Anterioridade Tributária Material na Constituição Federal de 1988: das Regras ao Princípio Jurídico
Material Prior Taxation in CF/1988: from Rules to Legal Principle
Cassiano Menke
Doutor e Mestre em Direito Tributário pela UFRGS. Advogado (Rio Grande do Sul).
E-mail: menke@via-rs.net.
Resumo
O presente artigo tem a finalidade de demonstrar que a anterioridade tributária foi estabelecida pela Constituição Federal de 1988 em, pelo menos, duas qualidades normativas: regra e princípio jurídico. As regras jurídicas da anterioridade são estabelecidas a partir da consideração de critérios formais referentes à verificação de um interstício de tempo entre a data da publicação da lei e o início da sua eficácia. Contudo, demonstra-se que o Sistema Constitucional Tributário estruturado com base na CF/1988 reforçou a proteção do contribuinte em face das mudanças normativas gravosas à sua liberdade e à sua propriedade. Ele instituiu o princípio da anterioridade. Trata-se de norma jurídica implícita à CF/1988. Sua reconstrução se dá por meio da combinação material argumentativamente estruturada com as normas constitucionais que a fundamentam (Estado de Direito, segurança jurídica, dignidade humana, liberdade e propriedade). Tal norma diz respeito, essencialmente, à capacidade de o indivíduo exercer planejadamente sua liberdade e sua propriedade na transição do presente para o futuro. Demonstra-se que o âmbito de aplicação do referido princípio contempla os casos não cobertos pelas regras da anterioridade. Contempla, também, as situações nas quais, embora respeitados os prazos delimitados pelas regras a respeito do tema, não há proteção efetiva do exercício planejado da liberdade do contribuinte.
Palavras-chave: anterioridade tributária, direitos fundamentais, segurança jurídica, conteúdo.
Abstract
This article intends to demonstrate that the prior taxation was established by the Federal Constitution/1988 in at least two normative qualities: rule and legal principle. The legal rules of prior taxation are established from the consideration of formal criteria related to the verification of a time interstice between the publication date of the law and the start of its effectiveness. However, it is shown that the Constitutional Tax System with its structure based on the Federal Constitution/88 reinforced the protection of taxpayers due to burdensome regulatory changes to their freedom and their property. It established the anteriority principle. It is implicit rule of law to the Federal Constitution/1988. Its reconstruction is through the arguably material combination structured with the constitutional norms that grounded it (Rule of Law, legal certainty, human dignity, liberty and property). This norm applies primarily to the capacity of the individual to exercise, in a planned manner, their freedom and their property in the transition from the present to the future. It is shown that the enforcement of that principle contemplates cases not covered by the rules of prior taxation. It also includes the situations in which, while respecting the deadlines defined by the rules on the subject, there is no effective protection of the planned exercise of the taxpayer’s freedom.
Keywords: prior taxation, fundamental rights, legal certainty, content.
Introdução
A anterioridade tributária envolve um problema fundamentalmente de exercício orientado e planejado da liberdade na transição do presente para o futuro. Trata da capacidade do contribuinte de conhecer antecipadamente as mudanças normativas que serão implementadas no ordenamento jurídico e que implicarão gravosidade à sua liberdade e à sua propriedade comparativamente ao regramento modificado. Visa a promover um estado de calculabilidade com relação aos efeitos jurídicos futuros conectados aos atos de disposição de direitos fundamentais praticados no presente. Proíbe, nesse contexto, que as mudanças do Direito sejam realizadas bruscamente.
A CF/1988 estabeleceu expressamente a anterioridade tributária por meio de três enunciados normativos. O primeiro deles refere-se à anterioridade de exercício financeiro e é estabelecido pelo art. 150, III, b. Segundo esse dispositivo, é vedado ao Poder Público “cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou majorou”. De acordo com a regra reconstruída com base em tal enunciado normativo, a CF/1988 exige que a lei gravosa ao contribuinte, para ser aplicável em determinado exercício, tenha sua publicação realizada até o dia 31 de dezembro do ano anterior. Já o segundo e o terceiro enunciados dizem respeito à chamada anterioridade nonagesimal. Trata-se dos arts. 150, III, c, e 195, parágrafo 6º, segundo os quais é vedada a cobrança do tributo antes de decorridos, pelo menos, 90 dias da data em que haja sido publicada a lei que o instituiu ou aumentou. A anterioridade nonagesimal é, em geral, aplicada sem prejuízo da anterioridade de exercício acima referida. Ela visa a garantir um tempo mínimo de 90 dias para fins de conhecimento antecipado por parte do contribuinte quanto às mudanças normativas que implicam aumento ou criação de tributos.
A CF/1988 também estabelece exceções às regras da anterioridade tributária. À anterioridade de exercício, a CF/1988 excepciona: o empréstimo compulsório para atender a despesas extraordinárias, o imposto de importação, o imposto de exportação, o imposto sobre produtos industrializados, o imposto sobre operações financeiras, o imposto extraordinário de guerra e as contribuições destinadas ao custeio da seguridade social (conforme parágrafo 1º do art. 150 e parágrafo 6º do art. 195). E com relação à regra da anterioridade nonagesimal, a CF/1988 excepciona o empréstimo compulsório para atender a despesas extraordinárias, o imposto de importação, o imposto de exportação, o imposto sobre produtos industrializados, o imposto sobre operações financeiras, o imposto extraordinário de guerra, o imposto de renda e a fixação da base de cálculo dos impostos sobre a propriedade de veículos automotores e sobre a propriedade predial e territorial urbana.
O exame dos enunciados normativos que fundamentam as regras de anterioridade - de exercício e nonagesimal - logo permite constatar que a CF/1988 definiu um elemento comum relativamente às duas normas: a fixação de um interstício entre a data da publicação do ato estatal e o momento do início da sua eficácia. Há um prazo delimitado pela CF/1988 para conhecimento antecipado da lei tributária gravosa, isto é, um tempo para que o contribuinte possa planejar seu curso comportamental diante da nova incidência ou da incidência tributária mais onerosa. Dentro de tal prazo, é vedada a cobrança do tributo novo ou aumentado. Após esse período, contudo, o ato estatal gravoso ao contribuinte está apto a produzir seus efeitos na plenitude. Em outras palavras: a lei que institui ou aumenta o tributo torna-se aplicável somente no exercício seguinte ao da sua publicação e desde que respeitado o prazo de 90 dias acima mencionado.
Trata-se, como se vê, de regras cuja aplicação leva em conta um critério essencialmente formal e objetivo: a verificação de um ponto no tempo a partir do qual a nova lei torna-se juridicamente eficaz. Os fatos geradores ocorridos após esse ponto no tempo são regidos pela nova lei; e os fatos geradores ocorridos antes desse ponto no tempo, pela lei antiga. E mais, cuida-se de regras que visam a limitar o exercício do poder de tributar com relação aos atos estatais que criam ou que majoram tributos. As leis que, em que pese gravosas ao contribuinte, não implicam criação ou aumento do tributo, não estão, em princípio, sujeitas à limitação imposta pela anterioridade tributária.
O Supremo Tribunal Federal utiliza esses critérios em suas decisões a respeito do tema. Ao apreciar o aumento da alíquota da CSLL de 8% para 10%, estabelecido por meio da Medida Provisória 86, de 25 de setembro de 1989, o tribunal entendeu ser possível a aplicação do novo percentual a partir de 24 de dezembro de 1989, ou seja, 90 dias após a publicação do referido ato estatal. Por isso, o tributo aumentado foi exigido já com relação ao fato gerador ocorrido em 31 de dezembro de 1989.1 O tribunal, em outros casos, também: I - concedeu liminar em favor dos contribuintes para impedir a eficácia imediata do Decreto 7.567/2011, o qual aumentara a alíquota do IPI relativamente às operações com veículos automotores, tendo o STF determinado a aplicação do aumento do tributo somente aos fatos geradores ocorridos após 90 dias da data da publicação do ato estatal majorador das alíquotas;2 II - decidiu pela inaplicabilidade da regra da anterioridade em situação na qual a Lei paulistana 11.813/2004 prorrogou a cobrança de ICMS com alíquota majorada, por entender que a CF/1988, nesse âmbito normativo, limita o poder de tributar com relação não à “prorrogação” de tributo, mas à sua “instituição” ou à sua “majoração”;3 III - proibiu que a modificação da base de cálculo do IPTU capaz de majorá-lo fosse aplicada para o fato gerador ocorrido no mesmo exercício em que foi publicado o ato estatal impugnado;4 IV - entendeu que “norma legal que altera o prazo para recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade”;5 V - decidiu pela inaplicabilidade das regras da anterioridade tributária nas hipóteses em que a lei reduz ou extingue o desconto para pagamento antecipado do imposto sobre a propriedade de veículos automotores, bem como nos casos em que a legislação estadual institui o regime de substituição tributária relativamente ao ICMS, haja vista inexistir, nessas duas situações, instituição ou majoração de tributo.6 Em que pese este último entendimento com relação ao que seja efetivamente “aumento” de tributos, o STF aplicou, em sede cautelar, a regra da anterioridade de exercício no caso em que a Lei Complementar 102/2000 modificou o regime do creditamento com relação ao ICMS. A mudança implicou aumento indireto da carga tributária. Isso porque, em vez de majorar a alíquota do tributo a ser recolhido, a lei restringiu o direito à utilização de crédito por parte do contribuinte e, desse modo, acabou por elevar o valor do débito a ser pago.7 Por isso, o tribunal enquadrou o caso examinado na hipótese de “aumento” de tributo e, assim, aplicou a referida regra jurídica da anterioridade.
As situações acima citadas confirmam que há um perfil aplicativo das regras da anterioridade baseado precipuamente em critérios formais. O exame realizado pelo STF circunscreve-se, principalmente, à verificação da data de publicação do ato estatal e da data na qual esse ato se torna eficaz. O tribunal analisa, ainda, se a medida do Poder Público é efetivamente de majoração ou de instituição de tributos. E, diante desses critérios, aplica a anterioridade como regra jurídica, vale dizer, como norma que prescreve descritivamente os comportamentos vedados, embora grande parte das decisões faça referência à anterioridade como norma-princípio. Já no âmbito da doutrina jurídica, há registros no sentido de que “a anterioridade apresenta-se não como princípio, mas como regras claras e inequívocas da válida incidência das normas que instituem ou majoram tributos”.8 Ou seja, as soluções jurídicas envolvendo a anterioridade estariam circunscritas ao âmbito normativo estabelecido pelas regras acima referidas.
Exatamente em face desse cenário é que surgem algumas indagações de altíssima relevância para o exame do tema. Será que, tendo em vista a existência de regras específicas reconduzidas aos arts. 150, III, b e c, e 195, parágrafo 6º, e, por outro lado, a ausência de um enunciado geral no capítulo sobre o Sistema Tributário Nacional, a CF/1988 teria sido exaustiva e exclusiva ao regular a anterioridade nesse âmbito? Teria o contribuinte ficado sem proteção com relação às situações não cobertas pela anterioridade de exercício e nonagesimal? Vale dizer, será que nos casos de atos estatais gravosos à liberdade e à propriedade do contribuinte que não impliquem diretamente aumento ou instituição de tributo (por exemplo: nos casos de modificação da data de recolhimento do tributo) não haveria proteção fundamentada em outra norma constitucional, tal como um princípio geral da anterioridade, alicerçado na segurança jurídica e no exercício planejado da liberdade? Ou ainda: nos casos, por exemplo, em que é aplicada a regra da anterioridade nonagesimal, tal como aquele acima narrado, em que a majoração da alíquota da CSLL tornou-se aplicável no dia 24 de dezembro de 1989, não haveria outra norma de anterioridade (o princípio) capaz de proteger todos os atos de disposição de direitos fundamentais ocorridos ao longo do período anual?
Em outras palavras: será que o estabelecimento da anterioridade como regra jurídica de limitação ao poder de tributar vinculada aos prazos definidos para certos tributos impediria a fixação de outros prazos de anterioridade pela eficácia jurídica de um “princípio geral” da anterioridade tributária alicerçado em fundamentos materiais? Com relação aos tributos não sujeitos às regras da anterioridade, como é, por exemplo, o imposto de importação, não deve haver, conforme as circunstâncias do caso, um prazo razoável entre a data da publicação do ato e o início da eficácia do ato estatal que agrava a situação do contribuinte? São essas as principais questões que o presente trabalho se propõe a enfrentar. Com ele, pretende-se demonstrar que o sistema constitucional tributário devidamente harmonizado apresenta, para além das regras jurídicas da anterioridade acima mencionadas, o princípio da anterioridade tributária fundamentado na liberdade, na propriedade e na segurança jurídica em sua dimensão dinâmica e que a sua consideração é decisiva para que seja ampliado o sentido prático de tal limitação ao poder de tributar no sistema jurídico brasileiro.
I - Fundamentos e Dimensões Normativas da Anterioridade Tributária na CF/1988
A) Anterioridade normativa: uma questão de exercício planejado da liberdade jurídica
A exigência de anterioridade normativa tem a ver, como se disse, com o exercício planejado e orientado da liberdade jurídica. Refere-se à tutela contra a restrição arbitrária dos direitos fundamentais cuja disposição ocorreu planejadamente em razão dos efeitos jurídicos que o sistema jurídico conecta a esse exercício de direitos. Por isso, como se pretende demonstrar, a fixação de certos prazos para determinados tributos, como fez a CF/1988, não esgota os problemas inerentes à necessidade de conhecimento antecipado das leis tributárias gravosas, tampouco exaure o rol de soluções que a Constituição apresenta para esses problemas.
Veja-se que liberdade jurídica significa o direito de escolher sobre fazer ou não fazer aquelas alternativas de ação que o Direito permite.9 Ela pressupõe autonomia individual para se autodeterminar por meio da propriedade, da liberdade de pensamento, de expressão, de ação, de crença, de exercício profissional, dentre outros conteúdos que o referido direito apresenta. Vale dizer, cuida-se de um direito que é condição para a eficácia jurídica dos demais. Com perdão à redundância e à aparente circularidade do argumento, trata-se da “liberdade como condição para ser livre”.
Nesse contexto, uma pessoa é livre na medida em que não lhe estão vedadas as opções de ação.10 Em outras palavras, é juridicamente livre o cidadão ao qual é assegurado o direito de eleger qual curso comportamental deseja adotar em vista das consequências jurídicas que o Direito conecta a ele.11 Nesse contexto, como afirma Tamanaha, o “elemento-chave” para o exercício da liberdade é a previsão que o indivíduo pode fazer quanto aos efeitos jurídicos futuros das suas ações presentes.12
Sendo assim, o ser humano livre é aquele que pode escolher o curso de ação a ser adotado. Ele pode adotar ou o curso de ação “A” ou o curso de ação “B”, sabendo, antecipadamente, em razão da previsão legal, que, ao adotar o curso “A”, terá a consequência “x” e, ao adotar o curso “B”, terá a consequência “y”.13 Diante dessas opções, o cidadão escolhe realizar determinado comportamento. Sua escolha se dá precisamente porque a esse comportamento estão atreladas certas consequências jurídicas que não podem ser dele dissociadas. Ou seja: o cidadão age por acreditar na estabilidade do sistema jurídico.14
Ao longo de tais cursos de ação, são praticados atos em torno dos quais o indivíduo dispõe dos seus direitos. Isto é, ele dispõe dos bens jurídicos que esses direitos protegem (ações, qualidades, propriedades, condições ou posições jurídicas). Planos são feitos, compromissos são firmados, negócios são estruturados, no contexto dos quais o cidadão se compromete, patrimonialmente, em relação a esses eventos. Eles não são, via de regra, eventos pontuais. Em vez disso, são lineares e entrelaçados, de modo que o ponto em que determinada relação jurídica formalmente se constitui, ou em que determinado direito é adquirido nem sempre é independente de fatos anteriores.15 Como afirma Luneburg, as condutas futuras geralmente têm raízes no passado.16
Nesse contexto, se, no momento da prática desses atos de disposição de direitos, existe uma consequência jurídica que bruscamente é modificada pelo próprio Direito, o cidadão age calculando suportar tal consequência e, na verdade, é regulado por outra norma que modifica essa mesma consequência. Se liberdade é exercício autônomo da razão, com a possibilidade de escolha entre alternativas de ação e respectivos efeitos jurídicos, a mudança das regras vigentes, com influência sobre os atos do contribuinte que estão em curso e, fundamentalmente, sem um prazo razoável para que o contribuinte se previna em face dessa mudança, faz com que o cidadão seja submetido a uma escolha forçada. Ou seja, a ele é aplicada uma consequência diversa daquela que previra inicialmente. E, diga-se, tal aplicação se dá, quando implementada ao arrepio da anterioridade, sem que lhe tenha sido assegurada a liberdade de escolha de um curso alternativo de comportamento dentro de um tempo adequado para tanto. O indivíduo fica incapacitado de antecipar quais são os efeitos jurídicos relacionados aos seus atos de disposição de direitos, vale dizer, ele fica impedido de planejar estratégica e juridicamente sua vida.17 E aquilo que era para ser autodeterminação se transforma, na realidade, em “heterodeterminação”.
Sendo assim, anterioridade diz respeito à temperança da modificação do Direito. Mudanças normativas bruscas que impedem o cidadão de reprogramar seu curso de comportamento e que desvalorizam a programação realizada pelo contribuinte com base no Direito modificado violam o dever de anterioridade. O ponto cuja análise se impõe deve ser, por isso, não apenas a verificação quanto ao cumprimento dos prazos fixados pela CF/88, mas a intensidade do efeito restritivo que a mudança normativa causa sob o ponto de vista dos direitos fundamentais de liberdade e de propriedade. Quanto maior for esse efeito nocivo, maior deverá ser o prazo concedido.18
Exatamente nesse contexto é que se pode afirmar que a delimitação, pela CF/1988, de certos prazos para o caso das leis que aumentam e que criam determinados tributos não é suficiente para estabelecer um estado de calculabilidade que permita o referido exercício programado de direitos. Isso em razão, principalmente, de dois motivos.
Primeiro porque a capacidade de antecipar e de medir o espectro de consequências atribuíveis abstratamente a atos e fatos deve ser assegurada ao contribuinte com relação a todo e qualquer ato estatal capaz de restringir direitos fundamentais.19 A anterioridade deve atuar não apenas com relação ao aumento ou à criação dos tributos. Atos estatais que, por exemplo, modificam a data de recolhimento do tributo e que extinguem descontos para pagamento antecipado de tributos devem estar, nesse aspecto, sujeitos à anterioridade tributária.20 A mudança quanto ao dia de pagamento do tributo tende a causar restrição sobre os bens protegidos pela liberdade de exercício de empresa. Ela dificulta a livre organização e direção da empresa segundo o planejamento e as metas traçados por seus diretores.21
E segundo porque, de acordo com as regras da anterioridade, a proteção ao exercício planejado de direitos se dá apenas como consequência reflexa e contingente da sua aplicação. Isto é, se os planos de ação estabelecidos pelo contribuinte tiverem origem depois da publicação da lei modificadora, então, obviamente, haverá proteção. Contudo, se o exercício planejado de direitos estiver em curso quando da publicação do ato que agrava as consequências jurídicas a ele conectadas pelo Direito, então a proteção pode não ocorrer. Tome-se como exemplo o caso em que o Supremo Tribunal Federal examinou o aumento da alíquota da CSLL que passou a viger em 24 de dezembro de 1989. Nessa situação, a anterioridade nonagesimal foi aplicada. Entretanto, em que pese cumprido o prazo previsto pela Constituição, não foi assegurada, na realidade, a capacidade de exercício planejado da liberdade. Isso porque o agravamento da alíquota de 8% para 10% foi aplicado relativamente ao fato gerador ocorrido já em 31 de dezembro de 1989. Consequentemente, os atos de disposição de direitos praticados ao longo de todo o período anual acabaram por ser atingidos. E a capacidade antecipatória de consequências jurídicas que deveria ser assegurada ao contribuinte foi, de fato, desprezada. O exercício de direitos realizado em vista da aplicação futura da alíquota modificada foi ignorado, de tal sorte que, nesse caso, anterioridade somente haveria se a aludida lei fosse aplicada a partir do exercício (período) seguinte. Repare-se que, em situações como essa, ainda que o fato gerador venha a consumar-se, formalmente, depois do prazo de anterioridade constitucional, os atos de disposição de direitos formativos desse fato imponível podem já não ser mais reversíveis ao tempo em que o ato estatal restritivo ao contribuinte é publicado. Como destaca Ataliba, “lei anterior é lei existente e conhecida antes de ocorridos os fatos sobre que incide”.22 E os fatos sobre os quais a legislação da CSLL incide são todos “de algum modo relacionados com o fato imponível em sentido estrito ou por ele pressupostos, a ele conducentes ou nele implicados, por sua materialidade ou dimensão”.23
Dessa forma, a modificação normativa da disciplina do tributo periódico tal como realizada no aludido caso tende a determinar uma desestabilização da atividade privada. Isso em razão de que ela prejudica o programa empresarial planejado precedentemente à sua edição.24 E, por tais razões, considerando a eficácia da anterioridade tributária, o exercício de direitos ocorrido ao longo do período anual deve ser afastado da incidência da nova norma.25 Como dito acima, diante de uma mudança normativa, pode ocorrer que o tempo previsto pela CF/1988 não seja o bastante para o contribuinte reorganizar seu curso comportamental diante das novas consequências jurídicas e para preparar-se em face da incidência mais gravosa.
O certo é que o tempo de anterioridade deve ser suficiente a ponto de permitir que o contribuinte, no presente, possa reorientar a conduta por ele desenvolvida com base na previsão que fizera relativamente às consequências jurídicas modificadas. Isso, por evidente, se tal reorientação de conduta ainda for jurídica e faticamente possível. Se não for possível a referida reconfiguração de comportamento, então é necessária a fixação de prazo razoavelmente elevado, a ponto de suavizar os efeitos restritivos aos direitos do cidadão que o ato estatal modificador acaba provocando. Como se vê, as mudanças normativas bruscas, sem prazos adequados de anterioridade, não comprometem apenas a capacidade de o indivíduo planejar seu futuro. Elas também afetam gravosamente os cursos comportamentais em curso que foram planejados em face de outra base normativa (a modificada).
Diante de todas essas considerações, o que se propõe neste trabalho é a análise da anterioridade na CF/1988 com base em um paradigma estruturante, com ênfase, fundamentalmente, em razões materiais e subjetivas. Anterioridade tributária envolve um problema que transcende os enunciados normativos a partir dos quais são reconstruídas as regras constitucionais acima referidas. O problema da anterioridade envolve principalmente a não restrição arbitrária dos direitos fundamentais. A perspectiva principal da análise do tema deve ser não a eficácia das leis, mas a eficácia dos direitos fundamentais; não a verificação da completude de períodos de tempo, mas a capacidade de exercício planejado e juridicamente orientado da liberdade e da propriedade ao longo do tempo. É com base nesse paradigma de análise do tema que se torna possível ampliar o sentido prático da norma em estudo.
O eixo da fundamentação da anterioridade, como já se vê, deve ser modificado. Ele deve se deslocado das “regras” da anterioridade tributária para os “princípios” do Estado de Direito, da dignidade humana, da segurança jurídica e para os direitos fundamentais. Deve-se passar de um modelo centrado preponderantemente no critério formal da verificação dos prazos de anterioridade prefixados pela CF/1988 para um modelo preferencialmente material alicerçado nos princípios acima mencionados. A proposta é, portanto, de passar da intangibilidade das situações individuais por razões apenas formais e objetivas para um modelo de intangibilidade das situações individuais por razões fundamentalmente materiais e subjetivas. Ou seja, a ideia aqui defendida é a de edificar o que se propõe chamar de anterioridade tributária material.
Em razão de o eixo de fundamentação passar a ser os direitos fundamentais, é forçoso já neste momento concluir que, da eficácia desses direitos, emana um dever de anterioridade material. Ou seja, fora do âmbito normativo das regras acima referidas também há tutela do indivíduo, a qual é estabelecida por um princípio, implícito e geral, da anterioridade tributária material, conforme se passa a demonstrar.
B) Fundamentos da anterioridade tributária na CF/1988 como regra e como princípio jurídico
b.1) Como regra jurídica
A anterioridade assume, em primeiro lugar, uma dimensão normativa preponderantemente de regra jurídica. Pode-se chegar a essa constatação a partir dos enunciados normativos dos arts. 150, III, b e c, e 195, parágrafo 6º, da CF/1988. Como fundamentos diretos que são, eles possibilitam a elaboração de duas normas que prescrevem, descritivamente, os comportamentos que devem ser adotados pelos seus destinatários. Vale dizer, trata-se de normas que prescrevem “aquilo que deve ser feito”.26
Com relação ao seu âmbito de aplicação (o “conceito da norma”), a CF/1988 intangibilizou, em ambos os casos, as situações individuais, por razões objetivas e formais; objetivas, porque tais regras estabelecem um âmbito de aplicação relacionado apenas aos objetos (lei publicada, exercício financeiro), e não aos sujeitos (atos humanos de disposição de liberdade e de propriedade); e formais, porque, para sua aplicação, são levadas em consideração apenas as questões referentes ao ritual relativamente ao cumprimento do prazo estabelecido pela CF/1988.
b.2) Como princípio jurídico constitucional
A anterioridade, em segundo lugar, assume a dimensão normativa de princípio jurídico. Como tal, é uma norma implícita à CF/1988. Não há um fundamento textual (um dispositivo) ao qual ela possa ser diretamente reconduzida. Sua elaboração é obra do intérprete, que a reconduz a outros enunciados normativos presentes no texto constitucional. Por esse motivo, seus fundamentos são aqui denominados de indiretos.27
O princípio da anterioridade tributária material é construído principalmente por meio do método dedutivo.28 O referido método possibilita elaborá-lo a partir de normas jurídicas que estabelecem finalidades mais abrangentes, para a promoção das quais a anterioridade cumpre um papel instrumental. Por exemplo, a segurança jurídica é um sobreprincípio que impõe a realização de um estado de coisas de calculabilidade. Para a promoção desse estado de coisas, conforme é demonstrado a seguir, é necessário que a lei restritiva de direitos seja conhecida antecipadamente pelo contribuinte.
Nesse contexto, a anterioridade tributária deve ser investigada, necessariamente, em combinação com as normas do Estado de Direito, da liberdade, da propriedade, da dignidade humana e da segurança jurídica. Essa combinação de elementos acima referida é estruturada pela coerência. Trata-se de postulado hermenêutico que estabelece uma condição para o conhecimento a ser preenchida na intepretação dos textos normativos. Diz respeito às relações, segundo parâmetros formais e materiais, a serem estabelecidas entre as proposições utilizadas no discurso interpretativo.29 Especificamente no plano material, a coerência substancial exige que as proposições mantenham entre si um relacionamento recíproco, de modo que o conteúdo de uma atue sobre o conteúdo da outra e vice-versa. Elementos que integram o conteúdo da dignidade humana e da liberdade dão sentido à anterioridade e vice-versa. Os critérios de verificação da coerência substancial aqui utilizados são a fundamentação por suporte e a justificação recíproca entre as proposições.30
Quanto à fundamentação por suporte, a anterioridade (em sua dimensão de princípio) é suportada por uma extensa cadeia de fundamentos. É extensa na medida em que há um elevado número de princípios constitucionais sobrejacentes que especificam o conteúdo da norma em exame. O Estado de Direito, a dignidade humana, a segurança jurídica, a liberdade geral e de exercício de atividade profissional e a propriedade são fundamentos que suportam a anterioridade. Esta, por sua vez, é reconduzida a esses sobreprincípios e princípios axiologicamente superiores.31 O estado de coisas visado pelo “princípio da anterioridade” tem o seu conteúdo definido pela decisiva atuação dessas normas sobrejacentes. E as condutas que tal princípio impõe ao Poder Executivo, ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário são delimitadas em razão dessas finalidades. Por exemplo, um estado de coisas em que o cidadão possa se autodeterminar e livremente planejar o seu curso de ação é uma finalidade da anterioridade definida a partir do conteúdo da dignidade humana. Por isso, é vedado ao Poder Legislativo realizar modificações bruscas no ordenamento jurídico, isto é, é vedado editar leis com efeitos que comprometam o alcance desse fim.
Por outro lado, a anterioridade mantém relação de justificação recíproca empírica, analítica e normativa com seus fundamentos.32 Empírica, porque, por exemplo, a segurança jurídica é uma condição fática necessária para a existência da anterioridade, e ela, por sua vez, é uma condição fática igualmente necessária para que exista segurança jurídica. Analítica, porque a dignidade humana, a liberdade e a propriedade, por exemplo, são condições conceituais necessárias para a existência de anterioridade, e a última é uma condição conceitual necessária para esses princípios. O conceito da anterioridade é integrado por elementos que compõem o conceito da dignidade humana, da liberdade e da propriedade, e vice-versa. E normativa, na medida em que a anterioridade, como enunciado mais específico em relação aos direitos fundamentais da dignidade humana, da liberdade, da propriedade, e ao princípio da segurança jurídica, é por eles suportada, por dedução.
Em face dessas considerações, cumpre demonstrar, sucintamente, como se dá o relacionamento de fundamentação material entre o princípio da anterioridade tributária e as normas do Estado de Direito, da liberdade, da propriedade, da dignidade humana e da segurança jurídica.
Estado de Direito: A CF/1988 dispõe, em seu primeiro artigo, que a República Federativa do Brasil se constitui em “Estado Democrático de Direito”. Trata-se do Estado cuja atuação objetiva, fundamentalmente, a proteção dos direitos fundamentais. Em sua dimensão preponderantemente formal, o Estado de Direito apresenta como ideia básica a aptidão de governar as pessoas por meio de normas jurídicas claras, prospectivas, estáveis e que propiciem calculabilidade com relação aos efeitos jurídicos que elas estabelecem.33 Em sua dimensão preponderantemente material, essa atuação estatal objetiva criar condições para a proteção e promoção de finalidades fundamentais, como a dignidade humana (art. 1º, III) e a liberdade (art. 1º, IV).
Uma das virtudes que o Estado de Direito deve apresentar é a de criar um ambiente propício para a realização de planos de longo prazo por parte do cidadão. Para tanto, a estabilidade e a calculabilidade do Direito são condições essenciais. Mais precisamente quanto à calculabilidade com relação aos efeitos futuros que as normas jurídicas conectam ao exercício de direitos realizado no presente, tal estado de coisas visa a aumentar o poder de ação do indivíduo. Impede-se, com ela, que as alterações normativas gravosas ao cidadão sejam implementadas abruptamente.34
Essas ligeiras considerações demonstram que o princípio da anterioridade é um pressuposto necessário à promoção das finalidades protegidas pelo sobreprincípio do Estado de Direito. Atos estatais, gravosos ao cidadão, que são adotados sem que o indivíduo possa deles conhecer antecipadamente impedem o exercício planejado de direitos. E, por isso, deixam de promover o estado de coisas perseguido pelo sobreprincípio ora destacado.
Dignidade humana: A promoção de uma existência humana digna está intimamente ligada ao exercício autônomo da razão.35 A pessoa humana deve ser vista como um ser capaz de planejar seu futuro por meio da sua autonomia. A autonomia é a capacidade de se autogovernar, a capacidade do indivíduo de fazer escolhas segundo determinadas reflexões, levando em consideração os efeitos dessas escolhas. Autonomia não de escolher qualquer coisa que o indivíduo queira, mas de modelar a sua vida de acordo com as alternativas que o Direito lhe possibilita. A autonomia pessoal, portanto, refere-se à condição de que o indivíduo possa efetivamente ser quem ele quer ser, e não quem o Estado quer que ele seja.36 Ou, como explica Gribnau, refere-se à “condição de um homem cujas escolhas e ações são expressão das suas próprias preferências e aspirações”.37
A dignidade humana, nesse contexto, assegura ao indivíduo a prática das condutas necessárias ao desenvolvimento da sua personalidade e da sua autodeterminação.38 A autodeterminação da pessoa, segundo Barzotto, é um dos bens dos quais o indivíduo é merecedor tão somente pela sua condição humana.39 Sem ela, isto é, sem liberdade de autodeterminação para plasmar a sua vida, não há espaço para se falar em ser humano digno, mas em um ser que se torna mero objeto de arbítrio e injustiças.40
Os atos estatais restritivos de direitos que, sem um prazo razoável de anterioridade, modificam bruscamente os efeitos jurídicos conectados ao comportamento humano comprometem o exercício da autonomia do cidadão. Eles impedem o exercício planejado de direitos. E desvalorizam os planos em curso, que foram elaborados com base no Direito modificado. Desse modo, o princípio da anterioridade é pressuposto necessário à criação de um estado de coisas em que as pessoas sejam tratadas como seres capazes de guiar, com autonomia, seu comportamento presente em razão de consequências jurídicas futuras.
Liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, liberdade de exercício de atividade econômica e propriedade: A livre iniciativa é um dos fundamentos do Estado de Direito, conforme dispõe o art. 1º da CF/1988. Ela se especifica no livre exercício de qualquer profissão, ofício ou trabalho (art. 5º, XIII) e na liberdade de exercício de atividade econômica (art. 170, parágrafo único). A conjugação desses direitos permite falar na liberdade de empresa como direito assegurado pela CF/1988. Dentre os bens protegidos pela liberdade aqui examinada, podem ser destacadas a liberdade de criação de uma empresa e de escolha de uma profissão; a liberdade de formatação jurídica da empresa e a sua transformação; a liberdade de empreender o patrimônio numa atividade privada de longo prazo e, por meio dele, obter lucros; a liberdade de exercer uma atividade profissional e econômica, planejando negócios e executando tais planos.41
Por outro lado, a propriedade privada é garantida pela CF/1988 no art. 5º, XXI e XXIII, e no art. 170, II e III. Trata-se de direito fundamental relacionado substancial e reciprocamente com a liberdade. Ele protege as ações e as posições jurídicas referentes à aquisição, à manutenção e à transmissão da propriedade. Essas ações visam a resguardar o vínculo de titularidade do indivíduo sobre determinados bens e direitos (dinheiro, imóveis, empresa, valores mobiliários etc.). Mais do que isso, o direito fundamental em análise pressupõe a liberdade de fazer uso desses objetos. São asseguradas ao indivíduo a livre disposição e fruição do conteúdo econômico de tais bens como meios para dirigir sua vida privada (e se autodeterminar), segundo as suas conveniências.42 É nesse aspecto, por exemplo, que a utilização dos rendimentos equivale ao “uso da propriedade”.43
No âmbito tributário, o exercício dos aludidos direitos exige a calculabilidade quanto às consequências normativas a eles conectadas. Isso porque a concretização das obrigações tributárias provoca efeitos interventivos no âmbito protegido pelos direitos fundamentais. Seu cumprimento restringe, mais ou menos intensamente, a liberdade e a propriedade, independentemente da vontade do indivíduo.44 Dado o caráter preponderantemente oneratório dessas obrigações, deve ser assegurado ao contribuinte medir antecipadamente, com a maior precisão possível, os efeitos tributários das suas operações econômicas.45 Mas não basta apenas poder prever as consequências. É necessário que as consequências jurídicas previstas sejam efetivamente mantidas. E, caso haja necessidade de o Poder Público alterá-las, é preciso que tal alteração seja realizada suavemente, mediante prazos adequados de anterioridade. Uma alteração quanto aos efeitos tributários presentes e futuros em determinadas operações pode comprometer a viabilidade da sua implementação. Observe-se, por exemplo, que a previsão de lucros em relação a determinado negócio é feita em face da incidência de tributos. Nesse contexto, precisas são as palavras de Ataliba, ao destacar que:
“O empresário precisa fazer planos, estimar - com razoável margem de probabilidade de acerto - os deslocamentos próximos da conjuntura que vai cercar seu empreendimento. Precisa avaliar antecipadamente seus custos, bem como estimar os obstáculos e as dificuldades. Já conta com os imponderáveis do mercado. Não pode sustentar um governo que agrave, com suas surpresas e improvisações, as incertezas, normais preocupações e ônus da atividade empresarial. Isso é inconciliável com as instituições republicanas”.46
Em face dessas considerações, é possível afirmar que o princípio da anterioridade tributária é uma condição necessária ao exercício da liberdade e da propriedade. Sem um ordenamento jurídico que efetivamente permita o planejamento futuro dos comportamentos econômicos, não é possível ser realmente livre para exercer uma profissão, para desenvolver uma atividade econômica e, enfim, para dispor da propriedade privada.
Segurança jurídica: A anterioridade relaciona-se diretamente com a segurança jurídica em sua dimensão dinâmica. Mais precisamente, ela visa a promover um estado de calculabilidade e de credibilidade (confiabilidade) do Direito.
A calculabilidade diz respeito à possibilidade de o cidadão, com base nas normas vigentes, prever, o mais precisamente possível, dois elementos que dizem respeito à identificação e à aplicação dessas normas: I - a qualificação jurídica que será atribuída aos eventos concretamente existentes; II - as consequências jurídicas atribuídas pela norma em razão da prática de tais fatos.47 A identificação desses elementos, sabe-se, é resultado de um trabalho interpretativo muitas vezes árduo e orientado por técnicas e argumentos. Isso em razão da equivocidade e da vagueza dos textos normativos. Os enunciados normativos são ambíguos e complexos. Além disso, eles propiciam problemas de implicação e de defectibilidade, o que resulta, em não raras vezes, na possibilidade de serem construídos significados alternativos para o mesmo texto.48 Contudo, o ideal de calculabilidade exige que haja um número controlável de alternativas possíveis de interpretação para os enunciados postos. Exatamente porque ao cidadão deve ser garantida a antecipação do rol de tais possibilidades para que ele possa, em razão delas, programar o seu curso de ação.49
É com base na calculabilidade que o cidadão exerce o poder de configurar um plano geral de conduta, vinculando suas ações presentes às calculáveis consequências esperadas no futuro. A previsibilidade é uma condição essencial ao exercício da liberdade, afirma Tamanaha.50 Como explica Gribnau, “os indivíduos têm liberdade em proporção ao grau em que eles podem prever as ações do governo”.51
Mais precisamente no Direito Tributário, o contribuinte necessita saber quais serão as consequências tributárias das suas operações econômicas no momento em que elas são adotadas.52 A base normativa vigente deve oferecer aos contribuintes a possibilidade de antecipar o procedimento a ser adotado pela administração tributária no exercício do poder de tributar. Ela deve, também, possibilitar que o contribuinte saiba, de antemão, o valor a ser pago a título de tributo em certa operação. Deve ser possível, em suma, prever em que intensidade a liberdade e a propriedade individuais serão atingidas em razão dos efeitos decorrentes do exercício do poder estatal.
Nesse aspecto, aliás, cumpre destacar que, para a preservação de um estado de coisas em que a calculabilidade seja promovida, não basta saber que o Direito mudará. É preciso saber em que medida mudará. Isto é, quais serão as consequências dessas mudanças. Exatamente por isso é que o princípio da anterioridade deve ser aplicado inclusive para os casos em que as regras da anterioridade foram expressamente excepcionadas, como ocorre com relação ao imposto de importação. Note-se que não basta que o contribuinte que iniciou certa operação de importação possa contar com a majoração abrupta da alíquota. Saber que essa possibilidade existe não promove o ideal de calculabilidade em sua inteireza. É preciso saber em que medida a alíquota será alterada. Uma alteração drástica no valor a ser pago a título de imposto de importação pode comprometer, ou até mesmo inviabilizar o exercício de determinadas operações. Em face disso, a depender da intensidade da restrição aos direitos do contribuinte provocada pelo ato estatal modificador da alíquota, deve ser assegurado prazo razoável de anterioridade. Isso em razão da eficácia do princípio em exame.
Por outro lado, os problemas relativamente à calculabilidade estão intimamente associados à perda de credibilidade do ordenamento jurídico causada pelas mudanças normativas abruptas. Além de as inovações normativas radicais e bruscas restringirem os interesses individuais do contribuinte numa situação concreta, é importante ressaltar que elas também abalam a confiabilidade no ordenamento jurídico como um todo e limitam, assim, a exigência de calculabilidade. Há um problema de segurança jurídica em sua dimensão objetiva. Cria-se desconfiança quanto ao comportamento estatal. Isso porque quem muda radicalmente de comportamento, sem tornar possível qualquer tipo de previsão quanto à referida alteração, semeia desconfiança. Há abalo da credibilidade do ordenamento jurídico. É natural que, nessa situação, as pessoas passem a não mais acreditar nas promessas do Poder Público. O receio é de que o comportamento desleal possa ser reeditado a qualquer momento. Esse “clima de desconfiança” estabelece, por sua vez, ambiente impróprio para o exercício da liberdade. Ele afeta seriamente o desenvolvimento futuro dos planos de vida dos cidadãos, ou seja, compromete, como se disse, a exigência de que o Direito possa ser razoavelmente previsto quanto aos seus efeitos futuros (calculabilidade).
Todas essas considerações expõem, inequivocamente, que o princípio da anterioridade é condição indispensável para a promoção da calculabilidade e da confiabilidade como elementos da segurança jurídica.
Examinados, portanto, os fundamentos que suportam o princípio da anterioridade material, cumpre, a seguir, demonstrar sua presença no Sistema Constitucional Tributário instituído pela CF/1988, bem como seu conteúdo normativo.
II - Conteúdo do Princípio da Anterioridade Tributária Material na CF/1988
A) A anterioridade tributária no Sistema Constitucional Tributário instituído pela CF/1988: das regras ao princípio jurídico
Por meio do Sistema Tributário Nacional (arts. 145 a 162), a CF/1988 delimitou aquele que se poderia chamar de sistema tributário “externo”.53 Trata-se de um subsistema, vale dizer, de um agrupamento de dispositivos que visam a regular especificamente a matéria tributária. Mais precisamente na Seção II desse capítulo da Constituição, foram arroladas as “limitações do poder de tributar”. Esse rol de enunciados, além de se destinar à delimitação da competência tributária (por meio das regras de imunidade), visou a estabelecer as limitações formais e negativas designadas ao Poder Legislativo. Formais, porque a esses enunciados são reconduzidas as normas jurídicas que regulam o exercício da competência. Elas estabelecem o procedimento da instituição normativa e o âmbito temporal de vigência das normas tributárias.54 Nesse contexto, a CF/1988 previu que os tributos serão instituídos por meio de “processo legislativo” (legalidade - art. 150, I). Além disso, ela previu que o poder de tributar deve ser exercido de acordo com determinadas condições temporais, dentre as quais destaca-se a anterioridade vinculada aos prazos estabelecidos pela CF/1988 (art. 150, III, b e c). Ou seja, foram prescritos comportamentos relativamente aos aspectos temporais da atuação legislativa do Estado: as leis tributárias restritivas de direitos não devem ser aplicadas dentro dos interstícios definidos pela Constituição, mas somente depois deles.
Por outro lado, essas limitações são negativas. Isso em razão de elas prescreverem aquilo que é vedado ao legislador. Em outras palavras: elas delimitam o que não deve ser feito pelo Estado. Conforme prescreve a regra da anterioridade tributária do art. 150, III, b, da CF/1988, é vedado cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou majorou. Essas observações revelam que o legislador constituinte se ocupou, nesse ponto da CF/1988, de impor certas ações negativas ao Estado relativamente às condições procedimentais e temporais para o exercício do poder de tributar.
Contudo, as garantias do contribuinte não foram arroladas de modo exaustivo nessa parte da CF/1988. E a anterioridade no Direito Tributário não foi resumida apenas às regras acima mencionadas. Isso porque a CF/1988 instituiu, expressamente, a abertura do sistema tributário. O art. 150 previu as referidas limitações “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte”. Ou seja, o subsistema tributário (externo) foi conectado aos princípios fundamentais, como o do Estado de Direito (art. 1º), o da segurança jurídica e o da dignidade humana (art. 1º, III). Mas não apenas a eles. Foi conectado, também, aos direitos fundamentais do cidadão, tais como a liberdade e a propriedade (art. 5º). E mais: em razão do enunciado do art. 5º, parágrafo 2º, é possível afirmar que a CF/1988 instituiu uma abertura também para contemplar direitos e garantias não expressamente dispostos em seu texto. Foram admitidos pela CF/1988, como limites ao poder de tributar, direitos e garantias implícitos ao texto constitucional.55 Isto é, foram admitidas as garantias pressupostas pelo dever de promover e de proteger os direitos fundamentais expressamente garantidos.56
Sendo assim, os princípios jurídicos não expressos, como o princípio da anterioridade, são garantias inequivocamente asseguradas ao contribuinte. Juntamente com os demais princípios e direitos fundamentais, eles compõem o sistema tributário denominado de “interno”. Isto é, juntos, eles formam um grupo de normas que, embora não sejam reconduzidas aos dispositivos do Sistema Tributário Nacional (externo), são aplicáveis, direta ou indiretamente, às relações obrigacionais tributárias.57
Essas limitações proporcionadas pelos direitos fundamentais e pelo princípio da anterioridade são materiais. Diferentemente das limitações formais acima referidas, elas atuam na definição do conteúdo de outras normas.58 Isto é, tais garantias impõem a produção de normas tributárias com certa substância. Por exemplo, o princípio do livre exercício de atividade econômica (art. 5º, XIII, e art. 170, parágrafo único, da CF/1988) limita o conteúdo das normas tributárias. Isso porque as referidas normas devem respeitar a liberdade de planejamento e de exercício da atividade empresarial. Consequentemente, as escolhas feitas pelo contribuinte em relação aos seus atos futuros de disposição de direitos devem ser preservadas diante de uma modificação no ordenamento jurídico tributário. Em outras palavras: as normas tributárias que modificam, restritivamente, as consequências jurídicas conectadas aos atos de disposição da liberdade devem ser conhecidas antecipadamente pelo contribuinte. A eficácia jurídica da liberdade é concretizada por meio da anterioridade. E a anterioridade, por sua vez, delimita o conteúdo das leis tributárias. Daí por que se falar em limitação material.
Além de serem elementos materiais, esses direitos (como a liberdade e a propriedade) e essas garantias (como a anterioridade relacionada aos seus fundamentos materiais) impõem limites positivos ao Estado.59 Isso porque, em sua qualidade normativa de princípios jurídicos, prescrevem a promoção de finalidades para cuja realização é necessária a adoção de certos comportamentos. Esses comportamentos, por sua vez, condicionam a atuação estatal. Por exemplo, para promover o estado de coisas da livre disposição da propriedade ao longo do tempo (arts. 5º, XXII, e 170, II, da CF/1988), é necessário que as modificações normativas sejam moderadas. Se houver efetiva necessidade de alterar as consequências jurídicas conectadas aos atos de disposição de direitos, essa alteração deve ser suave e vir acompanhada de regras de transição que permitam o exercício planejado de direitos. Por outro lado, para promover a calculabilidade e a confiabilidade como elementos do princípio da segurança jurídica, é necessário que os atos estatais respeitem a disposição planejada dos direitos individuais. Ou seja, diferentemente das limitações negativas do art. 150, as limitações positivas determinam o que o Estado deve fazer. Isso para que os fins buscados pelos princípios jurídicos sejam efetivamente promovidos. Como destaca Guastini, diante das finalidades predefinidas pela Constituição, “cabe ao legislador escolher os meios mais oportunos e mais eficientes para realizar os fins heterônomos pré-constituídos: aqueles estabelecidos na constituição”.60
Todas essas considerações revelam, portanto, que a CF/1988 compôs um sistema de preservação da liberdade e da propriedade do contribuinte com dois grupos (conectados) de normas: primeiro, normas que visam a legitimar o exercício do poder de tributar pela investidura e por aspectos formais (limitações constitucionais do art. 150); e, segundo, normas que visam a privilegiar não o exercício do poder, mas o exercício dos direitos individuais e sua eficácia jurídica (art. 5º). Essa composição conectada de garantias torna fácil perceber que a existência de limites expressos ao poder de tributar, de modo algum, pode significar a exclusão de outras garantias. Esses limites, em vez de excluir, incluem outros. Eles são combinados com outras normas. Por isso, não é possível afirmar que a previsão das regras da anterioridade tributária excluiria outras manifestações de limitação do poder estatal nesse âmbito. Pensar de modo diferente é fazer uma leitura acontextual da CF/1988. É restringir a proteção da liberdade, em vez de ampliá-la, como pretendeu a CF/1988.
A anterioridade tributária foi, nesse contexto, estabelecida, de um lado, como limitação formal e negativa ao poder de tributar (art. 150, III, b e c), de acordo com o critério objetivo da verificação dos interstícios fixados pelas regras jurídicas antes mencionadas. E, de outro lado, foi instituída como limitação material e positiva, segundo critérios preponderantemente subjetivos relacionados à não restrição arbitrária dos direitos fundamentais. Quanto maior for a restrição aos direitos fundamentais provocada pelo novo ato estatal, maior deverá ser o prazo de anterioridade fixado pela atuação do aludido princípio. E quanto mais drástica e brusca for a alteração de efeitos jurídicos engendrada por tal ato do Poder Público, mais peso terão as razões para que o aludido prazo seja ampliado.
Fica claro, sendo assim, que a CF/1988 concebeu a anterioridade tributária por meio de uma mescla de elementos objetivos (art. 150, III, b e c) com elementos subjetivos (art. 5º), de elementos formais com elementos materiais. A Constituição enfatizou a proteção do contribuinte com relação aos prazos prefixados, sem deixar de preservar, de modo algum, os direitos fundamentais nos casos em que não há prazos previamente estabelecidos pelo texto constitucional e mesmo nos casos em que os prazos preestabelecidos são insuficientes para a efetiva tutela da liberdade e da propriedade. Essa combinação de elementos objetivos e subjetivos, formais e materiais, possibilita que sejam feitas, pelo menos, duas constatações de alta relevância quanto à tutela estabelecida pela CF/1988 em relação à anterioridade.
A primeira constatação é a seguinte: há uma proteção constitucional “reforçada” em face das mudanças normativas provocadas por atos estatais (tributários) capazes de restringir direitos fundamentais. É reforçada, porque há, em suma, três normas que determinam a suave mudança do Direito nesse âmbito. Não bastasse a proteção estabelecida pelas regras da anterioridade, com tempos definidos para conhecimento antecipado das leis gravosas por parte do contribuinte, foi instituída a tutela a partir do princípio da anterioridade. Ou seja, a CF/1988 foi enfática ao proteger a liberdade e a propriedade contra os atos estatais acima referidos. Há uma “hiperproteção” dos direitos fundamentais em tais casos. Pode-se afirmar, por isso, que a intolerância do sistema constitucional às mudanças bruscas do Direito é maior, no presente campo, do que nas demais áreas da disciplina jurídica em geral. E por que isso? Porque as normas tributárias produzem efeitos que diminuem a disponibilidade de determinados bens jurídicos protegidos pela liberdade e pela propriedade. Ou seja, elas são normas interventivas.61 Daí por que “redobrar” a proteção aos referidos direitos nesse campo normativo.
Esse reforço protetivo conduz à segunda constatação: a proteção do contribuinte foi estruturada em âmbitos de aplicação diversos. Se o ato estatal modificador do ordenamento jurídico criar ou aumentar tributo, a proteção-base será definida a partir do art. 150, III, incisos b e c, e do art. 195, parágrafo 6º. Deverão ser observados os prazos estabelecidos pelas regras da anterioridade, independentemente de qualquer razão que suporte o ato estatal. Se, todavia, o ato do Poder Público prejudicar o exercício de direitos em curso, bem como comprometer a disposição da liberdade e da propriedade que será desenvolvida no futuro, sem que haja tutela a ser prestada pela atuação das regras antes referidas, então haverá outro nível de proteção. Haverá proteção apoiada na segurança jurídica e nos direitos individuais. Ou seja, a tutela do contribuinte ocorrerá por meio do princípio da anterioridade. A tutela oferecida pelo princípio dar-se-á nos casos em que não há prazos de anterioridade fixados pela CF/1988, ou mesmo nas situações em que o prazo fixado mostrar-se insuficiente. O âmbito de aplicação do aludido princípio remete o intérprete à análise de elementos como atuação do contribuinte e comportamento estatal. E tende a se submeter à ponderação horizontal em face de outras normas constitucionais com as quais o referido princípio estabelece relação de conflito, tais como os princípios democrático e da separação dos poderes (os quais suportam os atos estatais que implicam modificações no ordenamento jurídico).
Tais considerações com relação ao âmbito de aplicação das normas em exame são de suma importância. Isso porque a solução de um caso exige a utilização da norma ajustada às suas particularidades. Ignorar essas questões pode levar à tentativa de proteger o contribuinte por meio de norma inapropriada. E o que era para ser, segundo a CF/1988, proteção reforçada passa a ser proteção enfraquecida.
O STF reiteradamente nega a existência de violação à anterioridade nas situações de modificação da data de vencimento da obrigação tributária. Do mesmo modo, entende não ferir a referida regra o ato estatal que suprime desconto que fora concedido para liquidação antecipada de tributo. Ainda, o tribunal decide que não haveria prazo de anterioridade a ser fixado para o caso da lei que institui o regime de substituição tributária relativamente ao ICMS. O fundamento utilizado pelo tribunal, em suas decisões, é o de que não há aumento ou criação de tributo. Porém, a circunstância de não haver, diretamente, aumento ou criação de tributo não implica ausência de efeitos restritivos aos direitos individuais causados pelos atos estatais que modificam o Direito. Ela apenas sinaliza que o âmbito de aplicação que está em exame não é o das regras da anterioridade vinculadas aos elementos referidos textualmente pela CF/1988, mas do princípio da anterioridade. Em outras palavras: não se aplicam as regras fundamentadas no art. 150, III, b e c, e no art. 195, parágrafo 6º, mas deve-se aplicar o princípio suportado pela segurança jurídica e pelos direitos fundamentais. Empregando uma metáfora, é possível afirmar que a CF/1988 pode ser comparada a uma caixa de ferramentas com diversas soluções para os mais variados tipos de problemas do dia a dia. Há martelos, chaves de fenda e alicates. Cada um desses equipamentos é ajustado para determinadas situações. Se a tarefa a ser realizada é apertar um parafuso em um objeto metálico, não se deve tentar enroscá-lo por meio de um martelo. O martelo tem grande utilidade para alguns casos, mas ele não se ajusta a esse tipo de situação. Ele não serve para cumprir a finalidade pretendida. O uso do equipamento inapropriado desautoriza afirmar que a caixa de ferramentas não apresenta solução ao problema enfrentado. Solução há. O que não há é o emprego do equipamento adequado para, efetivamente, solucionar o problema posto. O certo é que cada caso exige a análise das suas particularidades para que a tutela do contribuinte seja feita por meio de norma realmente aplicável.
As considerações feitas acima demonstram que o exame da anterioridade no Direito Tributário vai muito além dos enunciados normativos dos arts. 150, III, b e c, e 195, parágrafo 6º, da CF/1988. Conforme demonstrado na primeira parte deste trabalho, os referidos enunciados são apenas uma (pequena) parte do objeto a ser estudado. É preciso ir além dele. O problema da anterioridade no Direito Tributário não pode ficar fechado na unidimensionalidade das normas construídas a partir desses dispositivos legais. O problema é multidimensional.62 É preciso ampliar o espectro de análise. Cumpre colocar no campo de investigação aqueles aspectos que, conforme visto anteriormente, foram até então menosprezados.
É, portanto, nesse contexto que, no Direito Tributário brasileiro, a anterioridade apresenta-se tanto como regra quanto como princípio jurídico. A seguir, passa-se a analisar mais precisamente o conteúdo do princípio da anterioridade tributária material.
B) Âmbito de aplicação e conteúdo do princípio da anterioridade tributária material
b.1) Âmbito de aplicação
Em primeiro lugar, o princípio da anterioridade atua nas situações em que os atos estatais modificam o Direito sem, no entanto, implicarem aumento ou criação de tributo. Trata-se dos atos que estabelecem consequências mais gravosas, relativamente à disciplina anterior, ao exercício de direitos fundamentais em curso ou à disposição de direitos cuja realização se dará no futuro.
Nesse contexto, o referido princípio regula os casos em que o STF normalmente entende serem inaplicáveis as regras da anterioridade, tais como: revogação de benefícios fiscais (isenções, dentre outros); antecipação da data de recolhimento do tributo; extinção de descontos concedidos para os casos de liquidação antecipada do crédito tributário; regimes tributários, como a substituição tributária, cuja instituição possa implicar gravosidade aos contribuintes no ato em que é implementada. O princípio se aplica com relação aos efeitos interventivos decorrentes tanto da obrigação tributária principal, quanto da obrigação acessória. Ou seja, qualquer ato estatal que, emanado pelos Poderes de Estado, for capaz de acentuar a restrição aos direitos fundamentais do contribuinte comparativamente ao regramento anterior estará sujeito à aplicação do princípio em exame. Portanto, o princípio impõe limites à mudança normativa que diminui, mais ou menos intensamente, a disponibilidade dos bens jurídicos protegidos pelos direitos fundamentais em comparação com a referida disponibilidade que existia antes da alteração normativa. Ele determina a adoção de medidas de transição e de prazos razoáveis.
Em segundo lugar, a anterioridade tributária em sua qualidade de princípio jurídico atua nos casos em que não há prazos de anterioridade predeterminados pelas regras constitucionais sobre o tema (art. 150, III, b e c, e art. 195, parágrafo 6º). Cuida-se daquelas situações em que a CF/1988 estabeleceu exceções às referidas regras, como ocorreu, por exemplo, com relação ao imposto de importação. Por tratar-se de tributo aduaneiro, seu caráter conjuntural exigiria que as medidas tributárias tivessem aplicação imediata, sob pena da sua ineficácia.63 Diz-se, a respeito de tais exceções, que elas confeririam certa dose de previsibilidade ao contribuinte quanto à possibilidade de mudança do ordenamento. Em outras palavras: ao iniciar uma operação de importação, o contribuinte sabe que pode ocorrer alteração da disciplina jurídica. E, por isso, não haveria problemas com relação à calculabilidade do Direito em tais hipóteses. Contudo, tal entendimento merece as seguintes ressalvas.
Observe-se que, para a promoção de um estado de calculabilidade do Direito, não é suficiente o conhecimento antecipado por parte do contribuinte de que haverá mudança. O cidadão precisa, na realidade, conhecer com antecedência qual será a intensidade da alteração a ser realizada. Vale dizer, não basta saber que o Direito mudará. É preciso saber qual será o grau de divergência dessa mudança com relação à disciplina jurídica alterada. Só assim é que as modificações normativas são calculáveis. Ou seja, mesmo que o contribuinte possa contar com a majoração repentina da alíquota do tributo (no futuro), como ocorre com relação ao imposto de importação, o conteúdo dessa mudança não é cognoscível quando o cidadão adota determinado curso de comportamento (no presente). Como dito acima, o indivíduo não sabe exatamente “em quanto” a alíquota aumentará. Por isso, dependendo da drasticidade da alteração da alíquota e dos efeitos restritivos à liberdade e à propriedade que essa alteração vier a provocar, o princípio da anterioridade tributária material determinará o dever de adoção de prazos adequados para transição entre as disciplinas jurídicas. Se, por exemplo, o contribuinte planejou sua atividade econômica em relação à determinada operação e dispôs dos seus direitos de tal modo que, diante da majoração de alíquota, já não lhe seja mais possível reorganizar o comportamento havido no presente, então o princípio em exame determina o seguinte: a fixação de um interstício capaz de intangibilizar o exercício planejado da liberdade e da propriedade havido por tal cidadão. Isso porque, sob o ponto de vista dos direitos individuais, a previsibilidade da variação normativa não elimina a necessidade de uma reorganização e de um novo planejamento da atividade empresarial.64 Essas considerações revelam, portanto, que as mudanças realmente calculáveis são aquelas que podem ser previstas também com relação ao seu conteúdo.65
Em terceiro lugar, o princípio da anterioridade é igualmente aplicável às hipóteses em que os prazos fixados pelas regras constitucionais sobre o tema são insuficientes para a efetiva criação de um estado de coisas de calculabilidade. Exemplo desse tipo de situação é o caso envolvendo o aumento de alíquota da contribuição social sobre o lucro que passa a viger no final do exercício anual. Lembre-se que a regra da anterioridade estabelecida a partir do art. 195, parágrafo 6º, da CF/1988 determina que as contribuições sociais destinadas ao custeio da seguridade social só poderão ser exigidas após decorridos 90 dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado. Contudo, conforme foi examinado na primeira parte deste trabalho, tal interstício tende a não ser suficiente para que se assegure um exercício planejado da liberdade ao longo do período anual em hipóteses como a acima mencionada. Observe-se que, se, respeitado o prazo nonagesimal, a eficácia do ato estatal inovador da ordem jurídica iniciar-se no final do ano, como ocorreu na situação examinada pelo STF, em que a nova alíquota passou a viger no dia 24 de dezembro de 1989, então deverá ser assegurada a ampliação do prazo predefinido pela regra jurídica da anterioridade. Nessa hipótese, o ato gravoso ao contribuinte deverá ser aplicado somente no próximo exercício. Isso em razão de que quanto mais próximo de completar o ciclo de apuração do tributo estiver o contribuinte, vale dizer, quanto mais completo estiver o seu exercício planejado de direitos, mais difícil se torna a reversão do seu comportamento. E, consequentemente, mais peso terão as razões do cidadão para invocar a tutela dos seus direitos por meio do princípio da anterioridade em tal caso. Se, por outro lado, a alteração normativa passar a viger no início do ano, então terão menos peso as razões que suportam o dever de ampliação do prazo de 90 dias. Isso porque é certo presumir, nessa situação, que menos atos de disposição de direitos formativos do fato gerador foram planejados e praticados pelo contribuinte.
Postas, pois, as considerações quanto ao âmbito de aplicação do princípio em exame, cumpre, agora, examinar seu conteúdo.
b.2) Conteúdo do princípio: aspectos finalísticos e instrumentais
Na qualidade de princípio jurídico, a anterioridade é uma norma imediatamente finalística. Ela institui o dever de adotar determinados comportamentos necessários à promoção de um estado de coisas. Esse estado de coisas, por sua vez, diz respeito à situação em que estão presentes certas qualidades buscadas pelo princípio.66 Diferentemente das regras da anterioridade, o princípio em exame não prescreve o que deve ser feito, mas aquilo que deve ser. Por conta dessa estrutura normativa, seu conteúdo apresenta dois grupos de aspectos principais: aspectos finalísticos (fins) e aspectos instrumentais (meios). O aprofundamento desses aspectos exige, por certo, um estudo complementar ao presente. Por ora, o que se pretende é apresentar as linhas gerais com relação a cada um deles, visando a fornecer critérios para a aplicação da norma estudada.
No que diz respeito aos fins, o estado de coisas a ser realizado pelo princípio da anterioridade é a intangibilidade do exercício planejado da liberdade e da propriedade. Trata-se de um estado de proteção da liberdade de exercer direitos. Um estado qualificado pela não surpresa do contribuinte, vale dizer, pela não alteração brusca, gravosa ao contribuinte, dos efeitos tributários que o Direito conectara à disposição da liberdade do indivíduo no momento em que ele realizou seu plano de ação.
Com relação à intangibilidade do exercício dos direitos, o princípio da anterioridade protege os atos pelos quais o contribuinte, por exemplo: assina contratos, despende recursos financeiros, compra e vende mercadorias, presta serviços, funda, transforma e encerra empresas, executa investimentos, planeja a realização de negócios e da sua vida profissional etc.
O princípio em estudo também visa à promoção de um estado de coisas de calculabilidade com relação à intensidade dos efeitos interventivos decorrentes das obrigações tributárias acessória e principal.67 Visa, igualmente: à calculabilidade quanto às alterações normativas gravosas no que diz respeito às modalidades de extinção e de exclusão do crédito tributário; e à calculabilidade com relação às possíveis modificações de entendimento quanto à interpretação das normas tributárias pelos Poderes Executivo e Judiciário.68 Consequentemente à promoção desses estados parciais de coisas, o princípio em estudo visa a promover as finalidades relacionadas aos seus fundamentos, tais como: a não restrição arbitrária dos direitos fundamentais; a credibilidade do Direito; a liberdade de planejamento e de exercício de atividade profissional e econômica, mais precisamente a liberdade de: fundar, transformar e criar uma empresa; planejar investimentos; realizar investimentos; planejar uma carreira profissional; realizar contratos de compra e venda e de prestação de serviços; obter renda e lucro; dispor da renda e do lucro, dentre outros.
Por outro lado, quanto aos meios, cumpre assinalar que os comportamentos devidos pelo Estado são definidos a partir da consideração de determinados critérios relacionados às finalidades acima examinadas. É com base na interação entre esses critérios que a conduta a ser realizada pelo Estado deve ser determinada.
O primeiro grupo de critérios diz respeito ao exercício de direitos e à sua restrição. Quanto mais intenso e extenso for o exercício de direitos planejado em razão dos efeitos jurídicos que o Direito a ele conectou e cuja verificação se dará no futuro, maior deverá ser a proteção do particular diante da mudança normativa gravosa e abrupta desses efeitos. Vale dizer, mais peso terão as razões em favor da fixação do prazo de anterioridade por meio da atuação do princípio em exame. Por outro lado, quanto mais intensa for a restrição à liberdade e à propriedade causada pelo ato estatal modificador do Direito, maior deve ser o prazo de anterioridade cuja fixação se impõe. Há casos em que, por tudo o que fez em razão da manifestação estatal modificada, contando com as consequências jurídicas futuras dessa manifestação, o contribuinte necessita de um tempo mais amplo para reorientar a sua conduta ou para precaver-se diante da nova disciplina normativa.
O segundo grupo de critérios relaciona-se à atuação estatal. Mais precisamente, diz respeito à intensidade dos efeitos causados pelas modificações do Direito. Quanto mais bruscas e drásticas forem as modificações provocadas pelo novo ato estatal, maior deverá ser a proteção do(s) contribuinte(s) em face desse ato. Isso porque as mudanças podem ser mais ou menos bruscas e mais ou menos drásticas. A alteração brusca é aquela que não pode ser, de modo algum, antecipada pelo contribuinte. Trata-se de modificação inesperada, imprevista, com a qual o cidadão não podia contar. A alteração drástica, por sua vez, é aquela intensa em seus efeitos. Trata-se de modificação radical e muito divergente em comparação à disciplina normativa anterior.69
As alterações bruscas tendem a impedir que o contribuinte possa calcular os efeitos que certa mudança normativa causará sobre seus direitos. A modificação repentina dos atos estatais agrava os problemas envolvendo a possibilidade de readequação do exercício da liberdade. Sem poder prever quando o ato mudará e qual será efetivamente o conteúdo dessa mudança, o particular fica impossibilitado de planejar a reorientação do seu comportamento para o futuro. Por outro lado, as alterações drásticas tendem a afetar intensamente a disposição planejada da propriedade e da liberdade. Em razão de as novas consequências jurídicas serem muito discrepantes das anteriores, elas provocam uma restrição mais intensa nesses direitos. E o prejuízo a ser suportado pelo contribuinte aumenta.
Tais critérios relacionam-se de tal sorte que a baixa intensidade de um pode ser compensada pela presença mais intensa de outro. Por exemplo, ainda que a alteração normativa não seja drástica, pode ocorrer que, em razão de a disposição planejada de direitos do contribuinte ter sido muito intensa e projetada para implementação no futuro, tenha de ser estabelecido um tempo de anterioridade razoável para permitir a reorganização desse exercício de direitos.
Conclusão
Todas as considerações anteriores levam às seguintes conclusões finais:
1. A anterioridade é norma jurídica cujo conteúdo e cuja eficácia somente emergem na plenitude se for estabelecida sua combinação material argumentativamente estruturada com as normas constitucionais que a fundamentam (Estado de Direito, segurança jurídica, dignidade humana, liberdade e propriedade). É com base nessa relação de coerência substancial que seu sentido normativo é delimitado. Com alicerces em tal relacionamento material, deve-se passar da intangibilidade das situações individuais por razões apenas formais e objetivas para um modelo de intangibilidade das situações individuais por razões fundamentalmente materiais e subjetivas. A anterioridade, antes concebida, por assim dizer, fundamentalmente como formal, deve ser identificada como anterioridade material, com o que se amplia o sentido prático da norma em estudo.
2. A anterioridade material atua no Direito Tributário em sua inteireza, tanto como regra, quanto como princípio jurídico. A CF/1988, ao estabelecer o subsistema das limitações constitucionais ao poder de tributar, instituiu limites formais e negativos ao exercício do poder estatal. Um deles diz respeito às regras da anterioridade tributária vinculadas aos prazos estabelecidos a partir dos arts. 150, III, b e c, e 195, parágrafo 6º, da CF/1988. A CF/1988, contudo, abriu expressamente tal sistema (art. 150, caput), conectando-o às limitações materiais e positivas estabelecidas pelos direitos fundamentais, pela segurança jurídica e, sendo assim, pelos princípios implícitos, como o da anterioridade material. Instituiu a anterioridade como limitação: material, tendo em vista que tal norma atua na definição do conteúdo dos atos estatais produzidos no âmbito tributário; e positiva, na medida em que a norma jurídica em estudo impõe ao Estado a adoção de condutas preservadoras dos direitos fundamentais exercidos na transição do presente para o futuro. As regras e o princípio da irretroatividade integram, juntos, o Sistema Constitucional Tributário axiologicamente harmonizado e ordenado à promoção dos valores fundamentais.
3. O princípio da anterioridade tributária material determina a anterioridade dos atos estatais gravosos à liberdade e à propriedade do cidadão. Atua, de um lado, nos casos não cobertos pelas regras jurídicas constitucionais que tratam do tema. Limita o exercício do poder de tributar não apenas com relação aos atos estatais dos poderes de Estado que implicam aumento ou criação de tributo, mas também quanto aos demais atos que agravam a situação do contribuinte comparativamente à disciplina jurídica modificada. Atua, de outro lado, nas situações em que não há prazo estabelecido pela CF/1988 ou naquelas em que os prazos fixados pelas regras da anterioridade mostram-se insuficientes para promoverem a efetiva tutela do exercício orientado e planejado da liberdade individual.
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1 RE 197.790, Tribunal Pleno, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 21.11.1997. No mesmo sentido, RE 195712-3, 2ª T., rel. Min. Mauricio Correa, DJ de 16.2.1996; AgR no AgIn 333.209-9, 1ª T., rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 22.6.2004; RE 587.008/SP, Tribunal Pleno, rel. Min. Dias Toffoli, DJ de 5.5.2011.
2 ADI 4661-MC, rel. Min. Marco Aurélio, Plenário, j. em 20.10.2011.
3 RE 584.100, rel. Min. Ellen Gracie, Plenário, DJE 5 de 2.2.2010.
4 RE 234605/RJ, 1ª T., rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 1º.12.2000.
5 Súmula 669 do STF.
6 Com relação ao IPVA: ADI 4016-MC, rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJe de 24.4.2009; com relação ao ICMS: ARE 682631, AgRg-AgRg/MG, 1ª T., rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 20.4.2014.
7 ADI/MC 2.325, Tribunal Pleno, rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 6.10.2006.
8 PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário completo. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 93.
9 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 2001, pp. 211-217.
10 GRIBNAU, Hans. “Legal certainty: a matter of principle”. In: GRIBNAU, Hans; e PAUWELS, Melvin (eds.). Retroactivity of tax legislation. Vol. 9. EATLP International Tax Series. Amsterdã, 2013, p. 73.
11 TAMANAHA, Brian. On the rule of Law: history, politics, theory. Cambridge: Cambridge University, 2004, p. 34.
12 Ibidem, p. 66.
13 Ibidem, pp. 34-36 e 66.
14 MASTROIACOVO, Valeria. “L’efficacia della norma tributaria nel tempo”. In: FANTOZZI, Augusto; e FEDELE, Andrea (orgs.). Statuto dei Diritti del contribuente. Milão: Giuffrè, 2005, pp. 93-124, p. 99.
15 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, de 1969. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 82.
16 LUNEBURG, William V. “Retroactivity and administrative rulemaking”. Duke Law Journal, 1991, pp. 106-165, p. 157. Disponível em http://scholarship.law.duke.edu/dlj/vol40/iss1/3. Acesso em 2014.
17 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 605.
18 Ibidem, p. 611.
19 “Restringir” direitos fundamentais significa, no presente trabalho, indisponibilizar, mais ou menos intensamente, os bens jurídicos protegidos por tais direitos.
20 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 330.
21 ÁVILA, Humberto. “Antecipação de receita de ICMS, alteração reiterada e momentânea do prazo de recolhimento e do período de apuração já iniciado por meio de Decreto Estadual: análise da constitucionalidade e da legalidade”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 94. São Paulo: Dialética, julho de 2003, pp. 140-155, p.152.
22 ATALIBA, Geraldo. “Segurança do Direito, tributação e anterioridade”. RDT nº 27-28. São Paulo, 1984, p. 71.
23 Idem.
24 MASTROIACOVO, Valeria. “L’efficacia della norma tributaria nel tempo”. Op. cit., p. 111.
25 ATALIBA, Geraldo. “Segurança do Direito, tributação e anterioridade” Op. cit., p. 71.
26 Sobre as regras como normas do que se deve fazer (ought to do), vide: AARNIO, Aulis. Essays on the doctrinal study of law. Dordrecht: Springer, 2011, p. 124; AARNIO, Aulis. Reason and authorithy: a treatise on the dynamic paradigm of legal dogmatics. Aldershot: Ashgate, 1997, p. 183.
27 GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, pp. 70 e 155; GUASTINI, Riccardo. Le fonti del Diritto e l’interpretazione. Milão: Giuffrè, 1993, p. 280.
28 GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Op. cit., pp. 186-188.
29 PECZENIK, Aleksander. On law and reason. 2ª ed. Dordrecht: Springer, 2008, pp. 131-133; sobre a necessidade de integrar as diferentes normas e regulações dentro de um corpo coerente do Direito: RAZ, Joseph. Between authority and interpretation. Nova York: Oxford University Press, 2010, p. 318.
30 PECZENIK, Aleksander. On law and reason. 2ª ed. Dordrecht: Springer, 2008, pp. 132 e ss.; ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 84 e ss.; AARNIO, Aulis. Reason and authorithy: a treatise on the dynamic paradigm of legal dogmatics. Aldershot: Ashgate, 1997, p. 200. Embora sem a referência à nomenclatura acima indicada, tais critérios são tratados em: CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 3ª ed. Tradução de A. Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, pp. 92-93.
31 GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, pp. 170 e 293; sobre a harmonização axiológica: WRÓBLEWSKI, Jerzy. The judicial aplication of Law. Dordrecht: Kluwer, 1992, p. 103.
32 Sobre os três tipos de fundamentação recíproca, vide: PECZENIK, Aleksander. On Law and reason. 2ª ed. Dordrecht: Springer, 2008, p. 137.
33 RAZ, Joseph. “The rule of Law and its virtue (1977)”. The authority of Law: essays on Law and morality. Oxford: Oxford, 2005, pp. 220-221; TAMANAHA, Brian. On the rule of Law: history, politics, theory. Cambridge: Cambridge University, 2004, p. 91.
34 RAZ, Joseph. “The rule of Law and its virtue (1977)”. The authority of Law: essays on Law and morality. Oxford: Oxford, 2005, p. 219.
35 KANT, Emmanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela. Coimbra: Coimbra, 1960, pp. 189-190.
36 TAMANAHA, Brian. On the rule of Law: history, politics, theory. Cambridge: Cambridge University, 2004, p. 36.
37 GRIBNAU, Hans. “National report: Netherlands”. In: GRIBNAU, Hans; e PAUWELS, Melvin (eds.). Retroactivity of tax legislation. V. 9. EATLP International Tax Series. Amsterdã, 2013, p. 74.
38 MESSINEO, Donato. Garanzia del contenuto essenziale e tutela multilivello dei diritto fondamentali. Macerata: Simple, 2010, p. 118.
39 BARZOTTO, Luiz Fernando. “Justiça social: gênese, estrutura e aplicação de um conceito”. Revista da Presidência da República nº 48. Brasília, pp. 1-22, p. 10. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_48/artigos/ART_LUIS.htm. Acesso em 23.7. 2014.
40 SARLET, Ingo Wolfgang. “As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível”. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Dimensões da dignidade: ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 35.
41 ORTIZ, Gaspar Ariño. Principios constitucionales de la libertad de empresa: libertad de comercio e intervencionismo administrativo. Madri: Marcial Pons, 1995, pp. 221 e ss.; CUESTA, Ramón Entrena. “El principio de libertad de empresa”. In: FALLA, Fernando Garrido (coord.). El modelo económico en la Constitución española. V. 1. Madri: Instituto de Estudios Económicos, 1981, pp. 107-165, p. 116; PAPIER, Hans-Jürgen. “Ley fundamental y orden económico”. In: BENDA, Ernest et al. Manual de Derecho Constitucional. Trad. de Antonio López Pina. Madri: Marcial Pons, 1996, pp. 561-612, p. 573; MENKE, Cassiano. A proibição aos efeitos de confisco no Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 76 e ss.
42 KIRCHHOF, Paul. “A influencia de la Constitución alemana en su legislación tributaria”. Garantías constitucionais del contribuyente. Trad. de Cesar García Novoa. Valência: Tirant lo Blanch, 1998, pp. 25-49, p. 42.
43 TIPKE, Klaus. Moral tributaria del Estado y de los contribuyentes: besteuerungsmoral und steuermoral. Trad. de Pedro M. Herrera Molina. Madri: Marcial Pons, 2002, p. 52.
44 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 76.
45 RAZ, Joseph. “The rule of Law and its virtue (1977)”. The authority of Law: essays on law and morality. Oxford: Oxford, 2005, p. 215. No mesmo sentido: VARAZI, Filippo. “Contributi alla certezza della norma tributaria”. In: FANTOZZI, Augusto; e FEDELE, Andrea (orgs.). Statuto dei diritti del contribuente. Milão: Giuffrè, 2005, pp. 65-91, p. 69.
46 ATALIBA, Geraldo. “Segurança do direito, tributação e anterioridade”. RDT 27-28, São Paulo, 1984, p. 68.
47 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 267.
48 GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, pp. 40-61.
49 LEONI, Bruno. La libertà e la legge. 5ª ed. Trad. de Maria Chiara Pievatolo. Macerata: Liberilibri, 2010, p. 84.
50 TAMANAHA, Brian. On the rule of Law: history, politics, theory. Cambridge: Cambridge University, 2004, p. 66.
51 GRIBNAU, Hans. “National report: Netherlands”. Retroactivity of Tax Legislation. V. 9. EATLP International Tax Series, 2013, p. 81.
52 FALSITTA, Gaspare. Giustizia tributaria e tirania fiscale. Milão: Giuffrè, 2008, p. 537.
53 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito. 3ª ed. Trad. de A. Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 26.
54 GUASTINI, Riccardo. Le fonti del diritto e l’interpretazione. Milão: Giuffrè, 1993, pp. 30 e ss.
55 BORGES, José Souto Maior. “O princípio da segurança jurídica na criação e aplicação do tributo”. RDT nº 63. São Paulo, 1995, pp. 206-210, p. 207.
56 Nesse sentido, vide: ADI 712/MC, Min. Rel. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ de 10.2.1993. Segundo o STF: “O exercício do poder tributário, pelo estado, submete-se, por inteiro, aos modelos jurídicos positivados no texto constitucional que, de modo explícito ou implícito, institui em favor dos contribuintes decisivas limitações à competência estatal para impor e exigir, coativamente, as diversas espécies tributárias existentes.” (Destaque nosso)
57 Sobre o assunto: ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 131; ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário. São Paulo: RT, 1968, pp. 7 e 9.
58 GUASTINI, Riccardo. Le fonti del diritto e l’interpretazione. Milão: Giuffrè, 1993, p. 32.
59 Sobre os direitos fundamentais como direitos a uma proteção positiva e negativa (direitos de defesa), vide: ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 2001, p. 226.
60 GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 360.
61 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 141.
62 FOLLONI, André. Ciência do Direito Tributário no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 385.
63 SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 328.
64 MASTROIACOVO, Valeria. “L’efficacia della norma tributaria nel tempo”. In: FANTOZZI, Augusto; e FEDELE, Andrea (orgs.). Statuto dei Diritti del contribuente. Milão: Giuffrè, 2005b, pp. 93-124, p. 111.
65 KARWAT, Piotr. “National report: Poland”. In: GRIBNAU, Hans; e PAUWELS, Melvin (eds.). Retroactivity of tax legislation. Vol. 9, EATLP International Tax Series. Amsterdã, 2013. p. 339.
66 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, pp. 95-96.
67 AMATUCCI, Fabrizio. L’efficacia nel tempo dela norma tributaria. Milão: Giuffrè, 2005, p. 15.
68 MARONGIU, Gianni. Lo statuto dei diritti del contribuente. 2ª ed. Turim: Giappichelli, 2010, p. 84.
69 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 613.