Stock Options - Tributação no Brasil e nos Tratados Internacionais

Daniel Gustavo Peixoto Orsini Marcondes

Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário.

Resumo

O presente artigo busca compreender o tratamento tributário a ser concedido para as stock options (concessões, opções de compra de ações a executivos), tanto no Direito brasileiro quanto no âmbito de tratados de dupla tributação. Para tanto, é feita uma análise das decisões proferidas sobre a matéria no Brasil, tanto na esfera trabalhista quanto na esfera tributária.

Palavras-chave: stock options, opções de ações, tributação, tratados internacionais.

Abstract

This articles strives to understand the tax treatment applicable to stock options (granting of call options to executives), both in Brazilian Law as well as in Double Taxation Conventions. In order to do so, the author analyses decisions based both on Labor as well as Tax Law.

Keywords: stock options, taxation, Double Taxation Conventions.

Introdução

O presente trabalho pretende analisar criticamente como as stock options - uma forma de remuneração que vem ganhando popularidade nos contratos entre empresas e seus executivos - têm sido tratadas pelo Direito brasileiro e, especialmente, no contexto internacional. Esse estudo considera as disposições dos tratados internacionais assinados pelo Brasil, comparando-os com a Convenção Modelo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, incluindo seus comentários.

Para que se possa analisar corretamente a tributação em matéria internacional, é necessário compreender como as stock options são tratadas no Direito brasileiro, para posteriormente proceder à sua qualificação nos artigos da convenção modelo.

1. O Conceito de Stock Options

Inicialmente, é necessário determinar o conceito de stock options. Essa definição é de extrema importância não apenas para fins de aplicação do Direito brasileiro como também para a determinação de qual artigo do tratado será aplicável a esse tipo de remuneração.

Para entender a essência das stock options convém conhecer a sua função. As stock options são uma tentativa de solução para o “problema de agência” que, por sua vez pode ser definido como uma divergência entre o interesse do agente (em sentido econômico) e de seu contratante. No cenário empresarial, esse conflito é comum quando se analisa a relação entre os administradores e os sócios/acionistas de uma empresa.

Por exemplo, os sócios/acionistas desejam maximizar o retorno (simplificadamente, os lucros) da empresa, o que implica a maximização de seus próprios ganhos, seja via distribuição de dividendos, seja pela valorização de seus ativos (por exemplo, as ações se valorizarão com os lucros não distribuídos e a perspectiva de lucros futuros).

Por outro lado, os administradores pretendem maximizar a própria remuneração individual, preferencialmente ao menor custo possível. A maximização dos lucros da empresa, de uma perspectiva de maximização dos benefícios individuais dos administradores, somente seria relevante para o administrador na medida em que pudesse influenciar seus próprios ganhos.

Nesse sentido, existe um desalinhamento entre os objetivos dos administradores e dos acionistas. Levado ao limite, os acionistas desejam que os administradores obtenham os melhores resultados para a empresa sem qualquer custo, e, por outro lado, os administradores desejam receber o máximo, sem que necessitem alcançar qualquer resultado (ou mesmo realizar qualquer tarefa).

Dessa forma, é necessário ajustar os incentivos para reduzir o desalinhamento entre os administradores e os sócios/acionistas. Há diversas maneiras de buscar esse resultado, como, por exemplo:

i) instaurar mecanismos de controle sobre os administradores;

ii) estabelecer metas que devem ser alcançadas sob pena de demissão; ou

iii) vincular a remuneração dos administradores à obtenção de lucros para a sociedade.

Os planos de stock options se inserem na terceira opção listada anteriormente. Ao conceder aos executivos a opção de adquirir ações da empresa a um determinado preço, cria-se um incentivo para que estes se esforcem para gerar mais riqueza para a empresa, já que seus ganhos estarão intimamente relacionados com a valorização destas ações. Mas qual é o mecanismo das stock options na prática?

As stock options são, de maneira bastante simplificada, opções de compra das ações da própria sociedade. Uma opção de compra dá o direito, a seu titular, de adquirir uma ação de alguém (o emissor ou lançador da opção), por um determinado preço (chamado preço de exercício).

As condições para que os executivos adquiram essas opções podem variar conforme o plano. Por exemplo, alguns planos exigem que o executivo preste serviços para a sociedade durante determinado tempo (vesting period). Outros planos, além de um prazo de permanência mínimo, podem exigir que determinada meta seja atingida (por exemplo, incremento nas vendas). Por fim, também existem os planos que concedem tais opções desde o início, sendo esses os mais simples. No entanto, uma vez concedidas, as stock options funcionam de maneira razoavelmente constante1.

A Sociedade “S” emite opções de compra para o Administrador “A” referente a mil ações, com um preço de exercício de R$ 100,00 por ação, com vencimento em um mês. Isso significa que, em um mês, “A” poderá - mas não estará obrigado - a comprar as ações de “S” por exatos R$ 100,00 por ação, independentemente de sua cotação no mercado.

Na prática, “A” exercerá a opção se a ação estiver sendo cotada por um preço superior ao de exercício. Se as ações da Sociedade “S” estiverem sendo negociadas a R$ 120,00, é vantajoso para “A” adquiri-las por R$ 100,00. Porém, se a mesma ação for cotada no mercado a R$ 80,00, “A” dificilmente optará por adquiri-las por R$ 100,00.

Por isso, idealmente, o preço de exercício de um plano de stock options deve refletir alguma meta esperada do executivo.

Imagine-se, por exemplo, que “S” ainda esteja em fase de negociação com “A” e determine que “A” somente será remunerado se trouxer um incremento no valor das ações. Nesse caso, o preço de exercício da opção poderia corresponder ao preço atual das ações, na medida em que qualquer incremento já seria considerado como um benefício potencialmente trazido por “A” - o que implicaria aumento de sua remuneração.

Por outro lado, se a Sociedade “S” previsse um crescimento de 10% para o ano seguinte independentemente da atuação do executivo, também seria possível determinar que o preço de exercício da ação fosse, por exemplo, 110% do preço original das ações. Dessa forma, a remuneração de “A” estaria vinculada à obtenção dos benefícios adicionais, acima da valorização originalmente prevista.

Da mesma forma, se houvesse a previsão de perda de valor, seria possível que “S” negociasse com “A” uma opção cujo preço de exercício fosse 90% do preço atual das ações.

Evidentemente, esses exemplos são simplificações das condições que se encontram no mercado. Geralmente, os planos de stock options são muito mais complexos e consideram as condições específicas das empresas e a performance dos indicadores do mercado acionário, entre muitos outros fatores. A estrutura subjacente e sua finalidade, porém, são consideravelmente uniformes.

Porém, diferentemente das opções negociadas no mercado, não existe um valor de prêmio (o preço para adquirir a opção), definido em negociações para as stock options. As stock options não são vendidas aos executivos, mas, sim, concedidas como se fossem uma parte da remuneração, sem que seu valor seja explicitado.

Em síntese, as stock options são uma parcela da remuneração dos administradores vinculada à valorização das ações da empresa em relação ao preço de exercício de opções de compra de ações da própria sociedade, ou de outra sociedade do mesmo grupo econômico.

Uma vez que se compreendeu a finalidade e o funcionamento das stock options, é necessário analisar o tratamento dispensado a esses instrumentos sob a perspectiva brasileira.

1.1. Stock options como derivativos

A legislação societária prevê a possibilidade de serem outorgadas opções de compras de ações, no artigo 168 da Lei nº 6.404/1976, a saber:

“Art. 168. O estatuto pode conter autorização para aumento do capital social independentemente de reforma estatutária. (…)

§ 3º O estatuto pode prever que a companhia, dentro do limite de capital autorizado, e de acordo com plano aprovado pela assembléia-geral, outorgue opção de compra de ações a seus administradores ou empregados, ou a pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou a sociedade sob seu controle.”

Essas opções de ações, segundo a legislação brasileira, têm natureza de contratos de derivativos, um conceito cuja definição é bastante ampla, como se observa pela redação da Lei nº 6.385/1976:

“Art. 2º São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:

I - as ações, debêntures e bônus de subscrição; (…)

VII - os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários;

VIII - outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e (…).”

Apesar de essa lei referir-se aos valores mobiliários, também serve de base para definir os contratos de derivativos. Como explicitado pela lei, um derivativo é um contrato cujo valor depende de um ativo subjacente. Por exemplo, o valor da opção de compra varia em função do ativo subjacente, a ação (entre outras variáveis, tal como prazo para o exercício).

Não obstante, a opção, além de ser um derivativo, também pode ser considerada como um valor mobiliário. Por exemplo, a opção de compra de uma ação é um valor mobiliário porque o ativo subjacente a essa opção é também um valor mobiliário, conforme definido pela lei.

Por outro lado, uma opção de compra de uma quota de sociedade limitada não é um valor mobiliário porque as quotas de sociedades limitadas não se qualificam como valores mobiliários2.

Por fim, em sendo um valor mobiliário, em princípio se aplicariam todas as regras que a Comissão de Valores Mobiliários impõe para sua distribuição, especialmente quando se trata de distribuição pública (isso é, para uma classe de pessoas, por exemplo).

Porém, a própria Comissão de Valores Mobiliários entendeu que existiriam alguns valores mobiliários que não estariam sujeitos às mesmas regras, por decorrerem de relações especiais entre os emissores e os adquirentes. Isso decorre da própria Instrução da Comissão de Valores Mobiliários nº 400/2003, como se pode comprovar em seguida:

“Art. 2º Toda oferta pública de distribuição de valores mobiliários nos mercados primário e secundário, no território brasileiro, dirigida a pessoas naturais, jurídicas, fundo ou universalidade de direitos, residentes, domiciliados ou constituídos no Brasil, deverá ser submetida previamente a registro na Comissão de Valores Mobiliários - CVM, nos termos desta Instrução. (…)

§ 1º Para efeito desta Instrução, considera-se como público em geral uma classe, categoria ou grupo de pessoas, ainda que individualizadas nesta qualidade, ressalvados aqueles que tenham prévia relação comercial, creditícia, societária ou trabalhista, estreita e habitual, com a emissora.”

Portanto, pode-se afirmar que as stock options - quando classificadas como valor mobiliário - não se sujeitam às regras de distribuição de valores mobiliários e podem ser feitas segundo os termos acordados entre a sociedade e seus administradores, que terão ou uma relação trabalhista (executivos empregados), ou uma relação societária (administradores estatutários).

Ou seja, independentemente de sua natureza, as stock options são tratadas como instrumentos privados em relações entre a sociedade que as emite e as pessoas que as adquirem. Assim, é necessário definir a relação materializada pelas stock options.

2. Stock Options - Análise dos Tribunais Trabalhistas

Como comentado, as stock options geralmente são entendidas como uma maneira de alinhar os interesses dos administradores com os interesses da empresa. Porém, de uma perspectiva jurídica, é importante qualificar essa relação.

Para a correta qualificação para fins do Direito Societário (no caso de administradores estatutários) ou do Direito Trabalhista (no caso de executivos empregados) é importante verificar especialmente como a jurisprudência tem encarado essas questões, em especial a jurisprudência em matéria trabalhista (que aborda questões conexas à relação de emprego, onde as stock options se originam).

Em sua maior parte, as decisões trabalhistas têm entendido que as stock options não configuram natureza salarial, como se comprova pelos julgados dos seguintes processos:

Proc. nº 00024696220105020042 - 42ª Vara do Trabalho de São Paulo

“Por fim, também não prospera a alegação de que os valores recebidos por meio do plano de ações (stock option e performance shares) teriam natureza salarial.

O reclamante aderiu voluntariamente ao Plano de Ações (documento 18, fl. 63), concordando com as Condições Gerais do Plano de Entrega de Ações (documento 20, fls. 65/73), cuja cláusula 3.5 prevê que ‘As entregas de Ações decorrentes do Plano têm caráter extraordinário, não fazendo parte das condições contratuais, nem do salário, nem gerando direitos adquiridos ou consolidados para os Beneficiários’, sendo que o caput da cláusula III prevê que o beneficiário ‘aceita expressamente todos e cada um dos termos e condições do plano’.

A parcela em comento não tem natureza salarial, está mais próxima da natureza retributiva da participação em lucros e resultados. Conforme o documento 17 de fl. 62, o plano de ações foi instituído como uma forma de ‘incentivo corporativo para os empregados chave do grupo’, restando clara, aqui também, a liberalidade da reclamada na concessão do benefício.

A natureza jurídica da opção de compra de ações é mercantil, embora feita durante o contrato de trabalho, pois representa mera compra e venda de ações. Envolve a opção um ganho financeiro, sendo até um investimento feito pelo empregado nas ações da empresa. Por se tratar de risco do negócio, em que as ações ora estão valorizadas, ora perdem seu valor, o empregado pode ter prejuízo com a operação. É uma situação aleatória, que nada tem a ver com o empregador em si, mas com o mercado de ações.”

Processo TRT/SP nº 0134300-93.2010.5.02.0024 - 24ª Vara

Stock Option

O programa de ‘stock option’ constitui-se em mecanismo de oferta de direito de compra de ações aos empregados que, com embasamento na Lei das Sociedades Anônimas (§ 3º do artigo 168 da Lei nº 6.404/76), adquirem ou recebem valores mobiliários de emissão da empresa brasileira ou da empresa líder no exterior. Objetiva a participação nos lucros, o incentivo à permanência na empresa e maior comprometimento e, ainda que tenha por origem o contrato de trabalho, não se trata de vantagem de natureza jurídica salarial, mas sim de uma relação meramente mercantil. O trabalhador pode ou não auferir lucro, posto que mencionado benefício sujeita-se às flutuações do mercado acionário. Passando a empresa por reestruturação societária com reflexos no valor venal da ação na bolsa de valores, não há que se falar em conduta lesiva ao trabalhador, tampouco em existência de direito adquirido. Recurso ordinário a que se nega provimento.”

Tribunal Superior do Trabalho - RR nº 217800-35.2007.5.02.0033

“4. Stock Options. O programa pelo qual o empregador oferta aos empregados o direito de compra de ações (previsto na Lei de Sociedades Anônimas, n. 6.404/76, art. 168, § 3º) não proporciona ao trabalhador uma vantagem de natureza jurídica salarial. Isso porque, embora a possibilidade de efetuar o negócio (compra e venda de ações) decorra do contrato de trabalho, o obreiro pode ou não auferir lucro, sujeitando-se às variações do mercado acionário, detendo o benefício natureza jurídica mercantil. O direito, portanto, não se vincula à força de trabalho, não detendo caráter contraprestativo, não se lhe podendo atribuir índole salarial. Recurso de revista não conhecido.”

Como se pode perceber, a tendência majoritária é considerar que o resultado das stock options, por decorrer de fatores de mercado, não consiste em remuneração ao empregado em decorrência do contrato de trabalho, mas, sim, de uma relação de natureza mercantil. Especificamente, os tribunais afirmam que o programa de stock options não possui uma natureza salarial.

Para tanto, se baseiam nos dispositivos legais transcritos a seguir. Primeiramente, vale mencionar a própria Constituição Federal, cujo artigo 7º define que as participações nos lucros e resultados serão desvinculados da remuneração:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…)

XI - participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei (…).”

Por sua vez, a Consolidação das Leis do Trabalho (o Decreto-lei nº 5.452/1943) define o conceito de remuneração em seus artigos 457 e 458, a saber:

“Art. 457. Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.

§ 1º Integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador.

§ 2º Não se incluem nos salários as ajudas de custo, assim como as diárias para viagem que não excedam de 50% (cinqüenta por cento) do salário percebido pelo empregado.

§ 3º Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que fôr cobrada pela emprêsa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinada a distribuição aos empregados.

Art. 458. Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações ‘in natura’ que a empresa, por fôrça do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas.

§ 1º Os valores atribuídos às prestações ‘in natura’ deverão ser justos e razoáveis, não podendo exceder, em cada caso, os dos percentuais das parcelas componentes do salário-mínimo (arts. 81 e 82).

§ 2º Para os efeitos previstos neste artigo, não serão consideradas como salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador: (Redação dada pela Lei nº 10.243, de 19.6.2001).

I - vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos aos empregados e utilizados no local de trabalho, para a prestação do serviço; (Incluído pela Lei nº 10.243, de 19.6.2001)

II - educação, em estabelecimento de ensino próprio ou de terceiros, compreendendo os valores relativos a matrícula, mensalidade, anuidade, livros e material didático;

III - transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso servido ou não por transporte público;

IV - assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro-saúde;

V - seguros de vida e de acidentes pessoais;

VI - previdência privada;

VII - (Vetado)

§ 3º A habitação e a alimentação fornecidas como salário-utilidade deverão atender aos fins a que se destinam e não poderão exceder, respectivamente, a 25% (vinte e cinco por cento) e 20% (vinte por cento) do salário-contratual.

§ 4º Tratando-se de habitação coletiva, o valor do salário-utilidade a ela correspondente será obtido mediante a divisão do justo valor da habitação pelo número de co-habitantes, vedada, em qualquer hipótese, a utilização da mesma unidade residencial por mais de uma família.”

Como se pode perceber, em nenhum momento a Constituição ou a Consolidação das Leis do Trabalho abordam expressamente as stock options. Portanto, a base para o raciocínio dos magistrados é uma interpretação da legislação, preenchendo as lacunas do texto normativo.

Em síntese, os tribunais trabalhistas adotam o posicionamento majoritário de que: (i) as stock options não são parte do salário e (ii) representam uma relação mercantil.

3. Stock Options - Uma Segunda Análise

Ainda que seja jurisprudência praticamente consolidada em matéria trabalhista, a interpretação adotada pelos tribunais não parece ser a mais adequada quando estendida para a generalidade dos casos. E não o é por um motivo essencial: porque confunde um derivativo com um ativo, lastreando todo o valor da operação exclusivamente no segundo.

As stock options representam um contrato cujo valor pode ser quantificado. Não raras vezes, instrumentos similares - quando não idênticos - são negociados no mercado, entre partes sem qualquer vínculo.

Nesse sentido, parece inegável que as stock options - instrumentos com valor - estejam sendo concedidas aos executivos das sociedades. E tal concessão é realizada exclusivamente em virtude da relação de trabalho estabelecida entre o executivo e a sociedade. Ainda que não tenha a natureza de remuneração habitual, consiste em um pagamento similar ao bônus.

Por isso, a posição dos tribunais em rejeitar o valor das stock options parece no mínimo curiosa, uma vez que afastam da matéria trabalhista um pagamento (concessão das stock options) que ocorreu exclusivamente em decorrência de uma relação de trabalho. Apresentamos os motivos para a divergência em seguida.

1) As premissas do raciocínio são as seguintes:

a) as stock options concedidas devem ser entendidas como aquelas que já pertencem ao executivo, que já satisfez todos os requisitos do plano (seja tempo de permanência, seja uma meta);

b) tais stock options podem ter uma data de exercício no futuro, sendo o prazo - a priori - irrelevante;

c) tais stock options também devem ter um preço de exercício, não sendo uma simples concessão gratuita das ações;

d) Com base nas premissas anteriores, seria possível quantificar o valor das stock options, ainda que de maneira aproximada.

2) Portanto, seria possível afirmar que:

a) em decorrência da relação de trabalho que os executivos têm com a sociedade que os contrata, recebem derivativos cujo valor pode ser quantificado;

b) o valor desses instrumentos, até a data de seu exercício, pode flutuar de acordo com as variações dos ativos subjacentes, sendo possível até mesmo a perda integral de seu valor (por exemplo, no caso de uma opção de comprar uma ação por R$ 100,00, quando o valor de mercado dessa ação é R$ 80,00).

Nesse cenário, parece ser plausível concluir que a sociedade não doa gratuitamente o derivativo (a opção de compra - stock option) para seu executivo. Ao contrário, a sociedade o transfere como remuneração para o executivo - remuneração esta que está intrinsecamente relacionada com a realização de seu trabalho (não necessariamente a título de salário, mas de maneira geralmente equiparada, por exemplo, a um bônus).

Evidentemente, o propósito de tal concessão não se esgota com o derivativo. Em realidade, tal derivativo tem como função motivar o executivo a aumentar o valor da empresa.

Um resultado similar poderia ser alcançado se a sociedade concedesse ações (o ativo subjacente às stock options) para os executivos. A diferença aqui é na extensão do incentivo: as stock options são um incentivo para a valorização das ações (se o valor das ações não exceder o preço de exercício no vencimento, então os derivativos perdem seu valor), enquanto as ações têm valor até que a companhia desvalorize integralmente (por exemplo, no evento de falência).

Assim, não há uma diferença de gênero na finalidade das duas figuras, mas, sim, uma diferença de grau do incentivo concedido. Nesse sentido, a maior parte das decisões das autoridades tributárias parece considerar que existe uma natureza remuneratória nos casos descritos a seguir:

Processo de Consulta nº 16/2008 - 6ª Região

“Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Física - IRPF

Ementa: Fato Gerador Constitui rendimento tributável, oriundo de fonte situada no exterior, o oferecimento, por empresa estrangeira, de suas ações a pessoa física residente no Brasil, como contrapartida à disposição do profissional de prestar serviços à subsidiária brasileira dessa empresa estrangeira. Para os fins do imposto, os rendimentos em espécie serão avaliados em dinheiro, pelo valor que tiverem na data da percepção.

Tratando-se de ações cotadas em bolsa de valores, estas serão avaliadas pela sua cotação na data do recebimento. Na alienação das ações recebidas, impõe-se apurar o eventual ganho de capital obtido.”

Processo de Consulta nº 172/2010 - 6ª Região

“Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Física - IRPF

Ementa: Fato Gerador. Aquisição de Ações. Rendimento Tributável. Alienação de Ações. Ganho de Capital. Configura rendimento tributável, oriundo de fonte situada no exterior, a concessão de ações por empresa estrangeira integrante de grupo econômico do qual faz parte a empresa brasileira, que contratou diretamente o empregado beneficiário, desde que a concessão tenha caráter habitual e natureza contraprestativa.

Para fins de tributação, as ações, como rendimentos em espécie, serão avaliadas em dinheiro, pelo valor que tiverem na data da percepção. Ações cotadas em bolsa de valores e expressas em dólar deverão ser avaliadas na data da percepção e convertidas para real, utilizando-se o valor do dólar dos Estados Unidos da América fixado para compra pelo Banco Central do Brasil para o último dia útil da primeira quinzena do mês anterior ao do pagamento do rendimento.

Na alienação das ações recebidas, impõe-se a apuração do ganho de capital obtido, devendo ser considerado, como custo de aquisição, aquele verificado no momento do recebimento das ações e, como valor de alienação, aquele auferido nessa operação em dólares dos Estados Unidos da América, com posterior conversão em reais, pela cotação do dólar fixada para compra pelo Banco Central do Brasil, para a data do recebimento.

O ganho de capital deve ser tributado com utilização da alíquota de quinze por cento e recolhido até o último dia útil do mês subseqüente ao do recebimento.”

Quanto à autoridade tributária adotar um posicionamento diferente, parece tê-lo feito não em razão da natureza da operação, mas, sim, em decorrência da pretensa ausência de vínculo entre as partes3, como se verifica pela seguinte decisão:

Processo de Consulta nº 445/2007 - 8ª Região

“Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Física - IRPF.

Ementa: Cessão de Direito - Opções de Compra de Ações Cedidas gratuitamente por Empresa com Sede no Exterior a Diretor de Subsidiária com sede no Brasil.

O valor atribuído às opções de compra de ações, cedidas gratuitamente, por empresa sediada no exterior a diretor de subsidiária com sede no Brasil, não configura pagamento de rendimentos, devido à ausência de vínculo entre o beneficiário e a empresa cedente. (...)”

Por fim, não reconhecer a concessão dos derivativos poderia representar uma inconsistência contábil. Isso porque as sociedades em geral devem reconhecer tais instrumentos de acordo com o Pronunciamento nº 10 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, conforme se verifica abaixo4:

“12. Via de regra, ações, opções de ações ou outros instrumentos patrimoniais são outorgados aos empregados como parte do pacote de remuneração destes, adicionalmente aos salários e outros benefícios. Normalmente, não é possível mensurar, de forma direta, os serviços recebidos por componentes específicos do pacote de remuneração dos empregados. Pode não ser possível também mensurar o valor justo do pacote de remuneração como um todo de modo independente, sem se mensurar diretamente o valor justo dos instrumentos patrimoniais outorgados. Ademais, ações e opções de ações são, por vezes, outorgadas como parte de acordo de pagamento de bônus, em vez de serem outorgadas como parte da remuneração básica dos empregados. Objetivamente, trata-se de incentivo para que os empregados permaneçam nos quadros da entidade ou de prêmio por seus esforços na melhoria do desempenho da entidade. Ao beneficiar os empregados com a outorga de ações ou opções de ações, adicionalmente a outras formas de remuneração, a entidade visa a obter benefícios marginais. Em função da dificuldade de mensuração direta do valor justo dos serviços recebidos, a entidade deve mensurá-los de forma indireta, ou seja, deve tomar como base o valor justo dos instrumentos patrimoniais outorgados. (...)

B4. Para as opções de ações outorgadas a empregados, em muitos casos não existe preço de mercado disponível, em decorrência de as opções outorgadas estarem sujeitas a termos e condições que não são aplicáveis às opções negociadas no mercado. Se opções negociadas com termos e condições similares não existem, o valor justo das opções outorgadas deve ser estimado pela aplicação de modelo de precificação de opções.”

Diante de todos esses argumentos, nos parece razoável concluir que - em princípio - o plano de stock options deveria ser interpretado como a concessão de um derivativo, que por si só tem valor, geralmente quantificável. Este derivativo integra a contraprestação pelo trabalho, embora possa ter natureza mais próxima do bônus do que de salário em sentido estrito, uma vez que não é uma remuneração recorrente.

Assim, mesmo esse posicionamento apresentando dificuldades práticas, especialmente no tocante à precificação do derivativo, é o que parece mais correto de um ponto de vista jurídico.

Problemas com a precificação podem ocorrer quando instrumentos similares não são negociados no mercado (por exemplo, em sociedades de baixa liquidez, ou em casos de planos com condições muito específicas). Nesses casos, seria possível determinar o valor desses instrumentos por fórmulas financeiras, ainda que a precisão de tal precificação dependa das características específicas dos planos.

Por isso, seria recomendável que houvesse alguma mudança legislativa, para dirimir as controvérsias sobre a matéria, particularmente no que diz respeito ao tratamento tributário dessas operações - inclusive com a possibilidade de postergar a tributação para o momento em que os ativos forem vendidos. O resultado prático seria muito similar àquele advogado pelos tribunais trabalhistas, especialmente no que diz respeito à legislação tributária sobre a matéria.

4. Tributação das Stock Options

Com base na exposição anterior, convém dividir essa seção em três partes distintas: (i) a tributação aplicável com base na jurisprudência trabalhista, (ii) a tributação aplicável com base na interpretação do autor, e (iii) sugestões de modificações para que o tratamento das stock options seja ao mesmo tempo coerente à base legal e factível na sua aplicação prática.

4.1. Tributação das stock options com base na jurisprudência trabalhista

Pela análise acerca da jurisprudência trabalhista, seria possível concluir que não se concede nenhum valor aos derivativos (direito de opção - stock options), de maneira que a integralidade dos ganhos e perdas decorrentes destes instrumentos seriam decorrentes de transações posteriores com os ativos (as ações).

Como consequência dessa interpretação, a seguinte tributação seria aplicada:

1) Concessão das stock options: sem tributação, pois não se reconhece a concessão de derivativos como transação dotada de valor;

2) Compra das ações: sem tributação, pois a aquisição não representa incremento patrimonial imediato para as pessoas físicas (em tese, seria um lançamento exclusivamente permutativo, em que o executivo substituiria R$ 100,00 em dinheiro por R$ 100,00 em ações - ainda que estas, por exemplo, valessem R$ 120,00 nessa data);

3) Alienação de ações: tributação como ganho de capital, que poderá ocorrer de duas maneiras:

a) Segundo a regra geral de ganho de capital (valor de alienação das ações menos o seu custo de aquisição, conforme item 2 acima), pela qual eventuais ganhos serão tributados, isoladamente, a uma alíquota de 15%, de maneira definitiva, de acordo com o artigo 1175 do Decreto nº 3.000/1999; ou

b) Segundo a regra para ganhos líquidos em bolsa de valores, se a operação for realizada nesse ambiente, conforme os artigos 47 e seguintes da Instrução Normativa nº 1.022/2010 - a principal diferença em relação à sistemática de ganhos de capital é a possibilidade de compensar ganhos e perdas em diferentes transações.

4.2. Tratamento tributário de acordo com a interpretação do autor

Diferentemente dos tribunais trabalhistas, a interpretação defendida nesse artigo teria as seguintes consequências tributárias:

1) concessão das stock options: tributação como rendimento do trabalho recebido in natura (aplicação regular da tabela progressiva, conforme artigo 43 do Decreto nº 3.000/1999, com reajustamento da base de cálculo6);

2) compra das ações: sem tributação, pois a aquisição não representa incremento patrimonial imediato para as pessoas físicas - diferentemente do item anterior, o preço de aquisição dessas ações seria composto pelo valor atribuído às opções (prêmio de opções idênticas ou similares no mercado - ou prêmio calculado por fórmulas financeiras, quando este não estiver disponível), mais o preço de exercício das opções7;

3) alienação de ações: tributação como ganho de capital, que poderá ocorrer de duas maneiras:

a) segundo a regra geral de ganho de capital (valor de alienação das ações menos o seu custo de aquisição, conforme item 2 acima), pela qual eventuais ganhos serão tributados, isoladamente, a uma alíquota de 15%, de maneira definitiva, de acordo com o artigo 1178 do Decreto nº 3.000/1999; ou

b) segundo a regra para ganhos líquidos em bolsa de valores, se a operação for realizada nesse ambiente, conforme os artigos 47 e seguintes da Instrução Normativa nº 1.022/2010 - a principal diferença em relação à sistemática de ganhos de capital é a possibilidade de compensar ganhos e perdas.

4.3. Possíveis melhorias em matéria tributária

Como abordamos anteriormente, as stock options não são reguladas expressamente, seja para fins trabalhistas, seja para fins tributários. Nesse sentido, seria recomendável que se sanasse essa lacuna e se determinasse um tratamento específico para tais instrumentos. Em matéria tributária, o tratamento das stock options poderia se aproximar de uma das três sistemáticas descritas a seguir:

1) Não tributação das stock options: nesse caso, poderia haver uma isenção expressa para a tributação das pessoas físicas, que não considerariam o valor das stock options como rendimento tributável, ainda que tal valor pudesse compor o custo de aquisição das ações.

2) Diferimento da tributação das stock options para o momento de exercício: nesse caso, a tributação ocorreria no momento de exercício da opção. A base desse valor, nessa alternativa, provavelmente seria a diferença entre o valor do ativo subjacente (por exemplo R$ 120,00) e o preço de exercício (R$ 100,00)9.

3) Diferimento da tributação das stock options para o momento da venda das ações, a exemplo do que ocorre no mercado de opções atualmente. Entretanto, nesse caso, o prêmio seria tributado como rendimento do trabalho (mas diferido para o momento da alienação das ações, exceto se houver disposição em contrário) e o restante, como ganho de capital10.

Dentre estas alternativas, a mais simples de implementar seria a terceira, particularmente se a alíquota aplicável às stock options for a mesma do ganho de capital da venda subsequente. Desse modo, seria possível que se fizesse uma tributação global a uma única alíquota, sem que fosse necessário calcular o valor das stock options (seu valor estaria compreendido dentro do ganho de capital final - evidentemente isso poderia implicar pequenos desvios do valor das stock options, mas o ganho em praticidade seria substancial)11.

5. A Qualificação das Stock Options no Âmbito dos Tratados Internacionais

Todo o trabalho desenvolvido até o presente momento servirá para qualificar os rendimentos decorrentes das stock options nos tratados internacionais.

A dúvida, nesse ponto, diz respeito à qualificação das stock options. Em particular, estes instrumentos poderiam ser considerados (i) rendimentos de emprego ou remuneração de direção, conforme o caso; ou (ii) ganhos de capital.

Veja-se, então, a redação dos artigos 15 e 16 da Convenção Modelo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que o Brasil adota na maior parte de suas convenções.

Article 15 - Income from Employment

1. Subject to the provisions of Articles 16, 18 and 19, salaries, wages and other similar remuneration derived by a resident of a Contracting State in respect of an employment shall be taxable only in that State unless the employment is exercised in the other Contracting State. If the employment is so exercised, such remuneration as is derived therefrom may be taxed in that other State.

2. Notwithstanding the provisions of paragraph 1, remuneration derived by a resident of a Contracting State in respect of an employment exercised in the other Contracting State shall be taxable only in the first-mentioned State if:

a) the recipient is present in the other State for a period or periods not exceeding in the aggregate 183 days in any twelve month period commencing or ending in the fiscal year concerned, and

b) the remuneration is paid by, or on behalf of, an employer who is not a resident of the other State, and

c) the remuneration is not borne by a permanent establishment which the employer has in the other State. (...)”

Article 16 - Director’s Fees

Directors’ fees and other similar payments derived by a resident of a Contracting State in his capacity as a member of the board of directors of a company which is a resident of the other Contracting State may be taxed in that other State.”

Os dois artigos englobam não apenas a retribuição em caráter salarial, mas também pagamentos similares. Em realidade, o próprio comentário da Convenção Modelo admite que as stock options poderiam estar compreendidas nesses artigos, como se verifica abaixo, primeiro com referência ao artigo 15, e posteriormente, com referência ao artigo 16:

“2.1 Member countries have generally understood the term ‘salaries, wages and other similar remuneration’ to include benefits in kind received in respect of an employment (e.g. stock-options, the use of a residence or automobile, health or life insurance coverage and club memberships). (…)”

“1.1 Member countries have generally understood the term ‘fees and other similar payments’ to include benefits in kind received by a person in that person’s capacity as a member of the board of directors of a company (e.g. stock-options, the use of a residence or automobile, health or life insurance coverage and club memberships).”

Daniel Bellan12 conclui da seguinte forma a respeito das stock options:

“De qualquer forma, em coerência com o posicionamento adotado desde o início deste trabalho, a qualificação destas opções de compra de ações dependerá do direito interno do respectivo estado contratante, ou seja, sua natureza de ‘salário ou outra remuneração similar’ será reconhecida ou não a partir do que disser o ordenamento jurídico interno daquele estado, nos exatos termos do artigo 3 (2) da Convenção Modelo da OCDE.”

Ainda que esse fragmento se refira exclusivamente ao artigo 15 dos tratados, idêntico raciocínio poderia ser empregado com relação ao artigo 16, motivo pelo qual a classificação das stock options como rendimentos do trabalho somente poderia ser feita de acordo com o Direito interno dos Estados envolvidos.

Por outro lado, se não se considerar que as stock options possuem natureza remuneratória, os seus rendimentos serão tratados como ganhos de capital. A redação da convenção modelo, quanto a esses rendimentos, admite apenas a tributação no país de residência, como se comprova a seguir:

“5. Gains from the alienation of any property, other than that referred to in paragraphs 1, 2, 3 and 4, shall be taxable only in the Contracting State of which the alienator is a resident.”

É importante destacar que a maioria das convenções assinadas pelo Brasil, porém, divergem desse modelo, e admitem a tributação tanto no país de fonte quanto de residência. Veja-se, por exemplo, a redação da convenção com o México, do ano de 2006:

“4. Nada do estabelecido na presente Convenção afetará a aplicação da legislação de um Estado Contratante para tributar os ganhos de capital provenientes da alienação de qualquer outro tipo de propriedade diferente da mencionada neste Artigo.”

Portanto, diferentemente da OCDE, quando a tributação é de competência exclusiva do Estado de residência do alienante, as convenções assinadas pelo Brasil geralmente adotam a competência cumulativa para os casos de ganhos de capital (com a exceção da convenção com o Japão, que também prevê tributação exclusiva no Estado de residência).

Como, então, seriam qualificadas as stock options no Direito brasileiro, para fins de aplicação dos tratados?

Segundo os tribunais trabalhistas, as stock options não seriam consideradas como rendas do trabalho, mas, sim, como contratos mercantis. Na prática, a tributação pretendida nesses casos somente ocorreria na alienação dos ativos subjacentes (ações), e na forma de ganho de capital.

Com base nessa interpretação, a conclusão seria que (i) na prática, as stock options não seriam tributadas - mas também não fariam parte do custo de aquisição dos ativos subjacentes para a apuração do ganho de capital, e (ii) o rendimento seria integralmente tributado como ganho de capital (ou ganho líquido, se a operação ocorrer em bolsa de valores) na alienação das ações.

Portanto, seria como se os tribunais trabalhistas ignorassem a existência das stock options, e somente enxergassem a operação com os ativos subjacentes. Nesse sentido, talvez se pudesse argumentar que as stock options, como tratadas hoje pelos tribunais trabalhistas, sequer representassem um rendimento.

Não obstante, essa não parece ser a melhor interpretação da legislação brasileira. De acordo com o Direito atualmente vigente, deve-se considerar que não há isenção expressa para as stock options.

Portanto, de acordo com a interpretação tecnicamente mais precisa (mas de aplicação prática mais difícil), as stock options deveriam ser enquadradas como rendimentos do trabalho (seja como salário, seja como bônus), já que somente existem em função desse relacionamento entre a sociedade e seu executivo. O fato de serem ou não tributadas não deveria ser relevante para fins de determinação da qualificação deste rendimento.

Por exemplo, o Brasil poderia optar por não tributar as stock options, preferindo não reconhecer o seu custo no cálculo do ganho de capital decorrente da alienação dos ativos subjacentes - nesse sentido, as stock options continuariam seriam rendimentos do trabalho, porém isentos.

Por sua vez, as operações posteriores, como alienação dos ativos subjacentes ou venda das próprias opções quando possível, devem ser consideradas como ganhos de capital para fins das convenções, uma vez que independem de qualquer relação prévia entre sociedade e executivo.

Portanto, em síntese, de acordo com as regras atualmente vigentes no Brasil, defende-se que:

1) as stock options deveriam ser qualificadas como rendimentos do emprego (artigo 15 da Convenção Modelo) ou remuneração de diretores (artigo 16), independentemente de o Brasil tributá-las ou não;

2) operações posteriores (como a alienação dos ativos adquiridos) deveriam ser consideradas como ganho de capital para fins de aplicação das convenções, na medida em que independem de uma relação entre alienante e adquirente (podendo ocorrer, por exemplo, em bolsas de valores).

5.1. Possíveis métodos de eliminação da dupla tributação

É possível que existam problemas na qualificação dos rendimentos e na aplicação dos métodos para evitar a dupla tributação. O exemplo a seguir ilustra uma dessas situações:

1) Empregado “X” reside no Brasil e trabalha para uma sociedade estrangeira “S”, domiciliada em país com o qual o Brasil tem acordo, a qual efetivamente paga sua remuneração.

2) A remuneração de “X” compreende não apenas pagamentos em dinheiro, como também stock options com relação às ações de “S”.

3) No exterior, “S” deverá recolher na fonte, imposto sobre a remuneração paga, incluindo as stock options.

4) Dessa forma, o valor dessas stock options poderá integrar o valor do custo das ações adquiridas, para fins do cálculo do ganho de capital posterior.

A dúvida, evidentemente, se refere aos itens 3 e 4 acima. Como “X” deverá proceder no Brasil? As stock options constituiriam, nesse caso, rendimento tributável ou deveriam ser desconsideradas? Se fossem desconsideradas, como se calcularia o ganho de capital decorrente da venda dos ativos? O valor da opção deveria estar incluído no custo de aquisição desses ativos?

Não há dispositivos legais endereçando especificamente nenhum dos questionamentos levantados no parágrafo anterior. Em princípio, parece que o mais correto, na inexistência de regulamentação sobre a matéria, seria considerar que as stock options representariam rendimento do trabalho, sujeitando-as à tributação atualmente aplicável, com a possibilidade de compensar o imposto devido no Brasil com aquele pago na fonte no exterior. O mesmo ocorreria com o ganho de capital, se houvesse tributação no país de fonte no exterior.

Alternativamente, seria possível que se argumente que as stock options não seriam rendimentos tributáveis no Brasil. Poderia, nesse caso, a tributação na fonte aplicada pelo Estado estrangeiro ser compensada no Brasil?

Entendemos que, de acordo com a literalidade das Convenções, é possível que não se outorgue crédito na medida em que as stock options seriam consideradas, na prática, isentas no Brasil. Porém, o valor a elas atribuído deveria integrar o custo de aquisição das ações estrangeiras.

Como se pode perceber, essa alternativa apresentaria uma tributação reduzida no Brasil (não haveria tributação das stock options, mas seu valor seria considerado para fins de apuração de ganho de capital), sem que houvesse qualquer norma de isenção específica.

Por fim, se fosse ignorado que as stock options no exterior teriam valor, mas também não se permitisse que o respectivo valor pudesse ser incluído custo de aquisição dos ativos subjacentes, o cenário poderia ser tributariamente mais oneroso, na medida em que:

1) as stock options seriam tributadas na fonte, mas o imposto não poderia ser compensado no Brasil (tributação na fonte);

2) no Brasil, seu valor não integraria o custo de aquisição para cálculo do ganho de capital subsequente na venda das ações, o que poderia implicar um valor maior a ser recolhido a título de ganho de capital (tributação no Brasil); e

3) é controverso se o valor do imposto retido na fonte na situação “1” poderia ser compensado com o devido na tributação sobre o ganho prevista no item “2”, já que as operações são distintas.

Evidentemente, esse posicionamento não é razoável, e gera problemas no sistema brasileiro, decorrente de uma qualificação de rendimentos que não atenta para efeitos de segunda ordem.

Por isso, entendemos que a classificação mais correta deve levar em conta não apenas a aplicação prática, mas os conceitos teóricos envolvidos, para que não haja distorções - nem para o Direito interno, nem, sobretudo, em matéria internacional.

6. Conclusão

Diante de todo o exposto, é possível concluir que:

1) os tribunais trabalhistas têm desconsiderado a concessão das stock options e atribuído todo o valor às transações com os ativos subjacentes;

2) essa interpretação não parece ser a mais coerente com base no Direito brasileiro atualmente vigente, na medida em que existem dois negócios jurídicos distintos, a saber:

a) concessão das stock options, cujo valor deveria ser tributado como rendimento do trabalho pago in natura (com reajustamento da base de cálculo, quando aplicável);

b) transações posteriores (venda do ativo adquirido ou venda da opção, quando possível), que deveriam ser tributadas como operações independentes, geralmente sujeitas à apuração de ganhos líquidos (quando realizadas em bolsas) ou ganhos de capital (quando realizadas fora de bolsas);

3) em matéria internacional, os pagamentos em stock options são geralmente qualificados como rendimentos de emprego (artigo 15 da Convenção Modelo) ou remuneração de diretores (artigo 16 da Convenção Modelo);

4) as transações subsequentes, como regra geral, deveriam ser qualificadas como ganhos de capital (artigo 13 da Convenção Modelo), na medida em que não se baseiam em qualquer relacionamento específico entre executivos e sociedades (podendo, inclusive, ser feitas em ambiente de bolsa).

5) o tratamento adotado pelos tribunais trabalhistas, se prevalecesse para matéria tributária, geraria problemas, na medida em que poderia:

a) não permitir a compensação do imposto retido na fonte pelos empregadores estrangeiros com relação ao valor das stock options;

b) afetar o cálculo do ganho de capital, não permitindo a inclusão do valor das stock options no custo de aquisição, o que por sua vez geraria um ganho de capital mais elevado no Brasil;

c) impedir que os impostos dos itens “a” e “b” anteriores fossem compensados entre si, na medida em que seriam rendimentos diferentes, estando o rendimento de “b” sujeito a tributação definitiva no Brasil;

6) seria conveniente que houvesse regulamentação específica sobre as stock options, para uniformizar os entendimentos e para garantir um entendimento coerente sobre tais planos, tornando-os mais uma alternativa viável.

1 É importante segregar os planos de stock options de outros planos, que acabaram sendo incluídos no mesmo jargão. Por exemplo, um plano de concessão de ações não tem qualquer relação com opções, mas frequentemente é designado como um plano de stock option, assim como outros tipos de benefícios. Nesse trabalho, somente os planos de opções são tratados como stock options.

2 A concessão de stock options em sociedades limitadas é possível, mas menos frequente, na medida em que os adquirentes das quotas teriam uma liquidez muito reduzida. As stock options geralmente são concedidas por sociedades com capital aberto, ou no caso de entidades locais com capital fechado, por outra entidade do grupo com capital aberto.

3 Em nossa opinião, a conclusão a que chegam as autoridades tributárias não é a mais correta, especialmente porque parece ter ignorado o conceito de grupo econômico e de empregador único.

4 O pronunciamento descreve minuciosamente a contabilização de operações com opções de ações em diversos momentos. Optamos por não realizar a reprodução integral, mas apenas dos fragmentos mais relevantes para a compreensão da essência da operação de stock options.

5 “Art. 117. Está sujeita ao pagamento do imposto de que trata este Título a pessoa física que auferir ganhos de capital na alienação de bens ou direitos de qualquer natureza (Lei nº 7.713, de 1988, arts. 2º e 3º, § 2º, e Lei nº 8.981, de 1995, art. 21).

§ 1º O disposto neste artigo aplica-se, inclusive, ao ganho de capital auferido em operações com ouro não considerado ativo financeiro (Lei nº 7.766, de 1989, art. 13, parágrafo único).

§ 2º Os ganhos serão apurados no mês em que forem auferidos e tributados em separado, não integrando a base de cálculo do imposto na declaração de rendimentos, e o valor do imposto pago não poderá ser deduzido do devido na declaração (Lei nº 8.134, de 1990, art. 18, § 2º, e Lei nº 8.981, de 1995, art. 21, § 2º).

§ 3º O ganho de capital auferido por residente ou domiciliado no exterior será apurado e tributado de acordo com as regras aplicáveis aos residentes no País (Lei nº 9.249, de 1995, art. 18).

§ 4º Na apuração do ganho de capital serão consideradas as operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos ou cessão ou promessa de cessão de direitos à sua aquisição, tais como as realizadas por compra e venda, permuta, adjudicação, desapropriação, dação em pagamento, doação, procuração em causa própria, promessa de compra e venda, cessão de direitos ou promessa de cessão de direitos e contratos afins (Lei nº 7.713, de 1988, art. 3º, § 3º).

§ 5º A tributação independe da localização dos bens ou direitos, observado o disposto no art. 997.”

6 A ideia por trás dessa tributação seria onerar da mesma maneira a opção de ações concedida sem cobrar prêmio à situação em que o executivo tivesse obtido o montante equivalente em dinheiro, procedendo então à compra da opção. Para que as situações sejam equivalentes, é necessário que se considere o efeito do imposto de renda na fonte, que tornaria o rendimento menor. Por isso, o valor das opções será o valor líquido de impostos, e não o valor bruto.

7 Essa sistemática já se encontra prevista na Instrução Normativa nº 1.022/2010, no artigo 49, a saber:

Art. 49. Nos mercados de opções, o ganho líquido será constituído:

I - nas operações tendo por objeto a negociação da opção (prêmio), pelo resultado positivo apurado no encerramento de opções da mesma série;

II - nas operações de exercício da opção:

a) no caso do titular (comprador) de opção de compra, pela diferença positiva entre o valor da venda à vista do ativo na data do exercício da opção e o preço de exercício da opção, acrescido do valor do prêmio;

b) no caso do lançador (vendedor) de opção de compra, pela diferença positiva entre o preço de exercício da opção, acrescido do valor do prêmio, e o custo de aquisição do ativo objeto do exercício da opção;

c) no caso do titular (comprador) de opção de venda, pela diferença positiva entre o preço de exercício da opção e o valor da compra à vista do ativo, acrescido do valor do prêmio;

d) no caso do lançador de opção de venda (vendedor), pela diferença positiva entre o preço da venda à vista do ativo na data do exercício da opção, acrescido do valor do prêmio, e o preço de exercício da opção.

§ 1º Não ocorrendo venda à vista do ativo na data do exercício da opção, o ativo terá como custo de aquisição o preço de exercício da opção, acrescido ou deduzido do valor do prêmio, nas hipóteses previstas, respectivamente, nas alíneas ‘a’ e ‘d’ do inciso II.”

8 “Art. 117. Está sujeita ao pagamento do imposto de que trata este Título a pessoa física que auferir ganhos de capital na alienação de bens ou direitos de qualquer natureza (Lei nº 7.713, de 1988, arts. 2º e 3º, § 2º, e Lei nº 8.981, de 1995, art. 21).

§ 1º O disposto neste artigo aplica-se, inclusive, ao ganho de capital auferido em operações com ouro não considerado ativo financeiro (Lei nº 7.766, de 1989, art. 13, parágrafo único).

§ 2º Os ganhos serão apurados no mês em que forem auferidos e tributados em separado, não integrando a base de cálculo do imposto na declaração de rendimentos, e o valor do imposto pago não poderá ser deduzido do devido na declaração (Lei nº 8.134, de 1990, art. 18, § 2º, e Lei nº 8.981, de 1995, art. 21, § 2º).

§ 3º O ganho de capital auferido por residente ou domiciliado no exterior será apurado e tributado de acordo com as regras aplicáveis aos residentes no País (Lei nº 9.249, de 1995, art. 18).

§ 4º Na apuração do ganho de capital serão consideradas as operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos ou cessão ou promessa de cessão de direitos à sua aquisição, tais como as realizadas por compra e venda, permuta, adjudicação, desapropriação, dação em pagamento, doação, procuração em causa própria, promessa de compra e venda, cessão de direitos ou promessa de cessão de direitos e contratos afins (Lei nº 7.713, de 1988, art. 3º, § 3º).

§ 5º A tributação independe da localização dos bens ou direitos, observado o disposto no art. 997.”

9 Ressaltamos que essa alternativa pode resultar em imprecisões no caso de stock options não exercidas, cujo valor poderia ser considerado como zero, o que evidentemente não era verdadeiro no momento de sua concessão.

10 Igualmente ao caso anterior, esse modelo também poderia apresentar imperfeições na tributação de opções não exercidas.

11 Ressaltamos que tal cálculo talvez fosse relevante para fins da compensação de imposto pago no exterior, como comentamos nas seções seguintes.

12 BELLAN, Daniel Vitor. Direito Tributário Internacional: rendimentos de pessoas físicas nos tratados internacionais contra a dupla tributação. São Paulo, 2010, p. 162.