Os Condomínios Edilícios e o Imposto de Renda
Condominiums and the Income Tax
Rogério Abdala Bittencourt Júnior
Pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Advogado (Minas Gerais/MG). E-mail: rogerio@alkmim.adv.br.
Resumo
Cuida-se o presente de propor a impossibilidade da tributação da renda mediante a equiparação dos condomínios edilícios às pessoas jurídicas.
Parte-se do entendimento da natureza jurídica do condomínio e do contexto normativo que tem como objeto esse ente despersonalizado, demonstrando-se haver grande contradição sistêmica no que diz respeito, de um lado, à existência de normas que implicitamente equiparam o condomínio à pessoa para fins fiscais, e, de outro, a expressa vedação de tal condição.
Ademais, sob a ótica da Constituição Federal, do Código Tributário Nacional e da legislação do imposto de renda, especialmente o Decreto no 3.000/1999, bem como da doutrina relativa às ficções jurídicas, analisa-se a possibilidade, ou não, de equiparação de entes despersonalizados a “pessoas” para fins tributários, tanto em relação a obrigações tributárias, quanto a deveres instrumentais.
Por fim, assevera-se a necessidade de regulação segura dos condomínios edilícios, de forma a conferir coerência ao sistema jurídico-tributário.
Palavras-chave: condomínios edilícios, IRPJ, IRPF, imposto de renda, sujeição passiva, contribuinte, CTN, CF, RIR/1999.
Abstract
The purpose of the present research consists on the impossibility of taxation of income by giving legal equivalence of condominiums and legal persons.
Starting with the understanding of the legal nature of the condominium and the regulatory framework which regulates such depersonalized entity, it is demonstrated the existence of systemic contradiction with regard to, on the one hand, the existence of statutes that equal the condominiums to the persons for tax purposes, and on the other, the express removal of such condition by other statutes.
Moreover, from the perspective of the Federal Constitution, the National Tax Code and income tax legislation, especially the Decree No. 3000/1999, as well as the legal doctrine about the legal fictions, it is analyzed the possibility or not of the legal equivalence of depersonalized entities with “legal persons” for tax purposes, both in relation to tax obligations, as the instrumental duties.
Finally, it is highlighted the need of creating a secure regulation for condominiums, in order to give coherence to the legal and tax system.
Keywords: condominiums, IRPJ, IRPF, income tax, tax liability, taxpayer, CTN, CF, RIR/1999.
1. Introdução
Embora haja disciplina jurídica clara a respeito da correta tributação da renda advinda de bens em condomínio, doutrina e jurisprudência divergem quanto à possibilidade de se atribuir a sujeição passiva do imposto de renda ao condomínio edilício, especialmente quanto à tributação incidente sobre os ganhos auferidos em contrapartida da cessão ou utilização de partes comuns do condomínio.
O condomínio edilício é constituído juridicamente por meio do registro junto à matrícula do imóvel de que é objeto, assim como pelo assentamento de sua Convenção, ambos no Cartório de Registro de Imóveis competente (arts. 1.332 e 1.333 do CC).
O ordenamento jurídico brasileiro obriga os condomínios edilícios a proceder à inscrição no CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas. Além disso, é pacífico o entendimento de que os condomínios possam ser “parte” em processos judiciais (capacidade para estar em juízo – representação processual), fatos estes que fazem emergir uma possível interpretação de que os condomínios sejam entendidos como pessoas jurídicas, em confronto com o disposto no Código Civil.
É de destacada relevância a apuração da natureza jurídica dos condomínios, sobretudo dos edilícios, para fins de verificação da possibilidade de se considerar o “condomínio edilício” como sujeito passivo do imposto de renda quanto a rendimentos auferidos em conjunto pelos condôminos. Um exemplo muito claro de tal situação é a locação de partes comuns, em que ocorre a geração de renda a ser distribuída entre os condôminos.
O foco da abordagem do presente estudo é a disparidade de tratamento do condomínio edilício para efeitos tributários. Isto porque, enquanto o ordenamento jurídico tributário, por um lado, descreve a impossibilidade de tributação da renda do condomínio por equiparação à condição de “pessoa jurídica”, em outro turno, determinadas normas tributárias atribuem aos condomínios, como se pessoas fossem, a condição de sujeitos passivos do imposto de renda retido na fonte, da contribuição previdenciária ao INSS – Instituto Nacional da Seguridade Social, ou ainda detenção de deveres instrumentais, tal como a obrigação de apresentar declarações ao Fisco relativas a tais obrigações.
Com efeito, há uma contradição sistêmica no que diz respeito à concomitância de normas denegatórias da equiparação dos condomínios às pessoas jurídicas para fins tributários, e de outras normas que, na prática, realizam tal equiparação, a despeito de não estabelecerem tal equivalência entre os dois institutos (condomínios e pessoas jurídicas) de maneira expressa. Em outras palavras, conferem-se deveres aos condomínios de natureza tributária ou instrumental, sem, no entanto, declarar-se a equiparação dos condomínios às pessoas jurídicas para fins tributários gerais.
Por um lado, é bastante evidente a impossibilidade de haver tributação do “condomínio” quando haja o auferimento de renda em decorrência de atos praticados exclusivamente por condôminos, no âmbito do condomínio edilício, relativamente à área de uso privativo de cada um deles. Nestes casos, é cediço que o rendimento, por exemplo, da locação de tal área, será tributado exclusivamente na pessoa do condômino individualmente.
Ocorre que, de maneira oposta, quando se verifica um rendimento decorrente do uso ou cessão, por meio de locação, por exemplo, de partes comuns do condomínio edilício, há, não raro, o entendimento de que o condomínio edilício seja sujeito passivo ou responsável tributário dos tributos incidentes sobre esse ganho, por ser considerado, por alguns, pessoa jurídica equiparada para fins tributários, inclusive na condição de sujeito passivo de obrigações tributárias.
Focaremos neste estudo, particularmente, as situações nas quais há renda no âmbito do condomínio edilício. Para tanto, iniciaremos o trabalho com a investigação da natureza jurídica do condomínio edilício, a fim de estabelecer cientificamente se este se enquadraria no conceito de pessoa jurídica sob o enfoque do direito privado, ou se equiparada sob o ponto de vista fiscal. Investigaremos se é possível a equiparação de condomínios a pessoas jurídicas, a ponto de lhes conferir a condição de titulares de direitos e obrigações perante a ordem jurídico-tributária.
Em seguida, discorreremos acerca de como deve se dar a tributação dos rendimentos auferidos em decorrência de esforço comum dos coproprietários no âmbito do condomínio edilício. No bojo do artigo, será analisada a posição mais atual da jurisprudência a respeito da tributação incidente sobre o condomínio edilício e seus condôminos.
2. Natureza Jurídica do Condomínio Edilício
Como aponta Caio Mário da Silva Pereira, há condomínio “quando a mesma coisa pertence a mais de uma pessoa, cabendo a cada uma delas igual direito, idealmente, sobre o todo e cada uma das partes”1. Como se observa, a doutrina civilista clássica apreende por “condomínio” a copropriedade existente em relação a determinado bem.
Quanto ao condomínio edilício, o Código Civil o define como o direito real representado pela existência, “em edificações, de partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos”. Dessa forma, a diferença entre o condomínio “geral” e o condomínio edilício é que no primeiro há apenas a copropriedade, pelos condôminos, sobre o bem como um todo, e, no segundo, ocorre a coexistência de partes privativas de determinadas pessoas (naturais ou jurídicas) e de parcelas comuns a todos, em relação a um determinado bem imóvel.
O Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, quando ainda membro do Superior Tribunal de Justiça, em sede do julgamento do REsp nº 783.414/SP, em 13 de março de 2007, conceituou o condomínio edilício como sendo “direito real advindo da conjugação de dois outros direitos reais, quais sejam: a propriedade individual sobre unidades autônomas (...) – e a copropriedade sobre as partes comuns, nos termos do art. 1.331, do Código Civil”.
Note-se que o Código Civil, ao se referir ao condomínio (geral), dirige-se a este sob os termos “coisa” (art. 1.314 e art. 1.315), “coisa comum” (art. 1.314, parágrafo único), e nunca como “pessoa”, “sociedade”, “pessoa jurídica”, ou “ente”. Portanto, conforme a doutrina civil e a definição do Código Civil, apreende-se a natureza jurídica do “condomínio” como sendo um “direito real” relativo a um determinado bem cuja propriedade é coletiva.
Com efeito, o legislador civilista, a fim de conferir eficiência na administração dos bens que estejam em situação de copropriedade (condomínio), e facilitar a representação dos proprietários perante terceiros, descreveu a necessidade de registro do condomínio edilício em cartório de registro de imóveis e o dever de criação e registro de Convenção para regular a utilização pacífica das áreas comuns existentes no condomínio edilício.
Porém, como veremos adiante, o ordenamento jurídico, ao dispor dessa forma, não expressou a criação de nova espécie de pessoa jurídica. Aliás, a respeito da definição de “pessoa jurídica de direito privado”, o Código Civil elenca taxativamente suas espécies, dentre as quais não se insere a figura do “condomínio”2. Deveras, o diploma civilista não conferiu personalidade jurídica ao condomínio, mas poderia fazê-lo pela simples inserção do termo “condomínio” dentre as espécies contidas no art. 44, o que acabaria por criar uma ficção jurídica, plenamente válida, diga-se, no sentido de que um bem, ou direito real, eventualmente, poderia ser sujeito de direitos.
Desta forma, a definição do condomínio no ordenamento jurídico brasileiro não extrapola a noção de “bem” ou “direito real”, razão pela qual não deve ser entendido, em qualquer hipótese, como pessoa jurídica, ou a ela equiparada, seja para fins do direito privado ou do ramo do Direito Tributário.
Nessa ordem de ideias, bens, tais como os imóveis em condomínio (condomínios edilícios), são efetivamente “objetos” de direito, e não “sujeitos” de direito, porquanto não sejam passíveis de titularizar direitos e deveres, característica privativa das pessoas naturais e jurídicas.
Note-se, por fim, que a previsão do Código Civil no sentido de ser necessário um representante comum (síndico), e uma convenção para regular as obrigações entre titulares (coproprietários) não transforma o condomínio (bem em comunhão) em pessoa jurídica, mas, por outro lado, tem como escopo a facilitação, aos condôminos, do exercício dos poderes inerentes à propriedade, dentre eles o uso e a fruição.
3. Sujeição Passiva do Imposto de Renda e os Condomínios
Nos termos do art. 45 do CTN, é contribuinte do imposto de renda “o titular da disponibilidade a que se refere o artigo 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis”. Veja-se que o Código aponta a necessária condição de “titular” da renda, ou ao menos “possuidor” dos bens produtores ou proventos tributáveis.
Conforme se observa do texto do CTN e da apreensão da doutrina de direito privado, não há hipótese jurídica de que bens ou direitos reais sejam capazes de titularizar direitos, mas somente pessoas, naturais ou jurídicas. Conforme definição dos incisos I e II do art. 121 e caput do art. 122 do CTN, somente quem se identifica como “pessoa” é considerado “sujeito passivo” de tributos, e, por conseguinte, pode ter a si atribuídas obrigações principais ou acessórias.
Não fosse isso o bastante, o art. 126 do Código Tributário Nacional é imperativo ao mencionar que a capacidade tributária passiva independe: (i) da capacidade civil das pessoas naturais; (ii) de achar-se a pessoa natural privada ou limitada de suas atividades civis; e (iii) de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando ser “unidade econômica ou profissional”.
Com efeito, verifica-se que, em evidente respeito ao conteúdo dos institutos e formas do direito privado, o CTN é categórico ao descrever, exaustivamente, que somente “pessoas” são capazes de serem titulares de obrigações tributárias principais ou acessórias e responder por elas.
Percebe-se, ainda, que o CTN, ao se referir ao fato de que se consideram sujeitos passivos, para fins tributários, as pessoas “não regularmente constituídas”, dá exemplos de unidades econômicas ou profissionais. O inciso III do art. 126 do CTN faz evidente referência às situações em que determinadas pessoas estejam por lei obrigadas a se organizar como pessoas jurídicas a fim de exercer algum tipo de atividade, cujo objetivo é evitar a evasão fiscal e o exercício irregular de atividades econômicas.
Com efeito, o Código Tributário não pretendeu atribuir sujeição passiva tributária a um “bem” ou “direito real”, como é o caso do condomínio, mas, por outro lado, dirigiu-se a pessoas, estas, sim, capazes de titularizar direitos e assumir obrigações.
Com referência às pessoas passíveis de sujeição passiva do imposto de renda, leciona Ricardo Mariz de Oliveira que “quanto ao imposto de renda, o contribuinte necessariamente é o titular do patrimônio aumentado”3.
A lição de Mariz se coaduna com o que se apreende do disposto no art. 121 do CTN, que, ao descrever que “Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária”, limita às “pessoas”, capazes de serem “titulares” de direito, a condição de sujeitos passivos de obrigações tributárias.
Alfredo Augusto Becker4, em sua obra Teoria geral do direito tributário, ao discorrer sobre o sujeito passivo da obrigação tributária, reflete adequadamente no sentido de que “(...) as relações jurídicas são sempre pessoais, isto é, somente existem entre pessoa e pessoa, nunca entre pessoa e coisa (...)”. Como se vê, desde a doutrina tributária clássica foi rechaçada a ideia de se atribuir a uma “coisa”, como um “bem” (de propriedade única ou em condomínio), a condição de sujeito passivo de relações jurídico-tributárias.
Já Roque Antonio Carrazza5, em sua obra Imposto sobre a Renda, adota como uma das premissas básicas da tributação sobre a renda o caráter “pessoal” do contribuinte, e que, “por injunção constitucional, o IR deve ter por hipótese de incidência o fato de uma pessoa (física ou jurídica), em razão do seu trabalho, do seu capital ou da combinação de ambos, obter, ao cabo de certo período temporal, acréscimos patrimoniais”.
Destacam-se, da lição do ilustre professor Carrazza, os termos “pessoa” e “seu”, a partir dos quais se pode construir a ideia de que somente pessoas capazes de titularizar direitos e obrigações podem ser sujeitos passivos de obrigações tributárias, o que certamente não se aplica aos condomínios edilícios.
Nesta linha, prevê o Decreto no 3.000, de 1999 (RIR/1999), na Seção direcionada ao imposto de renda da pessoa jurídica, que “São contribuintes do imposto e terão seus lucros apurados de acordo com este Decreto: I – as pessoas jurídicas (Capítulo I); II – as empresas individuais (Capítulo II)”.
Ademais, em expressa referência ao inciso III do art. 126 do CTN, no que diz respeito à tributação atribuída a pessoas que exercem atividades de maneira irregular, seu parágrafo 1o deixa claro que a sujeição passiva descrita no caput aplica-se a “todas as firmas e sociedades, registradas ou não”.
O RIR/1999 igualmente enumera as situações nas quais são equiparados, para fins de sujeição passiva do imposto de renda pessoa jurídica, outros entes não considerados “pessoas jurídicas de direito privado”, como: (i) sociedades civis de prestação de serviços profissionais; (ii) empresas públicas e sociedades de economia mista; (iii) sociedades cooperativas de consumo; fundos de investimento imobiliário (art. 752 da Lei no 9.779/1999).; (iv) filiais, sucursais, agências, representações ou comitentes de pessoas jurídicas com sede ou domiciliadas no exterior; (v) sociedades em conta de participação; (vi) empresas individuais; (vii) incorporações imobiliárias ou loteamentos cuja documentação seja arquivada no registro imobiliário; e (viii) o titular de glebas de terra.
Nesse contexto, tanto o Código Tributário Nacional quanto a legislação do imposto de renda reservam às “pessoas” natural e jurídica, e a entes a elas equiparados (dentre os quais não se encontra o condomínio edilício) a condição de titular de obrigações tributárias, sejam estas relativas ao dever de pagar o tributo ou de cumprimento de deveres instrumentais.
Importa trazer a baila, neste ponto, a lição de Misabel Derzi a respeito do aspecto pessoal da hipótese de incidência da norma tributária, com especial atenção a esse aspecto no que tange aos impostos. Em suas considerações, a célebre professora deixa também evidente o requisito da condição de pessoa na eleição do sujeito passivo6.
Outrossim, dispõe o CTN, em seu art. 110, que “A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”
Com efeito, o dispositivo acima prescreve que a legislação tributária não tem o poder de alterar o que está previsto na Constituição implícita ou explicitamente a respeito de institutos civis. Entendemos que é este o caso da equiparação de entes despersonalizados a pessoas jurídicas no que tange à sujeição passiva de tributos.
Isto porque, quando prevê a possibilidade de equiparação de institutos “não personificados” a pessoas jurídicas para fins tributários, a Constituição o faz de maneira expressa, senão veja-se: “§ 3º A pessoa natural destinatária das operações de importação poderá ser equiparada a pessoa jurídica, na forma da lei” (art. 149, parágrafo 3º, da CF).
Dessa forma, no que tange ao imposto de renda, pode-se dizer que os constituintes originário e derivado, de maneira implícita, vedaram a equiparação de entes ou institutos despersonalizados às pessoas jurídicas para fins de sujeição passiva do imposto de renda, já que, caso houvesse permissivo constitucional, haveria previsão expressa no texto da Constituição, como se fez em relação à sujeição passiva do imposto de importação (art. 149, parágrafo 3º, da CF).
Nada obstante, ainda que se admitisse a criação de equiparações jurídicas (ou ficções) “(...) para igualar situações aparentemente díspares, submetendo-as a um idêntico regramento jurídico; todavia, referida equiparação não pode ser arbitrária ou fortuita”7, e, ainda assim, deve ser assinalado que “o legislador ordinário não tem liberdade irrestrita para estipular e definir contribuintes de imposto, por meio de ficções jurídicas aleatórias”8.
Diante disso, infere-se que o conteúdo, ou a natureza jurídica do condomínio, não pode ser afastado para fins de imputação de obrigação tributária. Assim, o condomínio, enquanto bem ou direito real, não pode ser confundido com “pessoa”, salvo se a própria lei criar, de maneira expressa, ficção jurídica que equipare, para determinados efeitos, o “condomínio” a “pessoa”, e desde que o faça em consonância com os demais dispositivos legais e constitucionais que regulam a matéria.
Por oportuno, observa-se dos dispositivos do CTN e no rol exaustivo contido no RIR/1999, que não há referência aos condomínios, edilícios ou não, como pessoas jurídicas equiparadas para fins de imposto de renda.
Por outro lado, o art. 155 do RIR/1999 expressamente afasta dos condomínios a condição de “sociedades equiparadas”, ao dispor que “Os condomínios na propriedade de imóveis não são considerados sociedades de fato, ainda que deles façam parte também pessoas jurídicas”, e, em seu parágrafo único, prevê que “A cada condômino, pessoa física, serão aplicados os critérios de caracterização da empresa individual e demais dispositivos legais, como se fosse ele o único titular da operação imobiliária, nos limites de sua participação.”
No contexto da natureza jurídica do condomínio e da possibilidade, ou não, de sua equiparação à pessoa jurídica para fins de tributação da renda, o RIR/1999 (Decreto no 3.000, de 1999) prevê que “Os rendimentos decorrentes de bens possuídos em condomínio serão tributados proporcionalmente à parcela que cada condômino detiver.” Ao passo que seu parágrafo único dispõe que “Os bens em condomínio deverão ser mencionados nas respectivas declarações de bens, relativamente à parte que couber a cada condômino.”
A esta consideração, inclusive, o Secretário da Receita Federal do Brasil já editou o Ato Declaratório Interpretativo – ADI – de nº 2, de 27 de março de 2007, em busca de pacificar a matéria em âmbito administrativo9.
Como se evidencia do disposto na legislação do imposto de renda e de Ato Declaratório da RFB, a ordem jurídica nacional não admite a equiparação dos condomínios aos sujeitos passivos de obrigações tributárias. Assim, todo e qualquer valor auferido em decorrência da exploração econômica de partes comuns é efetivamente um acréscimo patrimonial ou receita de cada um dos condôminos individualmente considerados, conforme a quota-parte (fração ideal) que lhes couber.
A clareza dos diversos dispositivos citados do CTN, no ADI nº 2, de 2007, e do disposto no RIR/1999, ao menos em tese, não admitiria discussões a respeito da possibilidade, ou não, da atribuição de sujeição passiva do imposto de renda aos condomínios. Contudo, não é o que se verifica na prática contumaz do Fisco Federal, na medida em que este, não raro, lavra autuações em nome do condomínio, a despeito de sua natureza não personificada, o que acaba por gerar a dupla oneração da renda, já que o mesmo ganho líquido é repassado aos condôminos, normalmente excluídas as despesas comuns.
Deveras, devido à inexistência de personalidade jurídica do condomínio edilício, como se organizam alguns shopping centers (condomínios de comerciantes) e edifícios comerciais ou de apartamentos, por exemplo, o rendimento auferido no contexto do condomínio edilício constitui efetivamente renda dos condôminos (sejam estes pessoas físicas ou jurídicas). Portanto, o ganho decorrente, por exemplo, da alienação de ativos ou da locação de áreas comuns em condomínio edilício – estacionamento de shoppings, salão de festas, sala térrea etc., deve ser tributado exclusivamente na pessoa dos condôminos.
Porém, não raro, o Fisco Federal, em autuações realizadas sobre condomínios edilícios, sobretudo aqueles no âmbito dos quais se exerce alguma atividade econômica (shopping centers ou centros comerciais), pretendeu atribuir personalidade jurídica aos condomínios, ou interpretá-los como pessoas jurídicas equiparadas para efeitos de sujeição passiva de tributos.
Algumas dessas autuações chegaram a ser apreciadas pela CSRF – Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, assim como pelo Poder Judiciário.
O STJ, por ocasião do julgamento do REsp nº 411.832-RS (1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJU de 19.12.2005), ao analisar um caso envolvendo condomínio edilício, decidiu que este era “responsável pelo recolhimento” da contribuição social sobre o pagamento do pró-labore aos síndicos de condomínios imobiliários, porquanto fosse pessoa jurídica equiparada, “à semelhança das cooperativas, mormente não objetivar o lucro e não realizar exploração de atividade econômica”10.
O Tribunal Regional da 4ª Região, em sede de julgamento de Ação Rescisória, da mesma maneira, já se pronunciou no sentido de que o condomínio edilício poderia ser caracterizado sujeito passivo da obrigação tributária, pois, “mesmo que não seja pessoa jurídica o condomínio, este possui capacidade postulatória, assim como a massa falida e o espólio, por exemplo, que também poderão ser sujeitos passivos de obrigação tributária” (Ação Rescisória nº 96.04.434012/SC, 2ª Seção, Rel. Juiz José Luiz B. Germano da Silva, d. u., DJU de 28.5.1997, p. 38.518).
Especificamente quanto à discussão do presente trabalho, a CSRF – Câmara Superior de Recursos Fiscais, órgão do Carf – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, no Acórdão CSRF/02-01.995, referente ao Processo Administrativo no 10480.007066/00-10, que cuidava da incidência da contribuição da Cofins sobre receitas de exploração do estacionamento de shopping, entendeu que o condomínio do Shopping Center Recife (interessado), seria sujeito passivo desse tributo, sob o fundamento de que a tributação se abstém da “forma jurídica” adotada11.
O Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp nº 1.256.912/AL, em 7 de fevereiro de 2012, em acórdão de relatoria do Ministro Humberto Martins, discutiu a possibilidade de os condomínios edilícios aderirem ao Refis, concluindo-se pela possibilidade da adesão e declarando-se que “os condomínios são equiparados a pessoas jurídicas para fins tributários”12.
Assim, em precedente em que se avaliava tão somente a possibilidade, ou não, da adesão dos condomínios edilícios a programas de parcelamento, acabou por declarar a equiparação daqueles às pessoas jurídicas, o que pode criar perigosa insegurança jurídica aos condôminos no País.
Entendemos, no entanto, que o STJ, o TRF da 4ª Região e a CSRF olvidaram-se, na ocasião do julgamento dos casos supracitados, do que dispõe a legislação tributária no que tange à sujeição passiva de tributos, especialmente o descrito nos arts. 110 e 126 do CTN.
Assim, deve-se concluir pela impossibilidade de equiparação dos condomínios às pessoas jurídicas, também em razão de a Constituição Federal, implicitamente, ter vedado a equiparação dos condomínios a pessoas jurídicas, na medida em que, quando há possibilidade para que ocorra esse “nivelamento” entre institutos jurídicos despersonalizados e “pessoas”, a Constituição expressamente o faz (a exemplo do disposto no art. 149, parágrafo 3º, da CF), ou, na sua ausência, a legislação infraconstitucional cumpre tal papel.
É dizer, ainda, que não se verifica um consenso a respeito desse tema na Receita Federal do Brasil, na medida em que, em sede de consultas de contribuintes e soluções de divergência internas, esse órgão se posicionou no sentido de que o condomínio edilício não é sujeito passivo de tributos, tampouco do imposto de renda, haja vista a Solução de Consulta nº 72/2006 – 23 de maio de 2006, e a Solução de Divergência nº 03/2007 – 26 de março de 2007.
Note-se, portanto, o desacerto do Fisco quando pretende tributar como renda do “condomínio edilício” um valor que pertence, por natureza, exclusivamente aos condôminos – proprietários de frações ideais relativas à parte comum do condomínio (fonte geradora do recurso), já que aquele resultado deve ser exclusivamente oferecido à tributação individualmente e de maneira proporcional pelos condôminos, os quais são efetivos titulares da renda auferida.
Em suma, sabe-se que o imposto de renda incide sobre rendimentos ou proventos cuja disponibilidade jurídica ou econômica tenha sido adquirida por pessoas jurídicas, entes a elas equiparados, ou por pessoas naturais, o que não é o caso dos condomínios edilícios.
De modo idêntico, não incide sobre tais rendimentos a CSLL, visto que não há equiparação dos condomínios às pessoas jurídicas também para os fins desse tributo, nos termos do art. 4º da Lei no 7.689: “Art. 4º São contribuintes as pessoas jurídicas domiciliadas no País e as que lhes são equiparadas pela legislação tributária.”
Por oportuno, vale lembrar que os condomínios, enquanto institutos jurídicos não dotados de personalidade jurídica, não são capazes de deter ou “adquirir” a disponibilidade da renda auferida por esforço comum, a qual, por meio de representantes eleitos (síndicos), é repassada aos condôminos, depois do confronto entre as entradas de caixa e despesas relativas ao bem em copropriedade.
Essas “receitas”, na acepção não jurídica do termo, podem ser derivadas, por exemplo, de aluguéis de laje para instalação de antenas, outdoors ou engenhos de publicidade, ou ainda de locação de vagas de garagem comuns, cessão de espaços para eventos, locação de lojas térreas etc. As despesas, por outro lado, podem constituir gastos com reparos do “prédio”, materiais de construção e de uso diário, contratação de funcionários de limpeza e serviços gerais etc.
Portanto, quaisquer sejam as espécies de despesas e receitas do condomínio, o saldo delas decorrente é invariavelmente repassado aos condôminos, que, por sua vez, arcam com o saldo devedor ou são tributados de maneira definitiva pela renda auferida.
4. Condomínios, Obrigações Tributárias e Deveres Instrumentais
Os condomínios, por força da legislação tributária, receberam, ao longo do tempo, diversas incumbências próprias das pessoas jurídicas ou naturais, podendo-se listar de maneira exemplificativa as seguintes: retenção e recolhimento de contribuição previdenciária13 e imposto de renda retido na fonte14, inscrição no CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas15, entrega de Declaração de Impostos Retidos na Fonte (Dirf), e a entrega de declarações de cunho trabalhista e previdenciário.
No entanto, é cediço que, pelo fato de o condomínio não se caracterizar como pessoa, a imposição de deveres instrumentais ou de recolhimento de tributos a eles é de absoluta dissonância ao disposto no CTN, em razão da não condição de sujeito passivo.
Ademais, no que tange especificamente ao imposto de renda, não é cabível a equiparação do condomínio às pessoas jurídicas em qualquer hipótese.
A legislação de regência (RIR/1999) atribui sujeição passiva diretamente ao condômino – titular do direito real de determinado bem em condomínio, e não há qualquer dispositivo geral ou específico que o negue.
Por outro lado, nos dizeres de Maria Rita Ferragut, em sua obra Presunções no direito tributário, ao legislador é dado criar ficções jurídicas, que assim define16: “As ficções jurídicas são regras de direito material que, propositadamente, criam uma verdade legal contrária à verdade natural, fenomênica. Alteram a representação da realidade ao criar uma verdade jurídica que não lhe corresponde, e produzem efeitos jurídicos prescindindo da existência empírica dos fatos típicos que originalmente ensejariam tais efeitos.” Com essa fala, a autora transmite o entendimento de que é possível admitir-se, por ficção jurídica, a válida atribuição de efeitos jurídicos válidos a um evento diverso sob o ponto de vista fático, e, com base nisto, poderia se afirmar que os condomínios edilícios podem, em situações eleitas pelo legislador, titularizar direitos e obrigações de ordem tributária.
Contudo, adverte a autora que “o limite à criação de ficções jurídicas encontra-se na Constituição que, por dentre outros direitos, assegurar o contraditório e a ampla defesa, afasta sua aplicação sempre que imputar ao sujeito a prática de um fato, como ocorre no nascimento das obrigações tributárias”17.
Ferragut conclui que é inconstitucional a instituição de ficções jurídicas em Direito Tributário para a criação de obrigações tributárias18. Com base em tais ensinamentos, cabe afirmar que a legislação tributária, caso atribua a um ente despersonalizado a condição de titular de direitos, atribuindo-lhe fatos (exemplo: aquisição da disponibilidade da renda), extrapola a competência constitucional para a instituição de ficções jurídicas. Ora, em última análise, tratando-se o condomínio de mero complexo de direitos reais sobre um bem, são os condôminos os titulares de direitos e obrigações em relação ao bem em copropriedade, e nunca o próprio condomínio.
Cabe salientar, outrossim, que a ampliação da definição de sujeito passivo do imposto de renda prevista no CTN (art. 45) a “entes” não caracterizados como “pessoa” (na acepção jurídica do termo) feriria frontalmente os princípios da legalidade e da tipicidade, porquanto a definição de “contribuintes”, ainda que por equiparação, é matéria reservada à lei complementar, conforme o disposto no art. 146, III, a, da CF19.
José Luiz Bulhões Pedreira, ao discorrer sobre o balizamento constitucional sobre o Imposto de Renda20, deixa claro que “o Congresso Nacional tem o seu poder limitado pelo sistema constitucional de distribuição de poder tributário, e fica sujeito à verificação, pelo Poder Judiciário, da conformidade dos conceitos legais com os princípios da Constituição”.
Com efeito, a reflexão do Autor diz respeito ao conceito de renda presente na Constituição, porém entendemos ser perfeitamente aplicável no que tange à qualificação de sujeitos passivos de obrigações tributárias, e à equiparação de “objetos” (como imóveis em condomínio) a “pessoas” perante o ordenamento jurídico.
Assim, é inconstitucional a equiparação do condomínio edilício a sujeito passivo e praticante do fato gerador do imposto de renda, ou do imposto de renda retido na fonte, da contribuição previdenciária, ou qualquer obrigação de cunho fiscal, tendo-se em vista a impossibilidade da criação de ficção jurídica para imputar obrigações tributárias, sob pena de se criar nova hipótese de incidência, ampliando-se o critério pessoal do consequente normativo, sem expressa permissão constitucional.
De fato, o condomínio é entendido na ordem jurídica como objeto de direito, como “coisa”, ou ainda “direito real”, razão pela qual, a priori, não se lhe podem imputar direitos ou obrigações próprios das pessoas naturais ou jurídicas. Demais disso, conforme definição dos incisos I e II do art. 121 e caput do art. 122 do CTN, somente “pessoa” pode ser “sujeito passivo” de obrigações (tributárias) principais ou acessórias.
Quanto à atribuição da obrigatoriedade de retenção na fonte do imposto de renda (IRRF) aos condomínios, a situação é de evidente ilegalidade, na medida em que se trata de obrigação tributária autônoma atribuída a um ente sem personalidade jurídica, e confronta com o disposto na CF, no art. 126 do CTN e no RIR/1999.
O art. 45 do CTN, quando trata da possibilidade de se “atribuir à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam”, silencia a respeito da possibilidade, ou não, de atribuir a responsabilidade de retenção ao condomínio, que não é pessoa jurídica ou a ela equiparada. Não obstante, a este respeito, o art. 101 do Decreto-lei nº 5.844, de 1943, denota expresso caráter “pessoal” à obrigação de retenção, à medida que descreve que “Às pessoas obrigadas a reter o imposto compete o recolhimento às repartições fiscais.”
Demais disso, a despeito da interpretação existente no sentido de que, tanto a obrigação tributária “principal” quanto tais deveres instrumentais possam ser imputados aos condomínios, edilícios ou não, tal entendimento não encontra sustentação válida na Constituição, no CTN, tampouco na legislação do imposto de renda, nos termos aqui dispostos.
Nessa ordem de ideias, verifica-se a existência de uma clara contradição sistêmica no que tange à equiparação, em sentido fático, dos condomínios edilícios às pessoas jurídicas para fins tributários, e mesmo diante de normas expressas em sentido contrário. Isso porque o CTN descreve claramente que somente “pessoas” podem ser sujeitos passivos, e, no que tange ao imposto de renda, há no RIR/1999 a expressa atribuição de deveres de pagar tributos (obrigações tributária) aos condôminos, coproprietários, e nunca aos condomínios.
Não obstante, outras normas jurídicas preveem a atribuição de obrigações à figura do condomínio, dentre elas as de retenção e recolhimento do imposto de renda (IRRF) e contribuição previdenciária ao INSS, em evidente contrariedade às normas gerais do CTN e específicas do RIR/1999.
Hiromi Higuchi dedica capítulo exclusivo em sua obra Imposto de Renda das Empresas aos condomínios, e deixa claro que “o condomínio é um direito exercido sobre um mesmo bem por duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas”21, e prossegue seu raciocínio sob a reflexão de que “Os condomínios, por não serem pessoas jurídicas, não possuem condições que os obriguem a reter o imposto de renda na fonte sobre rendimentos que pagarem quando o cumprimento dessa obrigação exigir a condição de pessoa jurídica da fonte pagadora, conforme definiu o PN CST nº 37/72.”22
Vamos mais além. Tendo em vista que a retenção de tributos é obrigação à qual se sujeitam tão somente as “pessoas”, trata-se de obrigação que deveria, segundo a melhor técnica jurídica, ser atribuída tão somente aos síndicos, na condição de representante comum dos condôminos, mas nunca ao condomínio.
Desta forma, quanto aos tributos em geral, não é válida sob a ótica da ordem jurídico-tributária vigente a atribuição de quaisquer obrigações ao condomínio, devido à inexistência de adequada equiparação dessa figura às pessoas jurídicas. O mesmo se diga em relação ao imposto de renda, dada à existência de expressa exclusão, por parte do RIR/1999, dos condomínios na condição de titulares de obrigações relativas a esse tributo.
Esse duplo tratamento jurídico do condomínio pelo próprio Estado gera não somente interpretações das mais variadas e conflitantes, mas também uma grave insegurança jurídica em relação à correta tributação dos rendimentos provenientes de imóvel em condomínio.
De forma a conferir plena segurança aos condôminos edilícios, nada mais correto que, de uma vez por todas, seja alterada a regulação tributária dessa figura, de forma a extirpar do sistema qualquer norma que lhes atribua, ainda que de maneira implícita, uma equiparação tributária às pessoas jurídicas, e assim, possibilitar a pacificação da questão no seio da Administração e do Poder Judiciário.
5. Conclusões
Diante do exposto, conclui-se que o condomínio edilício, na condição de universalidade de bens sem personalidade jurídica, tampouco assim equiparada, não é contribuinte do IRPJ ou da CSLL.
Com efeito, não há elementos que permitem concluir que o condomínio edilício aufira renda ou que pratique os fatos geradores do imposto de renda ou da contribuição social sobre o lucro líquido, razão pela qual os condôminos, individualmente, são os verdadeiros titulares das obrigações tributárias relativas aos rendimentos auferidos.
Assim, (i) o condomínio edilício, nas acepções jurídicas de bem imóvel em copropriedade ou direito real sobre bem em copropriedade, a despeito de deter capacidade de estar em juízo e de ser representado perante terceiros, não é pessoa jurídica segundo o conceito legal do Código Civil – art. 44, tampouco a si equiparada para fins tributários, face à ausência de previsão constitucional expressa e devido à contrariedade de tal equiparação aos ditames do CTN; e (ii) a renda auferida no contexto do condomínio edilício deve ser tributada na pessoa dos condôminos, proporcionalmente às frações ideais a si atribuída, nos termos do RIR/1999.
Ademais, tendo em vista que o CTN restringe às “pessoas” a sujeição tributária passiva e a titularidade de deveres instrumentais, não pode o condomínio, representado pelo seu síndico, estar vinculado ao cumprimento de tais obrigações.
Não fosse isso o bastante, condomínio, enquanto objeto, e não sujeito de direitos e obrigações, não pode ter a si atribuída qualquer obrigação tributária ou dever instrumental, por expressa vedação do CTN, diploma normativo que introduziu normas de conteúdo geral e cogente em relação à legislação tributária.
Com efeito, existe um duplo tratamento jurídico do condomínio pelo próprio Estado, ora implicitamente como pessoa jurídica equiparada, outrora como figura não dotada de personalidade ou expressamente excluída do dever de cumprimento de obrigações tributárias, o que gera não raro a incorreta interpretação a respeito da tributação dos condomínios.
Lado outro, aponta-se a inconstitucionalidade da atribuição, por equiparação, de sujeição passiva de tributos aos condomínios, na medida em que tal ficção jurídica afrontaria a tipicidade tributária, e alongaria, sem autorização constitucional, a hipótese de incidência tributária. No que tange ao imposto de renda, é inválida a atribuição de “aquisição da disponibilidade da renda” por parte dos condomínios, por força do disposto na Constituição Federal e na legislação do imposto.
De forma a conferir plena segurança jurídica aos condôminos e coerência ao ordenamento jurídico, nada mais correto que seja atribuída nova regulação jurídico-tributária do condomínio edilício, de forma a retirar quaisquer obrigações de cunho tributário ou instrumental.
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1 Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. V. 4. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 160; PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direito civil – direito das coisas. V. 5. 27ª ed. São Paulo, 2002.
2 “Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I – as associações;
III – as fundações.
IV – as organizações religiosas;
VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada.”
3 Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 450.
4 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 252.
5 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 50.
6 “O aspecto pessoal configura a parte da hipótese, descritiva da pessoa relacionada ao fato. Nos impostos, tributos não vinculados, o aspecto pessoal da hipótese configura a parte da descrição – implícita ou explícita – da pessoa que realiza o pressuposto, dele sendo partícipe. Portanto, nos impostos, configura a pessoa cujo comportamento – signo presuntivo de riqueza – vem descrito no aspecto material. No dizer de Rubens Gomes de Souza, trata-se da pessoa ‘que tira o proveito econômico do fato’ (...).” Ver mais em BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 12ª ed. atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
7 Desembargador Federal Cândido Ribeiro, TRF da 1ª Região, Suspensão de Liminar ou Antecipação de Tutela nº 002434455.2015.4.01.0000/DF (d), DJe de 8.7.2015.
8 Desembargador Federal Cândido Ribeiro, TRF da 1ª Região, Suspensão de Liminar ou Antecipação de Tutela nº 002434455.2015.4.01.0000/DF (d), DJe de 8.7.2015.
9 “O Secretário da Receita Federal, no uso da atribuição que lhe confere o inciso III do art. 230 do Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal, aprovado pela Portaria MF nº 30, de 25 de fevereiro de 2005, e tendo em vista o que consta no Processo nº 10980.010644/2005-96, declara:
Artigo único. Na hipótese de locação de partes comuns de condomínio edilício, será observado o seguinte:
I – os rendimentos decorrentes serão considerados auferidos pelos condôminos, na proporção da parcela que for atribuída a cada um, ainda que tais rendimentos sejam utilizados na composição do fundo de receitas do condomínio, na redução da contribuição condominial ou para qualquer outro fim;
II – o condômino estará sujeito ao cumprimento de todas as exigências tributárias cabíveis, relativamente aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal (SRF), especialmente no que tange às normas contidas na legislação do imposto sobre a renda referentes à tributação de rendimentos auferidos com a locação de imóveis.”
10 No mesmo sentido, REsp nº 1.064.455/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 19.8.2008, DJe de 11.9.2008.
11 “Cofins – Ilegitimidade Passiva. A sujeição passiva dos tributos e das contribuições em geral não está necessariamente afeta à forma jurídica adotada pelas empresas (sociedades, associações etc.) em seu ato constitutivo, mas sim a ter o agente relação direta ou, em alguns casos, indireta, com o fato jurídico-econômico antevisto na norma imponível como necessário e suficiente à ocorrência do fato gerador do tributo ou da contribuição. Com isso aquele que obtém faturamento em decorrência da venda de serviços de qualquer natureza figura deve assumir o polo passivo da obrigação tributária da Cofins. Recurso especial provido.” (Processo nº 10480.007066/00-10, Recurso nº 203-120.466, 3ª Câmara do 2º Conselho de Contribuintes, Interessada: Condomínio do Shopping Center Recife, sessão de 5 de julho de 2005, Acórdão nº CSRF/02-01.995)
12 O julgado faz referência a precedentes do STJ em que o condomínio foi considerado “equiparado” às pessoas jurídicas para fins de retenção e recolhimento de contribuição previdenciária (REsp nº 411.832/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª Turma, julgado em 18.10.2005, DJ de 19.12.2005; REsp nº 1.064.455/SP, Rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma, julgado em 19.8.2008, DJe de 11.9.2008).
13 Lei nº 8.212/1991: “Art. 15. Considera-se: I – empresa – a firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta, indireta e fundacional; II – empregador doméstico – a pessoa ou família que admite a seu serviço, sem finalidade lucrativa, empregado doméstico. Parágrafo único. Considera-se empresa, para os efeitos desta lei, o autônomo e equiparado em relação a segurado que lhe presta serviço, bem como a cooperativa, a associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática e a repartição consular de carreira estrangeiras. Parágrafo único. Equipara-se a empresa, para os efeitos desta Lei, o contribuinte individual em relação a segurado que lhe presta serviço, bem como a cooperativa, a associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática e a repartição consular de carreira estrangeiras.”
14 Parecer Normativo CST nº 114, de 28 de março de 1972; Ato Declaratório Normativo CST nº 29, de 25 de junho de 1986; Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 – Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR/1999), art. 624.
15 Instrução Normativa RFB nº 568/2005: “Art. 11. São também obrigados a se inscrever no CNPJ: (...) II – condomínios edilícios sujeitos à incidência, à apuração ou ao recolhimento de tributos federais ou contribuições previdenciárias.”
16 FERRAGUT, Maria Rita. Presunções no direito tributário. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 157.
17 Ibidem, p. 158.
18 “(...) já que na ficção jurídica considera-se como verdadeiro aquilo que, da perspectiva fenomênica, é falso, ou seja, tem-se como fato jurídico tributário um fato que, diante da realidade fática jurídica comprovada, não é. E a razão desse entendimento é a violação de diversos princípios constitucionais, dentre os quais a legalidade, a tipicidade e a discriminação constitucional de competências. (...)” (Ibidem, p. 159)
19 “Art. 146. Cabe à lei complementar: (...) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.”
20 PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto de Renda. Apec, 1969, pp. 2-21.
21 HIGUCHI, Hiromi. Imposto de Renda das empresas: interpretação e prática: atualizado até 10-01-2013. 38ª ed. São Paulo: IR Publicações, 2013, p. 179.
22 Ibidem, pp. 179-180.