade entre as medidas repressivas. Segundo esta última, o non bis in idem excluiria de plano a possibilidade de surgir a obrigação tributária onde prevista a sanção penal80.
Segundo a tese que preza pela coerência do sistema, se um determinado setor do direito priva determinada atividade de efeitos jurídicos, não seria possível que outro setor o estabeleça como fonte de direitos e obrigações, o que atentaria contra a coerência sistêmica81.
Nesta última corrente parece se posicionar Misabel Derzi: segundo a autora, o critério de discriminação entre as situações sujeitas à tributação e as sujeitas ao perdimento é a comprovação do crime, a partir do que se colocariam “alternativas excludentes, ou a origem dos recursos é lícita, cobrando-se em consequência o tributo devido e sonegado por meio da execução fiscal, ou é ilícita sendo cabível o perdimento dos bens e recursos, fruto da infração”82.
No mesmo sentido, após erudito levantamento da doutrina e da jurisprudência, Becho chama a “atenção para a inexistência de legislação que preveja a tributação do produto de crime antes do confisco federal”83.
Tal posicionamento recebeu as críticas de Schoueri, para quem enquanto não se concretizasse a pena de perdimento, haveria sim manifestação de riqueza apta a atrair a incidência do imposto sobre a renda, do que conclui que os argumentos levantados por Misabel Derzi e Becho não seriam definitivos84.
Segundo Cucci, em meio a teses favoráveis e contrárias surgiu uma corrente intermediária que, conjugando os argumentos expostos, verificou que (a) existe uma ampla gama de matizes que não permitiriam uma solução geral aplicável a todos os casos; (b) o caráter ilícito não excluiria por si a possibilidade de tributação nos casos em que se verificasse a manifestação de capacidade econômica; e (c) não existe o dever de tributar nos casos em que o ordenamento determine uma consequência jurídica que acarrete na ausência da capacidade econômica85.
Nessa linha parecem se incluir Gutierrez e Cunha, que defendem a tributação de tais rendimentos na medida em que se verificassem acréscimos patrimoniais, pois do contrário estar-se-ia ofendendo os princípios da isonomia e da capacidade contributiva. Entretanto:
“Naquelas hipóteses em que o produto do crime é perdido em favor da União ou de terceiro, como efeito da condenação, não há como aceitar a tributação, em face da inexistência de objeto tributável. De fato, se a lei determina, como efeito da condenação, a perda do produto e proveito do crime, não pode o condenado ser obrigado a suportar uma tributação sobre aquilo que perdeu, pois não houve acréscimo patrimonial no caso, justamente em virtude do confisco.”86
Conhecida a divergência doutrinária, passamos à construção de nosso posicionamento.
4. Nossa Posição
Partimos aqui da tese proposta por Becho e Derzi, segundo a qual os rendimentos provenientes de atos ilícitos deveriam ser submetidos à pena de perdimento, sem espaço para tributação, para verificar se não existe mesmo no ordenamento previsão para esta.
Primeiramente, cumpre ressaltar que compreendemos o direito penal, como o faz Coelho, de um lado como um instrumento necessário de controle da sociedade, e de outro como garantia de direitos.
“(...) tal intervenção, embora necessária, não pode ser arbitrária e ilimitada. Neste sentido, é imprescindível que haja restrições à atuação estatal, de maneira que o Estado deva pautar sua atuação sobre a liberdade dos indivíduos em critérios de atuação que assegurem os direitos básicos de cada sujeito quando submetido à ação punitiva estatal – e, potencialmente, assegure os direitos de todos os indivíduos, como possíveis vítimas de qualquer arbitrariedade futura.”87
Por tal motivo, a Constituição Federal, em seu art. 5º, XLVI, estabelece que a lei regulará a individualização da pena, propondo entre outras alternativas a perda de bens. No mesmo artigo, agora em seu inciso LIV, prevê que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
Ainda no art. 5º, o inciso LV garante a ampla defesa e o contraditório, enquanto o inciso LVII, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Os princípios da presunção da inocência, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, bem como a presunção da inocência, pilares do direito penal, não permitiriam ao Estado pressupor a origem ilícita e, consequentemente, operar o perdimento dos bens a priori.
Ou seja, nosso sistema penal, com acerto, acarreta na passagem de certo tempo entre a identificação do ilícito e a efetiva condenação à pena de perdimento, como apontado por Schoueri alhures.
Assim, entendemos que não há impedimento para a tributação de rendimentos provenientes de atos ilícitos enquanto o Estado desconhece a origem ilícita, e mesmo durante o tempo em que transcorre o processo penal, em atendimento aos princípios da universalidade, da capacidade contributiva e da igualdade, que regem a tributação sobre a renda.
Descoberta sua origem, porém, cabe ao Estado ativar os meios legais hábeis a concluir o processo de perdimento, momento em que o indivíduo condenado deixaria de manifestar capacidade contributiva, já que não haveria acréscimo patrimonial e a incidência do imposto passaria a afetar seu patrimônio. Em outras palavras, estaria incidindo sobre signo diverso de renda, tal como conceituamos acima.
Assim, não só é possível a tributação de tais rendimentos, como nos casos em que o pagamento foi realizado indevidamente, o contribuinte teria direito à sua restituição.
Concordamos, portanto, com Machado, quando este afirma que “(c)onsumada a desconstituição do fato gerador, deixa de ser devido o tributo. Se já recolhido, o contribuinte tem direito à respectiva restituição.”88 O autor esclarece sua assertiva:
“Se alguém importa mercadoria proibida, mas a importação é consumada, constatado o fato é devido o imposto de importação. A autoridade da Administração Tributária pode cobrar o imposto e não tomar conhecimento da ilicitude, que o importador não poderá alegar como excludente da obrigação tributária. Entretanto, se prefere fazer valer a proibição de importar aquela mercadoria e impõe ao importador a pena de perdimento do bem, o imposto não será devido porque o fato, em sua objetividade, não subsistiu. Não produziu, na realidade econômica, o efeito que lhe é próprio, vale dizer, a integração daquela mercadoria na economia nacional. Por isto mesmo as autoridades da Administração Tributária, acertadamente, não cobram os impostos que seriam devidos pela importação de mercadorias nos casos de contrabando, ou descaminho. Decretam o perdimento da mercadoria e os impostos somente serão cobrados se e quando arrematadas em leilão promovido pela Fazenda.”89
Correta a conclusão, pois, como explica Schoueri, ao tratar da restituição prevista no art. 165 do CTN90, “o direito à restituição do tributo indevido guarda relação com a própria natureza de tributo, enquanto algo que é exigido por lei e nos termos desta. Se não é devido, o sujeito passivo pode ter a quantia restituída, já que de tributo não se trata.”91
Além disso, “não pode a Fazenda Pública, com fundamento na eficiência arrecadatória, cobrar o que reconhecidamente não é devido, deixar de devolver ou cobrar daquele que não é o devedor”92.
Pois, atrelada ao princípio da legalidade, não poderia buscar créditos tributários quando não satisfeitas as exigências legais para sua cobrança. Em se tratando de imposto sobre a renda, não havendo acréscimo patrimonial não há que se falar em sua incidência.
Respondendo a questão proposta, quando há a condenação do réu a uma pena de perdimento, nos termos da legislação penal, ou no caso de devolução para fins de se aproveitar o benefício de uma delação premiada, assumindo que o sujeito devolveu todo o valor atualizado e seus rendimentos, não há espaço para a tributação pelo imposto sobre a renda, como sugerem certos autores.
5. Conclusão
De todo o exposto conclui-se que:
I) A Constituição Federal não contempla um conceito de renda, mas impõe limites ao legislador para sua conformação;
II) O Código Tributário Nacional, em seu art. 43, encampou as teorias da renda-produto e da renda-acréscimo, desde que adquirida a disponibilidade da renda;
III) Renda tributável é a variação patrimonial positiva verificada dentro de um período de tempo determinado pela legislação, que se manifesta após o atendimento das necessidades vitais mínimas e que não configure confisco;
IV) Os rendimentos derivados de atos ilícitos são tributáveis enquanto não há uma condenação definitiva por juiz competente e respeitados os princípios fundamentais do direito penal;
V) Em caso de pagamento de tributo e posterior confisco do bem ou de seus rendimentos, o contribuinte poderia pedir a sua restituição.
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1 Artigo resultado do período do autor como Pesquisador junto ao Instituto Brasileiro de Direito Tributário durante o ano de 2015, ao qual deixamos nossos agradecimentos pela grande oportunidade nas pessoas de seus diretores: Ricardo Mariz de Oliveira, João Francisco Bianco, Luís Eduardo Schoueri, Fernando Aurelio Zilveti, Gerd Rothmann e Salvador Candido Brandão.
2 MAGRO, Maíra; e SIMÃO, Edna. “Receita decide tributar dinheiro devolvido por delatores da Lava-Jato”. Valor econômico. Política. 30 de novembro de 2015. Disponível em http://www.valor.com.br/politica/4334970/receita-decide-tributar-dinheiro-devolvido-por-delatores-da-lava-jato.
3 Ives Gandra da Silva Martins entende que o Estado se beneficiar do produto da delinquência afrontaria o princípio da moralidade pública (“O princípio da moralidade pública e o fato gerador do imposto sobre a renda”. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Imposto de renda. Conceitos, princípios e comentários. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1996, p. 10).
4 Poder-se-ia questionar se o Estado se manter à custa dos frutos de uma atividade ilícita não constituiria uma certa cumplicidade que afrontaria a própria ideia de Estado de Direito (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 156). Em sentido contrário, Baleeiro sustentava que do ponto de vista moral, seria pior deixar os que praticam atividades ilícitas “imunes dos tributos exigidos das atividades lícitas, úteis e eticamente acolhidas” (Direito tributário brasileiro. 13ª ed., revista, atualizada e ampliada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 1.112).
5 SCHOUERI lembra que “não se trata de uma questão irrelevante, já que, pela rígida repartição de competências adotada em nosso sistema constitucional, a União não pode ultrapassar a esfera que lhe foi assegurada constitucionalmente, pretendendo tributar fenômeno que não revele a existência de renda” (“O mito do lucro real na passagem da disponibilidade jurídica para a disponibilidade econômica”. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; e LOPES, Alexsandro Broedel (coords.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010, p. 242).
6 HOLMES, Kevin. The concept of income – a multi-disciplinary analysis. Amsterdã: IBFD, 2001, p. 36.
7 Nesse sentido, RICHARDSON, Ivor. “The concept of income and tax policy”. Canterbury Law Review v. 4, 1990, p. 204.
8 POLIZELLI, Victor Borges. “O princípio da realização da renda. Reconhecimento de receitas e despesas para fins de IRPJ”. Série Doutrina tributária v. VII. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 62.
9 HOLMES, Kevin. The concept of income – a multi-disciplinary analysis. Cit. (nota 6, supra), p. 36.
10 POLIZELLI, Victor Borges. “O princípio da realização da renda. Reconhecimento de receitas e despesas para fins de IRPJ”. Cit. (nota 8, supra), p. 67.
11 Vide HOLMES, Kevin. The concept of income – a multi-disciplinary analysis. Cit. (nota 6, supra), pp. 36 e seguintes.
12 POLIZELLI, Victor Borges. “O princípio da realização da renda. Reconhecimento de receitas e despesas para fins de IRPJ”. Cit. (nota 8, supra), p. 69.
13 The nature of capital and income. Nova York: Macmillan Company, 1919, p. 101.
14 FISHERM, Irving. The nature of capital and income. Cit. (nota 13, supra), pp. 177-178. Sobre o desenvolvimento da teoria de Fisher ver HOLMES, Kevin. The concept of income – a multi-disciplinary analysis. Cit. (nota 6, supra), pp. 38-41.
15 Teoria incluída entre as teorias da fonte por Rubens Gomes de Souza (“A evolução do conceito de rendimento tributável”. Revista de Direito Público v. 14. Outubro/dezembro de 1970, p. 340).
16 POLIZELLI, Victor Borges. “O princípio da realização da renda. Reconhecimento de receitas e despesas para fins de IRPJ”. Cit. (nota 8, supra), pp. 66-67.
17 HOLMES, Kevin. The concept of income – a multi-disciplinary analysis. Cit. (nota 6, supra), pp. 55-56.
18 POLIZELLI, Victor Borges. “O princípio da realização da renda. Reconhecimento de receitas e despesas para fins de IRPJ”. Cit. (nota 8, supra), p. 73.
19 Os defensores da teoria entendem que a periodicidade está atrelada à capacidade do rendimento se repetir no tempo. Rubens Gomes de Souza ensinava, entretanto, que a periodicidade é o elemento mais frágil da definição de renda tal como proposta (SOUZA, Rubens Gomes de. “A evolução do conceito de rendimento tributável”. Revista de Direito Público v. 14. Outubro/dezembro de 1970, p. 341).
20 SCHOUERI, Luís Eduardo. “O mito do lucro real na passagem da disponibilidade jurídica para a disponibilidade econômica”. Cit. (nota 5, supra), p. 243.
21 SCHOUERI, Luís Eduardo. “O conceito de renda e o artigo 43 do Código Tributário Nacional: entre a disponibilidade econômica e a disponibilidade jurídica”. In: ELALI, André; ZARANZA, Evandro; e SANTOS, Kallina Flôr. Direito corporativo – temas atuais – 10 anos André Elali Advogados. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 344.
22 SCHOUERI, Luís Eduardo. “O conceito de renda e o artigo 43 do Código Tributário Nacional: entre a disponibilidade econômica e a disponibilidade jurídica”. Cit. (nota 21, supra), p. 344.
23 SCHOUERI, Luís Eduardo. “O conceito de renda e o artigo 43 do Código Tributário Nacional: entre a disponibilidade econômica e a disponibilidade jurídica”. Cit. (nota 21, supra), p. 344.
24 A análise individual das teorias pode ser lida em HOLMES, Kevin. The concept of income – a multi-disciplinary analysis. Cit. (nota 6, supra); WUELLER, Paul H. “Concepts of taxable income I – the German contribution”. Political Science Quarterly v. 53, n. 1. Março de 1938, pp. 83-110; WUELLER, Paul H. “Concepts of taxable income II – the American contribution”. Political Science Quarterly v. 53, n. 4. Dezembro de 1938, pp. 557-583; BELSUNCE, Horácio A. García. El concepto de crédito en la doctrina y en el derecho tributario. Buenos Aires: Depalma, 1967; POLIZELLI, Victor Borges. “O princípio da realização da renda. Reconhecimento de receitas e despesas para fins de IRPJ”. Cit. (nota 8, supra).
25 Alguns autores referem-se ao modelo apenas como Haig-Simons (DODGE, Joseph M. “Deconstructing the Haig-Simons income tax and reconstructing it as objective ability-to-pay ‘cash income’ tax”. FSU College of Law, Public Law Research Paper n. 633. Abril de 2013. Disponível em http://ssrn.com/abstract=2245818 ou http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2245818).
26 HOLMES, Kevin. The concept of income – a multi-disciplinary analysis. Cit. (nota 6, supra), p. 36.
27 HOLMES, Kevin. The concept of income – a multi-disciplinary analysis. Cit. (nota 6, supra), pp. 35-36.
28 SCHOUERI, Luís Eduardo. “O conceito de renda e o artigo 43 do Código Tributário Nacional: entre a disponibilidade econômica e a disponibilidade jurídica”. Cit. (nota 21, supra), p. 344.
29 Outras teorias foram produzidas na tentativa de explicar o conceito de renda, porém tiveram menor repercussão seja na doutrina, seja na prática legislativa ou jurisprudencial, razão pela qual não nos deteremos em cada uma dessas teorias. Para maiores informações consulte as obras apresentadas na nota de rodapé n. 24.
30 Nesse sentido, Schoueri ensina que “não é renda tudo o que a lei disser; ao contrário, dentro do conceito econômico, será renda o fenômeno descrito pelo legislador. A lei restringe-se, portanto, ao conceito econômico; o limite do conceito legal de renda é o econômico. Ainda assim, nem toda renda econômica o será juridicamente, se não for reconhecida pelo legislador.” (“O mito do lucro real na passagem da disponibilidade jurídica para a disponibilidade econômica”. Cit. (nota 5, supra), p. 244)
31 SCHOUERI, Luís Eduardo. “O mito do lucro real na passagem da disponibilidade jurídica para a disponibilidade econômica”. Cit. (nota 5, supra), p. 244.
32 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.”
33 Curioso verificar que A. J. Costa relata que a Comissão responsável pela reforma do Código Tributário Nacional, em revisão realizada em 1965, propôs a exclusão da expressão “proventos de qualquer natureza”, por entender que o conceito de “renda”, à época, seria suficientemente amplo para abranger todos os acréscimos patrimoniais decorrentes do trabalho, do capital ou da combinação de ambos (“Conceito de renda tributável”. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Imposto de renda. Conceitos, princípios e comentários. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1996, p. 29).
34 Ver as referências em POLIZELLI, Victor Borges. “O princípio da realização da renda. Reconhecimento de receitas e despesas para fins de IRPJ”. Cit. (nota 8, supra), pp. 134-139.
35 SCHOUERI, Luís Eduardo. “O conceito de renda e o artigo 43 do Código Tributário Nacional: entre a disponibilidade econômica e a disponibilidade jurídica”. Cit. (nota 21, supra), p. 347.
36 “Art. 146. Cabe à lei complementar: III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.”
37 Um estudo mais aprofundado acerca da oposição entre tipos e conceitos pode ser encontrado em MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. Competência tributária: entre a rigidez do sistema e a atualização interpretativa. São Paulo: Malheiros, 2014, pp. 67 e seguintes.
38 ÁVILA, Humberto. Conceito de renda e compensação de prejuízos fiscais. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 15-16.
39 ÁVILA, Humberto. Conceito de renda e compensação de prejuízos fiscais. Cit. (nota 38, supra), p. 34.
40 ÁVILA, Humberto. Conceito de renda e compensação de prejuízos fiscais. Cit. (nota 38, supra), pp. 16-31.
41 ÁVILA, Humberto. Conceito de renda e compensação de prejuízos fiscais. Cit. (nota 38, supra), pp. 32-34.
42 POLIZELLI, Victor Borges. “O princípio da realização da renda. Reconhecimento de receitas e despesas para fins de IRPJ”. Cit. (nota 8, supra), p. 146.
43 SCHOUERI, Luís Eduardo. “O conceito de renda e o artigo 43 do Código Tributário Nacional: entre a disponibilidade econômica e a disponibilidade jurídica”. Cit. (nota 21, supra), p. 356.
44 A mutação constitucional é transformação de sentido do enunciado da Constituição sem que o próprio texto seja alterado em sua redação, vale dizer, na sua dimensão constitucional textual (GRAU, Eros Roberto. “Atualização da Constituição e mutação constitucional (art. 52, X da Constituição)”. Revista Acadêmica da Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região n. 1. Junho/agosto de 2009, p. 66).
45 “[A] Constituição não pode se tornar um ‘pacto de suicídio’, ou seja, não pode impedir a promoção de transformações interpretativas que decorrem da reconfiguração da identidade da comunidade política” (CLÈVE, Clèmerson Merlin; e LORENZETTO, Bruno Meneses. “Mutação constitucional e segurança jurídica: entre mudança e permanência”. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD) v. 7, n. 2. Maio/agosto de 2015, p. 136).
46 SCHOUERI, Luís Eduardo. “O conceito de renda e o artigo 43 do Código Tributário Nacional: entre a disponibilidade econômica e a disponibilidade jurídica”. Cit. (nota 21, supra), p. 347.
47 BIANCO, João Francisco. “Natureza jurídica do resultado de avaliação do investimento relevante por equivalência patrimonial”. Revista Direito Tributário Atual v. 20. São Paulo: Dialética e IBDT, 2006, p. 91.
48 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: IV – utilizar tributo com efeito de confisco.”
49 Nesse sentido, F. A. Zilveti ensina que “[o] que vem a ser o mínimo existencial depende de haver um consenso entre o Fisco e o contribuinte de modo que o imposto não tolha direitos fundamentais do cidadão, como alimentação, saúde, educação, habitação, exercício profissional etc.” (“Capacidade contributiva e mínimo existencial”. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; e ZILVETI, Fernando Aurelio (coords.). Direito tributário – estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 44)
50 Aqui concordamos com as conclusões de Zilveti, segundo o qual, o mínimo existencial seria calculado em conformidade com os custos básicos para a sobrevivência digna do cidadão, podendo variar no tempo e no espaço (“Capacidade contributiva e mínimo existencial”. Cit. (nota 49, supra), p. 46).
51 A análise da evolução do princípio do não confisco na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pode ser verificada em SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. Cit. (nota 4, supra), pp. 355-359.
52 Caso da Argentina, onde a Corte Constitucional adotou o percentual de 33% como parâmetro a ser aplicado na tributação sobre heranças ou doações; e da Alemanha, onde o confisco se configura na hipótese em que a carga tributária total do contribuinte ultrapasse 50%, é o chamado princípio da meação (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. Cit. (nota 4, supra), pp. 352-353).
53 Paulo Victor Vieira da Rocha sustenta que mesmo no Código Tributário Nacional o legislador teria se utilizado de um tipo, ainda que com menor grau de abertura (“A competência da União para tributar a renda, nos termos do art. 43 do CTN”. Revista Direito Tributário Atual v. 21. São Paulo: Dialética e IBDT, 2007, p. 296). Em sentido semelhante, Brandão Machado critica o fato de o legislador ter utilizado uma noção-quadro na definição do fato gerador do imposto sobre a renda (“Breve exame crítico do art. 43 do CTN”. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Imposto de renda. Conceitos, princípios e comentários. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1996, p. 100).
54 SILVEIRA, Ricardo Maito da. “O princípio da realização da renda no direito tributário brasileiro”. Revista Direito Tributário Atual v. 21. São Paulo: Dialética e IBDT, 2007, p. 324.
55 “Conceito de renda tributável”. Cit. (nota 33, supra), p. 30.
56 SCHOUERI, Luís Eduardo. “O conceito de renda e o artigo 43 do Código Tributário Nacional: entre a disponibilidade econômica e a disponibilidade jurídica”. Cit. (nota 21, supra), p. 349.
57 POLIZELLI, Victor Borges. “O princípio da realização da renda. Reconhecimento de receitas e despesas para fins de IRPJ”. Cit. (nota 8, supra), p. 168.
58 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 290.
59 SILVEIRA, Ricardo Maito da. “O princípio da realização da renda no direito tributário brasileiro”. Cit. (nota 54, supra), pp. 326-335. GUTIERREZ, Miguel Delgado. “Imposto de renda. Princípios da generalidade, da universalidade e da progressividade”. Série Doutrina tributária v. XI. São Paulo: Quartier Latin, 2014, pp. 60-74. LEMKE, Gisele. Imposto de renda: os conceitos de renda e de disponibilidade econômica e jurídica. São Paulo: Dialética, 1998.
60 MACHADO, Brandão. “Breve exame crítico do art. 43 do CTN”. Cit. (nota 53, supra), pp. 100-101.
61 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda. Cit. (nota 58, supra).
62 Em certa medida cogitada por Rubens Gomes de Souza, segundo MACHADO, Brandão. “Breve exame crítico do art. 43 do CTN”. Cit. (nota 53, supra), p. 104.
63 Brandão Machado aponta a inconsistência de pensamento de Rubens Gomes de Souza, que ora associava a realização ao regime de caixa, ora ao de competência (“Breve exame crítico do art. 43 do CTN”. Cit. (nota 53, supra), p. 107).
64 POLIZELLI, Victor Borges. “O princípio da realização da renda. Reconhecimento de receitas e despesas para fins de IRPJ”. Cit. (nota 8, supra), p. 185.
65 SCHOUERI, Luís Eduardo. “O mito do lucro real na passagem da disponibilidade jurídica para a disponibilidade econômica”. Cit. (nota 5, supra), p. 252.
66 O Código Tributário Nacional estabeleceu em seu art. 3º a definição de tributo como “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
67 Além do art. 3º, muitos autores fundamentam na redação do art. 118 a tributação de tais rendimentos, é o caso de Baleeiro, que ao comentá-lo consigna que “[p]ouco importa, para a sobrevivência da tributação sobre determinado ato jurídico, a circunstância de ser ilegal, imoral ou contrário aos bons costumes, ou mesmo criminoso o seu objeto, como o jogo proibido, a prostituição, o lenocínio, a corrupção, a usura, o curandeirismo, o câmbio negro etc.” (Direito tributário brasileiro. cit. (nota 4, supra), p. 1112).
68 CUCCI, Jorge Bravo. “Los actos ilícitos en el proceso formativo de la obligación tributaria del impuesto a la renta”. In: TÔRRES, Heleno Taveira (coord.). Teoria geral da obrigação tributária: estudos em homenagem ao Professor José Souto Maior Borges. São Paulo: Malheiros, 2005, pp. 359-363.
69 No mesmo sentido, ANDRADE, Paulo Roberto. Tributação de atos ilícitos e inválidos. São Paulo: Quartier Latin, 2008, pp. 135-136.
70 Para quem a lei fiscal “tributa uma determinada situação econômica (...) pouco importando as situações jurídicas em que se tenha verificado” (Compêndio de legislação tributária. São Paulo: Resenha tributária, 1975, p. 80).
71 Segundo o autor, “o aspecto que interessa considerar para a tributação é o aspecto econômico do fato gerador ou a sua aptidão a servir de índice de capacidade contributiva” (Fato gerador da obrigação tributária. 2ª ed. São Paulo: RT, 1971, p. 91).
72 Curso de direito financeiro e tributário. 16ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 102.
73 CUCCI, Jorge Bravo. “Los actos ilícitos en el proceso formativo de la obligación tributaria del impuesto a la renta”. Cit. (nota 68, supra), p. 361.
74 V. as referências em BECHO, Renato Lopes. Lições de direito tributário. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, pp. 85-87
75 “Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos; II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.”
76 Direito tributário. Cit. (nota 4, supra), p. 154.
77 Lições de direito tributário. Cit. (nota 74, supra), p. 80.
78 Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 561.
79 Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza: princípios, conceitos, regra-matriz de incidência, mínimo existencial, retenção na fonte, renda transnacional, lançamento, apreciações críticas. Barueri: Manole, 2004, p. 73.
80 CUCCI, Jorge Bravo. “Los actos ilícitos en el proceso formativo de la obligación tributaria del impuesto a la renta”. Cit. (nota 68, supra), p. 362.
81 No original: “Se sustenta en que si a unhecho, un sector del ordenamiento jurídico le priva de todo afecto (un acto jurídico con causa ilícita no produce efectos jurídicos), no resulta coherente que otro sector lo instituya como fuente de derechos y obligaciones, pues ello atentaría contra la coherencia del ordenamiento jurídico.” (CUCCI, Jorge Bravo. “Los actos ilícitos en el proceso formativo de la obligación tributaria del impuesto a la renta”. Cit. (nota 68, supra), p. 362)
82 “[E]stando comprovado o crime do qual se originaram os recursos ou o acréscimo patrimonial, seguir-se-á a apreensão ou o sequestro dos bens fruto da infração” (negritos nossos, itálico no original) (DERZI, Misabel Abreu Machado. Notas de atualização à obra de BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 13ª ed., revista, atualizada e ampliada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2015).
83 BECHO, Renato Lopes. Lições de direito tributário. Cit. (nota 74, supra), p. 99.
84 Direito tributário. Cit. (nota 4, supra), p. 158.
85 CUCCI, Jorge Bravo. “Los actos ilícitos en el proceso formativo de la obligación tributaria del impuesto a la renta”. Cit. (nota 68, supra), pp. 362-363).
86 GUTIERREZ, Miguel Delgado; e CUNHA, Arlindo Felipe da. “A tributação de atos ilícitos e inválidos pelo imposto de renda”. In: PINTO, Felipe Chiarello de Souza; PASIN, João Bosco Coelho; e SIQUEIRA NETO, José Francisco. Direito, economia e política: Ives Gandra, 80 anos do humanista. São Paulo: IASP, 2015, pp. 766-768.
87 COELHO, Edihermes Marques. “Apontamentos históricos sobre o direito penal e suas funções. Revista de l’Institut Universitari d’Investigació en Criminologia i Ciències Penals de la UV (ReCrim) n. 9, 2013, pp. 65-65.
88 Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 164.
89 “A tributação dos fatos ilícitos”. Disponível em http://www.hugomachado.adv.br/. Acesso em 15.1.2016.
90 “Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos: I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido; II – erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento; III – reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.”
91 Direito tributário. Cit. (nota 4, supra), p. 655.
92 DIAS, Karem Jureidini. “Fazenda Pública e Secretaria do Tesouro Nacional”. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; e NASCIMENTO, Carlos Valder do (orgs.). Tratado de Direito Financeiro. V. 1 São Paulo: Saraiva, 2013, p. 213.