Caso Klabin: o “casa e separa” Revisto à Luz da “Técnica da Simulação”

Eduardo Santos Arruda Madeira

LL.M. em Direito Tributário Internacional pela Universiteit Leiden - Holanda. Advogado em São Paulo.

Luiz Carlos de Andrade Jr.

Advogado em São Paulo.

Resumo

Este artigo destaca e analisa as peculiaridades dogmáticas da simulação no campo do Direito Societário. No Brasil, são raros os casos em que a simulação de atos societários (e.g., constituição de sociedades; subscrição de capital; fusão, cisão, incorporação etc.) tenha sido tratada da maneira adequada, observados os seus pressupostos específicos, seja em sede doutrinária, seja em sede jurisprudencial. Em geral, esse tipo de simulação é explicado como se fosse afeito a um negócio jurídico qualquer, o que, como se demonstrará, não é a postura tecnicamente mais acurada. Tal estudo servirá ao propósito de evidenciar a importância que o desenvolvimento da “técnica da simulação” (tarefa que se atribui aos estudiosos do Direito Civil) pode desempenhar na solução de questões relativas ao planejamento tributário. O pano de fundo desse estudo consistirá no exame de um precedente da recente jurisprudência administrativa federal.

Palavras-chave: simulação (Direito Civil), simulação (Direito Societário) planejamento tributário, elisão, análise de caso.

Abstract

This article highlights and analyses the dogmatic peculiarities of sham in the field of Corporate Law. In Brazilian scholarship and case law, cases involving sham corporate transactions (e.g., incorporation of companies; capital underwriting; merger, spin-off etc.) have rarely been ruled according to the specific legal criteria applicable thereto. In general, such kind of sham is explained as related to any ordinary juridical act, what will be shown not to be the most accurate technical approach. The study shall aim at enlightening the importance that the development of the so-called “technical of sham” (a Civil Law Scholars’ task) may assume upon the solution of discussions regarding tax planning. The study’s background consists on the analysis of a precedent from the recent federal administrative case law.

Keywords: sham (Civil Law), sham (Corporate Law), tax planning, tax avoidance, case analysis.

1. Introdução

Poucos temas foram tão pouco estudados pela doutrina brasileira como a simulação. Que o leitor não se engane: a despeito da existência de inúmeros textos elaborados por tributaristas a respeito do planejamento tributário e da aplicação do referido instituto em tal contexto, aqueles não objetivaram, em sua maioria, contribuir com o desenvolvimento da teoria jusprivatística do instituto1.

Desde 1980 - quando foi publicada, por Custódio da Piedade Ubaldino Miranda, a obra que mais profundamente estudou o tema em vista do Direito brasileiro2 - a doutrina brasileira da simulação pouco se interessou sobre o assunto. Com a entrada em vigor do novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), em 2003, é verdade, foram publicados novos comentários e artigos afeitos à matéria; estes, contudo, em sua maioria, dedicaram-se a primordialmente enunciar os reflexos das alterações promovidas na literalidade dos comandos legais pertinentes (a nulidade do negócio simulado; a equiparação da simulação nocente com a simulação inocente; a explicitação do fenômeno da extraversão etc.)3. Em vista disso, a produção monográfica dedicada a esse importante capítulo do Direito Civil permanece escassa, tendo sido publicadas, sob a vigência da novel codificação civil, apenas duas obras do tipo4.

Nesse contexto, afigura-se compreensível, conquanto criticável, que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“Carf”) não tenha podido empregar a carga de rigor técnico que normalmente caracteriza os julgados que profere, quando da formulação do Acórdão nº 1401-00.155 (“Caso Klabin”). Nesse importante precedente da jurisprudência administrativa fiscal federal, em que se examinou, novamente, o tema do planejamento tributário, o Colegiado enfrentou dificuldades particularmente acentuadas para conciliar o instituto da simulação com noções vizinhas, tais como negócio indireto, fraude à lei e propósito negocial. Tal desconforto no trato com categorias jurídicas elementares nos leva crer que, a despeito da inegável excelência que tem notabilizado o ofício judicante exercido pelo Carf, o domínio técnico da simulação continua a representar um desafio a ser superado.

A expressão “técnica da simulação” (technique de la simulation), empregada no título deste artigo, foi cunhada por J. Abeille. A partir do reconhecimento de que as diversas noções relacionadas ao procedimento da simulação são extremamente complexas e flutuantes, ele considera imprescindível, aos juízes, para que possam reconhecer as práticas simuladas, bem como determinar a aplicação das sanções pertinentes, dispor de uma técnica jurídica apurada e precisa: determinada, adaptada, e facilmente aplicável. “Ceci nous donne à penser”, afirma o autor, “que la connaissance technique de la simulation doit précéder la question des effets à lui attribuer, et être elle-même précédée d’un travail d’observation et de réflexion destiné à apporter à l’etude technique les données qui lui son nécessaires”5. É o descuido quanto a esse conhecimento técnico - científico; não intuitivo -, cujo domínio haveria de ser pressuposto ao exame de qualquer caso concreto, que dá origem, no sentir do autor, às inúmeras “confusões de valores” perpetradas e reproduzidas por decisões jurisprudenciais atinentes à simulação.

O objetivo do presente artigo é o de destacar a necessidade, em casos de planejamento tributário, de se dar o devido valor à técnica da simulação. Esta, por completa ausência de autorização legal, não pode ser apreciada segundo critérios emocionais, axiológicos, ou intuitivos. No lugar do “senso comum”, há de se dar ouvidos à delimitação categorial que o intérprete extrai do texto legal.

Advirta-se, por oportuno, que o presente estudo não tem a pretensão de delinear, de maneira abrangente, os contornos da técnica da simulação à luz do Direito brasileiro vigente. Buscará, porém, destacar que a avaliação de autuações análogas à que foi lavrada no Caso Klabin, nas quais se coloca à prova um esquema negocial costumeiramente designado “casa e separa”, quando orientada por uma leitura técnica e ponderada do artigo 167 do Código Civil (dedicado à simulação), pode conduzir a conclusões dotadas de maior precisão.

Vale destacar, por fim, que o Caso Klabin envolveu outras questões além da acusação de simulação, tais quais a do agravamento da penalidade em razão de alegado intuito fraudulento, e a cobrança de penalidade isolada por conta da ausência de recolhimentos mensais obrigatórios. Nos votos proferidos pelos julgadores, surgiram, ainda, debates interessantíssimos a respeito de conceitos como abuso de direito e fraude à lei. Apesar disso tudo, o presente estudo, por opção metodológica dos autores, limitar-se-á a examinar a questão da simulação; sem prejuízo, é claro, da apresentação de breves comentários sobre os demais temas ventilados no acórdão em análise.

2. Síntese Fática do Caso Klabin

Extraem-se do relatório do Acórdão nº 1401-00.155 os fatos a seguir sintetizados:

- 1º de dezembro de 2002: a Klabin S/A (“Klabin”) subscreve aumento de capital na Riocell S/A (“Riocell”), o qual é integralizado pela conferência dos imóveis que compõem a unidade industrial de Guaíba/RS (“Unidade Industrial”).

- 1º de dezembro de 2002: aprovada, pela assembleia geral da Riocell, a emissão de debêntures que viriam a ser adquiridas pela Klabin mediante a entrega de bens móveis que guarnecem a Unidade Industrial.

- 1º de maio de 2003: a Klabin S/A (“Klabin”) subscreve novo aumento de capital na Riocell, o qual é integralizado pela conferência de bens, direitos e obrigações relativos à Unidade Industrial.

- 30 de junho de 2003: a Aracruz Celulose S.A. e a Aracruz Trading S.A., integrantes do Grupo Aracruz (“Grupo Aracruz”) subscrevem e integralizam um aumento de capital na Riocell, em montante substancialmente superior ao valor patrimonial do investimento adquirido. Isso permitiria à Riocell escriturar grande parte dos recursos recebidos como reserva de capital, correspondente ao ágio apurado pelas companhias investidoras.

- 2 de julho de 2003: a Riocell adquire a totalidade das suas próprias ações, detidas pela Klabin, para manutenção em tesouraria e posterior cancelamento. No mesmo dia, ocorre o resgate das debêntures anteriormente emitidas, também de titularidade da Klabin. Tais operações foram liquidadas em dinheiro.

Tomando conhecimento dos fatos acima sumarizados, o Fisco federal lavrou auto de infração contra a Klabin, diante de alegada ausência de tributação de ganhos de capital. A pretensão fiscal, consoante aponta o relatório do Acórdão nº 1401-00.155, teria sido fundamentada nos seguintes argumentos:

- os envolvidos praticaram uma série de atos jurídicos objetivando a transferência da Unidade Industrial, pertencente à Klabin, para a Aracruz Celulose e a Aracruz Trading;

- a duração efêmera da associação entre a Klabin e o Grupo Aracruz seria indicativa da ausência de qualquer interesse efetivo quanto ao estabelecimento daquela. O único escopo perseguido pelas partes mediante o recurso a referido arranjo contratual foi a obtenção de vantagens fiscais;

- o conjunto de atos levados a efeito pelas partes envolvidas pretendeu simular a obtenção, pela Klabin, de um ganho de capital não tributável, decorrente de variação no percentual de participação desta empresa no capital social da Riocell;

- aplica-se, ao caso, o artigo 167 do Código Civil, que define e disciplina a simulação; e

- a conduta em questão configura sonegação (nos termos do artigo 72 da Lei nº 4.502/1964); consequentemente, aos tributos exigidos caberia o acréscimo da penalidade qualificada (150%) a que alude o artigo 44 da Lei nº 9.430/1996.

Diante do acima destacado, nota-se que a Riocell, conquanto não tenha deixado de exercer sua atividade operacional no curso da reorganização societária da qual fez parte, tomou parte em atos que proporcionaram, claramente, o acesso da Klabin a um regime jurídico-tributário menos gravoso. De fato, a própria autuada narra em sua defesa (tal qual reproduzida no relatório do Acórdão nº 1401-00.155) que, em razão de certas operações financeiras em que se vira envolvida, foi obrigada a alienar a Unidade Industrial. Diante dessa contingência, optou por uma via negocial alternativa à compra e venda, sendo certo que não haveria norma legal que a obrigasse a adotar tal ou qual modelo jurídico para a consecução de suas necessidade práticas.

Caso alienasse a Unidade Industrial ao Grupo Aracruz por intermédio de uma compra e venda, em razão de o valor de alienação superar o custo de aquisição, a Klabin apuraria ganho de capital tributável pelo Imposto de Renda (“IRPJ”) e pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”), nos moldes do que preconiza o artigo 31 do Decreto-lei nº 1.598/1977. Tendo, contudo, a Klabin optado por operacionalizar a aludida alienação por intermédio da Riocell, articulando os aumentos de capital (efetuados por ela própria e pelo Grupo Aracruz), com a compra de ações e resgate de debêntures, a cargo da Riocell, pôde-se valer de um mecanismo contábil-fiscal absolutamente lícito, em razão do qual ocorreu o incremento do custo do investimento detido pela Klabin, sem que esse fato se tornasse sujeito à tributação.

Esse mecanismo possui fundamento no artigo 33, parágrafo 2º, do Decreto-lei nº 1.598/1977, verbis:

“§ 2º Não será computado na determinação do lucro real o acréscimo ou a diminuição do valor de patrimônio líquido de investimento, decorrente de ganho ou perda de capital por variação na porcentagem de participação do contribuinte no capital social da coligada ou controlada.”

O voto condutor do Caso Klabin considerou parcialmente procedente a autuação. No que tange ao seu mérito principal, contou com a adesão de quatro dos seis julgadores. Um deles, embora chegando à idêntica conclusão, invocou fundamentos diversos; um último Conselheiro chegou a conclusão diversa, propondo o provimento do recurso, e o cancelamento da exigência. Confira-se, a seguir, a ementa do acórdão, transcrita naquilo em que relevante para o estudo ora desenvolvido (página 1 do Acórdão nº 1401-00.155):

“Planejamento Tributário, Simulação. Negócio Jurídico Indireto

A simulação existe quando a vontade declarada no negócio jurídico não se coaduna com a realidade do negócio firmado. Para se identificar a natureza do negócio praticado pelo contribuinte, deve ser identificada qual é a sua causalidade, ainda que esta causalidade seja verificada na sucessão de vários negócios intermediários sem causa, na estruturação das chamadas step transactions. Assim, negócio jurídico sem causa não pode ser caracterizado como negócio jurídico indireto. O fato gerador decorre da identificação da realidade e dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos, e não de vontades formalmente declaradas pelas partes contratantes ou pelos contribuintes.

Simulação

A subscrição de novas ações de uma sociedade anônima, com a sua integralização em dinheiro e registro de ágio, para subseqüente retirada da sociedade da sócia originária, com resgate das ações para guarda e posterior cancelamento caracteriza simulação de venda da participação societária.

Planejamento Tributário. Multa

No planejamento tributário, quando identificada a convicção do contribuinte de estar agindo segundo o permissivo legal, sem ocultação da prática e da intenção final dos seus negócios, não há como ser reconhecido o dolo necessário à qualificação da multa, elemento este constante do caput dos arts. 71 a 73 da Lei nº 4.502/64.

(...).”

3. Releitura Crítica do Caso Klabin à Luz da Técnica da Simulação

3.1. O objeto da simulação

A primeira complexidade que se constata por meio da leitura do acórdão do Caso Klabin refere-se à definição de quais seriam as operações simuladas e quais seriam as transações dissimuladas. Essa definição apresenta curial importância pois dela depende a identificação dos fatos que devem submeter-se ao juízo de simulação.

Segundo o relatório do acórdão, o Fisco teria sustentado, na peça acusatória, que, subjacente a todos os atos praticados ostensivamente pelas partes envolvidas, ter-se-ia configurado o seguinte negócio dissimulado, real e efetivo:

Diversamente, ao examinar o arcabouço fático-probatório que tinha à sua disposição, o Conselheiro Relator concluiu que a operação realmente colocada em prática pelas partes seria a seguinte:

Essa guinada no modo de compreender os fatos, e a própria acusação fiscal, pode ser confirmada pelos seguintes excertos do voto do Conselheiro Relator (páginas 19 e 20 do Acórdão nº 1401-00.155):

“No entanto, quando a Recorrente assinou contrato com as empresas do Grupo Aracruz, dando a elas o direito de subscrição de ações na Riocell S.A - etapa 1; quando as empresas do Grupo Aracruz subscreveram e aportaram (...) a título de ágio, creditado este valor à reserva de capital - etapa 2 - e, logo em seguida, a Riocell S.A., dois dias após receber estes valores em ágio, destinou-os a aquisição das ações pertencentes à Klabin S.A. mediante o pagamento da quantia de (...) - etapa 3; essas empresas, na verdade, no prazo de trinta e dois dias (sendo trinta da assinatura do primeiro contrato e dois dias para a transferência do dinheiro recebido pela Riocell para a Klabin), realizaram um contrato de compra e venda das ações da Riocell S.A, sendo vendedora a Klabin, ora Recorrente, e compradora as duas empresas do Grupo Aracruz.

(...)

Quando as empresas do Grupo Aracruz subscreveram e integralizaram o capital da Riocell S.A em dinheiro, reservando-o como ágio, creditado à reserva de capital, na verdade estavam apenas e tão somente triangulando o pagamento das ações e debêntures para a Klabin, o que se concretizou dois dias depois, com a aquisição e pagamento das ações pertencentes à esta empresa, ora Recorrente.”

A alteração de entendimento processada nos termos acima descritos não é desprovida de consequências jurídicas relevantes. O Carf, ao concluir que a correta interpretação dos fatos, e seu tratamento jurídico, seriam diversos daqueles consignados na peça acusatória, deveria, obrigatoriamente, cancelar o auto de infração.

De fato, não existe permissão legal para que se proceda, após a instauração do contraditório administrativo, a qualquer inovação quanto à acusação fiscal formulada. A vedação a essa prática exsurge evidente dos artigos 1466 e 149, inciso VIII7, do Código Tributário Nacional (CTN), os quais contêm proibição à revisão de lançamento por erro de direito, assim como restringem a revisão do lançamento por erro de fato à hipótese de descoberta superveniente de fatos que não poderiam ser conhecidos quando da lavratura da autuação. O artigo 149, em seu caput, deixa claro, ademais, que a revisão de lançamento incumbiria, quando muito, à autoridade fiscal, não ao julgador. E, de todo modo, ainda que coubesse alguma emenda ao trabalho do fiscal do Caso Klabin, isso já não poderia ser realizado por ocasião da assentada em que se deu o seu julgamento (28 de janeiro de 2010), em razão do transcurso do prazo de decadência (contado pelo artigo 150, parágrafo 4º, ou mesmo pelo artigo 173, inciso I, do CTN), ex vi do artigo 149, parágrafo único, do CTN8 (vale lembrar que os créditos tributários lançados reportam-se a supostos fatos geradores ocorridos em 31 de dezembro de 2003).

Instaurado, contudo, o cenário de indefinição, cumpre verificar se seria procedente alguma dentre as acusações de simulação ventiladas no processo. Antes, contudo, deve-se indagar: o que é a simulação?

3.2. Uma pergunta com muitas respostas

Ao abordar o tema da simulação, o voto condutor do Caso Klabin apresenta as seguintes ponderações, baseado na exegese do artigo 167 do Código Civil (página 17 do Acórdão nº 1401-00.155):

“Em verdade, o Código Civil, ao falar da simulação, não se refere à contraposição de vontades, para contrapor a existência de uma vontade declarada face uma vontade querida, mas sim o dissenso entre a vontade declarada e a situação fática especificamente praticada pelas partes no negócio jurídico.” (Original sem destaques)

Mais adiante, assevera (página 18 do Acórdão nº 1401-00.155):

“Para se identificar a natureza do negócio praticado pelo contribuinte, deve ser identificada qual é a sua causalidade, ainda que esta causalidade seja verificada na sucessão de vários negócios intermediários sem causa, na estruturação das chamadas step transactions.

Assim, pela causalidade poderemos definir qual o negócio efetivamente realizado. Dentro dessa perspectiva, o objeto da tributação será o negócio jurídico causal, e não necessariamente o negócio jurídico formal, principalmente quando a forma adotada não reflete a causa de sua utilização. E isso está consignado expressamente no art. 118 do Código Tributário Nacional, que dispõe o seguinte, in litteris.” (Original sem destaques)

Após, proclama (página 20 do Acórdão nº 1401-00.155):

“Negócio jurídico sem causa induz à simulação.”

Para, então, prosseguir (página 21 do Acórdão nº 1401-00.155):

“Assim, existe um negócio simulado quando falta às partes vontade negocial. Na verdade, ao analisar a finalidade de toda reestruturação societária, percebe-se que a esta carecia de fundamentos empresariais e tinham, somente, o intuito de economia tributária.”

Na sequência, vem o seguinte (página 21 do Acórdão nº 1401-00.155):

“Assim, ao constituir a Riocell S.A. apenas para abrigar o ativo que pertencia à Recorrente, para, somente então, poder optar por uma forma fiscalmente menos onerosa, esta abusou de seu direito.

O arremate inspira-se na Constituição Federal (páginas 22-23 do Acórdão nº 1401-00.155):

“Nítida, também, a aplicação do princípio de isonomia, principalmente para igualar a situação da Recorrente àqueles outros contribuintes que, de fato, quando pretendem alienar participação societária em outra empresa, o fazem por meio do contrato de compra e venda, e não pode (sic) meio de simulação de contratos formais que encerram, na verdade, a alienação triangulada de ações e participações societárias.”

Pelo exposto, percebe-se que a noção de simulação, para o Conselheiro Relator do Caso Klabin, combina os seguintes elementos:

- divergência entre vontade declarada e realidade;

- ausência da vontade negocial;

- ausência de causa;

- abuso de direito; e

- princípio da isonomia.

Já para outro Conselheiro, que apresentou declaração de voto específica sobre o assunto, a simulação derivaria da congregação dos seguintes fatores (páginas 31 e seguintes do Acórdão nº 1401-00.155):

- conflito entre vontade real e vontade declarada;

- existência do pacto simulatório;

- prejuízo causado a terceiros; e

- realização de atos paralelos para o desfazimento dos efeitos do negócio simulado.

Por fim, a segunda declaração de voto apresentada vislumbra a simulação de maneira singela: uma mentira (página 53 do Acórdão nº 1401-00.155).

Conforme se pode atestar, em um único precedente jurisprudencial, a simulação foi descrita de maneiras diversas. Essa dificuldade, como já se teve oportunidade de assinalar, é mais que compreensível; deriva da insuficiência do aprofundamento teórico referente à simulação na doutrina pátria. Curioso é lembrar, a propósito, que em certa ocasião, um dos mais notáveis civilistas brasileiros, o Professor Antônio Junqueira de Azevedo, foi instado a se manifestar sobre caso semelhante ao aqui estudado. Isso ocorreu em uma palestra proferida na sede do Instituto Brasileiro de Direito Tributário, em 2 de junho de 2005. Felizmente, o Instituto possui o salutar hábito de gravar, em áudio, e disponibilizar, em seu sítio da internet, os debates que promove. Isso nos permite, hoje, ter acesso às seguintes palavras do saudoso Professor das Arcadas:

“O João me põe dando preferência ao que ele pôs como caso quatro, que é complicado, é uma Pessoa Jurídica proprietária de um imóvel e pretende alienar. Ao invés de contratar operação de compra e venda com terceiro, realiza um conjunto de operações. (...) Primeiro, o terceiro subscreve um aumento de capital com o dinheiro e tendo anuência do antigo sócio da Pessoa Jurídica. Me parece lógico. A Pessoa Jurídica fica então e resume com dois sócios, o antigo e o terceiro que entrou com o dinheiro. O ativo da Pessoa Jurídica passa a ter o imóvel e o dinheiro. Aí, nós entramos na segunda etapa. Na segunda etapa a Pessoa Jurídica faz uma redução do capital em dinheiro e exclui o antigo sócio que recebe o dinheiro. A Pessoa Jurídica fica, então, apenas como sócio. O terceiro que pretendia comprar o imóvel e com isso a Pessoa Jurídica fica também com o imóvel. O antigo sócio fica com o dinheiro. Aí ele pergunta: ‘O negócio jurídico realizado pode ser considerado uma compra e venda de bem e imóvel simulada?’ Entenderam bem o caso? Quer dizer, é simples. Esse exemplo a gente já sabe. Eu entendo o seguinte, de novo é a mesma resposta do caso anterior, quer dizer, se houve pacto simulacionis houve simulação. O nosso problema é mais saber se houve pacto, do contrário nós ficamos até só nas presunções, aí é claro, se a presunção é mais forte, porque as coisas foram, digamos assim, quase que imediatas, no mesmo mês o cara entrou com o dinheiro e ficou sócio, depois no final do mês a empresa reduz o capital ele fica com o imóvel e o outro sai com o dinheiro, a presunção praticamente é absoluta. Agora, é o problema de prova, não é o problema da questão de mérito, saber se houve ou não simulação. O que me parece e a resposta seria simples. Se houve pacto simulacionis, houve simulação.”9

O comentário acima transcrito é intrigante. Dizer que a resposta que seria dada é simples, deve, certamente, ter sido um descuido da mente brilhante do Professor Antônio Junqueira de Azevedo, que não se deu conta de que o alcance privilegiado da sua visão sobre a técnica jurídica não seria compartilhado por todos. Simples até poderia ser a questão se, por acaso, a noção de pacto simulatório fosse amplamente conhecida e dominada. Isso, porém, não sucede, tanto que os votos proferidos no Caso Klabin, anos após a palestra acima aludida, não conseguiram, minimamente, dar conta da demonstração desse elemento da simulação.

Nesse complexo cenário, verdadeiro mosaico de respostas para um mesmo problema, cabe verificar qual, dentre as interpretações sugeridas, seria a mais adequada, sob o ponto de vista da técnica da simulação.

3.3. A simulação relevante para fins tributários

Antes de se mergulhar no estudo da simulação, é importante certificar-se de que o instituto do Direito Privado que leva esse nome (disciplinado no artigo 167 do Código Civil) é o mesmo que apresenta relevância para fins tributários, sobretudo, por ser citado no artigo 149, inciso VII, do CTN10.

Marco Aurélio Greco parece levantar algumas dúvidas a respeito disso:

“A pergunta básica que se coloca em termos fiscais é se as hipóteses de simulação com relevância tributária seriam apenas aquelas expressamente enumeradas no Código Civil ou se outras poderiam ser, igualmente, invocadas. A pergunta é pertinente, pois não é raro encontrar manifestações fiscais nas quais se utiliza a palavra simulação para qualificar situação não contemplada no Código Civil com essa natureza.

Neste ponto, creio que a terminologia nem sempre é utilizada com propriedade. Num rigor terminológico, é possível afirmar que somente têm natureza de simulação aquelas situações assim qualificadas perante o Código Civil. Porém, este entendimento não é pacífico. Realmente, na doutrina francesa, há autores que colocam sob o termo ‘simulação’ dois conjuntos distintos de situação: aquele formado pelos atos ‘irreais’ (aparentes) e aquele formado pelos atos ‘disfarçados’ (deguisé) ou ‘dissimulados’. (...)

Na simulação aplica-se, basicamente, o conceito do Código Civil (...). Porém, se a postura for no sentido da doutrina francesa, não será apenas o ato simulado clássico, mas também o que se chama de ‘ato disfarçado’. Ou seja, haveria um único negócio só que não tendo a aparência ou a feição que normalmente deveria ter. Portanto, fica a pergunta: em matéria fiscal pretende-se atingir o ato simulado clássico ou também o ato único, real, mas disfarçado?”11

O autor não aponta quais seriam os autores franceses referidos em seu texto. Nada obstante, é fácil perceber que o trecho acima incorreu em alguns deslizes: na verdade, a oposição entre atos disfarçados e atos simulados “clássicos” não existe, como se demonstra abaixo.

No Brasil, a simulação do Código Civil tem sido recorrentemente submetida a um mesmo padrão de classificação, em função de algumas de suas características. Nesse quadro taxonômico, são conhecidas categorias dicotômicas:

- simulação absoluta (quando inexiste qualquer relação jurídica subjacente ao elemento aparente); simulação relativa (quando existe uma relação jurídica subjacente ao elemento aparente); e

- simulação total (quando abrange todo o elemento aparente); simulação parcial (quando abrange certo ou certos elementos do elemento aparente).

As manifestações de simulação assim aludidas, sob a ótica do trecho doutrinário acima colacionado, configurariam atos simulados “clássicos”. Assim, a compra e venda absolutamente simulada, ou a compra e venda relativamente simulada (que oculta uma doação); ambos os exemplos correspondem à simulação total, diferenciando-se da compra e venda real em que se simula o preço (simulação parcial).

Ocorre que, por uma questão meramente linguística, as mesmíssimas categorias clássicas antes listadas são assim denominadas, na França12:

- simulação absoluta = fiction;

- simulação relativa = déguisement;

- simulação total = simulation absolue;

- simulação parcial = simulation relative.

Em face disso, faria pouco sentido justificar a adoção de um conceito alheio ao nosso Código Civil, para fins fiscais, com base na doutrina francesa. Isso torna-se totalmente descabido, porém, quando se percebe que a dicotomia entre ato simulado “clássico” e ato deguisé não existe; como diria J. Abeille, “le déguisement est le type de simulation qui correspond le mieux à la conception que l’on se fait classiquement de celle-ci”13.

Por conseguinte, a referência do artigo 149, inciso VII, do CTN, a categorias jurídicas previamente qualificadas (dolo, fraude e simulação), associada à completa ausência de indicação em sentido contrário, deve levar o intérprete a buscar o sentido jurídico de cada um desses termos. Essa é a solução metodologicamente mais acurada, segundo os ensinamentos de K. Larenz:

“Os termos que obtiveram na linguagem jurídica um significado específico, como, por exemplo, contrato, crédito, impugnabilidade, nulidade de um negócio jurídico, herança, legado, são usados nas leis, na maioria das vezes, com este significado especial. Deste modo eliminam-se inúmeras variantes de significado do uso linguístico geral e o círculo dos possíveis significados, adentro do qual há-de de proceder à selecção com base noutros critérios, estreita-se em grande medida. Com o esclarecimento do uso linguístico preciso, a interpretação pode, em certas ocasiões, chegar ao seu termo, a saber, quando nada indicie no sentido de que a lei se desviou, precisamente nesta passagem, daquele uso.”14

No caso da simulação, esta é definida e regida pelo Direito Civil. O legislador tributário utilizou-se do termo sem dar qualquer pista de que haveria desviado da concepção privatística; tal, aliás, não poderia ser presumido, pois aí o intérprete cometeria o pecado capital de trocar o “ser do dever-ser” pelo “dever-ser do dever-ser”. Daí ser incompreensível que se busque defender um modo privilegiado de se interpretar o sentido da simulação, no CTN, a partir do argumento terrorista de que certa interpretação poderia, de algum modo, limitar a ação do Fisco:15 eis um tipo de comentário que a técnica que move a interpretação jurídica repele; se houvesse algum problema nesse particular, já não caberia ao jurista, mas ao político, administrá-lo.

3.4. A simulação segundo o Código Civil

O artigo 167 do Código Civil possui a seguinte redação:

“Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;

II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

§ 2º Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.”

Muito já se discutiu sobre a natureza jurídica do vício de simulação. As diversas correntes teóricas dividiram-se entre as subjetivistas e as objetivistas.

Uma das variações do subjetivismo, a tese voluntarista teve seus contornos característicos definidos pela obra de F. Ferrara.16 Para este autor, o negócio simulado seria aquele que implicasse o surgimento de uma aparência destoante da realidade. Referido descompasso decorreria de um conflito entre a vontade real e a vontade declarada17, estabelecido pelas partes simulantes com o objetivo de enganar terceiros.

Segunda variação do subjetivismo, a tese declaracionista foi bem delineada por G. Messina18, segundo quem a simulação teria como origem um conflito entre duas declarações. O autor nega a formulação voluntarista, reconhecendo que a criação de uma ilusão negocial configura reflexo exato da intenção das partes. No entendimento desse autor, pois, seria equivocada a afirmação, muito comum, de que “as partes da simulação declaram ‘A’ enquanto, na verdade, querem ‘B’”. Em verdade, se fosse o caso de se explicar a simulação com base no querer, o autor diria que as partes declaram “A” “porque querem declarar ‘A”’, nada mais que isso; e também querem “B”, chegando, inclusive, a declarar isso: porém, essa segunda declaração - a contradeclaração - seria mantida em sigilo, isto é, inacessível ao conhecimento de terceiros.

Dentre as manifestações da vertente objetivista, a teoria causalista é a que se destaca. Embora tenha sido inicialmente formulada por F. Carnelutti19, foi E. Betti20 quem lhe atribuiu os contornos que se tornariam mais conhecidos. Para este, na simulação haveria uma incompatibilidade entre a causa do negócio jurídico (a sua função econômico-social típica, isto é, in abstracto) e o escopo prático perseguido pelas partes (ou seja, a função econômico-social desempenhada pelo negócio jurídico em um dado caso concreto, em razão dos seus efeitos particulares). Outra célebre construção causalista da teoria da simulação é atribuída a S. Pugliatti21, segundo o qual, na simulação, o acordo simulatório - considerado negócio jurídico autônomo - teria o condão de destruir ou deformar a causa do negócio jurídico simulado.

A teoria causalista da simulação tem encontrado repercussão do Brasil, tendo sido acolhida por Orlando Gomes22, Custódio da Piedade Ubaldino Miranda23, Tércio Sampaio Ferraz Jr.24, dentre outros. Essa acolhida, porém, não tem sido tão proveitosa, uma vez que, constantemente, os autores insistem em combinar teorias que, em sua origem, são inconciliáveis. Veja-se o exemplo de José Carlos Moreira Alves, o qual, a despeito de ser o autor da parte geral do anteprojeto que daria origem ao Código Civil vigente, comete confusões desse tipo, ao afirmar:

“Isso é muito importante para a compreensão dos negócios jurídicos de que vamos tratar, tendo em vista a circunstância de que, neles, ocorre ser a causa uma e o motivo outro, sendo em virtude do motivo que se utiliza do negócio sem pretender-se alcançar aquela finalidade que é causa dele. Isso vemos de pronto com relação ao negócio jurídico simulado”25.

E, no mesmo texto, asseverar:

“Três são os requisitos da simulação. Para que haja a simulação, é preciso, primeiramente, que exista divergência entre a vontade interna e a vontade manifestada. A vontade interna na simulação absoluta, por exemplo, é aquela, no exemplo dado, de livrar uma parcela do nosso patrimônio da possibilidade de confisco. Já a vontade manifestada é a da aparente transferência do direito de propriedade daquilo que continua no nosso domínio. Em segundo lugar, é preciso que o acordo simulatório ocorra entre as partes, havendo, portanto, necessidade de um acordo. Conseqüentemente, ambas as partes sabem exatamente o que estão fazendo. Finalmente, esse negócio simulado há de ter por objetivo enganar terceiros estranhos a esse ato simulado.”

Contradição semelhante encontra-se no texto de Tércio Sampaio Ferraz Jr., em que primeiro o autor afirma que “o problema não está na vontade séria, mas na causa”, para, após, emendar que para demonstrar a ocorrência de simulação, deve-se demonstrar que “as partes, ao eleger um negócio jurídico típico frustram suas consequências e, com isso, mostram que verdadeiramente não queriam o negócio que escolheram, mas outro”26.

Como poderia o mesmo fenômeno ser descrito, concomitantemente, e cumulativamente, a partir de premissas teóricas (o voluntarismo e o causalismo) que, historicamente, nutriram uma rivalidade que mostrar-se-ia sem solução? O precursor da teoria causalista, F. Carnelutti, aliás, inicia a sua original formulação a partir da negação à teoria voluntarista, afirmando que “in questo modo la simulazione à concepita nettamente come un modo di essere dell’atto secondo la causa, non come un suo modo di essere secondo la volontà”27. As teorias causalista e voluntarista são inconciliáveis, pois partem de premissas teóricas diversas.

A impressão que fica é que a teoria causalista da simulação à brasileira sofre de transtorno de personalidade; ela se estrutura com foco em um elemento objetivo (a causa), porém, com uma justificativa subjetiva (o querer aquela causa). Ao assumir a possibilidade de existência de um conflito entre vontade e causa, ou motivo e causa, a doutrina trilha um caminho rumo a grande imprecisão. Não se dá conta que, por imperativo da lógica, um tal conflito somente seria possível se houvesse uma vinculação tal entre ditos elementos - o objetivo e o subjetivo - que permitisse concluir localizarem-se, ambos, em um mesmo plano deontológico (o da vontade ou o da manifestação do ato); ou, então, admitir que haveria uma relação de causa e efeito entre um e outro, de modo que a causa representasse uma espécie de objetivação do motivo.

O problema é que, seguindo essas vias, a teoria da simulação resultaria relegada à sua formação mais remota, em que se cogitava de conflito entre dois elementos equivalentes (i.e., o declaracionismo de G. Messina), ou do conflito entre um ânimo psicológico e o seu reflexo em um suporte fático externo (i.e., o voluntarismo de F. Ferrara). Em defesa, porém, dos autores brasileiros, vale apontar que falha análoga já poderia ser apontada na própria formulação de E. Betti. Este autor, muito embora afirmasse que a produção dos efeitos do negócio jurídico não seria influenciada pela vontade das partes, decorrendo diretamente da prática do suporte fático respectivo28; admite a possibilidade de haver uma dissociação entre esses efeitos e a causa negocial típica. Ora, sendo a causa uma característica do suporte fático - a qualificação típica deste - ela deveria independer de qualquer ato de vontade ulterior à própria produção do suporte fático. Contudo, E. Betti admite que as partes possam ir além, e determinar a produção anômala de efeitos, ou seja, efeitos incompatíveis com a causa. Como seria isso possível? Por passe de mágica? A resposta não pode ser outra que pelo seu agir volitivo.

Ao aceitar que a vontade separe o efeito da causa, E. Betti macula sua construção da simulação com uma séria inconsistência lógica, pois atribui à vontade um papel que toda a sua teoria do negócio jurídico nega. Esta passa a ser, ao mesmo tempo, irrelevante para produzir qualquer efeito (que surge ipso iure em razão da simples produção do suporte fático), e relevante para tornar um ou todos os efeitos incompatíveis com o próprio suporte fático, ao qual a causa se vincula. Essa contradição evidencia que o objetivismo da teoria em questão não é mais que subjetivismo travestido; escopo prático e causa, no quadro de tal formulação teórica, nada mais são que versões recauchutadas das velhas vontade real e vontade declarada, respectivamente.

Não é por outra razão que, em sua terra natal, tal teoria tem sido deixada de lado, diante da difusão da ideia de que a causa do negócio jurídico, no caso da simulação, corresponde à produção do engano; por conta disso, seria incorreta a afirmação de que a simulação implicaria qualquer defeito no elemento causal; o intento prático das partes, perseguido por meio do negócio simulado, seria apenas o de criar a aparência enganadora, i.e., exatamente a função que esse tipo de negócio se destina a produzir29. Tem ganhado espaço, nesse cenário, formulações teóricas que tendem a resgatar uma concepção medieval30 da simulação, segundo a qual o fingimento seria a raiz do fenômeno, o qual, portanto, consistiria num “agir de fato”31 - sem conflito entre vontades, declarações, causas ou motivos, a simulação se reconduziria à condição do simulacro platônico, da imitação, da encenação, cujo escopo é um só: criar uma falsa aparência.

Não constitui objeto do presente trabalho o exame pormenorizado das linhas teóricas acima referidas, nem mesmo a demonstração de qual seria a mais adequada para justificar a natureza e o regime atribuídos à simulação pelo artigo 167 do Código Civil. Pode-se salientar, porém - e este já será um importante passo em direção ao substrato básico da técnica da simulação -, que, consoante assinalou G. Messina32, e, décadas depois, ratificou S. Romano33, na história da doutrina da simulação, existe apenas uma unanimidade: o reconhecimento da incapacidade do ato simulado de estabelecer qualquer relação jurídica entre as partes simulantes. Os atos e negócios simulados, portanto, cumprem uma função que não a de criar ou extinguir direitos e obrigações, e, por isso, reconhece-se, sem maiores dúvidas, que correspondem a mera aparência, colocada em prática pelas partes com vistas a fazer com que terceiros acreditem no que não existe.

Qual o traço que notabiliza essa aparência? O parágrafo 1º do artigo 167 do Código Civil esclarece: há simulação quando a declaração seja não verdadeira; quando a data seja não verdadeira; quando o sujeito seja não verdadeiro. Há simulação quando o ato que se diga ter praticado esteja ausente. O Código Civil, enfim, define a simulação como a conduta convencional34 que cria o engano: comunicar a existência de algo que não existe.

3.5. Simulação e Direito Societário

No Caso Klabin, argui-se que diversos atos de natureza societária teriam sido simulados.

No entendimento do Conselheiro Relator, a Klabin teria vendido a participação na Riocell para o Grupo Aracruz. Se esse fosse o negócio dissimulado, então a aparência enganadora, criada pela simulação, haveria de fundar-se nos seguintes atos:

- emissão (pela Riocell) ou aquisição (pela Klabin) de debêntures;

- subscrição e integralização do capital social da Riocell, com ágio, efetuados pelo Grupo Aracruz;

- aquisição das próprias ações para manutenção em tesouraria e posterior cancelamento, pela Riocell; e

- resgate das debêntures detidas pela Klabin, pela Riocell.

Por outro lado, caso fosse considerada a acusação fiscal original, descrita no auto de infração, o negócio dissimulado seria a venda da Unidade Industrial, pela Klabin ao Grupo Aracruz. Partindo dessa premissa, todos os atos praticados pelas empresas envolvidas deveriam ser considerados simulados, a saber:

- subscrição e integralização do capital social da Riocell, mediante a transferência da Unidade Industrial, realizados pela Klabin;

- emissão (pela Riocell) ou aquisição (pela Klabin) de debêntures;

- subscrição e integralização do capital social da Riocell, com ágio, efetuados pelo Grupo Aracruz;

- aquisição das próprias ações para manutenção em tesouraria e posterior cancelamento, pela Riocell; e

- resgate das debêntures detidas pela Klabin, pela Riocell.

Nesse contexto, questão que não poderia ser ignorada diz respeito à possibilidade de se considerar simulados atos praticados sob a égide das normas de publicidade do Direito Societário. O tema é, sem dúvida, um dos mais controversos de todo o repertório doutrinário relativo à simulação. A discussão gira em torna da viabilidade de se simular atos como constituição de sociedade, subscrições de capital e deliberações assembleares.

Veja-se, inicialmente, a questão sobre a possibilidade de simulação da constituição de sociedades. Atualmente, a maior parte da doutrina italiana entende ser impossível simular a sociedade35. Não faltam porém, autores que defendem a possibilidade de se alegar a simulação, seja com base na regra específica relativa à anulação de sociedades (artigos 2.332 e 2.363 do Código Civil italiano - que corresponderia, em razão da matéria tratada, ao artigo 206 da nossa Lei das Sociedades Anônimas36), seja a partir da regra geral afeita aos atos e negócios jurídicos simulados37.

Para F. Ferrara, por exemplo, é impossível a simulação da sociedade. O autor defende esse ponto de vista afirmando que a simulação se torna impossível na medida em que o aperfeiçoamento da criação da pessoa jurídica pressupõe a intervenção de uma autoridade pública. Explica, assim, o autor, que “mesmo supondo que os contraentes não tenham a intenção de realizar o acto e queiram simplesmente produzir a sua aparência, o oficial público ignora as suas secretas resoluções e a elas se conserva extranho, pelo que o acto tem plena eficácia, existindo somente uma dupla reserva mental, não uma simulação, que exigiria um acordo de todas as partes na ficção posta em prática”38.

Essa construção teve seus contornos técnicos aprimorados por P. Greco. O autor explica que, no contexto em que se vislumbra a possibilidade de simulação da constituição de sociedade, instaura-se um conflito entre duas diferentes vontades. A vontade de praticar a simulação; e a vontade de praticar o ato societário, do qual depende a criação da aparência necessária ao implemento da simulação. A teoria da simulação, sustenta, assim como qualquer teoria jurídica, deve render-se às peculiaridades funcionais e estruturais determinadas pelas regras regentes das sociedades. De modo que, diante da completude do ato societário de constituição, com a sua publicidade, o surgimento da sociedade torna-se inevitável, suplantando a tentativa e simulação. Diz o autor, nesse mister, que, a partir desse momento, a vontade societária prevalece sobre a vontade de simular, razão pela qual o contrato ultima-se concretizado, com eficácia retroativa39.

Por outro lado, Tullio Ascarelli defende a possibilidade de simulação da sociedade, tanto a de pessoas, como a de capital. Nesse sentido, assevera que a participação da autoridade pública no processo de criação da pessoa jurídica teria caráter meramente declaratório, e, como tal, não passaria de um requisito imposto à regularidade do contrato de sociedade. Logo, a simulação “é possível na constituição da sociedade por ações; dará lugar à invalidade do contrato ou à sua redução a um negócio diverso ou ao prevalecimento das cláusulas reais sobre as fictícias”40.

Tal opinião vem ao encontro da corrente dominante na França. M. Dagot, por exemplo, estatui que “Il y aura d’abord société fictive si o ne trouve pas chez les contractants un consentement véritable, mais simplement apparent, et par conséquent pas cette volonté de collaborer, d’être en société, que constitue l’affectio societatis. Cèst l’hypothèse la plus fréquent de societè fictive.”41 Advogando a mesma tese, J. Abeille destaca que o ato constitutivo da sociedade não passa de uma ilusão de ótica jurídica, que, portanto, não teria o condão de elidir a potencialidade da simulação do ente societário42. A sociedade, explica este autor, pode possuir dois tipos de existência, a saber, a existência legal, e a existência real. A primeira seria fruto da ação criadora das partes, no que tange à produção do suporte exigido por lei; a segunda representaria o ponto de vista do legislador sobre a obra dos particulares43.

A possibilidade de simulação, no caso da constituição de sociedades, foi também defendida em Portugal. Nesse sentido, A. Ferrer Correia defende que a sociedade deve ser considerada simulada quando o respectivo negócio constitutivo não estiver permeado pelo necessário ânimo social (affectio societatis)44. Esse especial interesse do pretenso sócio, na constituição da sociedade, não poderia ser confundido com a simples vontade de realização do suporte fático correspondente; diversamente, aqueles que se engajam na sociedade devem manifestar a vontade específica de assumir a condição de sócio. O diagnóstico da simulação, formula o autor, tem como fator decisivo a “ausência da intenção de assumir o status de sócio - e tal intenção não é excluída pelo elemento negativo apontado [falta de vontade]. O que ela pressupõe inevitavelmente é a consciência de se ficar juridicamente vinculado, ante a própria sociedade, ao cumprimento dos deveres estatutários de sócio.”45 A citada vinculação jurídica, adiciona o autor, deve ser duradoura, porquanto seja “da essência de toda relação associativa o constituir-se para perdurar, o seu desenvolvimento no tempo. Querer constituir uma sociedade e querer simultaneamente a instauração posterior imediata de uma situação de fato que é a negação da mesma ideia de sociedade, são termos antitéticos.”46

Diante do debate jurisprudencial instaurado, a doutrina italiana mais recente tem desenvolvido uma solução interessante. Admite a simulação do contrato de sociedade; porém, não admite a simulação da própria sociedade. Nesse sentido, ensina G. Bianchi, “si può giungere ad ammetere la simulazione in relazione al contratto di società, precisando tuttavia che la simulazione può riguardare unicamente il contratto di società, no l’attività in concreto svolta dalla società, attività che non può che esistire”47. Essa ordem de ideias estende-se à própria personalidade jurídica do ente, a qual, igualmente, não pode ser atingida pela simulação. Isto, pois “l’acquisto dello status di socio e l’effetto della personalità giuridica non sono prodotti della mera dichiarazione di voler costituire la società, bensì da un complesso procedimento che si completa con l’iscrizione del registro delle imprese e di cui la dichiarazione di voler costituire una società à solo una fase. Pertanto un atto negoziale, quale l’eventuale controdichiarazione, non può eliminare effetti non negoziali quali quelli prodotti dalla conclusione del procedimento costitutivo della società.”48

Essa solução vem também apoiada por G. A. Nuti com base na explicação, contrária ao que postulou Tullio Ascarelli, de que o registro dos atos constitutivos da sociedade, perante o registro de comércio, possuiria natureza constitutiva, todavia, limitada à própria personalidade jurídica do ente. É dizer, o registro não seria condição de estabelecimento da sociedade; condicionaria, diversamente, apenas a atribuição de personalidade jurídica à sociedade, cuja origem remonta ao contrato social. Isto, pois a homologação que os órgãos de controle do comércio concederiam seria baseada em um controle de simples legalidade, sem qualquer exame de mérito. Logo, essa homologação teria jaez eminentemente formal, não integrando a substância do ato constitutivo49.

Em síntese, segundo esse último posicionamento, seria possível simular o contrato de sociedade, mas não a personalidade jurídica atribuída pela adoção das medidas complementares perante o registro de comércio.

Em nossa doutrina, o tema praticamente não foi abordado. Dentre as poucas manifestações existentes, encontra-se a de I. Gaino50 - segundo o qual é possível a simulação de sociedade; e Modesto Carvalhosa51, que, em sentido contrário, nega que a legislação societária admita a sociedade simulada.

Adicione-se, por oportuno, que o simples reconhecimento da possibilidade de simular a sociedade não resolve, por inteiro, a questão. A despeito das variadas opiniões acima descritas, todos aqueles autores concordam com relação a um aspecto: fosse possível a impugnação da constituição da sociedade por conta de simulação, a anulação do negócio produziria efeitos ex nunc. A sociedade simulada, de qualquer modo, haveria de submeter-se a processo de dissolução e liquidação, nos termos do que disciplina, no Brasil, o artigo 206 da Lei nº 6.404/1976. Isso significa que, a despeito da simulação identificada, os efeitos do contrato, e da sua publicação (i.e., a própria pessoa jurídica) perdurariam até a conclusão do processo de liquidação, sendo excluída a desconstituição ab initio da entidade (artigo 207 da Lei nº 6.404/197652).

Em nossa opinião, o contrato de sociedade pode ser simulado. Partindo do princípio de que, apesar dos notáveis avanços da visão institucionalista da sociedade empresária, o legislador brasileiro não abriu mão da natureza contratual da sociedade53, não vemos razão para não se admitir a possibilidade de se simular o contrato de sociedade.

Admitindo a potencial simulação da constituição de sociedades, damos um passo maior no sentido de acolher a mesma possibilidade acerca de outros atos societários, como as deliberações das assembleias e demais órgãos sociais (objeto do artigo 286 da Lei nº 6.404/1976, o qual, aliás, menciona expressamente a simulação54); e atos que possuam caráter contratual, como, por exemplo, a subscrição de capital, firmada entre o sócio e a sociedade.

O posicionamento sobre as questões relativas aos reflexos desse vício, no quanto tange à personalidade jurídica, e ao seu regime de sanção com efeitos ex tunc, ou ex nunc, demandariam ponderações e aprofundamentos específicos. Isso, contudo, foge completamente ao escopo do presente trabalho, pelo que se passa a expor.

3.6. A simulação societária e seus reflexos tributários

No passado, houve quem sustentasse que a simulação somente poderia servir de fundamento ao lançamento de ofício caso o Fisco obtivesse, judicialmente, a anulação do negócio impugnado; atualmente, não se ousa defender essa tese. Parece reinar, entre os doutrinadores e aplicadores da legislação tributária, a convicção de que o lançamento de ofício independe da prevalência ou desconstituição do negócio jurídico no campo privado. Ou seja, ainda que o Fisco, ou qualquer interessado, jamais venha a pleitear, ao juízo cível, a declaração da nulidade do negócio jurídico por simulação, poderá, sempre, ser lavrado o auto de infração.

A justificativa desse correto entendimento baseia-se na aplicação das chamadas “regras de solução de conflitos”55. O acertamento da simulação (i.e., o desfazimento da aparência e a reconstituição das partes ao statu quo ante) pode gerar conflitos subjetivos: entre os simuladores; entre estes e terceiros; ou mesmo entre terceiros. Para a solução destes, entram em ação as regras de solução de conflitos. O parágrafo 2º do artigo 167 do Código Civil é o exemplo mais evidente de critério normativo para a solução de conflitos: eventual tensão entre terceiros e os simuladores deve sempre ser resolvido em favor dos primeiros, quer seja mediante a consideração de que o negócio simulado vale (hipótese de ficção legal), quer seja mediante a preponderância da relação jurídica dissimulada. Outro exemplo de regra de solução de conflitos é, precisamente, a do artigo 206 da Lei nº 6.404/1976: no caso de simulação da sociedade, deve prevalecer o interesse dos terceiros exclusivamente com base na pressuposição da existência e validade da sociedade, a qual somente desfalece com o término da fase de liquidação. Isso implica que, no caso de sociedade simulada, os terceiros não poderão pleitear direitos com base na relação jurídica dissimulada, mormente porque a declaração da simulação, e a desconstituição da personalidade jurídica respectiva, produz efeitos ex nunc (cf. artigo 207 da Lei nº 6.404/1976).

Nesse estado de coisas, cabe indagar qual seria a regra de solução de conflitos a ser aplicada diante de uma tensão estabelecida entre os simuladores e o Fisco. Esta consiste no já citado artigo 149, inciso VII, do CTN: independentemente da sorte que o negócio simulado venha a experimentar, sob a perspectiva do Direito Privado (e.g., nulidade de pleno direito, anulabilidade, persistência da personalidade jurídica até a liquidação da sociedade etc.), constatada e provada a simulação, o Fisco pode exercer sua pretensão exatora, por meio da constituição ex officio do crédito tributário. Vendo por outro prisma, é correto acentuar que o artigo 149, inciso VII, elege, como pressuposto do poder-dever de efetuar o lançamento tributário, que seja provada a simulação; não que seja declarada a nulidade do negócio simulado pelo juízo cível.

É interessante notar que essa regra acaba servindo como importante vetor interpretativo para a compreensão da extensão da categoria do fato gerador tributário, prevista no artigo 114, e detalhada no artigo 116 do CTN. O primeiro dispositivo estatui:

“Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.”

O artigo 116, por seu turno, esclarece:

“Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.

(...).”

Diante do que dispõe o artigo 149, inciso VII, do CTN, a respeito da possibilidade de ser efetuado o lançamento tributário simplesmente a partir da simulação, a expressão “definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável” sofre certa relativização.

No campo privado, a simulação não é reconhecida, nem a relação jurídica dissimulada emerge, senão a partir da declaração de nulidade da relação jurídica aparente. A explicação desse efeito apresenta certa complexidade, e, ademais, foge ao objetivo perseguido no presente trabalho. De todo modo, assinala-se que a expressão “subsistirá”, constante do artigo 167 do Código Civil, dificilmente poderia ser interpretada em seu sentido lexical atécnico, pois, se assim fosse, a obrigatoriedade da observância de requisitos de forma para a validação do negócio dissimulado impossibilitaria a dissimulação e a manutenção (tecnicamente denominada “extraversão”) de uma grande sorte de negócios jurídicos, praticamente inutilizando o instituto. Logo, a subsistência do negócio dissimulado avizinha-se mais à conversão substancial do negócio jurídico, que da simples manutenção de um negócio jurídico preexistente.

Mas, mesmo que assim não fosse, poder-se-ia objetar que, no caso de a simulação buscar ocultar o fato gerador de uma obrigação tributária, este somente estaria definitivamente constituído, segundo as disposições de direito aplicável, após o pronunciamento judicial da nulidade da relação jurídica simulada, e do restabelecimento da relação jurídica dissimulada. Essa restrição à ação do Fisco, porém, não se conciliaria com o comando que se abstrai do artigo 149, inciso VII, do CTN.

É por isso que a constituição definitiva do fato gerador, quando situação jurídica, e quando dissimulada, dá-se “mais ou menos” nos termos do direito aplicável. O Direito Civil, com efeito, permitirá, em vista da prova da simulação, pressupor a existência da relação jurídica dissimulada; essa existência, porém, não equivalerá à constituição definitiva, em vista das regras pertinentes; porém, já será suficiente para que se considere ocorrido o fato gerador, uma vez que, nesse ponto da aplicação da norma, o intérprete se dê conta de ocorrer uma perfeita confluência entre os artigos 116 e 118 do CTN. Este último prevê que o fato gerador, conquanto deva estar definitivamente constituído, prescinde de validade, no plano privado, para dar origem à obrigação tributária.

Eis, precisamente, o caso da relação jurídica dissimulada, que, segundo o direito aplicável, antes do acertamento da simulação, existe, mas não irradia sua validade.

Em vista de todo o exposto, contata-se que, comprovada a simulação da sociedade, ou de outro ato societário, o Fisco estará autorizado a submeter a situação fática dissimulada ao regime tributário que lhe cabe, independentemente de eventual dissolução ou liquidação, ou mesmo de declaração judicial da nulidade, do ato ou negócio simulado.

3.7. A simulação no caso Klabin

Ante todo o exposto, teria havido simulação no Caso Klabin?

A nosso aviso, a resposta é negativa.

Para chegar a essa conclusão, baseamo-nos nos traços fundamentais da simulação: a mentira por meio da aparência. O que significa isso? Que aparência deve remeter à verdade, sem, porém, corresponder a esta?

Oportunas, nesse sentido, são as palavras de J. Abeille, referindo-se à simulação da sociedade: “Avec les sociétés fictives ou simulées, l’apparence du contract se trouve prolongée par les apparences d’une société veritable; on ne néglige, dans ce cas, auncun moyen d’extériorisation: la société fictive aura des bureaux, un personnel, passera des marchés, se livrera à des operations commerciales, etc... Tout cela correspond au but recherché: faire croire à l’existence d’une société (...) Dans la même considération du but atteindre, les apparences ci-dessus mentionées, seront, presque toujours, complétées par l’apparence de la validité de la société (...).”56

Em muitos casos, defende-se estar-se diante de simulação da sociedade mediante a alegação de que atos ostensivamente praticados pelas partes - sócios, ou pela própria sociedade - não possuiriam substância, ou corresponderiam a mera fachada. Em tais circunstâncias, os atos das partes, praticados de maneira aberta, podem destruir a própria aparência de existência e validade da sociedade. Quando isso ocorre - eis a técnica da simulação agindo - não se pode cogitar da aplicação do artigo 167 do Código Civil. Explique-se.

O exemplo mais comum de simulação, sempre reproduzido nas aulas de primeiro ano, é o da compra e venda que dissimula a doação. Com inspiração nesse case, considerem-se as seguintes possibilidades:

i) Caio vende a Semprônia uma vaca por 1 sestércio (assuma-se que o valor de mercado da vaca não seria menor que 1.000 sestércios); e

ii) Caio vende a Semprônia uma vaca por 1.000 sestércios. No dia do negócio, celebrado no foro, Semprônia entrega o preço a Caio, e este a vaca àquela. Os dois saem caminhando juntos, e, tão logo passam por detrás de um arbusto, Caio devolve todo o dinheiro a Semprônia.

Segundo a noção de simulação positivada no Código Civil, tais situações configurariam essa figura?

A resposta não é de fácil obtenção. Deve-se, para identificá-la, relembrar qual é o escopo que o instituto da simulação cumpre no sistema normativo instaurado pelo Código Civil. A previsão da nulidade do que se simula, e a preocupação explícita com os direitos de terceiros, a nosso aviso, não deixam dúvida de que há uma visceral vinculação entre o instituto e a proteção da confiança, que é valor e condição de estabilidade do tráfico jurídico. Isso, aliás, não é novidade. Mesmo os alemães do século XIX, como Savigny, e os primeiros teóricos da simulação na Itália, como F. Ferrara, que defendiam o voluntarismo com unhas e dentes, não tiveram coragem de ignorar a necessidade de se tutelar os interesses dos terceiros enganados pela simulação. É por conta disso, portanto, que, independentemente da corrente teórica, os estudiosos da simulação, unanimemente, enxergaram nela um procedimento destinado a criar a aparência enganadora.

Levando isso em conta, fica fácil perceber que apenas a situação “ii”, do exemplo acima proposto, poderia caracterizar a prática de simulação. Na situação “i”, com efeito, não há aparência enganadora; não há confiança traída: sendo o “preço” (entenda-se: preço justo) elemento de existência da compra e venda, a sua negação implica a ausência do negócio. Ou seja, na primeira hipótese, não há simulação, como também não há compra e venda. Há, tão somente, uma doação incorretamente nomeada ou qualificada como compra e venda. O erro de nomeação, ou o erro de qualificação, não se confundem com a simulação: não apenas tais situações são irrelevantes para a determinação da validade do negócio jurídico praticado, como, ainda, não autorizam qualquer terceiro a pleitear tutela decorrente da sua incapacidade de reconhecer o óbvio, i.e., que uma compra e venda a preço vil não é compra e venda (afinal, dormientibus non sucurriti jus).

Diversamente, na segunda situação, o não pagamento do preço fixado decorre de um acerto secreto (o pacto simulatório), do qual não se dão conta os terceiros, quando do fechamento da avença. O terceiro de boa-fé que observa a situação não tem condições de descobrir a mentira, sem que identifique um fato autônomo e oculto: a pré-ordenada ausência do pagamento. Deve ter sido isso a que se referiu o Professor Antônio Junqueira de Azevedo como “resposta simples” no trecho da palestra transcrito linhas acima.

Caminhando para o campo tributário, um exemplo, também corriqueiro, que sempre vem à memória, é o da subvalorização de imóvel para fins de elisão do imposto sobre transmissões imobiliárias. Com base no que se disse acima, parece-nos que esse contexto implicaria simulação. Para prová-la, bastaria ao Fisco identificar o pagamento do complemento “por fora”, ou seja, o pagamento velado, secreto.

Nesse passo, já está o leitor em condições de perceber que o Caso Klabin nem de perto lembra este último exemplo. A própria autoridade fiscal demonstra isso, na medida em que aduz sua pretensão a partir de simples exercício de interpretação dos negócios declarados pelas partes. Alguns julgadores e doutrinadores57 têm costume de enumerar indícios da simulação; se fosse possível enumerar os indícios da “não simulação”, este seria primeiro: quando o vício é afirmado com base em simples interpretação daquilo que se declarou, sem a necessidade de demonstração de qualquer fato que não tenha sido previamente declarado.

Vale a pena, nesse ponto, repassar os olhos sobre as iluminadas lições de J. Abeille, acima colacionadas, para poder assimilar uma importante verificação: a sociedade simulada (o mesmo se aplicando para a subscrição simulada, a aquisição de ações simulada, a cisão simulada etc.) pressupõe aparência do real, e, mais ainda, a aparência do válido. Sem isso, descabe falar em simulação, pois praticamente se elimina a possibilidade de traição da confiança de terceiros.

Eventuais problemas intrínsecos aos fatos, declarações e atos exteriorizados pelas partes, quando muito, podem ensejar o ajuste da qualificação jurídica do ato, ou, em casos extremos, o reconhecimento da nulidade do ato, por outras razões que não a simulação. A requalificação jurídica do ato teria espaço quando as condições negociais estabelecidas, em um mesmo instrumento, ou, ainda, em instrumentos diferentes, porém conexos, impusessem o enquadramento da fattispecie produzida pelas partes sob a guarida de um tipo negocial diverso.

Assim, por exemplo, se Tício se compromete a emprestar a Mévio a quantia de 1.000 sestércios, e este promete devolver àquele uma vaca, não há que se pensar duas vezes: as partes não celebraram contrato de empréstimo, mas de compra e venda. E não se trata de empréstimo simulado; não há, sequer a criação da aparência de um empréstimo. A situação caracteriza-se, desde o início, abertamente, como compra e venda, não sendo facultado a quem quer que seja, senão sob confissão de tolice aguda (indigna de tutela jurídica) ter acreditado que houvera a relação equivalente ao nome incorretamente utilizado.

Para transformar o exemplo acima em simulação, bastaria que as partes alterassem a apresentação do contrato: Tício promete a Mévio emprestar 1.000 sestércios; Mévio, por sua vez, promete a Tício devolver 1.000 sestércios. Ao pé do ouvido de Tício, Mévio sussurra: “Nós dois sabemos que os 1.000 sestércios que eu te prometi são uma vaca.”58 A partir desse ponto, os terceiros passam a ser tutelados pelo Direito, que inquina o negócio aparente de nulidade, e assegura a higidez das relações jurídicas contraídas por aqueles que, de boa-fé, caíram no “conto do vigário”.

Por outro lado, a nulidade do ato poderá vir a ser reconhecida se, por acaso, as partes preterirem algum elemento, requisito ou formalidade essencial do negócio, quando vierem a colocá-lo em prática. Considere-se que dois particulares concertem a criação de uma sociedade anônima fictícia, porém, não consintam com a possibilidade de se considerar que eles seriam sócios da pessoa jurídica inscrita no registro de comércio. Para cumprir esse desiderato, resolvem descumprir os requisitos preliminares de constituição da companhia, estampados no artigo 80 da Lei do Anonimato. Na prática, as partes não conseguiriam sequer levar a registro os atos constitutivos da empresa. Porém, se, por algum artifício, ou até por acaso, elas obtivessem o registro - do que decorreria a aparência de validade da pessoa jurídica - isso não olvidaria que a sociedade constituída fosse nula, por descumprimento de seus requisitos preliminares essenciais.

No Caso Klabin, segundo a autoridade lançadora, os atos praticados não teriam aparência de reais. Nem isso, porém é verdadeiro em absoluto.

Teve razão o Conselheiro Relator, num primeiro momento, ao requalificar as conferências de bens realizadas pela Klabin, atestando a configuração da cisão (página 13 do Acórdão nº 1401-00.155). Realmente, a transferência de bens, direitos, obrigações, e da atividade econômica ligada a esses elementos patrimoniais, de uma pessoa jurídica para outra, é a essência conceitual da cisão.

O que dizer, porém dos demais atos societários? Da emissão de debêntures, da subscrição de capital da Riocell pelo Grupo Aracruz, da compra de suas próprias ações pela Riocell, utilizando, para tanto, o limite da reserva de capital constituída em razão do ágio pago pelo Grupo Aracruz? O que haveria, nesses fatos, que implicaria a sua requalificação, ou a sua nulidade? A única coisa que afirma o voto condutor, de maneira repetitiva, é que as partes “quiseram” realizar uma compra e venda, no lugar de todos aqueles atos societários.

Veja-se que é de tradição secular, no Direito Civil, a irrelevância dos motivos (exceto na hipótese de motivo determinante ilícito, o que não se confunde com a hipótese de elisão efetiva da ocorrência do fato gerador sem simulação). Considere-se que Pompônio é proprietário de um cão - de nome Tullius -, e nutre pelo animal uma afeição muito grande. Gosta tanto de Tullius que cai em desgraça quando toma conhecimento de que todos os semoventes da vizinhança estavam morrendo misteriosamente, por obra de algum malfeitor. Para preservar Tullius, decide, contra a sua vontade mais íntima, vendê-lo a um amigo que mora numa villa, bastante afastada de Roma. E o faz apenas porque, conhecendo bem o amigo, sabe que se ele tiver gastado dinheiro para adquirir Tullius, ficará mais propenso a cuidar bem do animal, sempre lembrando do preço que ele custou.

Enfim, Pompônio não queria vender Tullius; queria, quando muito, fazê-lo objeto de depósito. Porém, entendeu que o melhor seria vendê-lo, para assegurar seu bem-estar. É nula - indaga-se - a venda realizada? É simulada?

Se toda a história de Pompônio e Tullius não interessa ao Direito - os motivos do ato, repita-se, são, de regra, irrelevantes - do mesmo modo não interessa o motivo pelo qual as partes praticam negócios para saber se estes são válidos ou simulados. O motivo “obter economia tributária” não goza de qualquer prerrogativa no campo do Direito Civil.

Perfeitas, pois, as ponderações constantes da única declaração de voto que propôs o cancelamento da autuação (página 53 do Acórdão nº 1401-00.155):

“No caso dos autos, não há simulação porque todas as cláusulas do negócio jurídico realizado são verdadeiras. Não há simulação na adoção da entrada e saída de sócios da sociedade, mas sim puro e simples negócio jurídico indireto. Não há mentira na adoção de estrutura jurídica típica mas não usual, desde que todas as cláusulas do negócio sejam verdadeiras. E a entrada do sócio na sociedade foi verdadeira; a subscrição das ações e a integralização em dinheiro foram verdadeiras; e a saída do antigo sócio também foi verdadeira. Não há mentira na adoção da estrutura jurídica”.

Há, ainda, outra razão a justificar a conclusão quanto à ausência de simulação no caso presente. Tanto se falou, no acórdão ora examinado, dos motivos e dos fins práticos perseguidos pelas partes, em especial, pela Klabin; nessa toada, parece adequado perquirir se as partes efetivamente dependeriam da simulação para atender aos seus objetivos concretos.

Conforme se abstrai do acórdão, não há dúvidas - a Klabin chega a admitir em sua defesa, inclusive - de que a finalidade prática perseguida, senão desde o início, a partir de certo momento, seria a transferência da Unidade Industrial para o Grupo Aracruz. Outrossim, registrou-se que, diante dessa necessidade, a Klabin teria escolhido o meio menos oneroso para atendê-la.

Nesse particular, o conselheiro relator do Caso Klabin acertou ao achar que a sequência de atos perpetrada equivaleria, sob a perspectiva dos seus resultados naturalísticos, a uma compra e venda. Ou seja, os resultados práticos dos supostos negócios simulados seriam equivalentes aos do suposto negócio dissimulado. Essa situação, porém, é relevante (talvez, o segundo item da lista de indícios da não simulação) pois, diante da equivalência dos resultados práticos, ultima-se excluído qualquer interesse em simular a prática de qualquer dos possíveis negócios; na verdade, o interesse que a empresa teria seria o de executar um dos possíveis arranjos negociais; não de fingi-los.

A análise da questão, sob a perspectiva do interesse em simular, ou da utilidade da simulação, como se preferir, pode se revestir de particular importância, sobretudo quando imperar grande incerteza a respeito da presença da simulação. Em casos de “casa e separa”, como o Caso Klabin, não existe, a princípio (diferentemente do exemplo da subvalorização da transação imobiliária), um interesse específico a simular. Existe, pelo contrário, um interesse específico em realizar, verdadeiramente, todos os atos societários que caracterizam esse tipo de planejamento tributário.

No precedente estudado, o Fisco poderia ter alegado a nulidade dos atos societários praticados pelo Grupo Aracruz que geraram a apuração do ágio. Seja por falta de affectio societatis; seja por incompatibilidade entre essa conduta e o objeto empresarial da Riocell; enfim, seja por descumprimento dos requisitos impostos pelo artigo 170 da Lei nº 6.404/1976 para a autorização da subscrição de capital com ágio, os atos societários praticados poderiam ser considerados viciados, e, portanto nulos. Talvez, por essa via, o Fisco conseguisse defender, com maior propriedade, a inaplicabilidade do artigo de que decorreu a “vantagem fiscal” perseguida pela Klabin (artigo 33, parágrafo 2º, do Decreto-lei nº 1.598/1977), o qual somente produz os seus efeitos quando há alteração do percentual de participação em razão de integralização de capital - adicionamos - “validamente” realizada. Até porque, convenhamos, essa situação a que se refere o dispositivo em questão é, em essência, um fenômeno contábil, e, sendo a contabilidade muito mais livre que o Direito para se apegar a uma pretensa substância (econômica) sobre a forma, talvez, poder-se-ia defender, consistentemente, que a valorização das ações detidas pela Klabin não corresponderia a um efeito contábil efetivo.

Com isso, o Fisco poderia, quiçá, afastar a aplicação da norma de isenção de que se valeu a Klabin e, desse modo, encontrar espaço amplo e tranquilo para exercer sua pretensão exatora.

Não chegamos a dizer, absolutamente, que é impossível que haja simulação no “casa e separa”. Isso pode ocorrer, sem dúvida, se alguma das condições negociais mostrar-se falsa. Por exemplo, imagine-se que as empresas “A” e “B” criam uma sociedade veículo “C”. O objeto social de “C”, nos termos do seu estatuto, é a fabricação de picolés. A sociedade “C” é criada no dia 7 de maio, e, no dia 9 de maio, delibera-se a sua dissolução. Nesse ínterim, a sociedade veículo recebe, em integralização de capital realizada pelo sócio “A”, um equipamento de ressonância magnética; e, em integralização de capital pelo sócio “B”, 1 milhão de reais, os quais correspondem, em sua maioria, a ágio fundado na expectativa de rentabilidade futura da sociedade. Apesar de existir demonstrativo especialmente elaborado para a evidenciação da expectativa de rentabilidade futura, “C” é extinta em dois dias, sem produzir um picolé sequer.

É claro que o exemplo é exagerado. Mas serve a evidenciar que o “casa e separa” pode envolver a emissão de declarações falsas, como a de que “C” teria por objeto a produção de picolés.

Esse exemplo ainda nos dá a oportunidade de temperar uma forte afirmação feita acima. Segundo nosso entendimento, os motivos do ato são irrelevantes para a sua validade (salvo quando o motivo determinante for ilícito). Esses motivos, porém, uma vez demonstrada a falsidade, podem servir como elementos para a prova da pré-ordenação desta, ou seja, como evidência do acordo simulatório (que, em regra, não é escrito). Já não serão tão úteis, porém, para provar a aparência enganadora, em si.

A par disso tudo, os motivos que animam o agir das partes podem dar origem a alegações baseadas em fraude à lei ou abuso de direito. Como tais figuras não são objeto do presente trabalho, remetemos o leitor a um brilhante artigo de Luís Eduardo Schoueri59, o qual demonstra, de maneira definitiva, que apenas o artigo 116, parágrafo único, do CTN (até agora ineficaz, por ausência de regulamentação), poderia validar o recursos a essas ferramentas. Já não se falaria, aí, da simulação do artigo 149, inciso VII, do CTN, mas da coibição de supostas condutas abusivas. O artigo 116, parágrafo único, do CTN, não foi invocado ou aplicado no Caso Klabin, embora seja mencionado no acórdão.

4. Conclusão

Concluímos, diante das ponderações precedentes, que a decisão do Caso Klabin, mediante o emprego da técnica da simulação, deveria ter sido diferente. A simulação não está presente, sob a perspectiva técnica.

É de se compreender o inconformismo que leva o julgador, em certas situações, a primeiro condenar o planejamento tributário, para, depois, bolar alguma justificativa para a decisão preconcebida. Esse inconformismo, porém, deve ser direcionado contra o legislador, que não mune o Fisco das ferramentas normativas que este entende necessárias para o exercício de sua função. Mas, a bem da verdade, se o legislador - portador da vontade popular - se mostra tão refratário a esse pleito dos agentes exatores, pode isso ser uma eloquente indicação de que aquele inconformismo, aos olhos da sociedade brasileira, não se mostra tão legítimo assim.

1 Não se ignora, contudo, a existência de importantes contribuições interdisciplinares, como o tra­balho de Tôrres, Heleno Taveira. Direito Tributário e autonomia privada - Simulação - Elusão tributária. São Paulo: RT, 2003; e o recentíssimo artigo de OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. “A simulação no Código Tributário Nacional e na prática”. Revista Direito Tributário atual nº 27. São Paulo: Dialética e IBDT, 2012, pp. 561-579.

2 MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. A simulação no Direito Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1980.

3 São exceções, por representarem algum esforço no sentido de proporcionar uma revisão sistemática do tema: Tôrres, Heleno Taveira. “Simulação de atos e negócios jurídicos - Pacto simula­tório e causa do negócio jurídico.” In: Azevedo, A. Junqueira de; Tôrres, Heleno Taveira; e Carbone, T. (coords.). Princípios do Novo Código Civil e outros temas - Homenagem a Tullio Ascarelli. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2010; Mattietto, L.Negócio jurídico simulado (notas ao art. 167 do Código Civil”. Revista Jurídica nº 349. Porto Alegre, 2006, pp.93-107; e Theodoro Júnior, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil - Livro III - Dos fatos jurídicos: do negócio jurídico. T. I, vol. III, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, pp. 467-514.

4 Gaino, I. A simulação dos negócios jurídicos. São Paulo: Saraiva, 2008; e Veloso, A. J. Simulação: aspectos gerais e diferenciados à luz do Código Civil de 2002. Curitiba: Juruá, 2004.

5 Abeille, J. De la simulation dans le droit des sociétés. Paris: LGDJ, 1938, p. 70. Em tradução livre: “Isto nos leva a crer que o conhecimento técnico da simulação deve preceder o conhecimento a respeito dos efeitos a ela atribuídos, e, esse próprio conhecimento, deve ser precedido por um trabalho de observação e de reflexão destinado a prover ao estudo os dados técnicos que são necessários.”

6 “Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.”

7 “Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior;

(...).”

8 “Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.”

9 Disponível em http://www.ibdt.com.br/2006/integra_04052006.htm. Acesso em 7.8.2012.

10 “Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

(...)

VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;

(...).”

Vale ressaltar, por pertinente, que o artigo 116, parágrafo único, do CTN - o qual veicula a expressão “dissimular” - não foi invocado no Caso Klabin nem pelo Fisco, nem por qualquer dos julgadores.

11 Greco, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 3ª ed. São Paulo: Dialética, 2011, p. 280.

12 Cf. Dagot, M. La simulation en Droit Privé. Paris: LGDJ, 1965, pp. 62 e 96.

13 Cf. Abeille, J. Op. cit., p. 78. Em tradução livre: “o disfarce é o tipo de simulação que melhor corresponde à concepção clássica do termo”.

14 Larenz, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 5ª ed. Tradução Portuguesa de José Lamego. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2009, p. 452.

15 Greco, Marco Aurélio. Op. cit., p. 280.

16 Ferrara, F. Della simulazione dei negozi giuridici, 1922. Tradução portuguesa de BOSSA, A. A simulação dos negócios jurídicos. São Paulo: Saraiva, 1939.

17 Cf. Ferrara, F. Op. cit., p. 51.

18 Messina, G. “La simulazione assoluta”. Scritti Giuridici, vol. V. Milão: Giuffrè, 1948, pp. 69-141. Também Santoro-Passarelli, F. Dottrine generali del Diritto Civile. 9ª ed. Nápoles: Eugenio Jovene, 2002, p. 151.

19 Carnelutti, F. Sistema del Diritto Processuale Civile, vol. II. Pádua: Cedam, 1938.

20 Cf. Betti, E. Teoria generale del negozio giuridico. 2ª ed. Nápoles: Edizione Scientifiche Italiane, 2002.

21 Pugliatti, S. “La simulazione nei negozi unilaterali”. Diritto Civile, método-teoria-pratica. Milão: Giuffrè, 1951, pp. 539-585.

22 Gomes, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 428.

23 Miranda, Custódio da Piedade Ubaldino. Op. cit., pp. 63 e ss. Ricardo Mariz de Oliveira, em recente estudo (op. cit., p. 563), afirma que Custódio da Piedade Ubaldino Miranda teria se filiado à teoria voluntarista, segundo a qual a simulação decorreria de uma divergência entre a vontade real e a vontade exteriorizada. Ocorre, porém que o trecho da obra deste, transcrito pelo primeiro em nota de rodapé (op. cit., p. 563) corresponde a uma passagem em que Custódio da Piedade Ubaldino Miranda relata o entendimento da doutrina tradicional, não a sua própria opinião (o referido trecho transcrito - verdadeiramente constante da página 14, não 15, da obra A simulação no Direito Civil brasileiro insere-se em um capítulo iniciado na página 13, com os seguintes dizeres: “A doutrina tradicional (...) insere a simulação entre os casos de divergência entre a vontade real e a vontade declarada.”

24 Ferraz Jr., Tércio Sampaio. “Simulação e negócio jurídico indireto”. Revista Fórum de Direito Tributário nº 48. Belo Horizonte, 2010, pp. 9-25.

25 Moreira Alves, José Carlos. “As figuras correlatas da elisão”. Revista Fórum de Direito Tributário nº 1. Belo Horizonte, 2003, pp. 11-20.

26 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Op. cit.

27 Carnelutti, Francesco. Op. cit., p. 405. Em tradução livre: “desse modo a simulação é concebida claramente como um modo de ser do ato segundo a causa, não um modo de ser daquele segundo a vontade”.

28 Betti, E. Op. cit., pp. 396 e ss.

29 Cf. Majello, U. “Il contratto simulato: aspetti funzionali e strutturalli”. Rivista di Diritto Civile nº 5. Pádua: 1995, pp. 641-656. V., também, Gentili, A. “Simulazione”. Il contratto in generale. Turim: Giappichelli, 2002, pp. 519 e ss.

30 Cf. Mancuso, F. Fulvio. La teorica della simulazione nell’esperienza dei glossatori. Da Irnerio ad Accursio e da Graziano a Giovanni Teutonico. Bolonha: Monduzzi, 2004.

31 Cf. Pellicanò, A. Il problema della simulazione nei contratti. Pádua: Cedam, 1988; Cipriani, N. La simulazione di effetti giuridici - Appunti sulla fattispecie. Benevento, 2011. Disponível em: http://www.economia.unisannio.it/upload/courses/cipriani/1081/LA_SIMULAZIONE_DI_EFFETTI_GIURIDICI_-_BOZZA.pdf. Acesso em 23.4.2012.

32 Messina, G. Op. cit.

33 Romano, S. “Contributo esegetico allo studio della simulazione (L’art. 1414 c.c.)”. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. Milão, 1954, pp. 15-61.

34 O estudo do acordo simulatório, e a demonstração de sua exigência pela lei brasileira, em razão de sua grande complexidade, ficará reservado para outra oportunidade.

35 Cf. MONTECCHIARI, T. La simulazione del contratto. Milão: Giuffrè, 1999, p. 26.

36 “Art. 206. Dissolve-se a companhia:

I - de pleno direito:

a) pelo término do prazo de duração;

b) nos casos previstos no estatuto;

c) por deliberação da assembléia-geral (art. 136, X);

d) pela existência de 1 (um) único acionista, verificada em assembléia-geral ordinária, se o mínimo de 2 (dois) não for reconstituído até à do ano seguinte, ressalvado o disposto no artigo 251;

e) pela extinção, na forma da lei, da autorização para funcionar.

II - por decisão judicial:

a) quando anulada a sua constituição, em ação proposta por qualquer acionista;

b) quando provado que não pode preencher o seu fim, em ação proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social;

c) em caso de falência, na forma prevista na respectiva lei;

III - por decisão de autoridade administrativa competente, nos casos e na forma previstos em lei especial.”

37 GENTILI, V. A. Op. cit., p. 644, por uma rica indicação bibliográfica.

38 Ferrara, F. Op. cit., pp. 125-127.

39 Greco, P. “Le società di ‘comodo’ e il negozio indiretti”. Rivista del Diritto Commerciale e del di Diritto Generale delle obbligazioni. Milão, 1932, pp. 757-808.

40 Ascarelli, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e Direito comparado. Campinas: Bookseller, 1945, pp. 195-196.

41 Dagot, M. Op. cit., p. 66. Em tradução livre: “Haverá, a princípio, sociedade simulada, se não estiver presente o consentimento verdadeiro dos contraentes, mas simplesmente o aparente, e, consequentemente, não existir a vontade de colaborar, de estar em sociedade, que constitui a affetio societatis. É a hipótese mais comum de sociedade simulada.”

42 Abeille, J. Op. cit., p. 165.

43 Abeille, J. Op. cit., p. 165.

44 Correia, A. Ferrer. Sociedades fictícias e unipessoais. Coimbra: Atlântida, 1948, p. 145.

45 Correia, A. Ferrer. Op. cit., p. 163.

46 Correia, A. Ferrer. Op. cit., p. 146.

47 Bianchi, G. La simulazione. Pádua: Cedam, 2003, p. 294. Em tradução livre: “Pode-se chegar a admitir a simulação em relação a contrato de sociedade, precisando-se, porém, que a simulação pode se relacionar unicamente ao contrato de sociedade, não à atividade concreta desenvolvida pela sociedade, a qual necessariamente existe.”

48 Bianchi, G. Op. cit., p. 295. Em tradução livre: “a aquisição da condição de sócio e a eficácia da personalidade jurídica não são produtos da mera declaração de querer constituir a sociedade, mas de um complexo procedimento que se completa com a inscrição no registro de empresas, e do qual a referida declaração é apenas uma fase. Por isso, um ato negocial, como a eventual contra-declaração, não pode eliminar os efeitos não negociais produzidos pela conclusão do procedimento constitutivo da sociedade.”

49 Nuti, G. A. La simulazione del contratto. Milão: Giuffrè, 1986, p. 302.

50 Gaino, I. Op. cit., p. 130.

51 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. Vol. 2, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 74.

52 “Art. 207. A companhia dissolvida conserva a personalidade jurídica, até a extinção, com o fim de proceder à liquidação.”

53 Cf. Salomão Filho, C. O novo Direito Societário. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 36.

54 “Art. 286. A ação para anular as deliberações tomadas em assembléia-geral ou especial, irregularmente convocada ou instalada, violadoras da lei ou do estatuto, ou eivadas de erro, dolo, fraude ou simulação, prescreve em 2 (dois) anos, contados da deliberação.”

55 Expressão empregada por Gentili, A. Op. cit., pp. 609 e ss.

56 Abeille, J. Op. cit., p. 181. Em tradução livre: “Com empresas fictícias ou simuladas, a aparência do contrato se complementa pela aparência de uma sociedade real; não se prescinde, neste caso, de qualquer das formas de exteriorização: a empresa fictícia terá escritórios, funcionários, negócios, se envolverá em transações comerciais, etc... Tudo isso é o objetivo: fazer acreditar na existência de uma sociedade (...). No mesmo sentido, para alcançar a meta, as aparências mencionadas acima quase sempre são complementadas pela aparência de validade da sociedade.”

57 Por exemplo, Haddad, G. L.; e Pierre, M. A. “A simulação e seus índices”. Revista do Advogado nº 94. São Paulo, 2007, pp. 70-76.

58 Formulação da fenomenologia da simulação baseada na atribuição de um significado verdadeiro a uma declaração falsa, como se esta fosse um código a ser cifrado, foi elaborada por G. Segrè. “In matéria di simulazione nei negozi giuridici”. Scritti Giuridici, vol. 1º. Arezzo: Cortona, 1930, pp. 422-434. A tese não é convincente, pois as partes efetivamente declaram, entre si, a relação jurídica dissimulada, não sendo correto limitar essa atividade à definição de uma chave para a linguagem cifrada em que se teria vertido o negócio simulado. Todavia, é uma construção interessante que preconiza mais o aspecto “verdadeiro/falso” da comunicação que o aspecto “querido/não querido”.

59 Schoueri, Luís Eduardo. “Planejamento tributário: limites à norma antiabuso”. Direito Tributário atual nº 24. São Paulo: Dialética e IBDT, 2010, pp. 345-387.

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