Contribuições: revisitando o Problema dos Desvios de Finalidades à Luz das Normas de Competência Tributária e de Execução da Despesa Pública

Contributions: revisiting the Issue of Deviations of Purposes in Face of the Taxing Power Rules and of the Public Expenditure Execution Rules

Heron Charneski

Advogado e Contador. Master of Laws (LL.M.) em Direito Comercial Internacional (University of California, Davis). Mestrando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário (USP).E-mail: heron@charneskiadvogados.com.br.

Resumo

O presente trabalho aborda as contribuições destinadas pela Constituição Federal de 1988 ao atendimento de finalidades estatais nas áreas social, do domínio econômico e corporativas. Partindo-se de uma análise integrada das normas que cuidam das competências tributárias, da instituição de contribuições, do orçamento e da execução da despesa pública, elabora-se um quadro de possíveis hipóteses concretas de desvios na promoção dessas finalidades. Ao final, o trabalho reconcilia os elementos teóricos e normativos para enfrentar a discussão sobre se (e, caso positivo, quando) desvios de finalidade podem ensejar a invalidade da cobrança de contribuição instituída com tais características.

Palavras-chave: contribuições, finalidades estatais constitucionais, regras de competência tributária, despesa pública, desvios de finalidades, exame de validade da cobrança.

Abstract

The present work addresses the contributions set by the Brazilian Federal Constitution of 1988 to meet state purposes in social security, economy and in professional areas. Starting from an integrated analysis of rules that take care of taxing powers, of the creation of contributions, of the public budget and of the execution of public spending, it is inserted a table of possible specific cases of deviations on the promotion of these state purposes. At the end, the work reconciles theoretical and normative elements to face the debate over whether (and, if so, when) deviations of purposes may give rise to the voidness of collection of a contribution levied with such characteristics.

Keywords: contributions, state constitutional purposes, rules of taxing power, public expenditure, deviations of purposes, examination of validity of collection.

1. Introdução

O presente trabalho retorna à discussão sobre a natureza das espécies tributárias comumente identificadas como contribuições “destinadas”, “afetadas” ou (como se prefere) “finalísticas”, instituídas com fundamento na Constituição Federal de 1988 para atendimento a finalidades estatais. A justificativa da presente abordagem reside na importância de revisitar os fundamentos teóricos para o controle de validade dessas figuras, tão representativas no sistema tributário brasileiro1, diante de possíveis hipóteses de desvio de suas finalidades constitucionais.

A existência de contribuições finalísticas não é desconhecida em ordenamentos estrangeiros2, mas é na doutrina nacional que a sua validade diante de desvios vem merecendo ampliado debate. O que não significa que os problemas daí emergentes estejam satisfatoriamente solucionados. Para este trabalho, cumpre examinar algumas das proposições doutrinárias até então lançadas sobre o tema e investigar se essas proposições podem submeter-se a uma testabilidade concreta diante do direito posto. Afinal, o ordenamento jurídico brasileiro, a partir da Constituição de 1988, diversamente de outros sistemas, traz um sistema rígido de demarcação de competências tributárias: não apenas especifica as espécies tributárias, como traça os contornos de suas materialidades, e as finalidades que a tributação deve perseguir3.

O próprio autor já se posicionou no sentido da autonomia das contribuições arroladas no art. 149, caput, da Constituição Federal de 1988, em relação às demais espécies tributárias, com base no conteúdo finalístico que as qualifica4. Naquele estudo, sustentou-se que o destino dos recursos arrecadados integra o regime jurídico-tributário das contribuições. Por isso, o desvio de finalidade dos recursos, precipuamente por meio do Orçamento, comprometeria a própria validade da cobrança. No presente trabalho, alguns dos fundamentos daquelas posições serão reavaliados.

Ocorre que muitos estudos sobre o assunto - e o próprio artigo anterior do autor dá exemplo disso - têm, por vezes, deixado de examinar mais a fundo dois aspectos indispensáveis. O primeiro diz respeito a uma eventual falta de precisão quanto a onde e como podem ocorrer desvios de finalidades das contribuições5, sem cuja identificação é mesmo difícil elaborar uma argumentação eficiente. O segundo diz respeito a uma eventual falta de exploração da análise internormativa das relações entre as regras de competência tributária e a validade das contribuições instituídas com base em outras normas. As duas partes em que se estrutura o trabalho buscam enfrentar cada um desses dois aspectos. Se em razão disso alguma ampliação ao debate atual puder ser trazida, este trabalho terá cumprido os seus objetivos.

2. As Contribuições e as Hipóteses de Desvios de suas Finalidades

2.1. Classificações dos tributos, e suas circunstâncias

Já não há disputa relevante quanto à natureza tributária das contribuições, e quanto à sua sujeição ao regime jurídico dos tributos. As contribuições são tributos na sua extração constitucional6 e também porque aderem à definição da norma complementar reclamada pelo art. 146 da Constituição para dispor sobre normas gerais de direito tributário, ou seja, o art. 3º do Código Tributário Nacional - CTN (o “conceito de tributo”). É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que confirma a natureza tributária das contribuições desde a Constituição de 19887.

Apesar disso, ainda se controverte sobre a diferenciação entre as contribuições e outros tributos (impostos, taxas, contribuições de melhoria e empréstimos compulsórios) em razão das finalidades estatais específicas a que visam atender.

Na chamada classificação tradicional, as espécies tributárias se distinguem em razão de um critério dogmático tributário. Segundo essa concepção, são vinculados os tributos cuja hipótese de incidência consiste numa atuação estatal, relativa ao contribuinte (caso das taxas e das contribuições de melhoria); ou não vinculados, quando não há, na hipótese de incidência, confirmada pela base de cálculo utilizada, qualquer atuação estatal relativa ao contribuinte (caso dos impostos). As outras contribuições (que não as de melhoria), por revestirem ora o caráter de tributos vinculados, ora o de impostos, não constituiriam categoria à parte, devendo subsumir-se em uma das demais espécies8.

Desimporta, sob esse ângulo de análise, a finalidade da imposição, ou o destino dos tributos arrecadados. A única finalidade do tributo seria a satisfação de um dever, o dever jurídico tributário9. Já diria o inciso II do art. 4º do CTN: a natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevante para qualificá-la a destinação legal do produto da sua arrecadação. O dispositivo, segundo essa doutrina, coincidiria com o limite do campo de especulação do Direito Tributário, “que não se ocupa de momentos ulteriores à extinção do liame fiscal”10.

Impende identificar o contexto dessa proposta teórica. O trabalho de André Folloni11 noticia que, nos primórdios da estruturação do direito tributário no Brasil (época em que Becker desenvolveu sua teoria fundamental), não havia estudo sistemático do direito tributário como ciência, nem um direito tributário positivo minimamente ordenado. As pretensões de neutralidade e objetividade, ressaltadas nos postulados do racionalismo científico, em geral, e do positivismo lógico-jurídico, em particular, evitariam que o direito fosse manejado por quem detivesse poder, da forma que desejasse. Era necessário isolar o direito (reduzi-lo, enquanto objeto) da possível ameaça à segurança, em virtude da sua abertura à influência de outras ciências. No campo tributário, a simbiose entre o direito tributário e a ciência das finanças, presente até mesmo em âmbito teórico, reclamava uma demarcação. Ao aterrissarem esses postulados no domínio da classificação das espécies tributárias, o destino do produto arrecadado seria um dado indiferente à relação tributária, e apenas o binômio “hipótese de incidência e base de cálculo”, como critérios científicos rigorosos, poderia “nos proteger da linguagem imprecisa do legislador”12.

A doutrina fundacional do Direito Tributário atribuiu estrutura lógica ao ambiente normativo e reforçou a caracterização da relação tributária como relação jurídica. Apesar de inegáveis méritos, sua adoção irrestrita pode conduzir, no que toca às distinções entre espécies tributárias, a eventuais novos problemas e contradições. Por exemplo, afirmar que as contribuições sociais são impostos afetados significa uma contradição em termos, pois os impostos têm sua afetação proibida por norma constitucional13. Mais ainda, significa flexibilizar a rigidez com que a Constituição demarcou competências, abrindo à União leque demasiado amplo para tributar, por meio de impostos travestidos de contribuições, materialidades próximas à dos impostos atribuídos a Estados e Municípios.

O dado jurídico a destacar é que, com a Constituição Federal de 1988, as finalidades se integram às regras relativas ao exercício da competência tributária sobre contribuições, e deixam de ser elementos extrajurídicos. Não que as contribuições não existissem antes de 1988. Luís Eduardo Schoueri registra que o Decreto-lei nº 27 de 1966 fez inserir o art. 217 no CTN, exatamente para salvar da extinção diversas contribuições então existentes, que já não se amoldariam à tripartição estabelecida pelo art. 5º do Código em impostos, taxas e contribuições de melhoria14. Com o texto constitucional, a destinação, antes irrelevante para distinção entre certas espécies, tornou-se “importante no que tange à configuração das contribuições e dos empréstimos compulsórios”15, conforme Misabel Derzi, em nota à obra de Aliomar Baleeiro16.

Desse modo, a combinação dos critérios “hipótese de incidência” e “finalidade ou destino da arrecadação” conduz a classificações dos tributos quadripartidas (impostos, taxas, contribuições de melhoria e demais contribuições), quinquipartidas (incluindo empréstimos compulsórios, corrente a que o autor havia aderido17) e até hexapartidas (neste caso, com a segregação das contribuições em “sociais” e “especiais”)18.

A doutrina hoje critica as duas principais linhas de classificação dos tributos acima vistas.

Para Roberto Ferraz19, feriria a Lógica a unificação de classificações, de um mesmo gênero, feita sob diferentes critérios, para juntar as respectivas espécies. A vinculação do produto da arrecadação não caracterizaria, pois, espécie distinta, mas definiria outro critério de classificação. Por exemplo, a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) poderia ser classificada como imposto, pelo critério da hipótese de incidência, e como contribuição, pelo critério da destinação do produto da arrecadação, sendo ambas as classificações simultâneas para definição do seu regime jurídico. As conclusões do autor já revelam a aridez do tema. De fato, logicamente, uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Mas pode ser duas?

José Souto Maior Borges também oferece críticas rigorosas às duas linhas principais de classificação dos tributos e defende a convivência de considerações alternativas e complementares (“uma hipótese alternativa profunda, que entra em oposição com outra hipótese também profunda não é falsa, mas outra verdade”20). Segundo o jurista, ambas as classificações são redutoras, seja ao critério do CTN de vinculação a uma atividade estatal relativa ao contribuinte (critério da hipótese de incidência), seja ao critério de vinculação aos fins estatais (critério da função). Em ambas, recorre-se a um conceito universal de vinculação que não se conforma à base empírica do Direito Tributário, o ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional, no qual não há só tributos vinculados ou não vinculados.

Essas circunstâncias revelam algo do caminho que se pretende trilhar. Embora o autor deste trabalho continue filiado à chamada classificação quinquipartida dos tributos, surge que são as nuances das normas do direito positivo que “podem infirmar ou confirmar as propostas teóricas, que não podem ser tiradas como enunciados universais por simples intuição”, como escreveu o mesmo José Souto Maior Borges21.

2.2. Contribuições finalísticas, e suas contingências

Sob essas ponderações, cumpre indicar o que se entende, segundo o ordenamento vigente, por contribuições finalísticas, e o seu papel no sistema.

Apesar do inegável relevo que tais contribuições assumem para a União Federal, não é exato que apenas esta recebeu do texto constitucional capacidade para a sua instituição, e que não possa haver partilha dos recursos arrecadados com os demais entes autônomos da Federação. O caput do art. 149 da Constituição dispõe que “compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas (…)”. O parágrafo 1º do mesmo art. 149, no entanto, revela a competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para a instituição de contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do seu próprio regime previdenciário. E o art. 149-A da Carta, inserido pela Emenda Constitucional nº 39, de 2002, confere aos Municípios e ao Distrito Federal competência para instituição de contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública. Já quanto à discriminação de rendas pelo produto22, há uma exceção constitucional à ausência de partilha dos recursos arrecadados. Com as Emendas Constitucionais nº 42, de 2003, e nº 44, de 2004, a contribuição interventiva da União no setor do petróleo e derivados (Cide-Combustíveis), passou a ser partilhada com o Distrito Federal e os Estados, e destes com seus Municípios23, conforme inciso III e parágrafo 4º do art. 159, da Carta.

Também não é exato considerar que todas as contribuições finalísticas se caracterizam pela referibilidade da atuação estatal em relação ao contribuinte.

Nas contribuições destinadas à Seguridade Social, por exemplo, as hipóteses de incidência das contribuições sociais não são vinculadas, consistindo o seu núcleo em eventos como “folha de salário”, “receita ou faturamento” e “lucro” (incisos do art. 195 da Constituição). Releva ainda nessas contribuições o financiamento solidário por toda a sociedade, a ponto de a Primeira Turma do STF ter decidido que mesmo uma pessoa jurídica sem empregados deve contribuir para a seguridade social, “em prestígio à universalidade da cobertura” e do “princípio da solidariedade social”24. Certamente, a solidariedade não será uma “carta branca” para a União Federal tributar de qualquer modo ou sobre qualquer matéria, mas esse é tema que refoge ao estudo.

Já nas demais contribuições (de intervenção no domínio econômico e corporativas, também denominadas “especiais”), a referibilidade seria uma característica nítida. Ao tratar da Cide-Combustíveis, cujos contribuintes são os produtores, formuladores e importadores dos combustíveis líquidos citados na lei, Andréa Mascitto explica que o ônus tributário é suportado por estas principais figuras do segmento porque, em princípio, deverão ser os primeiros beneficiados com a intervenção estatal financiada dessa forma25.

Portanto, sob a ótica jurídica, o elemento que une todas as contribuições de que se trata não é a competência tributária exclusiva da União, nem a ausência de partilha de arrecadação, tampouco a referibilidade, e sim a sua instrumentalidade para provimento de recursos necessários ao custeio de finalidades públicas específicas atribuídas às unidades federativas. No art. 149, caput, da Carta, é patente a instrumentalidade das contribuições ali referidas, em relação aos expressivos encargos atribuídos à União: as contribuições sociais devem servir como meios a serem aplicados pela União no financiamento da Ordem Social como um todo; as interventivas, como meios a serem aplicados pela União para intervir na ordem econômica; e as profissionais, como meios a serem aplicados pela União no interesse das respectivas categorias. Desse modo, as finalidades compreendem compromissos políticos, sociais e econômicos do Estado, que se renovam e integram em uma hermenêutica complexa e dinâmica, mas sempre instrumentais à imposição.

O termo “contribuição” não é isento de ambiguidades. O ato de “contribuir” pode mesmo denotar, em linguagem comum, algo voluntário, diferente da compulsoriedade característica dos tributos. Fala-se em “contribuinte” como sujeito passivo de quaisquer tributos, mesmo os que não são caracterizados como contribuições. Apesar disso, com base na observação do complexo de normas, é possível caracterizar as contribuições finalísticas como espécies tributárias instrumentais, criadas e cobradas com base em norma constitucional de competência que prevê a sua instituição para atender a finalidades estatais específicas, e cujas hipóteses de incidência podem ou não estar vinculadas a uma atividade estatal exercida em relação ao sujeito passivo.

2.3. Hipóteses de desvio de finalidades das contribuições

Observando-se os problemas detectados na imposição de contribuições no Brasil, e com base nos princípios do Estado federativo26 e da separação dos Poderes27, adota-se a seguinte proposta de sistematização de possíveis casos de desvios nas finalidades desses tributos, para um posterior exame de sua validade:

a) Desvios legais e executivos na esfera competente para a instituição da contribuição

a.1) Desvios de primeiro nível (na afetação legislativa da despesa)

a.1.1) Antecedentes à cobrança da contribuição

a.1.2) Supervenientes à cobrança da contribuição

a.1.2.1) Na lei orçamentária

a.1.2.2) No exaurimento das finalidades da lei instituidora

a.2) Desvios de segundo nível (na execução administrativa da despesa)

a.2.1) Na programação da despesa

a.2.2) No ciclo de liquidação da despesa

a) Desvios na esfera do Poder Constituinte Derivado

b) Desvios na esfera receptora de recursos instituídos por outra esfera

Os chamados desvios legais e executivos na esfera competente para a instituição da contribuição (a) podem ocorrer no nível das pessoas jurídicas de direito público que detêm competência para a instituição do tributo (União Federal, Estados, Distrito Federal e Municípios).

Diz-se de primeiro nível (a.1) quando produzidos no âmbito do Poder Legislativo da esfera competente para instituição do tributo. Nesse caso, os desvios poderiam surgir em dois momentos distintos. Antecedentes à cobrança do tributo (a.1.1) seriam aqueles desvios produzidos pela própria norma instituidora da contribuição, ao determinar a sua cobrança para finalidades diversas das previstas constitucionalmente, ou ao desafetar os recursos a serem arrecadados das mesmas finalidades. Já os desvios supervenientes à cobrança da contribuição (a.1.2) poderiam decorrer de dois atos legislativos. Primeiro, na própria lei orçamentária (a.1.2.1), isto é, a lei anual de iniciativa do Poder Executivo, a ser apreciada, no caso da União, pelas duas Casas do Congresso Nacional, versando unicamente sobre a previsão da receita e a fixação da despesa (art. 165 da Constituição) - no caso, direcionando os recursos para outros campos de gastos, ou não prevendo a destinação total da receita. Ainda, no campo superveniente à cobrança da contribuição, poderá ocorrer desvio no exaurimento das finalidades da lei instituidora (a.1.2.2). Em geral as contribuições são estabelecidas para a promoção de fins ideais, em que não há um ponto preciso em que se possa dizer que as finalidades, finalmente, foram atingidas28. Apesar disso, recentemente, é controvertida a validade da contribuição instituída pelo art. 1º da LC nº 110/2001, devida pelos empregadores em caso de demissões sem justa causa (“contribuição ao FGTS”), com a finalidade de cobrir o passivo gerado à União Federal pelos expurgos inflacionários dos Planos Verão e Collor I. Neste caso, haveria fortes indícios, inclusive manifestações da própria administradora do Fundo, de que todos os recursos necessários para repor o passivo teriam sido angariados em julho de 201229.

Nos chamados desvios de segundo nível na esfera competente para a instituição da contribuição (a.2), a questão se torna mais intrincada. As contribuições já foram instituídas para as finalidades constitucionalmente previstas, que ainda persistem, e a peça orçamentária realizou as dotações pertinentes. Como dito, todas as despesas devem estar devidamente autorizadas pelo Congresso Nacional, quando da aprovação da lei orçamentária. A partir dessa autorização, inicia-se o processo de execução da despesa pelas autoridades competentes, até o seu pagamento. Esse processo se inicia na programação da despesa (a.2.1), em que, imediatamente após a promulgação da Lei de Orçamento e com base nos limites nela fixados, o Poder Executivo aprovará um quadro de cotas trimestrais da despesa que cada unidade orçamentária fica autorizada a utilizar (art. 47 da Lei nº 4.320, de 1964). Depois, prossegue no ciclo de liquidação da despesa (a.2.2), que tem os seguintes atos relevantes: a) o empenho da despesa, que é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição (art. 58 da Lei nº 4.320, de 1964); b) a liquidação da despesa, que consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito (art. 63 da Lei nº 4.320, de 1964); c) a ordem de pagamento, que é o despacho exarado por autoridade competente, determinando que a despesa seja paga (art. 64 da Lei nº 4.320/1964); e d) o efetivo pagamento, que será efetuado por tesouraria ou pagadoria regularmente instituídos por estabelecimentos bancários credenciados e, em casos excepcionais, por meio de adiantamento (art. 65 da Lei nº 4.320/1964). Identificado o momento em que ocorreu o desvio de finalidade na execução administrativa da despesa, surge a questão quanto às consequências de hipotéticos desvios, quer dizer, se afetariam a validade da própria cobrança da contribuição, ou se acarretariam apenas a responsabilidade individual do administrador, como, por exemplo, dispõe o inciso IV do art. 85 da Constituição30. Seja como for, não é correto dizer que eventual desvio de finalidades possa simplesmente acontecer “no plano dos fatos”, pois a execução da despesa pública ocorre mediante atos administrativos praticados segundo um processo ordenado.

Avançando ainda na sistematização proposta, nos denominados desvios na esfera do Poder Constituinte derivado (b) está clara a referência aos dispositivos inseridos no texto constitucional que autorizam a desvinculação orçamentária de receitas oriundas de contribuições. Sucessivamente, as Emendas Constitucionais nº 27, de 2000, nº 42, de 2003, e nº 68, de 2011, determinaram a desvinculação de órgão, fundo ou despesa, de 20% (vinte por cento) da arrecadação da União de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais31. A diferença é esta: o desvio aqui não é resultante do próprio emissor da norma tributária impositiva, no uso de sua competência, mas de um “poder de reforma” da Constituição, “criado pelo poder constituinte originário, que lhe estabelece o procedimento a ser seguido e limitações a serem observadas”32.

Finalmente, embora seja hipótese hoje única e restrita, haveria o caso de desvios na esfera receptora de recursos instituídos por outra esfera (c), quando uma unidade federativa recebe a transferência de parcela da arrecadação de contribuição de competência de outra unidade federativa. Como já referido, com as Emendas Constitucionais nº 42, de 2003, e nº 44, de 2004, a contribuição interventiva da União no setor do petróleo e derivados (Cide-Combustíveis), passou a ser partilhada com o Distrito Federal e os Estados, e destes com seus Municípios. A questão é se o desvio de finalidades dos recursos recebidos por Distrito Federal, Estados e Municípios, no âmbito das suas respectivas leis, orçamentos ou atos executivos, poderia comprometer a própria validade da contribuição arrecadada pela União.

Mesmo os que não reconhecem o caráter autônomo das contribuições em razão de finalidades constitucionais poderão depreender dessa multiplicidade de hipóteses as particularidades da análise - ou até reforçar os seus próprios argumentos. Admitindo-se, porém, como já se sustentou, que a finalidade das contribuições integra o seu regime jurídico-tributário, a questão que se coloca é a dificuldade de estabelecer-se uma resposta única e a priori ao problema dos desvios, sem enfrentar-se, com base em premissas teóricas coerentes, essas hipóteses diversas.

3. Exame da Validade das Contribuições à Luz das Hipóteses de Desvio

3.1. Objeções à hipótese de invalidade

Parcela respeitável da doutrina rejeita a hipótese de invalidação de contribuições em razão da desafetação (qualquer que seja) dos recursos arrecadados.

Da obra essencial de Sacha Calmon Navarro Coêlho, dedicada ao tema em artigo33 e livro34, é possível reunir os mais contundentes argumentos contrários à possibilidade de invalidação de contribuição, em razão de tais desvios. O autor, filiando-se à classificação dos tributos apenas em vinculados ou não segundo as hipóteses de incidência, critica o surgimento das teorias quatripartite e quinquipartida do tributo “em vez da boa e testada triconomia, que reduzia as ‘contribuições’ e os ‘empréstimos compulsórios’ a impostos finalísticos e restituíveis, quando seus fatos jurígenos e respectivas bases de cálculo eram típicos de impostos”35. As “verdadeiras contribuições” seriam aquelas cujo fato gerador encartaria “uma atuação estatal voltada a determinado grupo de pessoas”36, ou seja, em síntese, as contribuições “especiais” de que se tratou no tópico 2.2, acima.

Nesse giro, as objeções à possibilidade de invalidação das contribuições, em razão de desvios nas suas finalidades, podem ser sintetizadas em quatro frentes.

Em primeiro lugar, o mencionado autor credita à ciência moderna, plasmada em Bacon, Galilei e Descartes, a erradicação do finalismo e o desprezo à causa final na explicação do mundo natural, relegando-se a finalidade, no caso do direito, para a teoria da justiça e a ciência das finanças37.

Em segundo lugar, possivelmente como consequência desse mesmo paradigma científico, desimportaria o destino da arrecadação para a definição das espécies tributárias e para o controle da tributação. Segundo o citado autor, a essência do tributo está na prestação pecuniária compulsória em favor do Estado, e “dos ‘gastos estatais’ ocupam-se outros Direitos”38. Não obstante, reconhece que “quando o Constituinte atribui uma finalidade, ela deve ser necessariamente alcançada, sob pena de crime de responsabilidade do agente público e, até mesmo, de decretação da extinção da exação tredestinada ou adestinada, não porém no bojo de ação repetitória individual”39.

Em terceiro lugar, surge o argumento de que as finalidades fazem parte das normas de competência previstas na Constituição e não das normas impositivas de obrigações tributárias, que seriam as únicas capazes de sancionar comportamentos. Para fundamentar essa posição, o artigo de Sacha Calmon Navarro Coêlho40 recupera a conhecida tipologia normativa de Herbert Hart, que demonstrou a existência de duas classes de normas: as primárias (“normas de conduta”), de natureza sancionante, construídas a partir de juízos hipotéticos para regular condutas, e nas quais se encontraria o dever de pagar o tributo; e as secundárias (“normas de estrutura”), não necessariamente voltadas à sanção, mas que trazem juízos categóricos destinados à organização do sistema de normas, e nas quais se encontrariam as normas que demarcam competências tributárias. Em resumo, para o autor, “as contribuições são previstas em normas de conduta. A finalidade em normas de competência”41.

Em quarto lugar, o autor expõe que eventual desvio de finalidade “jamais será causa de pedir numa eventual ação de repetição de indébito”, e que “quem se aventurou nesses descaminhos, colheu a extinção da ação, sem julgamento de mérito, por falta de condição acionária e de pressuposto processual”. Sobre esse argumento específico, por dizer mais com um aspecto processual decorrente da discussão proposta quanto à validade, o trabalho não se deterá. Diga-se apenas que o próprio quadro de potenciais desvios de finalidade, apresentado no subitem 2.3 acima, aponta a dificuldade, senão a impossibilidade, de demonstrar-se a ocorrência concreta de desvios de contribuições em certas circunstâncias. O autor deste trabalho também reconhece que muitas das finalidades das contribuições são permanentes e ideais, e que muitas vezes é difícil ou mesmo impraticável comprovar o ponto exato em que pode ocorrer o desvio.

3.2. Ponderações às objeções. Elementos para o exame de validade das contribuições segundo as suas finalidades

Cumpre confrontar as objeções apresentadas acima e verificar se porventura existem outros elementos mais consistentes para o enfrentamento da questão proposta.

Em relação à primeira objeção ao paradigma científico do finalismo, trata-se, efetivamente, de tema amplo. Autores como Bacon e Descartes propuseram modelos de emancipação da humanidade em relação às forças naturais e aos dogmas da autoridade, e com isso inauguraram uma ruptura em relação à tradição anterior42. Na racionalização quase matemática do saber humano, digna dessa ruptura, não cabe o recurso a explicações religiosas e metafísicas dos fenômenos objeto de investigação científica, e sim a redução dos problemas em partes tão pequenas quanto possíveis, para tirar, do simples, o complexo e desconhecido. A busca pela unidade mínima leva à norma jurídica, no direito, como o átomo, na física, a molécula, na química, e a célula, na biologia43. Racionalismo que trouxe avanços notáveis, como já se disse. Apesar disso, não se pode descurar que as descobertas da ciência moderna, como as teorias quântica e da relatividade, desvendaram novos paradigmas científicos que pressupõem complexidade, instrumentalidade, integração sistêmica e a falseabilidade dos experimentos para chegar-se a resultados em termos de probabilidade44. Em outros termos, apenas o paradigma científico racional, de exclusão de finalidades, pode não representar o próprio estágio da evolução científica. Encerrado em si, pode não proporcionar evolução nenhuma.

Não se quer ir tão mais longe nesse domínio, nem simplificá-lo. Basta ver que se toda obrigação jurídica tem uma causa, a obrigação tributária também deve ter a sua45. A teoria geral do direito demonstrou que os conceitos, para serem jurídicos, precisam estar fundados em determinado ordenamento jurídico, sua base empírica. No campo das contribuições, como visto, a finalidade ou o destino da arrecadação deixaram de ser dados metajurídicos ou extrajurídicos no momento em que a norma jurídica constitucional definidora da competência tributária passou a incluí-la46. Eliminar ou reduzir esse dado jurídico não parece ser o melhor caminho para uma solução.

Já aqui se percebe que a completa separação entre o direito tributário e o direito financeiro, condutora do argumento da desimportância do destino da arrecadação para o controle da tributação, é um paradigma resultante da busca de redução de complexidades. Contudo, o recorte nos objetos de estudo, muitas vezes apropriado para o conhecimento didático do objeto, não pode deixar de considerar todas as normas relevantes que compõem o ordenamento. Torna o direito tributário um objeto estanque, de tamanho diminuído, preexistente à análise dos dispositivos constitucionais e legais relevantes. Tomando-se de empréstimo a famosa frase de Becker, “em nome da defesa do Direito Tributário, eles matam o ‘direito’ e ficam apenas com o ‘tributário’”47.

Daí a acesa crítica de José Souto Maior Borges ao método redutor, responsável pela compartimentalização das disciplinas jurídicas (“caminhamos céleres para sermos especialistas na cabeça de um alfinete”48) e “esgotado com o advento da física quântica”49. O autor sustenta que, com o paradigma redutor, a doutrina do Direito Tributário se demitiu do dever que lhe incumbiria de investigar criticamente a aplicação de recursos públicos50, e lembra que a própria obra de Alfredo Augusto Becker já trazia um longo e fundamentado capítulo sobre a revolução social e o direito tributário e o finalismo extrafiscal do tributo51, temas aparentemente estranhos à redução. Ao final, propõe, com apoio nas lições de Edgar Morin, um paradigma diverso e inovador para a ciência do direito tributário: o modelo do enfrentamento de complexidades52.

Não é de estranhar, então, que a complexidade do fenômeno tributário corresponda a um caráter interdisciplinar da abordagem teórica. Afinal, embora tenham definição própria no art. 3º do CTN, todos os tributos têm o seu produto destinado “ao custeio de atividades gerais ou específicas exercidas” pelo Estado (art. 9º da Lei nº 4.320/1964).

As considerações até aqui empreendidas não sugerem o abandono da racionalidade ou do compartimento didático, mas servem para ponderar que a segregação entre o direito tributário e o direito financeiro não deve ser o único paradigma suficiente e necessário ao enfrentamento do tema da validade das contribuições em razão dos desvios de finalidades. Afinal, na linha do que foi observado, cumpre não apenas reconhecer, mas também conhecer a totalidade em que o sistema jurídico consiste.

Nessa perspectiva, cumpre examinar se a circunstância de as finalidades fazerem parte das normas de competência previstas na Constituição pode acarretar, e em que termos, a invalidade da própria cobrança em casos de desvios.

Se é verdadeiro que a competência tributária corresponde à demarcação constitucional do poder de cada pessoa jurídica de direito público para, por meio de lei, instituir e arrecadar tributos, então prossegue que, por meio das normas impositivas das obrigações tributárias (as “normas primárias” de Hart, sancionantes), o referido poder é exercido. A validade qualifica o exercício desse poder, revelado na norma impositiva, como uma unidade legítima do ordenamento. A utilização da expressão “validade da contribuição” diz com a qualidade que a norma instituidora dessa espécie tributária deve ter de pertencer, por estar de acordo, com o sistema jurídico53.

Se a finalidade é um limite da regra de competência tributária, então se torna um pressuposto de validade da norma impositiva.

Com efeito, Herbert Hart demonstrou a existência de uma variedade de normas diversas das impositivas. As normas que conferem poderes para legislar (poderes públicos), ou para criar ou modificar relações jurídicas (poderes privados), não poderiam ser interpretadas como comandos amparados em ameaças de sanção (coação)54. A existência das regras de estrutura (secundárias) foi uma das preocupações centrais de Hart. Enquanto as “regras primárias” estariam voltadas a regular o que os indivíduos devem ou não fazer, as “regras secundárias” estariam voltadas às próprias “regras primárias”, especificando os modos pelos quais as últimas “poderiam ser conclusivamente determinadas, introduzidas, eliminadas, modificadas e o fato de sua violação ser conclusivamente determinada”55. Assim, “o sistema jurídico é uma união complexa das regras primárias e secundárias”56.

Essa visão não deixa de remeter à hierarquia kelseniana das normas, sugerindo que Hart aceita a ideia de que a validade de uma norma legal “de conduta” depende de sua elaboração de acordo com normas superiores. Aliás, tal constatação é consistente com a distinção que Hart realiza de três espécies de “regras secundárias”: as regras de adjudicação, que determinariam o procedimento de verificação de quando as “regras primárias” teriam sido violadas; as regras de mudança, que determinariam o procedimento de alteração das “regras primárias”; e, afinal, as regras de reconhecimento, que determinariam os critérios pelos quais a validade de outras regras do sistema seriam avaliadas. De acordo com Hart, “dizer que uma determinada regra é válida é reconhecer que a mesma passou todos os testes estabelecidos pela “regra de reconhecimento”, e assim é uma regra do sistema”57.

Em uma Constituição rígida como a brasileira, os limites da competência tributária estão fixados pelo texto constitucional. Situação contrária, por exemplo, à do sistema norte-americano, em que, recentemente, entendeu a Suprema Corte estar na competência do Congresso Nacional a prerrogativa de impor uma sanção para os cidadãos norte-americanos que não contratassem um plano particular de saúde e previdência (o Obamacare), uma vez que tal exigência seria um tributo58 - ainda que a Constituição norte-americana nada dispusesse a respeito. No Brasil, a rigidez do texto constitucional, notavelmente em matéria tributária, obsta tanto o destinatário da competência como o intérprete de romper os limites ali traçados.

Falou-se em regra de competência tributária, e também é importante precisar o seu sentido. Considerados os contornos apresentados, a norma de competência tributária se caracteriza como regra que tem, na pessoa jurídica de direito público, em sentido geral, e, no seu legislador infraconstitucional, em sentido específico, o seu destinatário, conforme lição de Humberto Ávila:

“(...) na perspectiva da espécie normativa que as exterioriza, as normas de competência possuem a dimensão normativa de regras, na medida em que descrevem o comportamento a ser adotado pelo Poder Legislativo, delimitando o conteúdo das normas que poderá editar”59.

Com apoio no exame da teoria de Hart, Andrei Pitten Velloso também reconhece na competência tributária uma regra de estrutura, e oferece o seguinte conceito:

“(...) enquanto regras de estrutura, as normas atributivas de competências conferem às diferentes pessoas políticas poderes para introduzir regras de comportamento, as regras impositivas, além de estabelecerem condições sob as quais essa introdução pode ocorrer. Não regulam diretamente comportamentos humanos, mas o modo de regular comportamentos; regem a produção jurídica, o modo pelo qual se devem produzir normas.”60

Aqui se opera, pois, a constatação de que a validade da norma tributária instituidora de contribuição pode ser desafiada na esfera da pessoa jurídica de direito público competente para sua instituição, em caso de desvio por parte do destinatário por excelência da norma de competência tributária: o Poder Legislativo da pessoa jurídica de direito público competente. É o Poder Legislativo que, nos limites da competência tributária das pessoas jurídicas de direito público, tem a capacidade de emitir normas gerais e abstratas instituidoras de contribuições e, ao mesmo tempo, seja na própria lei instituidora, seja em outras leis de sua emissão, de realizar o controle normativo da destinação dos recursos arrecadados. Atuação legislativa contrária à destinação requerida na Constituição torna inválido o exercício da própria competência.

Como se vê, o problema deixa de ser a “separação dos direitos” (tributário e financeiro), e passa a ser de organização constitucional do poder e do Estado.

A questão seguinte que se coloca é se a validade da norma tributária instituidora de contribuições poderia vir a ser desafiada pelas outras diversas hipóteses de desvio, e não apenas no plano normativo-legislativo.

Joseph Raz avança na teoria de espécies normativas de Hart e propõe que todas as normas, em última análise, são destinadas a guiar condutas61. Raz não segue a terminologia de “normas secundárias” de Hart e aprofunda em seu lugar o estudo das normas atributivas de poder (P-laws), estabelecendo uma distinção, não realizada por este, entre regras que tratam de poderes legislativos (PL-laws) e regulatórios (PR-Laws). Segundo Raz, ambas guiam comportamentos, “mas não na mesma direção em todas as ocasiões em que aplicadas”62.

No caso da despesa pública, há um longo caminho previsto em normas, como demonstrado no subitem 2.3 acima, entre a programação administrativa da despesa e o seu efetivo pagamento, que se perfectibiliza por meio de atos administrativos de execução, e não propriamente pela emissão de normas legais ou regulatórias. Esse caminho é percorrido por diversas autoridades competentes, que já não se confundem com o Poder Legislativo apto ao exercício da competência tributária relativa à contribuição. No nível administrativo da execução da despesa, já não há como imputar o eventual desvio de finalidades à produção legislativa da contribuição, se o legislador agiu de forma a preservar as mesmas finalidades. Novamente, não se cuida de segregar entre os direitos financeiro e tributário, mas de reconhecer, com base no próprio ordenamento, que o poder para tributar e o “poder para gastar” são exercidos de modos diferentes, na maioria das vezes por esferas diferentes.

Assim, se a validade das normas que instituem contribuições finalísticas está assentada no exercício da competência tributária pelo Poder Legislativo da pessoa jurídica de direito público destinatário dessa competência, de acordo com as finalidades previstas na Constituição, o desvio de destinação capaz de infirmar a validade da norma que deu causa à obrigação tributária é o que se dá no nível legislativo, e não aquele operado pelas autoridades administrativas competentes na execução da despesa (as quais, contudo, deverão ser responsabilizadas em caso de desvios de finalidades contrários à lei instituidora e à lei orçamentária).

3.3. Reflexos concretos sobre as hipóteses de desvio apresentadas

Diante do quadro analítico apresentado no subitem 2.3 acima, e dos elementos coligidos no subitem 3.2 acima, constata-se a importância de estudar o ciclo completo desde a instituição de uma contribuição finalística, a partir da regra de competência tributária, até o efetivo pagamento da despesa pública que se pressupunha dar causa à cobrança.

Como apresentado, eventuais desvios de primeiro nível (na afetação legislativa da despesa) na esfera competente para a instituição da contribuição comprometem o exercício válido da competência tributária, uma vez que produzidos pelo mesmo órgão legislativo competente para a emissão da norma impositiva. Isso se revela, primeiramente, na norma instituidora da contribuição (antecedente à cobrança, nos termos do subitem 2.3, a.1.1 acima), que deve mencionar a finalidade de forma conexa ao fundamento constitucional.

Instituída a contribuição, o eventual desvio legislativo superveniente deverá ser verificado, em um primeiro plano, na lei orçamentária (subitem 2.3, a.1.2.1 acima). Em decorrência de a lei orçamentária também ser matéria de competência do Poder Legislativo, o autor mantém a sua conclusão anterior de que a peça orçamentária, “contendo as rubricas das receitas de contribuições, deve estar sempre atrelada às finalidades conformadas na norma competencial”63, sob pena de invalidade da cobrança. O comprometimento, escreve Humberto Ávila, “pode ser verificado na própria lei que institui a contribuição ou noutra lei que regule, em caráter abstrato e com pretensão de permanência, o destino da arrecadação”64. O próprio legislador orçamentário pode, por exemplo, corrigir a questão de despesas relacionadas às finalidades não gastas em determinado exercício, ou de restos a pagar, prevendo sua alocação para as mesmas finalidades em orçamentos seguintes.

Em ação direta de inconstitucionalidade movida em face da lei federal orçamentária de 2003, que abria crédito suplementar para alocação de recursos da Cide-Combustíveis em atividades não relacionadas a suas finalidades, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade da referida peça orçamentária, no que “implique abertura de crédito suplementar em rubrica estranha à destinação do que arrecadado a partir do disposto no § 4º do artigo 177 da Constituição Federal, ante a natureza exaustiva das alíneas a, b e c do inciso II do citado parágrafo”65. Embora a discussão tenha sido dirigida à validade da norma orçamentária, e não à da norma impositiva da Cide-Combustíveis, o voto do Ministro relator, Marco Aurélio, é esclarecedor ao tratar a regra de competência da Cide-Combustíveis (art. 177, parágrafo 4º, da CF/1988) como “norma primária, categórica, peremptória, exaustiva, relativa aos recursos arrecadados com a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico”, em suma, “uma cláusula fechada”, como se lê. Assim, a cláusula competencial é necessariamente dirigida ao Poder Legislativo, que tanto pode instituir a cobrança como aprovar a lei orçamentária.

O desvio de primeiro nível superveniente à cobrança também poderá ocorrer no exaurimento das finalidades da lei instituidora (subitem 2.3, a.1.2.2 acima). Trata-se, como dito, de hipótese mais rara, na medida em que as finalidades para as quais são instituídas as contribuições costumam ser permanentes e mediatas, particularmente naquelas destinadas à seguridade social. Apesar disso, constata-se o caso da contribuição instituída pelo art. 1º da Lei Complementar nº 110/2001, devida pelos empregadores em caso de demissões sem justa causa (“contribuição ao FGTS”), com a finalidade de cobrir o passivo gerado à União Federal pelos expurgos inflacionários dos Planos Verão e Collor I. Se provado que os recursos necessários para atendimento à finalidade da contribuição teriam sido completamente angariados em julho de 2012, a invalidade da cobrança estaria na continuidade da aplicação da lei complementar, contrariamente à norma competencial tributária, que justificaria a cobrança apenas para a finalidade específica da sua instituição.

Uma vez arrecadados os recursos de contribuições finalísticas, adequadamente destinados no primeiro nível normativo da esfera competente, surge o problema da possibilidade de invalidar a cobrança em razão da ocorrência de desvios de segundo nível (na execução administrativa da despesa), seja na programação da despesa pelo Poder Executivo (subitem 2.3, a.2.1 acima), seja no ciclo de liquidação da despesa pelas autoridades competentes (subitem 2.3, a.2.2 acima).

Ao tratar da Cide-Combustíveis, Andréa Mascitto busca demonstrar que, no período de 2002 a 2011, “foram gastos apenas de 44,3% a 86,3% dos valores arrecadados a título de Cide-Combustível, já descontados os 20% referentes aos recursos da DRU”; ainda, prossegue a autora, “dentre os valores gastos, uma alta taxa (superior à metade do total da disponibilidade) foi direcionada especialmente para o custeio das despesas correntes de diversos Ministérios”, os quais “não têm competência para implementar as medidas que justificaram a criação e justificam a cobrança da contribuição de que se trata”66.

Apesar de a autora sustentar que todos esses desvios caracterizariam a invalidade da Cide-Combustíveis (posição a que o próprio autor já se filiara, e que agora retifica em parte67), o processo complexo e ordenado de execução da despesa pública por atos administrativos não permite tornar inválida a norma impositiva, em razão de desvios verificados no curso do segundo nível de afetação administrativa da despesa.

Nem se quer estabelecer essa posição apenas pelas dificuldades pragmáticas do entendimento. Por exemplo, se metade dos recursos foram tredestinados, então metade da cobrança da contribuição seria inconstitucional, ou a cobrança inteira? Como considerar nessa hipótese os não gastos, isto é, as despesas que ficam contingenciadas para uso em exercícios seguintes: também devem ser tratadas como desvios de finalidades ou podem gerar um crédito de validade? Os mecanismos técnicos permitem identificar de forma cabal quando um desvio passa de isolado para regular, caracterizando a continuidade do desvio como uma forma de comprometimento geral das finalidades que deveriam ser atendidas?

Mais que essas problemáticas, a razão para o autor rever a sua posição anterior quanto à invalidade das contribuições em razão do desvio administrativo dos recursos não está na pretendida separação entre o direito tributário e o direito financeiro. Ao contrário, é a complexidade do fenômeno jurídico (regras de competência tributária e regras de execução da despesa pública) que ajudará a compreender por que o desvio de finalidade nesse segundo nível não deve comprometer a validade da cobrança da contribuição arrecadada, uma vez que já não se relaciona ao exercício da competência tributária pelo órgão legislativo competente, onde estão inscritas as finalidades que se deverá seguir.

A compreensão da competência tributária constitucional também é relevante para examinar-se o tema em caso de desvios de finalidades das contribuições na esfera do Poder Constituinte Derivado (subitem 2.3, b).

Recentemente, o assunto foi objeto de exame pelo Supremo Tribunal Federal, em caso submetido à sistemática de repercussão geral, no qual se discutia o direito do contribuinte à repetição de indébito tributário proporcional ao percentual da desvinculação das receitas da União permitido pelas Emendas Constitucionais nº 27, de 2000 e nº 42, de 200368. Nesse caso, o Pleno do STF, por unanimidade, decidiu não assistir razão ao contribuinte, estatuindo a ementa do acórdão que “não é possível concluir que, eventual inconstitucionalidade da desvinculação parcial da receita das contribuições sociais, teria como consequência a devolução ao contribuinte do montante correspondente ao percentual desvinculado, pois a tributação não seria inconstitucional ou ilegal, única hipótese autorizadora da repetição do indébito tributário ou o reconhecimento de inexistência de relação jurídico-tributária”. Já em precedente anterior, não sujeito à sistemática de repercussão geral, a Segunda Turma do STF havia decidido ser constitucional a indigitada DRU, pois, como constou no voto do Relator, Ministro Cezar Peluso, “a norma que determina a vinculação da destinação do produto da arrecadação das contribuições sociais não assume caráter de cláusula pétrea, uma vez não contemplada pelo art. 60, § 4º, da Constituição Federal”69. Em outros termos, os precedentes refletem que a norma de competência tributária pode ser objeto de alteração pelo Poder Constituinte derivado, daí não decorrendo uma exigência inconstitucional pelo legislador. A desvinculação parcial da receita de contribuições por Emenda Constitucional não representaria mais do que uma modificação da regra de competência, ressalvada situação extrema em que a desvinculação fosse de tal ordem que servisse para transmudar a contribuição para imposto e, por invadir outras esferas de competência no tocante a impostos, violasse cláusulas pétreas70.

Por fim, quanto a eventuais desvios na esfera receptora de recursos instituídos por outra esfera (subitem 2.3, c acima), o autor mantém suas conclusões anteriores. Se bem que seja indispensável a aplicação dos recursos transferidos de contribuições na formação das peças orçamentárias estaduais, distritais e municipais, é relevante compreender que a vinculação, no caso da repartição, já não é mais uma condicionante de validade da contribuição enquanto tributo, mas enquanto transferência71. Em outros termos, passou-se da competência tributária (discriminação de rendas pela fonte), que vincula o legislador na edição da lei impositiva, para a competência financeira (discriminação de rendas pelo produto), que vincula a unidade federativa receptora à unidade competente para a instituição originária da contribuição.

4. Conclusões

No caminho percorrido pelo trabalho, foi possível encontrar essas conclusões principais:

a) com base na observação do complexo de normas constitucionais e infraconstitucionais, é possível caracterizar as contribuições finalísticas como espécies tributárias instrumentais, criadas e cobradas com base em norma constitucional de competência que prevê a sua instituição para atender a finalidades estatais específicas (políticas, econômicas e sociais), e cujas hipóteses de incidência podem ou não estar vinculadas a uma atividade estatal exercida em relação ao sujeito passivo;

b) não é correto dizer que eventual desvio de finalidades possa simplesmente acontecer “no plano dos fatos”, pois a instituição de tributos obedece a um processo legal ordenado de exercício da competência tributária mediante normas (“processo de positivação”), e a execução da despesa pública também obedece a um processo legal ordenado de exercício de poder mediante atos administrativos de programação, empenho, liquidação, ordem e pagamento da despesa;

c) sem que isso implique abandono à racionalidade ou ao compartimento didático, a segregação entre o direito tributário e o direito financeiro não deve constituir o paradigma suficiente e necessário ao enfrentamento do tema da validade das contribuições em razão dos desvios de finalidades;

d) a competência tributária se caracteriza como regra constitucional de demarcação de poder que tem, na pessoa jurídica de direito público, em sentido geral, e, no seu Poder Legislativo, em sentido específico, o destinatário para, por meio de lei, instituir e arrecadar tributos;

e) a validade das normas que criam contribuições finalísticas está assentada no exercício da competência tributária, pelo Poder Legislativo da pessoa jurídica de direito público destinatária dessa competência, de acordo com as finalidades previstas na Constituição. A utilização da expressão “validade da contribuição” diz com a qualidade que a norma legal instituidora dessa espécie tributária deve ter de pertencer, por estar de acordo, com o sistema jurídico, e assim poder ser exigida validamente do sujeito passivo da obrigação tributária;

f) o desvio de finalidade capaz de infirmar a validade da norma que instituiu a obrigação tributária é o que se dá no nível legislativo, ou seja, os desvios na afetação legislativa da despesa na esfera competente para a instituição da contribuição, na própria lei instituidora do tributo, na lei orçamentária ou no comprovado atingimento das finalidades da lei instituidora;

g) não é capaz de infirmar a validade da norma que instituiu a obrigação tributária o desvio de segundo nível, que se dá na execução administrativa da despesa ao longo do seu ciclo de programação (pelo Poder Executivo) ou de liquidação (pelas autoridades competentes para o empenho, liquidação, ordenação e pagamento da despesa), remanescendo, no entanto, a responsabilidade individual das autoridades competentes por eventuais desvios;

h) também não é capaz de infirmar a validade da norma que instituiu a obrigação tributária o desvio na esfera do Poder Constituinte Derivado, quando se tratar de mera alteração na regra de competência tributária, ressalvado, no entanto, o exame da situação extrema da desvinculação de recursos em tal magnitude, capaz de transmudar o tributo de contribuição para imposto, caso em que cláusulas pétreas poderiam ser violadas, com a invasão, por hipótese, de outras esferas de competência; e

i) por fim, quanto a eventuais desvios na esfera receptora de recursos instituídos por outra esfera, se bem que seja indispensável a aplicação dos recursos transferidos de contribuições na formação das peças orçamentárias estaduais, distritais e municipais, passou-se de exercício da competência tributária, que vincula o legislador na edição da lei impositiva, para a competência financeira (discriminação de rendas pelo produto), que vincula a unidade federativa receptora à unidade competente para a instituição originária da contribuição, mas sem infirmar a validade da norma instituidora da contribuição pela pessoa jurídica de direito público competente.

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1 De acordo com estudo da Secretaria da Receita Federal do Brasil (Carga Tributária no Brasil 2012 - Análise por Tributos e Bases de Incidência. Disponível em http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudoTributarios/estatisticas/CTB2012.pdf. Acesso em 9 de maio de 2015) sobre a carga tributária total no país em 2012, as contribuições finalísticas representaram, nos três níveis federativos (federal, estadual e municipal), o equivalente a 46,59% do total de tributos arrecadados no país naquele ano, ou 16,71% do PIB.

2 Luís Eduardo Schoueri apresenta as peculiaridades e distinções no regime de contribuições na Alemanha, na Espanha, em França e na Itália (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 164)

3 ÁVILA, Humberto. “Limites à tributação com base na solidariedade social”. In: GRECO, Marco Aurélio; e GODOI, Marciano Seabra de (coord.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 83.

4 CHARNESKI, Heron. “Desvio orçamentário de finalidade das contribuições à luz do federalismo fiscal brasileiro: o caso Cide-combustíveis”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 128. São Paulo: Dialética, 2006, pp. 13-25.

5 Alguns trabalhos buscaram tal sistematização, porém sob enfoques específicos. Confira-se, por exemplo: CASTELLANI, Fernando F. Contribuições especiais e sua destinação. São Paulo: Noeses, 2009.

6 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 260.

7 STF, 1ª T., RE 148.331, rel. Min. Celso de Mello, j. em 13.10.1992, DJ de 18.12.1992, p. 24.393, Ement. V. 1689-07, p. 1.325.

8 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 35.

9 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Lejus, 2002, p. 287.

10 CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit. (nota 8), p. 30.

11 FOLLONI, André. Ciência do Direito Tributário no Brasil - crítica e perspectivas a partir de José Souto Maior Borges. São Paulo: Saraiva, 2013, pp. 41-72.

12 CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit. (nota 8), p. 30.

13 Art. 167, IV, da Constituição Federal de 1988.

14 SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. cit. (nota 2), p. 169.

15 Como o trabalho versa sobre contribuições, não é o caso de estender-se sobre uma outra controvertida nota dos tributos, apontada pela doutrina, que seria a restituibilidade, presente nos empréstimos compulsórios.

16 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário brasileiro. Atual. por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 68.

17 CHARNESKI, Heron. Op. cit. (nota 4), p. 15.

18 SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. cit. (nota 2), p. 171.

19 FERRAZ, Roberto. Taxa - instrumento de sustentabilidade. São Paulo: Quartier Latin, 2014, pp. 303-311.

20 BORGES, José Souto Maior. “A classificação dos tributos em vinculados e não vinculados”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 228. São Paulo: Dialética, 2014, pp. 126-135.

21 BORGES, José Souto Maior. Obrigação tributária (uma introdução metodológica). 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 23.

22 De acordo com esse método, também denominado competência financeira, uma ou mais unidades autônomas repartem a receita que arrecadam com outras, como está previsto nos arts. 157 a 162 da Constituição, sob a seção “Da repartição das receitas tributárias”.

23 Na Lei nº 10.866, de 2004, regulamentando a repartição da Cide-Combustíveis com Estados, Distrito Federal e Municípios, foi previsto: “Art. 1º-B Do montante dos recursos que cabe a cada Estado, com base no caput do art. 1º-A desta Lei, 25% (vinte e cinco por cento) serão destinados aos seus Municípios para serem aplicados no financiamento de programas de infraestrutura de transportes.” (Destacou-se)

24 STF, 1ª T., AgIn nº 764794 AgR, rel. Min. Dias Toffoli, j. em 20.11.2012, acórdão eletrônico DJe-248 divulg. 18.12.2012, public. 19.12.2012.

25 MASCITTO, Andréa. Consequências jurídico-tributárias do desvio das receitas de contribuições. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 97.

26 CF/1988: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)”.

27 CF/1988: “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

28 ÁVILA, Humberto. Op. cit. (nota 6), p. 263.

29 MOREIRA, André Mendes; e ESTANISLAU, César Vale. “Inconstitucionalidade superveniente da contribuição social de 10% sobre o saldo do FGTS em caso de despedida sem justa causa, instituída pelo art. 1º da LC nº 110/2001, face ao atingimento de sua finalidade”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 227. São Paulo: Dialética, 2014, pp. 7-20.

30 “Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: (...) VI - a lei orçamentária.”

31 O atual prazo de vigência da Desvinculação de Receitas da União (DRU) é 31 de dezembro de 2015, segundo o art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).

32 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 247.

33 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. “Apontamentos necessários à compreensão da repartição constitucional de competências tributárias - as contribuições especiais - a importância da base de cálculo”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 156. São Paulo: Dialética, 2008.

34 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Contribuições no Direito brasileiro - Seus problemas e soluções. São Paulo: Quartier Lartin, 2007.

35 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. cit. (nota 33), p. 95.

36 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. cit. (nota 33), p. 100.

37 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. cit. (nota 33), p. 96.

38 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. cit. (nota 33), p. 101.

39 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. cit. (nota 34), p. 91.

40 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. cit. (nota 33), p. 105.

41 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. cit. (nota 33), p. 108.

42 FOLLONI, André. Op. cit. (nota 11), p. 82.

43 FOLLONI, André. Op. cit. (nota 11), p. 102.

44 Ver, a propósito: POPPER, Karl Raimund, Sir. A lógica da pesquisa científica. 2ª ed. São Paulo: Cultrix, 2013; e TELLES JR., Goffredo da Silva. O Direito quântico - ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006.

45 SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. cit. (nota 2), p. 173.

46 AMARO, Luciano. Direito Tributário brasileiro. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 77.

47 BECKER, Alfredo Augusto. Op. cit. (nota 9), p. 31.

48 BORGES, José Souto Maior. “Um ensaio interdisciplinar em Direito Tributário: superação da dogmática”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 211. São Paulo: Dialética, 2013, p. 109.

49 BORGES, José Souto Maior. Op. cit. (nota 48), p. 116.

50 BORGES, José Souto Maior. Op. cit. (nota 48), p. 116.

51 BORGES, José Souto Maior. Op. cit. (nota 48), p. 121.

52 BORGES, José Souto Maior. Op. cit. (nota 48), p. 108.

53 Analisando a teoria dos negócios jurídicos no Direito Civil, Antônio Junqueira de Azevedo definiu: “A validade é, pois, a qualidade que o negócio deve ter ao entrar no mundo jurídico, consistente em estar de acordo com as regras jurídicas (‘ser regular’).” (AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 3ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 41.

54 HART, Herbert. The concept of law. 2ª ed. Oxford: Oxford University Press, 1994, p. 79.

55 HART, Herbert. Op. cit. (nota 54), p. 94.

56 HART, Herbert. Op. cit. (nota 54), p. 105.

57 HART, Herbert. Op. cit. (nota 54), p. 104.

58 Supreme Court of the United States, National Federation of Independent Business vs. Sebelius, U.S. Sup. Ct. (June 28, 2012).

59 ÁVILA, Humberto. Op. cit. (nota 6), p. 163.

60 VELLOSO, Andrei Pitten. Conceitos e competências tributárias. São Paulo: Dialética, 2005, p 165.

61 RAZ, Joseph. The concept of a legal system. 2ª ed. Oxford: Oxford University Press, 1980, pp. 156 e ss.

62 RAZ, Joseph. Op. cit. (nota 61), p. 164.

63 CHARNESKI, Heron. Op. cit. (nota 4), p. 18.

64 ÁVILA, Humberto. Op. cit. (nota 6), p. 274.

65 STF, Tribunal Pleno, ADI 2925, rel. Min. Ellen Gracie, rel. p/ Acórdão Min. Marco Aurélio, j. em 19.12.2003, DJ de 4.3.2005, p. 10.

66 MASCITTO, Andréa. Op. cit. (nota 25), p. 106.

67 CHARNESKI, Heron. Op. cit. (nota 4), p. 25.

68 STF, RE nº 566007 Rg, rel. Min. Cármen Lúcia, j. em 13.5.2010, DJe 116, divulg. 24;6.2010, public. 25.6.2010.

69 STF, 2ª T., RE nº 537610, rel. Min. Cezar Peluso, j. em 1º.12.2009, DJe-237 divulg. 17.12.2009, public. 18.12.2009.

70 Comentando sobre a DRU, Luís Eduardo Schoueri (op. cit., nota 2, p. 223) anota a relevância do tema, “já que aos impostos se aplicam limitações que vão desde a repartição de competências até a observância de imunidades ou da anterioridade do calendário. Se essas limitações constituem cláusula pétrea, à luz do artigo 60, § 4º, IV, da Constituição Federal, então nem mesmo uma Emenda Constitucional poderia afastá-las.”

71 CHARNESKI, Heron. Op. cit. (nota 4), p. 20.