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Conflitos de Qualificação na Aplicação de Tratados Internacionais contra Bitributação e o Caso da Sociedade em Conta de Participação

Conflicts of Qualification on the Application of International Tax Treaties and the Case of the Secret Partnership

Bruno Cesar Fettermann Nogueira dos Santos

Pós-Graduando no Curso de Especialização em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Advogado (São Paulo).

E-mail: brunocfns@gmail.com.

Resumo

O presente artigo analisa o possível conflito de qualificação da remuneração paga a sócio participante não residente que tenha contribuído para o fundo especial de Sociedade em Conta de Participação com sede no Brasil mediante contrato de mútuo, registrado como empréstimo externo perante o Banco Central do Brasil.

Palavras-chave: tributação internacional, conflito de qualificação, sociedade em conta de participação, capital estrangeiro.

Abstract

This paper analyzes the possible tax conflict of qualification occurred on the remittance to a non resident secret partner whose contribution to the social fund of a secret partnership resident in Brazil has been a loan agreement registered by the Brazilian Central Bank as an international loan.

Keywords: international taxation, conflict of qualification, secret partnership, foreign capital.

1. Introdução

Seria um clichê quase sem efeito iniciar este artigo relatando o estágio globalizado das relações econômicas contemporâneas, não fosse este fator, premissa fundamental do presente trabalho. A intensa circulação de capital e de pessoas, a transferência de bases produtivas de centros de alto custo para centros de baixo custo, bem como a remoção gradual de barreiras comerciais e o desenvolvimento tecnológico constante intensificaram operações econômicas internacionais (cross border activities, cross border transactions)1. Este cenário revela a vivacidade do mercado globalizado e, consequentemente, sua complexidade, que deve ser acompanhada pelo Direito2.

É com base nessas premissas, que o assunto do conflito de qualificações sobre rendimentos ganha relevância prática, uma vez que as operações negociais, por suas especificidades, nem sempre são facilmente qualificadas na aplicação de tratados para evitar a dupla tributação. Mais do que isso, pareceu interessante debruçar-se sobre o caso de utilização de uma sociedade em conta de participação3 por sócio ostensivo brasileiro e sócio participante estrangeiro.

As peculiaridades deste tipo societário, bem como seus benefícios de ordem fiscal e negocial, fazem da SCP uma corriqueira estrutura utilizada por agentes econômicos para concretizar verdadeira parceria empresarial. Não se pode ignorar, portanto, que - diante do fenômeno globalizante já descrito - empresas estrangeiras queiram investir em atividades no Brasil, valendo-se desse tipo societário.

Dada esta realidade, o problema que surge é justamente o da qualificação, na aplicação de acordos contra a bitributação, dos rendimentos pagos por SCP a sócio estrangeiro. Como se destrinchará mais adiante, a SCP é sociedade que carece de personalidade jurídica (é, portanto, veículo despersonificado), o que, para efeitos societários e cambiais, significa que quem desenvolve a atividade empresária no Brasil e remete valores a sócio participante estrangeiro é o próprio sócio ostensivo - que age em seu nome e sob sua responsabilidade.

Para incidência do Imposto de Renda - objeto mediato de nosso trabalho -, no entanto, a SCP é tratada como se personificada fosse e é qualificada propriamente como contribuinte tributária.

A partir dessas peculiaridades apresentadas pela SCP, portanto, indaga-se qual regime jurídico deve ser dispensado ao capital estrangeiro que financia a atividade de uma SCP e quais as implicações tributárias envolvidas na remessa de pagamento de participação nos lucros ao sócio participante estrangeiro.

É justamente sobre essas questões que pretendemos nos debruçar e especialmente sobre a análise de um potencial conflito de qualificação dos rendimentos remetidos a sócio participante não residente. Para tanto, percorreremos, de antemão, alguns conceitos basilares para o trabalho: (i) qualificação no Direito Tributário Internacional e os conflitos de qualificação; (ii) a Sociedade em Conta de Participação; e (iii) o regime regulatório do capital estrangeiro destinado a uma SCP. É a partir delas que se traçarão maiores considerações sobre os aspectos tributários propriamente envolvidos na remuneração do sócio participante estrangeiro.

2. Qualificação no Direito Tributário Internacional e Conflitos de Qualificação

No Direito Tributário, no geral, a questão da qualificação surge quando o conceito jurídico utilizado por certa norma seja objeto de definição distinta por outra norma ou complexo de normas de natureza distinta, tanto se pertencerem ao mesmo ordenamento jurídico como a ordenamentos distintos4.

Embora não se negue que a questão da qualificação possa ocorrer também com as normas unilaterais, é propriamente no domínio dos tratados internacionais contra a dupla tributação que o fenômeno ganha maior relevância. As normas convencionais definem seus pressupostos de aplicação através de conceitos jurídicos, tanto nos “conceitos-quadros”, definidor dos vários tipos de rendimentos (“juros”, “dividendos”, “lucros”), como nos demais pressupostos, tais como “residência”, “pessoa”, etc. A qualificação em matéria de Direito Tributário Internacional diz respeito, em grande parte, à subsunção de uma situação concreta da vida a conceitos do tratado para evitar a dupla tributação.

Como os conceitos jurídicos do tratado não são aplicáveis imediatamente ao caso concreto, faz-se necessário recorrer a uma operação adicional de qualificação da situação da vida perante um ordenamento jurídico interno. Baptista Machado e Alberto Xavier5 sustentam, então, que o problema da qualificação envolve primeiro um problema de caracterização da situação concreta da vida em face da lei interna, para definir sua natureza jurídica; e, depois, a caracterização do conceito de direito interno (no qual o fato da vida se subsumiu) em face do conceito utilizado pelo tratado. O primeiro momento é chamado de qualificação primária, enquanto o segundo, de qualificação secundária. “A qualificação primária tem por objeto situações fáticas; a qualificação secundária tem por objeto ‘regras de direito’ ou ‘conceitos jurídicos’”6.

Entendido o instituto da qualificação em matéria de Direito Tributário Internacional, impõe-se analisar propriamente o fenômeno do conflito de qualificação na aplicação de tratados para evitar a dupla tributação.

Como os conceitos do tratado não são imediatamente aplicáveis aos casos da vida e é necessário recorrer a conceitos de legislação interna dos países contratantes, pode acontecer de um mesmo fato receber - na qualificação primária - naturezas jurídicas distintas por determinações de cada ordenamento jurídico envolvido e - na qualificação secundária - caracterizar-se em dispositivos distintos do tratado. O conflito de qualificação, portanto, ocorre na múltipla atribuição de natureza jurídica a um mesmo fato e na sua múltipla aplicação frente ao tratado7.

Sobre as consequências do conflito de qualificação, parece unânime o entendimento de que a qualificação diversa de fatos a conceitos jurídicos impressos em tratados contra a bitributação pode gerar a dupla tributação ou a dupla não tributação8. Aliás, enquanto Anna Miraulo9 sustenta que o conflito de qualificação é uma das causas jurídicas da bitributação, o Professor Gerd Rothman10 chega mesmo a afirmar que tal fenômeno pode desvirtuar o objetivo de um tratado para evitar a dupla tributação11.

Antes de qualquer coisa, portanto, o problema das qualificações em matéria de tratados para evitar a dupla tributação, como sugere o jurista Alberto Xavier, está na determinação de quem deve qualificar. É preciso saber, portanto, qual país tem competência para qualificar um determinado instituto jurídico à luz do tratado e qual país que tem competência para qualificar um determinado objeto fático segundo a sua lei interna. Trata-se da busca pela competência qualificatória12.

Embora respeitável doutrina sustente13 que os tratados para evitar a dupla tributação deveriam adotar uma “linguagem fiscal internacional”, que criasse verdadeiros conceitos jurídicos supranacionais que reduzissem reenvios a direitos internos14, ainda não se alcançou tamanha harmonia. Não havendo ainda uma linguagem única internacional e não havendo disposição específica nos próprios tratados de como solucionar conflitos de qualificação, é preciso recorrer a expedientes indicados pela doutrina especializada.

Assim, para os casos em que o tratado não defina a competência qualificatória dos Estados, é comum que se proponham as seguintes soluções: (i) qualificação pela lex fori15; (ii) qualificação pelo Estado da fonte16; (iii) qualificação pelo Estado da residência17; (iv) qualificação pela lex situationis18; e (v) qualificação autônoma19.

Ocorre que cada um desses métodos sofre críticas e mesmo Vogel, em estudo mais recente, chega a admitir que, em alguns casos, os conflitos de qualificação restam insolúveis pelos métodos tradicionais e que a qualificação pelo país da fonte acaba se revelando mais adequada20.

É neste contexto que, em 1999, o International Tax Group da OCDE, por meio de seu Comitê de Assuntos Fiscais elaborou um estudo21 sobre a aplicação de tratados contra a bitributação às partnerships, no qual revelou importante posicionamento sobre o problema do conflito de qualificações. Embora o estudo também traga contribuições para a análise de situações internacionais envolvendo partnerships e a aplicação de tratados contra bitributação, focaremos, como é objeto deste trabalho, na questão dos conflitos de qualificação decorrentes da aplicação de diferentes artigos de um tratado pelos países envolvidos, com base em suas leis internas.

Como bem revelam o Professor Vogel e o Professor Lehner22, por tal estudo, propôs-se o New Approach, que busca resolver o problema do conflito de qualificação pela aplicação do artigo 23-A, parágrafo 1 e pelo artigo 23-B, parágrafo 1, ambos da Convenção-modelo da OCDE23.

Assim, caberia ao Estado de residência apenas examinar se o Estado de fonte irá tributar o rendimento em conformidade com o tratado entre eles firmado e, em caso positivo, deve aceitar a qualificação conferida ao rendimento pelo país de fonte e aplicar a regra do artigo 23 da Convenção-modelo da OCDE. Para evitar, portanto, o conflito de qualificação, o New Approach sugere que o Estado de residência deva aceitar a qualificação dada pelo Estado de fonte e outorgar crédito ou isenção ao rendimento, como forma de evitar a dupla tributação.

Por fim, não é demais mencionar que o presente método ainda enfrenta algumas críticas. O próprio professor Vogel reconhece que o New Approach deixa de solucionar algumas poucas situações, uma vez que as denominações de espécies de rendimentos no Estado de fonte e de residência serão, em parte, discordantes. Isso geraria uma situação de “sobra”, em que um Estado poderá tributar mais situações fáticas que o outro, o que gera um desequilíbrio24. Também John Jones, apesar de entender que ficou resolvida a questão da qualificação de itens de rendimentos, reconhece que o New Approach tem falhas e tenta dar sugestões a serem futuramente implementadas por alterações da Convenção-modelo da OCDE25.

Embora possa ainda ter algumas falhas, o método do New Approach parece ser o mais adequado para resolver os conflitos de qualificação, daí que o tomaremos como premissa para resolver a principal problemática deste trabalho. Como já bem asseverou o Professor Vogel, as eventuais desvantagens do New Approach têm menor importância do que o fenômeno da bitributação.

3. A Sociedade em Conta de Participação

Feita essa análise preliminar sobre o instituto da qualificação, cumpre analisar alguns aspectos societários e tributários da SCP.

3.1. Aspectos societários

Sobre a natureza jurídica da sociedade em conta de participação, discute-se se tal entidade é propriamente societária ou se é simplesmente um contrato, algo como um contrato de parceria ou de investimento.

Apesar de existir corrente bastante respeitável26 perfilando o entendimento contrário, filiamo-nos à doutrina majoritária - representada por alguns nomes como Carvalho de Mendonça, Pontes de Miranda, Arnoldo Wald e Mauro Brandão Lopes27 - que entende que a SCP é, sim, uma sociedade em si28.

Prevista nos artigos 991 a 996 do Código Civil, a SCP é “sociedade sui generis que não possui personalidade jurídica, não estando sujeita às formalidades prescritas para a formação das outras sociedades”29. Essa sociedade é integrada por dois tipos de sócios - o sócio ostensivo, que se obriga para com terceiros, e o sócio participante, que não tem qualquer tipo de responsabilidade para com terceiros.

Por seu caráter eminentemente sigiloso, existente exclusivamente entre os sócios, a SCP nunca constituirá personalidade jurídica própria para efeitos de Direito Privado. Isso significa que tal sociedade não terá firma própria, mas sim a firma de seu sócio ostensivo. Além disso, todas as obrigações decorrentes das atividades sociais serão contraídas em nome do próprio sócio ostensivo.

Frise-se, no entanto, que, embora não tenha personalidade jurídica, a SCP não se confunde com as sociedades irregulares30, que são as que atuam sem ter atendido aos requisitos legais exigidos.

Outra ressalva importante está na especialização patrimonial (existente somente entre os sócios e não oponível a terceiros31) da SCP, a despeito da inexistência de personalidade jurídica própria. Exatamente baseado nisso, o legislador determinou que o patrimônio da SCP será especial e constituirá uma categoria distinta do restante do patrimônio do sócio ostensivo32.

Constitui-se, assim, propriamente um capital social para efeitos de distribuição de lucros e pagamento de pró-labore, embora não haja transferência de domínio de bens para a sociedade, afinal ela nem é pessoa jurídica33. Os fundos são, portanto, sociais porque são afetados à exploração da atividade social e não porque pertençam à SCP.

No campo obrigacional, podemos dizer, então, que o sócio ostensivo fica contratualmente vinculado à realização do objeto social, podendo ser responsabilizado caso se comprove que desviou o bem para a realização de outra atividade.

No mais, há ainda de se ressaltar que a contabilidade de uma SCP é feita de forma individualizada, embora possa ser feita junto aos registros contábeis do sócio ostensivo34.

A escrituração contábil das operações de uma sociedade em conta de participação deve ser feita pelo sócio ostensivo, ou em seus próprios livros ou em livros da SCP. Tais lançamentos contábeis, mesmo que realizados em registros do sócio participante, devem indicar a perfeita vinculação de tal operação econômica com a atividade da SCP35.

Dada a natureza eminentemente societária e as características descritas, é muito comum que a SCP seja constituída por pessoas jurídicas e que seja formada para uma ou algumas transações comerciais específicas36 - embora, é claro, possa existir em caráter permanente37.

Dentre os motivos pelos quais a SCP é diuturnamente utilizada no meio empresarial, destaca a doutrina que tal entidade: (a) é informal, afinal, o procedimento para sua constituição e sua dissolução são simplificados; (b) mostra-se dinâmica por possibilitar rápida mobilização de recursos; (c) é flexível, já que compreende instrumento capaz de proporcionar a exploração de todo tipo de negócios, grandes ou pequenos, duradouros ou efêmeros, sendo bastante comum sua constituição para exploração de uma única operação; e (d) revela discrição, porquanto a sua constituição prescinde de registro e pode ficar confiada ao sigilo dos sócios. Ainda, por sua informalidade e dinamicidade, a SCP não enseja a criação de um novo ente, daí que seus custos de manutenção são consideravelmente mais baixos do que os de uma sociedade personificada38.

3.2. Tratamento Tributário da sociedade em conta de participação39

As sociedades em conta de participação recebem tratamento tributário, referente ao Imposto de Renda, igual ao de qualquer pessoa jurídica por imposição dos artigos 148 e 149 do Regulamento do Imposto de Renda - Decreto 3.000/199940.

Parece-nos que a atribuição de tal regime de tributação às sociedades em conta de participação justifica-se pelo disposto no inciso III do artigo 126 do Código Tributário Nacional. Como se sabe, este dispositivo confere capacidade tributária passiva à entidade que, independentemente de ser regular ou não - e já vimos que a SCP é regular, a despeito de não ser personificada -, constitua unidade econômica ou profissional.

Como ensina Schoueri, a capacidade tributária passiva não deve se confundir com a capacidade de direito, regulada pelo direito civil. A primeira delas diz respeito à capacidade de incorrer em situações que produzam efeitos tributários, isto é, a aptidão para praticar os fatos que são previstos em hipóteses de incidência de normas tributárias41.

Seguindo então os critérios do Código Tributário Nacional, difícil (se não impossível) contestar que a SCP configure unidade econômica ou profissional e, portanto, apresente capacidade tributária passiva.

De todo o exposto, conclui-se que o sistema jurídico brasileiro reuniu nas SCP características de uma entidade híbrida. Como vimos em considerações anteriores, a SCP apresenta-se como entidade não personificada para o Direito Privado, de tal modo que o sócio ostensivo é quem age em nome próprio e realiza as atividades sociais sem limitação de sua responsabilidade. Para o Direito Tributário, no entanto, apesar de a SCP ter suas informações fiscais emitidas pelo próprio sócio ostensivo - registradas, portanto, em documentos fiscais do próprio sócio ostensivo - tal sociedade recebe o tratamento de uma entidade personificada.

Com essas premissas, é possível concluir não só que a SCP pode figurar em polo passivo de obrigação tributária, mas que deve ser considerada, de maneira geral, como residente para efeitos de aplicação de tratados para evitar a dupla tributação.

Como se sabe, os acordos contra bitributação definem, de antemão, a quem se aplicam suas disposições. Na maior parte das vezes, esses tratados são aplicados a residentes de um dos Estados Contratantes, ou mesmo de uma forma geral, a contribuintes de um desses Estados42.

Outra importante conclusão a que se chega é que a SCP apura lucro para efeitos fiscais, tanto é assim que seu resultado é submetido ao IRPJ. Corrobora este argumento o fato de que a IN 31/200143 permite que a SCP adote o regime de apuração de IRPJ pelo lucro real ou pelo lucro presumido, independentemente da escolha do sócio ostensivo44. Daí a decorrência lógica a que chegamos é que a SCP, por apurar lucro próprio, aufere resultado que deve ser tratado, para o Direito Tributário, como equivalência patrimonial ou como dividendo.

A conclusão a que se chega, enfim, neste ponto, é de que a sociedade em conta de participação, para efeitos tributários: (i) possui capacidade tributária passiva, de acordo com o artigo 126, II, do CTN; (ii) por imposição do artigo 148 e 149 do RIR/1999, receberá tratamento fiscal como se fosse uma entidade personificada para efeitos de tributação pelo imposto de renda; (iii) será (mesmo em decorrência lógica das duas características sobremencionadas) considerada “residente” e qualificada pelo direito para beneficiar-se45 da aplicação de tratados contra a dupla tributação; (iv) apura lucro tributável pelo IRPJ - podendo optar pelo regime do lucro real ou presumido; e (v) obtém resultado que deve ser tratado como equivalência patrimonial ou dividendo.

4. O Regime Jurídico do Capital Estrangeiro e as Dificuldades Regulatórias da Constituição de SCP com Sócio Participante Estrangeiro

Quanto ao conceito de capital estrangeiro, tem-se que a Lei nº 4.131/1962 introduziu-o no ordenamento jurídico brasileiro por meio de seu artigo 1º46. Muito embora respeitáveis juristas47 tenham se debruçado sobre tal dispositivo e analisado o conceito de capital estrangeiro, seguiremos o conceito proposto pelo professor Luiz Gastão Paes de Barros Leães, para quem tal conceito engloba: (i) elemento subjetivo, que diz respeito à titularidade dos capitais estrangeiros; (ii) elemento objetivo, que diz respeito à substância ou conteúdo do capital estrangeiro; e (iii) elemento funcional, relacionado com a finalidade econômica desse capital48.

Isso quer dizer que, primeiro, o capital estrangeiro é representado não apenas por recursos financeiros ou monetários, mas também por máquinas ou equipamentos. Segundo: o capital estrangeiro deve estar afetado a uma aplicação em atividade econômica. E por fim: tal capital deve pertencer a pessoas físicas ou jurídicas que residam, mantenham domicílio ou sede no exterior49.

Sustentamos, então, que determinado investimento no Brasil será considerado capital estrangeiro se apresentar os elementos objetivo, subjetivo e funcional.

Cumpre ressaltar, ainda, que o registro dos capitais estrangeiros decorre de determinação do artigo 3º da Lei nº 4.131/196250 e consiste em requisito necessário para que o titular do capital possa remeter (ou reinvestir) lucros, dividendos, juros, amortização, dentre outros, referentes aos recursos ingressados no Brasil, além de poder repatriar o principal.

O descumprimento ao registro dos capitais estrangeiros não importa propriamente uma infração que descaracterizaria o capital ingresso no país e imporia a aplicação de punição ao investidor. A falta do registro traz como consequência a não remissibilidade de recursos ao exterior. O registro tem como finalidade precípua atribuir ao investidor três direitos: o direito ao retorno do capital investido, o direito a remessa de lucros, dividendos e juros sobre capital próprio, e o direito ao reinvestimento em moeda estrangeira dos recursos remissíveis51.

O registro perante o Banco Central do Brasil (Bacen) deve ser realizado no sistema denominado Registro Declaratório Eletrônico (RDE) do Sistema de Informações do Banco Central (Sisbacen). Diz-se que se trata de registro declaratório, visto que não depende de aprovação prévia do Bacen52, e é efetuado pelas próprias partes envolvidas na operação com capital estrangeiro. São as próprias partes declarantes responsáveis pela veracidade, completude, alterações e correções das informações fornecidas53.

Regulado pela Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) nº 3.844/2010, o registro de capitais estrangeiros pode se dar por três modalidades específicas: (i) investimento externo direto; (ii) empréstimo externo; e (iii) investimentos estrangeiros no mercado financeiro, de capitais e de derivativos. Tal registro pode ser realizado na moeda do país de origem do investidor não residente e é relevante não só para fins de controle cambial, mas também para definir o valor do custo de aquisição de participação societária ou do principal no caso de empréstimo externo.

Pela primeira modalidade54 - cujas principais disposições encontram-se no Regulamento Anexo I da Resolução nº 3.844/2010 - tem-se o caso do estrangeiro que aplica capital diretamente num negócio no Brasil com a expectativa de lucro. O investimento externo direto caracteriza-se como o capital estrangeiro que ingressa no país para aplicação direta em atividades econômicas, em contrapartida de participação em sociedade brasileira. Tal modalidade trata, portanto, da subscrição ou aquisição de participação societária no Brasil fora de bolsa e de mercado de balcão organizado.

Por outro lado, a modalidade do empréstimo externo55 compreende uma operação de empréstimo celebrada entre um credor não residente e um devedor residente56, sendo que o termo “empréstimo externo” abrange ampla gama de operações, que vêm sofrendo ajustes e incrementos a cada ano57. Com a maior sofisticação do mercado financeiro, tal modalidade passa a englobar operações de financiamento à importação e à exportação, financiamento de projetos (project finance), arrendamento mercantil etc.58

Cumpre ressaltar, acima de tudo, que os recursos captados por meio de empréstimo no exterior só serão, de fato, qualificados pelo Bacen como capital estrangeiro e na modalidade de “empréstimo externo”, se tais recursos forem efetivamente destinados à aplicação em atividade econômica no Brasil. Tal condição se deve mesmo ao aspecto funcional do capital estrangeiro, impresso no artigo 1º da Lei nº 4.131/1962 e já abordado neste trabalho.

Por último, tem-se o registro de investimento estrangeiro no mercado financeiro, de capitais e de derivativos. Usualmente denominados investimentos em portfólio, tais capitais estão sujeitos não só à regulação pelo Bacen e pelo CMN, mas também pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM)59, autoridade responsável pela regulação e fiscalização do mercado de capitais brasileiro de acordo com a Lei nº 6.385/1976.

Essa modalidade de investimento pode ser realizada por vários investidores não residentes, incluindo investidores institucionais, até pessoas físicas ou jurídicas no geral. Por tal modalidade, o não residente adquire títulos negociados em bolsa, valores mobiliários no geral, sendo que pode aplicar seus recursos nos mesmos instrumentos e modalidades de investimento disponíveis para os investidores residentes. Consequentemente o capital estrangeiro pode ingressar e migrar por diversas modalidades de aplicação, seja em investimentos de renda fixa ou variável.

Tomadas as premissas expostas sobre o capital estrangeiro e sobre a utilidade da SCP e suas vantagens fiscais, surge o caso da empresa estrangeira que tenha intenção de constituir SCP no Brasil, enquanto sócia participante. Para enfrentar, então, o caso de constituição de SCP com a participação de sócio participante estrangeiro, delineamos uma hipótese específica em que: (a) o sócio ostensivo é uma pessoa jurídica brasileira; e (b) o sócio participante é uma pessoa jurídica não residente60.

A constituição de SCP com empresa estrangeira não está regulamentada e, com isso, enfrenta-se o óbice de que não há previsão específica para o registro da contribuição pelo sócio participante estrangeiro ao patrimônio especial da SCP. O sistema do Bacen está estruturado para registrar investimentos em quotas, ações e participações em pessoas jurídicas brasileiras ou, no máximo, em filiais de matriz estrangeira.

Tanto é assim, que o Regulamento Anexo I à Resolução CMN nº 3.844/2010 define a empresa receptora de investimento externo direto como a “pessoa jurídica empresária constituída sob as leis brasileiras e com domicílio e administração no País, em cujo capital social o investidor não residente detém ou intenta deter participação, bem como filial de pessoa jurídica empresária estrangeira autorizada a funcionar no Brasil”61.

Com isso, fica a impressão de que o registro de capital estrangeiro sob a modalidade de investimento externo direto só é concedido quando realizado em pessoa jurídica brasileira ou em filial de pessoa jurídica estrangeira62. Como a SCP, não se enquadra em nenhuma dessas hipóteses, poderia haver, a princípio, certa dificuldade em registrar os fundos que seriam aportados pelo sócio participante estrangeiro. Consequentemente, igual dificuldade existiria no retorno dos lucros auferidos pelas atividades da SCP (via dividendos ou juros sobre o capital próprio), do capital investido ou mesmo na realização de reinvestimento.

Diante de tal cenário, uma das soluções estudadas seria financiar as atividades da SCP via empréstimo. Ou seja: já que a contribuição do sócio participante estrangeiro ao patrimônio da SCP não seria registrada como investimento externo direto, poder-se-ia cogitar estruturar esse aporte por meio de um contrato de mútuo. Neste caso, o sócio participante seria definido em contrato como mutuante e realizaria empréstimo ao sócio ostensivo, mutuário, como forma de contribuir para o patrimônio especial da SCP, de modo a financiá-la.

5. Tributação sobre o Pagamento a Sócio Participante não Residente: Caso de Possível Conflito de Qualificação

Diante da dificuldade narrada de constituição de SCP com sócio participante estrangeiro por meio de investimento estrangeiro direito, o ingresso de divisas seria instrumentalizado por um contrato de mútuo entre sócio participante (mutuante) e sócio ostensivo (mutuário) e se submeteria ao registro no Bacen pela modalidade de empréstimo externo. Decorrência disso é que as remessas de remuneração do sócio participante estrangeiro seriam realizadas a título de juros pelo direito cambiário. Cumpre, neste momento, analisar quais os efeitos tributários dessa operação.

Como já se sabe, a SCP possui capacidade tributária passiva para efeitos de IRPJ e CSLL, no que sofre a incidência de tais tributos sobre seu lucro.

Assim, concentraremos, no momento, esforços na análise da tributação sobre a remessa feita ao exterior para remunerar o sócio estrangeiro pela sua participação, juntamente com sócio ostensivo residente no Brasil, em SCP aqui constituída. Como se trata de um pagamento com elemento estrangeiro - seu beneficiário é não residente - é preciso analisar, antes de tudo, se há, neste fato jurídico, elemento de conexão que justifique a tributação pelo Estado brasileiro.

O sistema tributário brasileiro adota o princípio da territorialidade na tributação de renda de não residentes. Exige-se imposto de renda sobre rendimentos que, a despeito de serem recebidos por não residentes, são oriundos de fonte de pagamento e/ou produção brasileiros. O Direito brasileiro selecionou, então, a fonte de pagamento e/ou produção como elemento de conexão objetivo para justificar a tributação sobre rendimentos auferidos por não residentes.

Verificada a legitimidade do Estado brasileiro para tributar tal remessa, cumpre analisar a legislação brasileira aplicável e as disposições de eventual tratado para evitar a dupla tributação. Neste sentido, embora muito se discuta sobre a metodologia de entendimento da relação entre legislação interna e acordos internacionais fiscais e a eventual precedência de um em relação ao outro, perfilamos da posição de Klaus Vogel. O tratado não mais é do que uma “máscara” que se impõe sobre a legislação nacional, impedindo que ela espraie efeitos em algumas situações, mas não em outras, de modo que é indiferente o momento em que se aplica o tratado, isto é, se antes ou depois de aplicar a legislação interna63.

Considerando-se, então, que entre o Estado brasileiro e o Estado de residência do sócio participante estrangeiro não há qualquer tratado para evitar a dupla tributação, aplicar-se-á a legislação brasileira sem qualquer restrição. Neste caso, a competência tributária brasileira será irrestrita, nos termos do que dispõe o ordenamento nacional.

Por outro lado, se houver algum acordo internacional contra a bitributação entre esses dois Estados, será preciso verificar se o tratado é de fato aplicável à situação concreta. Para tanto, é necessário percorrer as seguintes etapas: (i) os sujeitos envolvidos na relação jurídica do pagamento da remessa são beneficiários do tratado?; (ii) o(s) tributo(s) incidente(s) sobre o pagamento está(ão) compreendido(s) no escopo do tratado? e (iii) qual a qualificação do rendimento pago e quem possui competência para tributá-lo?

Conforme o artigo 1º da Convenção-modelo da OCDE, são beneficiários do tratado as pessoas (naturais ou jurídicas) que sejam residentes em um ou em ambos os Estados Contratantes. Mais adiante, o artigo 4º da Convenção-modelo define que são residentes num Estado aqueles que, por motivo de domicílio, residência, local de administração efetiva etc, estão sujeitos a tributos nesse Estado.

Dada essa premissa, não resta dúvida de que a SCP, embora seja entidade despersonificada, é beneficiária de tratados para evitar a dupla tributação. Afinal ela se submete à tributação, pelos menos, do IRPJ e CSLL, no Brasil. Ainda que ela não fosse considerada residente, o sócio brasileiro ostensivo - que, na verdade, é quem realiza o ato jurídico civil da remessa ao sócio participante estrangeiro - deve assim ser.

Por outro lado, estamos supondo também que o sócio participante não residente é de fato residente no país contratante estrangeiro, no que não haveria qualquer questionamento sobre sua aptidão para ser beneficiário de tratados para evitar a dupla tributação.

Com relação ao segundo ponto, não restam dúvidas de que o tratado seria aplicável. Afinal, estamos tratando de incidência de imposto de renda sobre a remessa. Como se sabe, o artigo 2º da Convenção-modelo da OCDE considera todo tributo sobre a renda como coberto por tratados contra a bitributação, no que admitiremos que este seria o caso do tratado na situação concreta.

Por fim, resta a análise mais complexa, que recai sobre a qualificação dos rendimentos remetidos ao exterior. Antes mesmo de adentrarmos a questão de como qualificar e, portanto, de qual a natureza jurídica do rendimento, é preciso analisar quem deve qualificar.

A se seguir as premissas que expusemos, adotamos o método do New Approach de qualificação de rendimentos. Assim, será o Estado da fonte que deverá qualificar o rendimento, conforme sua legislação interna, se a qualificação autônoma - isto é, baseada nos termos do próprio tratado e em seu contexto - não for suficiente. Daí se conclui que são as autoridades fiscais brasileiras que qualificarão os rendimentos pagos ao sócio participante estrangeiro.

Vencida a etapa de saber a quem se atribui a competência qualificatória, cumpre debruçar-se sobre a qualificação em si dos rendimentos remetidos ao exterior. Como expusemos em capítulo anterior, a remessa será considerada, em termos de Direito Cambiário, como juros, uma vez que representam formalmente a remuneração de um contrato de mútuo registrado no Bacen sob a modalidade de capital estrangeiro de empréstimo externo. Por outro lado, no entanto, sabe-se que tal pagamento é feito como remuneração pela participação do sócio participante estrangeiro em atividades empresariais desenvolvidas por SCP, no que a remessa poderia ser qualificada como dividendos.

Como se observa, não há mais aqui um conflito de qualificação entre leis internas de dois países, pois, pelo método do New Approach, já se definiu que é o Brasil que teria competência para qualificar tal pagamento, sem que o Estado de residência pudesse impor outra qualificação. Existiria, na verdade, um potencial conflito entre a qualificação imposta pelo Direito Cambiário e pelo Direito Tributário brasileiros. Entendemos que para superar tal problema, deve-se, antes de tudo, recorrer a uma qualificação autônoma dos rendimentos, atendo-se o máximo possível aos termos do tratado e a seu contexto. Ainda que seja necessário aplicar a legislação brasileira, é preciso levar em conta o contexto e o objetivo do tratado, não cabendo decisões extremamente formalistas e que esvaziem acordos internacionais. Repise-se, aliás, que essa qualificação se opera para efeitos de aplicação de tratados internacionais e não tem o condão de fundamentar tributação no Brasil64.

Com base nesses fatores, sustentamos que a remessa realizada por sócio ostensivo residente no Brasil a sócio participante não residente devido à participação em SCP deve ser qualificada como dividendos. Sem adentrar propriamente a discussão sobre a relação entre Direito Privado e Direito Tributário65, trazemos alguns aspectos do pagamento que lhe atribuem a natureza jurídica fiscal de dividendos.

Antes de tudo, há de se reconhecer que a remuneração paga ao sócio participante estrangeiro deriva da repartição do lucro obtido da SCP, correspondendo, enfim, a um “direito societário” de sócio (corporate rigths). Alguns autores traçam algumas conclusões sobre o que seriam tais corporate rights, como Helminen66, que entende que tais direitos compreendem o direito de participar dos seus resultados e não uma pretensão de crédito (debt claim).

Já por esses fatores, a remuneração ao sócio participante estrangeiro mais se adéqua à qualificação de dividendo67. Além disso, o disposto do artigo 10, 3, da Convenção-modelo da OCDE corrobora tal posição ao incluir no conceito de dividendos os rendimentos que advêm da participação nos lucros (participating in profits). Este é exatamente o caso em análise. Afinal, o pagamento feito ao sócio participante estrangeiro está subordinado à apuração de lucro e é calculado conforme a participação dos sócios no patrimônio especial afetado à atividade da SCP.

Como a remuneração dos sócios da SCP está condicionada à existência de lucro, ambos suportam o risco do negócio, podendo não só não receber qualquer remuneração pelo empreendimento, como amargar prejuízos e perdas definitivas com o negócio. Isso quer dizer que a existência de lucro é premissa para a remuneração tanto do sócio ostensivo quanto do participante.

Neste sentido, não faria sentido supor que o sócio ostensivo recebesse dividendo enquanto o sócio participante recebesse juros, por conta tão somente de um contrato de mútuo firmado para facilitar o registro de capital estrangeiro no país. Até mesmo porque, parece muito mais provável que o sócio participante tenha feito uma contribuição a título de investimento direto ao patrimônio especial da SCP, do que um contrato de mútuo de prazo indeterminado com o sócio ostensivo. No primeiro caso, o capital estrangeiro se mantém no patrimônio especial, porque ele “sustenta” as atividades empresariais da SCP; no segundo caso, no entanto, estar-se-ia diante de um caso de empréstimo “quase perpétuo”, em que o principal só seria retornado ao mutuante no momento da liquidação da SCP.

Repise-se que, no caso, a despeito de haver formalmente um contrato de mútuo, não há propriamente uma pretensão de crédito68 por parte do sócio participante estrangeiro, mas sim uma mera expectativa de direito a receber dividendos, condicionada ao sucesso do negócio e à repartição dos lucros nos termos do instrumento constitutivo da sociedade - no caso, um contrato verbal ou escrito entre os sócios. Klaus Vogel e Moris Lehner chegam mesmo a ensinar que dividendos não são necessariamente direito à divisão dos lucros, mas podem ser uma pretensão a receber tal participação69.

Economicamente, portanto, há o pagamento de dividendos e juridicamente não resta dúvida de que o sócio participante estrangeiro ocupa, na verdade, posição jurídica de sócio frente à SCP e ao sócio ostensivo, o que lhe daria o direito potencial de receber dividendos.

Recorre-se ainda ao princípio da não discriminação entre residentes e não residentes para sustentar nossa posição. Por tal princípio, não seria possível qualificar a remuneração pelo direito de sócio, derivada da repartição de lucro da mesma atividade da SCP, como dividendo quando paga a sócio ostensivo brasileiro e, por outro lado, como juros, quando paga a sócio participante estrangeiro70. Fundamentalmente, a remuneração tem a mesma natureza. Afinal, têm a mesma origem, as mesmas particularidades e está sujeita aos mesmos riscos. O sócio participante e o ostensivo guardam entre si a mesma posição jurídica de sócio, muito embora para terceiros só o sócio ostensivo tenha responsabilidade. É dizer, no fim das contas, a remuneração dos sócios tem a mesma causa jurídica, qual seja a participação em sociedade.

A existência de um contrato de mútuo entre os dois sócios é incapaz de modificar a natureza jurídica da remuneração dos sócios, pois ela apresenta características bem delimitadas. Fosse assim, as empresas poderiam livremente estipular contratos de mútuo com seus sócios, a título meramente formal, pagando juros (e tomando, portanto, despesas dedutíveis de seu lucro) a tais sócios e pagando dividendos aos outros sócios, embora economicamente houvesse o mesmo pagamento e juridicamente houvesse o mesmo direito dos sócios e a mesma natureza da remuneração.

6. Conclusão

Após percorrermos os conceitos de qualificação no Direito Tributário Internacional e o de conflito de qualificação, adotamos o método do New Approach para resolver conflitos de qualificação.

Pelo caso que nos propusemos a estudar, haveria o conflito entre as naturezas jurídicas de juros e dividendos no pagamento de sócio participante estrangeiro por participação em SCP constituída e atuante no Brasil.

Tal conflito derivaria do fato de que a constituição direta de SCP no Brasil por sócio participante estrangeiro não pode dar com ingresso de capital estrangeiro registrado como investimento direto. Com isso, adotamos a hipótese de que a contribuição ao patrimônio especial seria dada por empréstimo externo. Disso, a remessa para remunerar o sócio participante estrangeiro seria qualificada, para efeitos de Direito Cambiário, como juros, mesmo possuindo características que lhe dariam a natureza jurídica, para efeitos tributários, de dividendo.

A partir deste cenário, e da hipótese firmada no presente trabalho, concluímos que o sócio participante não residente deveria receber dividendos, pois: (i) tem participação nos lucros das atividades da SCP; (ii) tem sua remuneração condicionada à existência de lucros; e (iii) está sujeito ao risco das atividades da SCP. Além disso, o Direito Tributário considera que o sócio ostensivo residente recebe dividendos pela participação na SCP, no que, pelo princípio da não discriminação, outra não poderia ser a qualificação dada à remuneração remetida a sócio participante estrangeiro.

Ainda que, na prática, esse conflito de qualificação não surja de uma falha na aplicação do Direito Tributário pelas autoridades fiscais ou pelas entidades responsáveis pela retenção do Imposto de Renda (entidades operadoras de câmbio autorizadas pelo Banco Central) quando da remessa do pagamento ao exterior, tal conflito revela uma deficiência sistêmica do tratamento dispensado à SCP no que se refere à aplicação das normas do Bacen.

O apontamento central deste texto deixa, então, só de ser uma constatação teórica sobre o tratamento dispensado à remuneração de sócio participante estrangeiro e passa a revelar o descasamento entre normas de regulação do capital estrangeiro - deficientes no que se refere à inversão estrangeira em SCP -, a situação jurídica do sócio participante estrangeiro (enquanto sócio e não como mutuário) e a natureza jurídica do pagamento, à conta de distribuição de lucros, a esse tipo de sócio.

7. Referências Bibliográficas

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1 “Globalisation is not new, but the pace of integration of national economies and markets has increased substantially in recent years. The free movement of capital and labor, the shift of manufacturing bases from high-cost to low-cost locations, the gradual removal of trade barriers, technological and telecommunication developments, and the ever-increasing importance of managing risks and of developing, protecting and exploiting intellectual property, have had an important impact on the way cross-border activities take place. Globalisation has boosted trade and increased foreign direct investments in many countries. Hence it supports growth, creates jobs, fosters innovation, and has lifted millions of poverty”. (OECD (2013), Action Plan on Base Erosion and Profit Shifting, OECD Publishing. http://dx.doi.org/10.1787/9789264202719-en. Acesso em 27.7.2014)

2 O Professor da University of London, Philip Baker, comenta, inclusive, que a globalização cria uma tensão entre a realidade econômica e a realidade jurídico-tributária: enquanto a primeira é gradativamente mais global e enfrenta fronteiras cada vez menos relevantes ao movimento de pessoas, bens e capital; a segunda é assentada em sistemas tributários nacionais apegados à noção de território. (Cf. BAKER, Philip, “A Tributação Internacional no Século XXI”, Direito Tributário Atual, nº 19, São Paulo: Dialética, 2005, p. 46)

3 Usaremos a sigla “SCP” para designar “sociedade em conta de participação”.

4 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil, 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 142.

5 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil, 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, pp. 144/5 e MACHADO, João Batista. Lições de Direito Internacional Privado, 3ª ed. Coimbra: Almedina, 1988, p. 117.

6 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil, 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 145.

7 Neste sentido, Klaus Vogel e Moris Lehner ensinam que: “Deve-se falar, portanto, em conflito de qualificação no Direito Tributário Internacional somente se um tratado empregar termos do direito interno dos Estados contratantes (especialmente se o termo advindo dos ordenamentos internos dos Estados contratantes tiver um significado distinto)”. Tradução livre do trecho original: “Von einem ‘Qualifikationsproblem’ sollte man deshalb im Internationalen Steuerrecht dann und nur dann sprechen, wenn ein Abkommen Ausdrücke aus dem innerstaatlichen Recht der Vertragsstaaten verwendet (besonders, wenn der Ausdruck in den Rechtsordnungen der Vertragstaaten eine unterschiedliche Bedeutung hat)”. (Cf. VOGEL, Klaus; e LEHNER, Moris, Doppelbesteuerungsabkommen: Kommentar, Munique: Verlag C.H. Beck, 2003, p. 168)

8 SILVEIRA, Rodrigo Maitto da. Aplicação de Tratados Internacionais contra a Bitributação: Qualificação de Partnership Joint Ventures. Série Doutrina Tributária, vol. 1. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 67.

9 “(...) il contrasto può derivare dalla intrinseca diversità dei criteri di collegamento, ovvero da una contrapposizione interpretativa dei medesimi; ma va comunque distinto da conflitti fra ordinamenti positivi originati da difformi interpretazioni di principi e concetti giuridici, essendo il conflitto normativo, in senso proprio, non configurabile fra ordinamenti giuridici autonomi e sovrani, bensì soltanto assumibile come causa della doppia imposizione interna”. (Cf. MIRAULO, Anna, Doppia Imposizione Internazionale. Milão: Dott. A Giuffrè Ed., 1990, p. 9)

10 ROTHMAN, Gerd, Interpretação e Aplicação dos Acordos Internacionais contra a Bitributação, Tese de Doutoramento, sob a orientação do Prof. Ruy Barbosa Nogueira, apresentada em 25.9.1978 à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1978, p. 58.

11 Um exemplo que muito bem ilustra um conflito de qualificação na aplicação de tratado internacional para evitar a dupla tributação é o caso Pierre Boulez. Trata-se de um precedente jurisprudencial dos Estados Unidos da América, em que um compositor e maestro francês residente na Alemanha que foi contratado por uma empresa americana para conduzir concertos e gravar discos nos Estados Unidos. Como remuneração pelo seu trabalho, os rendimentos recebidos pelo maestro Pierre Boulez foram qualificados pelas autoridades fiscais alemãs como royalties. Já as autoridades americanas, todavia, qualificaram os mesmos rendimentos no conceito-quadro relativo ao pagamento de serviços de trabalho independente. A qualificação proposta pelo fisco alemão justifica a tributação dos rendimentos na Alemanha, enquanto a qualificação proposta pelo fisco americano justifica a tributação dos mesmos rendimentos nos Estados Unidos. (Cf. VOGEL, Klaus; e LEHNER, Moris, Doppelbesteuerungsabkommen: Kommentar, Munique: Verlag C.H. Beck, 2003, p. 169; e SILVEIRA, Rodrigo Maitto da, Aplicação de Tratados Internacionais contra a Bitributação: Qualificação de Partnership Joint Ventures. Série Doutrina Tributária, vol. 1. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 55)

12 SILVEIRA, Rodrigo Maitto da. Aplicação de Tratados Internacionais contra a Bitributação: Qualificação de Partnership Joint Ventures. Série Doutrina Tributária, vol. 1. São Paulo: Quariter Latin, 2006, p. 161.

13 VOGEL , Klaus; e LEHNER, Moris. Doppelbesteuerungsabkommen: Kommentar, Munique: Verlag C.H. Beck, 2003, p. 152.

14 Kees van Raad é, neste sentido, um dos expoentes do Direito Tributário Internacional que sustentam que o contexto tem papel fundamental na interpretação dos tratados para evitar a dupla tributação e, por essa razão, deve ser utilizado como ferramenta interpretativa, buscando-se, inclusive, evitar o reenvio ao direito interno. O autor também sustenta a adoção de uma “linguagem fiscal internacional” para solução de problemas de interpretação de tratados para evitar a dupla tributação. (Cf. VAN RAAD, Kees, “International Coordination of Tax Treaty Interpretation and Application”. International Tax Review - Intertax. V. 29, Amsterdã: Kluwer, issue 6-7, 2001, pp. 212-218)

15 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil, 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 147.

16 Pela técnica de qualificação pelo Estado da fonte, a qualificação é exercida pelo Estado contratante no qual foi gerado o rendimento sujeito à tributação, nos termos do tratado.

17 Daí que a qualificação pelo Estado de residência seria cabível para aplicação das normas convencionais que lhes são especificamente dirigidas, quais sejam, as estampadas nos artigos 23-A e 23-B da Convenção-modelo da OCDE, relativos a métodos de imputação e isenção para evitar a bitributação

18 Alberto Xavier fala ainda na competência qualificatória pela lex situationis. Dentro da sistemática de competência qualificatória exclusiva, defende o jurista que os demais pressupostos de aplicação de norma convencional devem ser qualificados pelo Estado que tenha vocação natural para regular tal situação. Assim, uma situação deve ser qualificada pela ordem jurídica com que tenha mais estreita conexão. Daí, por exemplo, que a nacionalidade de uma pessoa deve ser qualificada conforme a lei do país cuja nacionalidade se invoca. (Cf. XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil, 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 158)

19 Segundo tal teoria, os tratados para evitar a dupla tributação devem ser interpretados segundo seus próprios termos, evitando-se reenvios a conceitos estampados em ordenamentos jurídicos internos. “Ambos os Estados buscam obter uma qualificação convergente a partir do contexto do Tratado: Qualificação Autônoma”. Tradução livre do trecho original: “Beide Staaten suchen eine übereinstimmende Qualifikation aus dem Sinnzusammenhang des Abkommens zu gewinnen: autonome Qualifikation (...)”. (Cf. VOGEL, Klaus; e LEHNER, Moris. Doppelbesteuerungsabkommen: Kommentar, Munique: Verlag C.H. Beck, 2003, p. 170)

Assim, se verificado que há termos que não estão expressamente definidos no tratado, deve-se buscar a chamada “harmonia decisória” (“Entscheidungsharmonie”) pela aplicação de definições autônomas do acordo, decorrentes do contexto do tratado. Confira-se o entendimento de Klaus Vogel ao relatar a situação presente no tratado para evitar a dupla tributação entre Alemanha e Áustria: “Melhor seria pelo menos tentar-se alcançar uma interpretação autônoma, decorrendo do contexto do acordo, independente, portanto, do direito interno dos Estados contratantes. No caso do acordo entre a Alemanha e a Áustria, tal posicionamento não é problemático, já que nele não se encontra norma correspondente ao artigo 3, parágrafo 2, da Convenção Modelo da OCDE. Entretanto, quando um acordo possui tal norma, como é o caso dos acordos que ambos os Estados mantêm com a França, a remissão ao direito interno fica condicionada a que o ‘contexto exija interpretação diferente’”. (Cf. VOGEL, Klaus, “Harmonia Decisória e Problemática da Qualificação nos Acordos de Bitributação”, In: SCHOUERI, Luís Eduardo; e ZILVETI, Fernando A. (coords.). Direito Tributário: Estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, pp. 78-81)

20 “No campo de Direito Tributário Internacional, a ‘jovem escola de Viena’ defende, como firmeza, uma solução autônoma, por meio da interpretação do acordo a partir de seu contexto. Mas, como eu já disse, o artigo 3º, parágrafo 2º, pressupõe que nem sempre seja possível uma interpretação decorrente do contexto em tais casos, ainda que se trate de meras ‘sobras’, isso ainda vale. Eu mesmo já me manifestei sobre uma solução intermediária. Entretanto, já não posso manter esse entendimento, quando se trate da qualificação de rendimentos (no restante, sim)”. (Cf. VOGEL, Klaus, “Problemas na Interpretação de Acordos de Bitributação”. In: SCHOUERI, Luís Eduardo, Direito Tributário (Homenagem a Alcides Jorge Costa), v. 2, São Paulo: Quartier Latin, 2003, pp. 971/2)

21 OECD. Issues in International Taxation nº 6: The application of the OECD Model Tax Convention to partnerships. Paris: OECD, 1999.

22 VOGEL , Klaus; e LEHNER, Moris. Doppelbesteuerungsabkommen: Kommentar, Munique: Verlag C.H. Beck, 2003, p. 177.

23 Sobre tal método, Klaus Vogel faz as seguintes considerações: “Parte essa argumentação de que conforme a formulação do Modelo da OCDE, o Estado da residência de um contribuinte deve deixar de tributar os rendimentos que este auferir do exterior, ou deve computar, no cálculo de seu imposto, o montante cobrado pelo outro Estado, se esses rendimentos puderem ser ‘tributados no outro Estado Contratante conforme este acordo’. Mas os rendimentos somente podem ser tributados, conforme o acordo, no outro Estado Contratante, o ‘Estado da Fonte’, se o acordo assim o determinar, conforme a interpretação que, nos termos do artigo 3º, parágrafo 2º, lhe dê o seu direito interno (do Estado da Fonte). A Convenção Modelo não diz ‘se os rendimentos, do ponto de vista do Estado de residência, puderem ser tributados no outro Estado Contratante’”. (Cf. VOGEL, Klaus, “Problemas na Interpretação de Acordos de Bitributação” In: SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário (Homenagem a Alcides Jorge Costa), v. II. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 972)

24 VOGEL, Klaus, “Problemas na Interpretação de Acordos de Bitributação” In: SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário (Homenagem a Alcides Jorge Costa), v. II. São Paulo: Quartier Latin, 2003, (nota 23), p. 973.

25 JONES, John F. Avery. “Conflicts of Qualification: Comment on Prof. Vogel’s and Alexander Rust’s Articles”, Bulletin of International Bureau of Fiscal Documentation - Tax Treaty Monitor, Maio de 2003, pp. 184-186.

26 ASCARELLI, Tulio, “O contrato plurilateral”. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. São Paulo: Saraiva, 1969, pp. 299-300. GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil, 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2008, pp. 148/9.

27 CARVALHO DE MENDONÇA, J. X. Tratado de direito comercial brasileiro, v. 4, livro 2, 2ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1934, pp. 227/8. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, t. 49, 3ª ed. Rio de Janeiro: Borsói, 1984, p. 320. WALD, Arnoldo; e TEXEIRA, Sálvio Fernandes (coords.), Comentários ao Código Civil: livro 2, do Direito de Empresa, v. 14. Rio de Janeiro: Forense, 2005, pp. 99-100.

28 Luis Felipe Spinelli et al sustentam o perfil societário da SCP com base nas seguintes características: (i) a SCP é constituída por um contrato; (ii) expressa a combinação de esforços e de recursos; (iii) origina uma organização reconhecida pelo ordenamento jurídico, para o exercício de uma atividade econômica: e (iv) é instrumento pelo qual os sócios participam nos resultados, positivos ou negativos. (Cf. SPINELLI, Luis Felipe; SCALZILLI, João Pedro; CORRADINI, Luiz Eduardo Malta; e TELLECHEA, Rodrigo, “Contrato de Investimento Coletivo como Modalidade de Sociedade em Conta de Participação”, Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, ano 16, v. 61, julho/setembro de 2013, pp. 246/7)

29 FINKELSTEIN, Maria Eugenio. Direito empresarial, 3ª ed. São Paulo: Altas, 2006, p. 50.

30 O próprio Professor Rubens Requião assevera que “a sociedade (em conta de participação) não é irregular, mas regular, por força da lei, embora não possua personalidade jurídica”. (Cf. REQUIÃO, Rubens, Manual de direito comercial, v. I, 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 438)

31 “Nestes termos, o fundo social da conta de participação responde pelas obrigações pessoais do sócio ostensivo, isto é, mesmo aquelas que não digam respeito aos negócios entabulados em favor da sociedade, posto que o fundo social é ineficaz perante terceiros”. (Cf. SPINELLI, Luis Felipe; SCALZILLI, João Pedro; CORRADINI, Luiz Eduardo Malta; e TELLECHEA, Rodrigo. “Contrato de Investimento Coletivo como Modalidade de Sociedade em Conta de Participação”, Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, ano 16, v. 61, julho/setembro de 2013, p. 253)

32 FINKELSTEIN, Maria Eugênia. Direito empresarial, 3ª ed. São Paulo: Altas, 2006, p. 128.

33 MACHADO, Costa (org.); e CHINELLATO, Silmara Juny (coord.), Código Civil Interpretado, 3ª ed. São Paulo: Manole, 2010, pp. 745/6.

34 Neste sentido são as observações de: MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial, 31ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 223 e FINKELSTEIN, Maria Eugênia. Direito empresarial, 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 135.

35 LOPES, Christian Sahb Batista. “Sociedade em comum e sociedade em conta de participação como técnica de implementação de parcerias empresariais”. In: BOTREL, Sérgio (coord.), Direito societário: análise crítica. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 327/8.

36 MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial, 31ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 222.

37 Cabe ressaltar que, independentemente do uso que se fizer da SCP, seu prazo de duração pode ser determinado ou indeterminado.

38 SPINELLI, Luis Felipe; SCALZILLI, João Pedro; CORRADINI, Luiz Eduardo Malta; e TELLECHEA, Rodrigo. “Contrato de Investimento Coletivo como Modalidade de Sociedade em Conta de Participação”, Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, ano 16, v. 61, julho/setembro de 2013, pp. 254/5.

39 Como já ressaltamos, não analisaremos quaisquer aspectos tributários que não os que digam respeito ao Imposto de Renda.

40 “Art. 148. As sociedades em conta de participação são equiparadas às pessoas jurídicas do RIR/99.

Art. 149. Na apuração dos resultados dessas sociedades, assim como na tributação dos lucros apurados e dos distribuídos, serão observadas as normas aplicáveis às pessoas jurídicas em geral e o disposto no art. 254, II”.

41 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário, 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 561.

42 Os próprios Comentários à Convenção Modelo da OCDE para tratados contra bitributação deixam observação a respeito:

“Whereas the earliest conventions in general were applicable to ‘citizens’ of the Contracting States, more recent conventions usually apply to ‘residents’ of one or both Contracting States irrespective of nationality. Some conventions are of even wider scope because they apply more generally to ‘taxpayers’ of the Contracting States; they are, therefore, also applicable to persons, who, although not residing in either State, are nevertheless liable to tax on part of their income or capital in each of them”. (Cf. OECD, Model Tax Convention on Income and on Capital 2010 (updated 2010), OECD Publishing, http://dx.doi.org/10.1787/978926417517-en, 2012).

43 “Art. 1º A partir de 1º de janeiro de 2001, observadas as hipóteses de obrigatoriedade de observância do regime de tributação com base no lucro real previstas no art. 14 da Lei nº. 9.718, de 27 de novembro de 1998, as sociedades em conta de participação podem optar pelo regime de tributação com base no lucro presumido.

§ 1º A opção da sociedade em conta de participação pelo regime de tributação com base no lucro presumido não implica a simultânea opção do sócio ostensivo, nem a opção efetuada por este implica a opção daquela;

§ 2º O recolhimento dos tributos e contribuições sociais devidos pela sociedade em conta de participação será efetuado mediante a utilização de Darf específico, em nome do sócio ostensivo.”

44 Há ainda Soluções de Consulta confirmando tal entendimento, como é o caso da Solução de Consulta nº 63 de 31 de agosto de 2006, da 4ª Região Fiscal. A Solução de Consulta nº 49 de 2007 da 8ª Região Fiscal ainda assegura que os limites de lucro presumido para cada SCP, da qual faça parte uma mesma pessoa jurídica, não se confundem.

45 Não se pretende aqui analisar a legitimidade do uso de entidades, como a SCP, para planejamento tributário internacional ou mesmo em estruturas internacionais ditas abusivas pela sua artificialidade.

46 “Art. 1º Consideram-se capitais estrangeiros, para os efeitos desta lei, os bens, máquinas e equipamentos, entrados no Brasil sem dispêndio inicial de divisas, destinados à produção de bens ou serviços, bem como os recursos financeiros ou monetários, introduzidos no país, para aplicação em atividades econômicas desde que, em ambas as hipóteses, pertençam a pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior.”

47 Para Luiz Olavo Batista, investimento estrangeiro compreende “investimento efetivo e desvinculado da riqueza, com interesse de permanência, oriundo do exterior e de propriedade de pessoa não residente, que tenha como finalidade a produção de bens e serviços”. (Cf. BATISTA, Luiz Olavo. Os Investimentos Internacionais no Direito Comparado e Brasileiro, São Paulo: Livraria do Advogado, 1998, pp. 32/3) Já para Alberto Xavier, capital estrangeiro compreende “a aquisição do direito a um rendimento, por não residente, em contrapartida a cessão onerosa de recursos provenientes do exterior, registrada no Banco Central do Brasil”. (Cf. XAVIER, Alberto. “Natureza jurídica do certificado de registro de investimento estrangeiro”, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, v. 69. Janeiro/Março, Ano XXVII, São Paulo: Malheiros, 1988, p. 39). Já Denis Borges Barbosa destrincha o capital estrangeiro sob três enfoques: (i) subjetivo - o capital deve pertencer a pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior; (ii) objetivo - o investimento no país pode se dar por meio da entrada de bens, máquinas e equipamentos (sem dispêndio inicial de divisas) ou por recursos financeiros e monetários; e (iii) concernente à finalidade - o investimento será considerado capital estrangeiro desde que se destine à produção de bens ou serviços se for bem físico, ou que se destine à aplicação em atividades econômicas, no caso de recursos financeiros ou monetários. (Cf. BARBOSA, Denis Borges. Direito de acesso do capital estrangeiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996, p. 78). Sobre tal temática, confira-se também: TÔRRES, Heleno Taveira. Direito Tributário Internacional - Planejamento tributário e operações transnacionais. São Paulo: RT, 2001, p. 564.

48 LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. “Capital Estrangeiro”, Pareceres, v. 2. São Paulo: Editora Singular, 2004, p. 1.205.

49 Também neste sentido, veja-se: MOURÃO, Ricardo Genis. “Investimentos Estrangeiros no Brasil: Aspectos Regulatórios”. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz; e CANADO, Vanessa Rahal. Tributação dos Mercados Financeiro e de Capitais e dos Investimentos Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2011 (Série GV-Law), p. 321.

50 “Art. 3º. Fica instituído, na Superintendência da Moeda e do Crédito, um serviço especial de registro de capitais estrangeiros, qualquer que seja sua forma de ingresso no País, bem como de operações financeiras com o exterior, no qual serão registrados:

a) os capitais estrangeiros que ingressarem no País sob a forma de investimento direto ou de empréstimo, quer em moeda, quer em bens;

b) as remessas feitas para o exterior com o retorno de capitais ou rendimentos desses capitais, lucros, dividendos, juros, amortizações, bem como as de “royalties”, ou por qualquer outro título que implique transferência de rendimentos para fora do País;

c) os reinvestimentos de lucros dos capitais estrangeiros;

d) as alterações de valor monetário do capital das empresas procedidas de acordo com a legislação em vigor.”

51 LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. “Capital Estrangeiro”, Pareceres, v. 2. São Paulo: Editora Singular, 2004, p. 1.205.

52 Exceto para os casos, por exemplo, de investimento direto estrangeiro em capital social de instituições financeiras e demais instituições autorizadas pelo Bacen a funcionar (v. parágrafo único do artigo 2º do Regulamento Anexo I à Resolução nº. 3.844/2010).

53 MOURÃO, Ricardo Genis, “Investimentos Estrangeiros no Brasil: Aspectos Regulatórios”. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz; e CANADO, Vanessa Rahal. Tributação dos Mercados Financeiro e de Capitais e dos Investimentos Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2011 (Série GV-Law), p. 323.

54 Registro segue a nomenclatura de Módulo RDE-IED.

55 Registro segue a nomenclatura de RDE-ROF (Registro de Operações Financeiras).

56 Sobre o empréstimo externo, há de se ter presente a sempre atual lição do Professor Tadeu de Chiara, que afirma podermos classificar tal modalidade de capital estrangeiro em duas modalidades: (a) empréstimo externo direto, celebrado entre credor estrangeiro e devedor residente; e (b) empréstimo externo indireto, captado por bancos brasileiros frente a credores estrangeiros. (Cf. DE CHIARA, José Tadeu de, “Capitais Estrangeiros”, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Comercial nº 26. São Paulo: RT, 1977, pp. 72/3)

57 MOURÃO, Ricardo Genis. “Investimentos Estrangeiros no Brasil: Aspectos Regulatórios”. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz; e CANADO, Vanessa Rahal. Tributação dos Mercados Financeiro e de Capitais e dos Investimentos Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2011 (Série GV-Law), p. 328.

58 Neste sentido, v. Regulamento Anexo II à Resolução nº 3.844/2010.

59 Os principais diplomas que normatizam os investimentos em portfólio são a Resolução CMN nº 4.373/2014, a Circular Bacen nº 3.725/2015 e a Instrução CVM nº 325/2000.

60 Não analisaremos a hipótese de constituição de SCP por empresa estrangeira como sócia ostensiva. Neste último caso, parece que, como a SCP é entidade não personificada, a sociedade estrangeira estaria atuando diretamente no Brasil, o que envolveria tantos outros aspectos atinentes à autorização para exercício de atividade empresarial no Brasil por estrangeiro. Tal temática está disposta nos artigos 1.134 a 1.141 do Código Civil e não constitui objeto do presente trabalho.

61 Artigo 3º, II, do Regulamento Anexo I à Resolução CMN nº 3.844/2010.

62 Rogério Ramires também relata essa dificuldade: “Podemos concluir que em virtude de a participação de investidor não residente em SCP não ser reconhecida pelo Bacen como investimento externo direto, pelo motivo da SCP não deter personalidade jurídica, seu aporte deverá ser promovido por qualquer outro negócio jurídico que permita a transmissão da propriedade ou posse sobre os mesmos, conforme prevê o regime jurídico estatuído pela Lei nº 4.131/1962, e complementado pela Lei nº 11.371/2006 na forma do caput e de seu art. 5º”. (Cf. RAMIRES, Rogério. A sociedade em conta de participação no direito brasileiro. São Paulo: Almedina, 2014, p. 106)

63 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário, 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, (nota 41), pp. 120/1.

64 Confira-se neste sentido a lição de Kees van Raad: “A tributação de determinada renda tem previsão na legislação interna, enquanto que o tratado tem por finalidade apenas limitar tal tributação. Dessa forma, o cerne da questão não é se um tratado contém alguma regra que permita a tributação, mas se há nele alguma disposição que proíba a aplicação irrestrita da legislação tributária interna”. (Cf. VAN RAAD, Kees, “Cinco Regras Fundamentais para a Aplicação de Tratados para Evitar a Dupla-Tributação”, Revista de Direito Tributário Internacional, ano 1, nº 1. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 197)

65 Afinal se reconhece a predominância da corrente que sustenta que o Direito Tributário pode ter seus conceitos próprios sem revelar-se submisso à chamada “primazia do Direito Privado”, cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário, 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, (nota 41), p. 727.

66 “… it follows that, in order to qualify under the autonomous part of the definition, the corporate rights must participate in profits and must not be a debt-claim. This express requirement, however, seems to be only a clarification because the term ‘corporate rights’ in itself should mean that the corporate rights is not a debt-claim and that it must participate in profits”. (Cf. HELMINEN, Marjaana, “Classification of Cross-Border Payments on Hybrid Instruments”, 58 Bulletin for International Taxation 2, fevereiro de 2004, p. 58)

67 Em trabalho sobre qualificação de rendimentos advindos de instrumentos híbridos, Ramon Tomazela Santos também menciona a importância dos “corporate rights” na qualificação de um pagamento como dividendos. (Cf. SANTOS, Ramon Tomazela, “A qualificação dos rendimentos provenientes de instrumentos financeiros híbridos nos acordos internacionais de bitributação”, Revista de Direito Tributário Atual, nº 30. São Paulo: Dialética, 2014, p. 287)

68 O jurista Tamás Feher, em estudo sobre o conflito de qualificação na aplicação dos artigos 10, 3 e 11, 3 da Convenção-Modelo da OCDE, aduz mesmo que a pretensão de crédito (debt-claim) - a que corresponderia a contraprestação por juros - deve ser genuína da perspectiva econômica Veja-se: “The claim shoul be genuine, not only from a legal, but also from an economic perspective. Therefore, a ‘perpetual’ loan would probably not fulfil the criteria of a claim, and neither would a loan with a term so long, which reduces the present value of the claim to almost zero. Also, the economic risks involved should generally reflect those in respect of a ‘debt-claim’ and not of those of ‘equity’”. (Cf. FEHÉR, Tamás, “Conflicts of Qualification and Hybrid Financial Instruments’. In: BURGSTALLER, Eva; e HASLINGER, Katharia, Conflicts of Qualification in Tax Treaty Law, Viena: Linde Verlag Wien, 2007, p. 245)

69 Em comentário ao artigo 10 da Convenção Modelo da OCDE, Klaus Vogel e Moris Lehner ensinam: “Além disso, conclui-se da construção da definição, que também os rendimentos exemplificados em sua primeira parte somente serão reconhecidos como dividendos, quando decorrerem não só de um ‘direito’, mas de uma ‘pretensão’ derivados da participação nos lucros”. Tradução livre do trecho original: “Weiter folgt aus dem Aufbau der Definition, dass auch die in ihren ersten Abschnitt beispielhaft aufgezählten Einkünfte nur insoweit Dividenden anzusehen sind, als sie aus‚ Rechten‘, nicht aber, soweit sie aus ‚ Forderungen‘ mit Gewinnbeteiligung herrühren”. (Cf. VOGEL , Klaus; e LEHNER, Moris. Doppelbesteuerungsabkommen: Kommentar, Munique: Verlag C.H. Beck, 2003, p. 1.011)

70 Em estudo sobre a aplicação de regras de não discriminação na tributação de operações transacionais, Kees van Raad relata a necessidade de se dispensar o mesmo tratamento tributário tanto ao residente quanto ao não residente na determinação dos rendimentos tributáveis. Entendemos, aqui, que tal determinação se refere não só ao método de apuração de tributos incidentes sobre rendimentos auferidos, mas também à própria qualificação jurídica atribuída a tal rendimento. Veja-se: “Não-residentes devem ter direito no país de fonte a receber o mesmo tratamento conferido aos residentes no que diz respeito à determinação dos rendimentos tributáveis e - proporcionalmente à parcela representada pela sua renda do país da fonte em relação à renda mundial - a outros benefícios tributários”. (Cf. VAN RAAD, Kees, “Não-discriminação na Tributação de Operações Transnacionais: Escopo e Questões Conceituais”, Revista de Direito Tributário Atual, nº 19. São Paulo: Dialética, 2005, p. 59)