Determinação do Sujeito Ativo do ICMS nas Importações “por Conta e Ordem” e “por Encomenda” - Implicação dessa Conclusão em Relação ao Recolhimento de Outros Tributos Federais

Mara Eugênia Buonanno Caramico

Especialista em Direito Tributário pela USP.

Resumo

Neste trabalho analisaremos a questão sobre a correta interpretação constitucional que se deva dar ao termo “destinatário” contido no trecho final do parágrafo 2º, IX, “a”, do artigo 155 da Constituição para se definir quem é o sujeito ativo do ICMS nas operações de importação de bens e produtos advindos do exterior. Para tanto, serão analisadas as principais decisões proferidas pelo Superior Tribunal Federal sobre essa matéria, identificando os seus argumentos mais relevantes. Concluído esse trabalho, será nosso objetivo, também, analisar qual o impacto que tal definição trará em relação ao recolhimento de outros tributos, como o PIS e a Cofins Importação, instituídos com o advento da Lei nº 10.865/2004, e o PIS e a Cofins devidos sobre as receitas de importação.

Palavras-chave: ICMS, destinatário, importação, importação “por conta e ordem” e “por encomenda”, artigo 155 da Constituição Federal, Fundap, PIS e Cofins Importação, entrada física, entrada ficta, fato gerador da importação, base de cálculo, Medida Provisória nº 2.158-35/2001.

Abstract

We will analyze the correct constitutional interpretation to the word “recipient” mentioned in the final part of paragraph 2, IX, “a” of section 155 of the Constitution in order to define ICMS tax agent on importation of goods and products. Therefore, we will analyze the main decisions rendered by Brazilian Supreme Court on the matter, identifying their most important arguments. Thereafter, we will also analyze which impact such definition will bring to payment of other taxes, such as PIS and Cofins - importation, created by Law nº 10.865/2004, and PIS and Cofins due on importation income.

Keywords: ICMS, recipient, importation, importation for the account and order of third party and importation by order, section 155 of the Federal Constitution, Fundap, PIS and Cofins - Importation, physical entry, presumed entry, taxable event of importation, taxable basis, Provisional Measure nº 2.158-35/2001.

I - Introdução

Muito já se escreveu sobre a matéria que se pretende analisar. Fato é que até hoje nossos tribunais não decidiram, de maneira definitiva, qual a efetiva e correta interpretação a ser dada ao texto constitucional sobre o termo “destinatário”, empregado no trecho final do parágrafo 2º, IX, “a”, do artigo 155 da CF de 1988, e que é de vital importância para se definir quem é o sujeito ativo do ICMS devido sobre as operações de importação de bens e produtos do exterior.

O assunto está hoje novamente em discussão, por força de repercussão geral de pelo menos dois recursos extraordinários1 que discutem a questão. Além de ter impacto direto para os Estados, pois diz respeito ao recolhimento do ICMS devido nas importações de bens e mercadorias, acaba por afetar, de maneira reflexa, a apuração do PIS e da Cofins devidos sobre essas mesmas importações. E isto se agrava, como veremos, quando muitos dos Estados onde as mercadorias são desembaraçadas concedem benefícios fiscais, reduzindo a base de cálculo do ICMS devido nessas operações.

Não é objeto da nossa análise a discussão sobre a legalidade ou não da inclusão na base de cálculo do PIS e da Cofins importação do ICMS devido também em decorrência da importação, e vice e versa, assim como o alargamento da base de cálculo dessas contribuições com ampliação do conceito de “valor aduaneiro” trazido pela Lei nº 10.865/2004. Restringir-nos-emos aqui a apenas analisar as questões colocadas no introito, deixando para outra ocasião discussões reflexas ao tema proposto.

Concluiremos nosso estudo propondo um significado ao termo “destinatário” insculpido na norma constitucional, e conforme esse significado, a quem cabe o produto do ICMS devido na importação dos bens e mercadorias provenientes do exterior. E, finalmente, analisaremos se existe, e em caso positivo, qual será o reflexo dessa conclusão em relação à arrecadação e cálculo de tributos como o PIS e a Cofins devidos na importação.

II - Breve Digressão Histórica sobre o Tema

Anteriormente ao advento da Medida Provisória nº 2.158-35/2001, as empresas realizavam basicamente dois tipos de importação: as importações diretas (ou por compra e venda), onde a própria empresa contratava com o exportador estrangeiro e era ela quem providenciava todos os trâmites no País para o desembaraço aduaneiro das mercadorias dentro do território nacional, e as importações através de interposta pessoa, quando então tais importações eram realizadas por terceiros (tradings ou comerciais importadoras) por conta e ordem dos encomendantes de ditos bens.

Entretanto, quando as tradings realizavam operações de importação para um determinado comprador nacional pré-identificado a questão tornava-se mais complexa, pois nessas operações não havia um enquadramento claro nem como Importação por conta e ordem, e nem como por compra e venda, haja vista a revenda não se realizar a qualquer interessado desconhecido, mas, sim, a encomendante pré-identificado.

E a identificação dessa situação era importante principalmente porque era necessário se definir, para efeitos de recolhimento pelas tradings do PIS e da Cofins devido sobre suas próprias receitas, qual seria a respectiva base de cálculo.

Para pôr fim a tais problemas, a operação de importação por conta e ordem de terceiros foi disciplinada pela Medida Provisória nº 2.158-35/2001, de 24 de agosto de 2001, especialmente em seus artigos 77 a 822, que depois foi regulamentada pelas IN/SRF nos 225 e 247, ambas de 2002.

Em linhas gerais, a legislação que disciplinou o assunto reconheceu a validade da operação no ordenamento e estabeleceu requisitos específicos, deixando expressas quais seriam as condições e os requisitos para se caracterizar uma importação por conta e ordem. Um dos principais requisitos impostos pela referida legislação é que o terceiro - trading ou comercial importadora - agisse como mero intermediário, por mandato do real adquirente das mercadorias importadas.

Como bem demonstrado por Natanael Martins,

“(...) as aquisições de bens ou de mercadorias, em cumprimento de mandato, obviamente não refletem direitos da empresa, muito pelo contrário, são bens e direitos de terceiros, que não podem nem devem ser catalogados como receitas. Nessa esteira, a incidência da contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) na atividade da importadora deve ocorrer somente sobre o valor dos serviços prestados (comissão), valor esse que representa a receita decorrente de sua prestação de serviços.”3

No entanto, para que a importação “por conta e ordem” possa assim ser reconhecida pelo Fisco federal e as trading poderem recolher o PIS e a Cofins apenas sob as receitas de seus serviços, o mandato, a contratação, a importação e a contabilização da operação devem seguir os requisitos estabelecidos pela legislação.

Já com a edição da Lei nº 11.281/20064 e, posteriormente, com a edição da Instrução Normativa SRF nº 634, de 24 de março de 2006, foram estabelecidos os requisitos e as condições para a atuação de pessoa jurídica importadora em operações procedidas para revenda a encomendante predeterminado, regulando, assim, as operações em que a trading viria a agir como a importadora, mas já com um comprador para tal expressa e previamente determinado.

Ressalte-se, porém, que a regulamentação da importação “por encomenda” veio principalmente resolver um problema que estava sendo enfrentado pelas tradings e comerciais importadoras. Elas estavam sendo questionadas pelo Fisco federal sob a alegação de que a destinatária das mercadorias seria uma empresa previamente determinada, e não uma empresa qualquer. Neste caso, para o Fisco, as tradings e comerciais importadoras estariam agindo sempre como prestadoras de serviço e não como importadoras diretas, simulando a verdadeira operação, já que na maioria dos casos, o contato com o exportador era mantido diretamente pelo adquirente brasileiro, e isso fazia com que fossem autuadas não só por crime de interposição fraudulenta de interposta pessoa, porque o destinatário efetivo das mercadorias ficava sujeito ao pagamento do IPI na revenda das mercadorias importadas.

Percebe-se, assim, que a legislação federal promulgada para definir o que seria e quais as condições para se considerar uma importação por encomenda e por conta e ordem veio para resolver um problema de cunho tributário federal, e nada tinha de relação com a questão do ICMS, muito menos do sujeito ativo desse tributo.

Tanto isto é verdadeiro que os Estados firmaram o Convênio ICMS nº 135/2002, onde expressamente refutaram a aplicação da legislação federal acima mencionada para efeitos de disciplinar o recolhimento do ICMS devido na importação.

Feitas as considerações iniciais, passemos a uma análise detalhada de cada uma das operações.

III - Principais Diferenças entre Importação “por Conta e Ordem” e Importação “por Encomenda” sob o Prisma da Legislação Federal e seus Reflexos para a Identificação do Sujeito Ativo do ICMS Devido na Importação

Como já visto, para efeitos da legislação federal, na importação por encomenda o importador adquire a mercadoria junto ao exportador no exterior, providencia sua nacionalização e a revende ao encomendante. Tal operação tem, para o importador contratado, os mesmos efeitos fiscais de uma importação própria (importação direta ou importação por compra e venda).

Ainda sob o aspecto da legislação federal, em que pese a obrigação do importador de revender as mercadorias importadas para um encomendante nacional predeterminado, é aquele e não este que pactua a compra internacional e deve dispor de capacidade econômica para o pagamento da importação, pela via cambial.

Ressalte-se ainda que, diferentemente da importação por conta e ordem, a operação cambial para pagamento da importação deve ser realizada exclusivamente em nome do importador, conforme determina o Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais (RMCCI - Título 1, Capítulo 12, Seção 1) do Banco Central do Brasil (Bacen).

Outro efeito importante é que, conforme determina o artigo 14 da Lei nº 11.281, de 2006, aplicam-se ao importador e ao encomendante as regras de preço de transferência de que tratam os artigos 18 a 24 da Lei nº 9.430, de 1996.

Feitas estas considerações, e ainda apenas no plano da legislação federal, identifiquemos, a seguir, as características principais da importação por conta e ordem.

De acordo com o sítio da Receita Federal do Brasil5, “nesse tipo de operação, uma empresa - a adquirente - interessada em uma determinada mercadoria, contrata uma prestadora de serviços - a importadora por conta e ordem - para que esta, utilizando os recursos originários da contratante, providencie, entre outros, o despacho de importação da mercadoria em nome da empresa adquirente”6.

A trading ou comercial importadora age aqui como mera mandatária da empresa para a qual as mercadorias serão destinadas logo após o seu desembaraço aduaneiro.

Neste particular, a trading ou comercial importadora, embora importem em nome próprio as mercadorias, providenciando o seu desembaraço, fazem-no por conta e ordem de terceiros - empresa destinatária e real adquirente dos bens importados. Estas nada mais são do que meras prestadoras de serviços que agem por conta e ordem da empresa destinatária das mercadorias.

Nestes casos, quem realiza a contratação do negócio jurídico da importação é a destinatária das mercadorias, que fecha o câmbio, que negocia diretamente com o exportador, que define as condições do negócio de compra e venda internacional. O dito “importador” somente realiza os trâmites de importação e desembaraço aduaneiro, providenciando a nacionalização dos bens no País em nome e por conta de outrem.

Esta é a situação jurídica que a legislação federal ordinária estabelece para que uma importação seja considerada realizada ou “por encomenda” ou “por conta e ordem”. Todavia, repise-se que tal diferença somente é estabelecida para efeitos de recolhimento dos tributos federais como o IPI e as contribuições ao PIS e à Cofins sobre as receitas decorrentes das operações realizadas pela importadora e sobre a importação, e nada tem de mandatório na esfera estadual para se definir quem são os sujeitos ativo e passivo do ICMS devido na importação, seja em que modalidade esta se processe.

Porém, pode esta distinção feita pela legislação federal ajudar a definir qual deva ser a efetiva e correta interpretação a ser dada ao texto constitucional sobre o termo “destinatário”, empregado no trecho final do parágrafo 2º, IX, alínea “a” do artigo 155 da CF de 1988, e que é de vital importância para se definir quem é o sujeito ativo do ICMS devido sobre as operações de importação de bens e produtos do exterior?

Para responder a esta questão analisemos, a seguir, a jurisprudência de nossa Corte Suprema sobre o tema.

IV - Análise da Jurisprudência sobre a Matéria

O tratamento tributário dado à entrada de mercadoria importada advém da determinação contida no artigo 155, parágrafo 2º, IX, alínea “a” da Constituição da República que prevê que o ICMS caberá ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço.

A Lei Complementar nº 87/1996, em seu artigo 11, ao definir o local da operação e o estabelecimento responsável identifica como sujeito passivo no que se refere à importação o estabelecimento ao qual se destinar fisicamente a mercadoria, e não aquele que efetuou juridicamente a importação.

No ordenamento paulista esta regra vem expressa no artigo 36, inciso I, alínea “f” do RICMS/2000.

Portanto, segundo a legislação infraconstitucional, para efeitos de se determinar o sujeito passivo da exação é necessário se identificar a Unidade da Federação em que se encontra o estabelecimento onde foi procedida a primeira entrada da mercadoria importada. O destinatário físico das mercadorias passa a ser o responsável tributário da operação, e, portanto do recolhimento do tributo. Porém, esse fato seria realmente relevante para se identificar a qual Estado da Federação o ICMS deve ser recolhido?

Antes da promulgação da CF/1988, prevalecia a regra disposta no artigo 23, parágrafo 11, da Constituição de 1969, que determinava a incidência do imposto “sobre a entrada, em estabelecimento comercial”. Com a nova Carta, a redação foi modificada, prevendo a sua incidência sobre “a entrada de mercadoria importada do exterior”, retirando o termo estabelecimento da norma. Logo, foi alterado o aspecto temporal da norma de incidência, e o fato gerador não mais ocorre com a entrada da mercadoria no estabelecimento, mas sim com a entrada do produto no território nacional, no momento do desembaraço aduaneiro. E este posicionamento foi firmado quando da discussão do Recurso Extraordinário nº 193.817-0 pelo Superior Tribunal Federal.

Nesse julgamento, o Ministro Ilmar Galvão assim se manifesta em seu voto:

“com efeito, no sistema anterior, em que se tinha a obrigação tributária como surgida no momento da entrada do estabelecimento do importador, não se fazia mister a alusão ao Estado credor, que não poderia ser outro senão o de situação do estabelecimento. Antecipado o elemento temporal para o momento do recebimento da mercadoria, vale dizer, do desembaraço, fez-se ela necessária, tendo em vista que a entrada da mercadoria, não raro, se dá em terminal portuário ou aéreo situado fora dos limites do Estado de destino da mercadoria. Consagrou a nova Carta, portanto, finalmente, a pretensão, de há muito perseguida pelos Estados, de verem condicionado o desembaraço da mercadoria ou do bem importado ao recolhimento, não apenas aos tributos federais, mas também ao ICMS incidente sobre a operação.”

Neste mesmo sentido foi o voto do Ministro Celso de Mello, que complementa afirmando que “este novo quadro normativo presente na Constituição de 1988 torna insubsistente a Súmula 577 do STF, já que determina a exigibilidade do ICMS antes da entrada física da mercadoria no estabelecimento do importador. Por isso, houve necessidade da regulamentação da matéria via Convênio 66/88, conforme autorização do art. 34, § 8º do ADCT/88.”

E essa evolução legislativa também é notada nos diversos acórdãos já proferidos pelo Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, em especial nos que passaremos a analisar a seguir.

a) “Caso Petrobras” - Recurso Extraordinário nº 289.079 - Data do julgamento 22.6.2004 - Relator Ministro Carlos Britto

Nesse caso concreto, uma empresa situada no Estado de Pernambuco realizou a importação de álcool anidrido - produto isento de imposto naquela localidade - para revendê-lo à Petrobras, localizada no Estado do Rio de Janeiro.

O Estado do Rio de Janeiro, local onde foi desembaraçada a mercadoria, e se localizava a Petrobras, destinatária final do referido produto, entendeu ser ele o sujeito ativo do ICMS devido na referida importação. O ICMS, no caso, deixou de ser recolhido pelo importador (empresa pernambucana) ao Estado do Rio de Janeiro, por ter ele considerado como sujeito ativo do tributo o Estado de Pernambuco, local onde este se encontrava sediado.

A discussão posta nos autos era, basicamente, a abrangência da expressão “cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário das mercadorias” insculpida no final do artigo 155, parágrafo 2º, inciso IX, alínea “a” da Constituição Federal de 1988.

A Corte Suprema decidiu que: “o ICMS incidente na importação de mercadoria não tem como sujeito ativo da relação jurídico-tributária o Estado onde ocorreu o desembaraço aduaneiro - momento do fato gerador - mas o Estado onde se localiza o sujeito passivo do tributo; ou seja, aquele que promoveu juridicamente o ingresso do produto”, e portanto, entendeu que o ICMS era devido ao Estado de Pernambuco.

Portanto, nesse Acórdão duas questões ficaram claramente definidas: (a) o local onde se deu a entrada física da mercadoria não era determinante para estabelecer quem era o sujeito ativo da exação e nem o seu sujeito passivo, pois ela apenas determina o momento da ocorrência do fato gerador do tributo; e (b) o sujeito ativo é “o Estado onde se localiza o sujeito passivo do tributo”; ou seja, “aquele que promoveu juridicamente o ingresso do produto”. Nesse sentido, definiu-se o importador (sujeito passivo) como sendo aquele quem promove juridicamente a importação.

b) “Caso Polaroid” - Recurso Extraordinário nº 268.586-1 - Data do julgamento 24.5.2005 - Relator Ministro Marco Aurélio

Neste outro julgamento, a mercadoria importada fora desembaraçada em São Paulo e destinada diretamente à empresa localizada em São Paulo, sem trânsito físico no Estado em que se localizava o importador jurídico dos bens, situado no Estado do Espírito Santo.

Em seu voto, condutor da decisão, o Ministro Marco Aurélio questiona a legalidade do “Fundap” como benefício fiscal, e entende haver suspeita de simulação, pois na verdade a operação havia sido feita entre o contribuinte paulista e o capixaba para que o capixaba pudesse se beneficiar de redução de imposto.

Mas, a par disso, a razão de decidir foi a de que: (a) a mercadoria apenas circulou no Estado de São Paulo, jamais havendo ingressado no Estado outorgante dos benefícios fiscais; e (b) houve a alteração do elemento temporal quanto à ocorrência do fato gerador, pois na regência da CF/1969, se uma empresa situada em Sergipe importasse pelo Porto de Santos, a circunstância da mercadoria entrar pelo Porto de Santos era absolutamente irrelevante, porque o fato gerador do imposto ocorreria no momento posterior em que aquela mercadoria chegasse a Sergipe e entrasse no estabelecimento. A nova realidade constitucional antecipa o fato gerador para o momento do desembaraço, mas o produto continuou a caber ao Estado onde se situa a empresa importadora.

O Ministro Sepúlveda Pertence, por sua vez, entendeu de maneira diversa, dizendo que: (a) se a decisão fundamentava-se no fato de haver a interposição de uma interposta pessoa para “esconder” quem de fato teria sido realmente o seu importador, e neste caso o contribuinte paulista é quem teria contratado o negócio no exterior, e não o capixaba, ele concordaria em negar provimento ao recurso. Não, porém, se o fundamento fosse não ter havido entrada física ou circulação da mercadoria no estado do Espírito Santo, o que para ele seria irrelevante, conforme já havia sido decidido no “caso Petrobras”.

E, textualmente assim se manifesta: “A empresa cuja sede importa para identificar o Estado credor é a verdadeira importadora; é a compradora no exterior da mercadoria.”

Já o Ministro Carlos Britto, entendeu que não havia fraude consignada pelo tribunal de origem, e mais, que a operação seria legal, porque desde que não seja atentatória aos preceitos legais e constitucionais vigentes, não haveria problema em se procurar a diminuição de carga tributária. Nesse sentido, sua decisão tornou-se importante para mencionar que não há vedação legal à elisão fiscal.

Segundo ele, o ICMS cabe ao Estado em que se localiza o sujeito que promoveu juridicamente o ingresso do produto. E para tanto citou o caso Petrobras, onde o contribuinte de Pernambuco foi quem comprou e mandou entregar diretamente à Petrobras no Rio as mercadorias que importou. No caso Petrobras o destinatário do bem era o real importador e se localizava em Pernambuco, já que só depois é que o produto foi revendido para a Petrobras no Rio de Janeiro.

Ainda afirma que pouco importa o tipo de importação que foi feita, pois diz expressamente: “incontroverso que o domicílio do estabelecimento importador é o Espírito Santo, não importando os pactos particulares mantidos entre as Partes, os quais não poderiam ser opostos à Fazenda Pública”, e sob esses argumentos acaba por dar provimento ao recurso.

Já o voto do Ministro Cezar Peluso é bastante esclarecedor quanto ao que se entende por “importador”, embora não tenha sido vencedor. Inicialmente, discorre sobre o que vem a ser importador, e esclarece que o termo “destinatário” contido no trecho final do parágrafo 2º, inciso IX, alínea “a” do artigo 155 da Constituição deve ser lido e interpretado em consonância com o preceito que, nesse mesmo texto, combinado com o disposto no inciso II do caput do artigo 155, outorga ao Estado competência para instituir o ICMS na importação.

Para o Ministro, o “destinatário da mercadoria” é quem figura como contraente do negócio jurídico que dá origem à operação material de importação, seja esta realizada diretamente, seja por intermédio de terceiro, como por exemplo, no caso de trading. E para tanto coloca duas situações possíveis: (a) ou o importador é o próprio destinatário da mercadoria - compra para uso próprio ou revenda; (b) ou o importador é contratado mediante outro negócio jurídico, apenas para intermediar e facilitar a celebração do negócio jurídico de compra e venda entre o adquirente, que é o destinatário da mercadoria, e o vendedor estabelecido no estrangeiro.

Mas observa que, em ambos os casos, o local do desembaraço da mercadoria não é relevante, pois somente define e determina o aspecto temporal da regra-matriz de incidência - momento em que o tributo se revela devido.

Assim, segundo ele, cumpre indagar quem é o destinatário da mercadoria, e, para tanto, analisa as questões fáticas dos autos, entendendo que: (a) a trading atuou como mera consignatária da mercadoria destinada à empresa paulista - Polaroid - que foi quem de fato atuou como compradora da mercadoria no exterior; e (b) o negócio jurídico de aquisição da mercadoria no exterior se deu entre a referida empresa e a exportadora, agindo a trading como mera representante dos interesses desta e mera consignatária do bem importado.

Para o Ministro, portanto, a trading atuou como mera intermediária na aquisição e não como destinatária da mercadoria, e que, por este motivo, o ICMS seria de fato devido ao Estado de São Paulo, tendo este legitimidade para exigir o referido imposto.

c) “Caso La Violetera” - Recurso Extraordinário nº 405.457 - Data do julgamento 4.12.2009 - Ministro Joaquim Barbosa

Neste caso, o importador das mercadorias situava-se no Estado do Paraná, e as mercadorias teriam sido desembaraçadas no Estado de São Paulo e destinadas (entregues fisicamente) a estabelecimento do mesmo importador localizado em São Paulo.

Inicialmente, o Ministro discorreu que o ICMS está sujeito ao Princípio da Territorialidade, isto é, o imposto cabe ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário das mercadorias, dos bens ou dos serviços.

O destinatário a que alude o artigo 155, parágrafo 2º, inciso IX, alínea “a” da CF é o jurídico, i.e., o destinatário legal da operação da qual resulta a transferência de propriedade do bem, o importador-adquirente. Para ele, a distinção entre destinatário jurídico, físico e aparente da operação é relevante como medida de salvaguarda do pacto federativo em face da guerra fiscal.

Textualmente assim argumenta: “(...) tão pouco é possível considerar juridicamente válida a estruturação de operações que não se justificam em seu propósito negocial. O critério constitucional para a identificação do sujeito ativo do ICMS na importação tem acento na expressão econômica que grava o ato de importação do bem e a função que ele terá para seu destinatário.”

Segundo Joaquim Barbosa, a tese de que destinatário é aquele onde entram fisicamente as mercadorias já não se aplica e está em desacordo com a jurisprudência do STF.

O que o Ministro ressalta é que deve se identificar quem foi o importador, e como importador ele define: “pessoa efetivamente responsável pelo negócio jurídico que subsidiou a operação que trouxe os produtos ao território nacional”.

Como não havia, no caso, indicação de que o estabelecimento da empresa importadora localizada no Estado do Paraná tivesse agido seja como consignatário das mercadorias, ou como intermediário do negócio jurídico de compra e venda no exterior, o Ministro deu provimento ao recurso para entender devido o ICMS ao Estado do Paraná.

IV.1 - Conclusões importantes sobre as decisões acima analisadas

Com exceção do voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio no caso Polaroid, vê-se que a tendência da nossa Corte é conceituar como “destinatário da mercadoria” aquele que realmente não só providencia o desembaraço da mercadoria em solo brasileiro, mas principalmente mantém vínculo direto com o exportador, com ele realizando o negócio jurídico de compra e venda.

Assim, esta seria a correta interpretação a ser dada ao texto constitucional sobre o termo “destinatário”, empregado no trecho final do parágrafo 2º, inciso IX, alínea “a” do artigo 155 da CF de 1988, e que é de vital importância para se definir quem é o sujeito ativo do ICMS devido sobre as operações de importação de bens e produtos do exterior.

Por outro lado, fica claro que a entrada física da mercadoria, antigamente importante para se determinar não só o momento da ocorrência do fato gerador, mas o seu sujeito passivo, já não mais importa para definir a questão atinente ao sujeito passivo e ativo da exação. É irrelevante, portanto, quando e aonde a mercadoria ingressa fisicamente em primeiro lugar.

V - O Reflexo da Jurisprudência do STF sobre Outras Exações

Todavia, embora aparentemente as conclusões acima possam dar a entender que de fato está se consolidando o entendimento do STF quanto à matéria da sujeição ativa do ICMS na importação, em 2011 um interessante recurso, de maneira reflexa, fez ressurgir a análise da questão, agora inclusive para discutir uma tributação reflexa, qual seja a do PIS e da Cofins devidos sobre as receitas da trading, quando a importação não seja feita diretamente pelo próprio adquirente da mercadoria proveniente e contratada no exterior.

A questão discutida nesse processo cinge-se à aplicação ao caso das regras da Medida Provisória nº 2.158-35/2001 que determina que a Cofins e o PIS, em caso de importação por conta e ordem, incidem tão somente sobre o valor da prestação de serviços da trading e não sobre o valor da importação. No caso vertente, a trading, beneficiária do Fundap e localizada no Estado do Espírito Santo, recolheu as referidas contribuições ao Fisco federal com base em seu faturamento (sobre os serviços prestados), e não com base no valor das mercadorias importadas.

Segundo a trading, a importação se realizou sob a modalidade “por conta e ordem”, e, portanto, seu procedimento estaria correto. Ocorre que o tribunal de origem entendeu que, ao efetuar o pagamento do ICMS na importação ao Estado do Espírito Santo, se autodeclarando e intitulando importadora das mercadorias, inclusive para fins de usufruir os benefícios do Fundap, não poderia ter recolhido as referidas contribuições sobre o valor dos seus serviços, mas, sim, deveria tê-lo feito sobre o valor total das importações, pois ao assim agir, declarou-se a importadora real das mercadorias e não apenas uma intermediária na operação.

E isto porque nos casos de importação por conta e ordem, para que a MP nº 2.158-35/2001 possa ser aplicada, e o recolhimento das referidas contribuições possa ser calculado apenas sobre o valor dos serviços prestados, o ICMS deve, a rigor, ser recolhido ao ente da Federação em que se localizasse o verdadeiro importador e destinatário das mercadorias, sendo que o Estado do Espírito Santo, no caso acima, somente poderia ser o sujeito ativo do ICMS se o referido destinatário tivesse ele também estabelecimento no referido Estado.

Ao aceitar a Repercussão Geral do RE nº 635.4457, o Ministro Relator Dias Toffoli entende que: (a) a norma da MP nº 2.158-35/2001 determina que a Cofins e o PIS em caso de importação por conta e ordem incidem tão somente sobre o valor da prestação de serviços e não sobre o valor da importação, que representará o faturamento do adquirente; (b) o benefício fiscal estabelecido pelo Fundap tem como pressuposto que a empresa que nele venha a ser admitida possua sede no Espírito Santo e recolha imposto (ICMS sobre a importação) para esse Estado; e (c) a incidência do ICMS na importação é concretizada pela transferência de propriedade do bem do exportador para o seu destinatário - importador.

Diante dessas premissas, o Ministro Dias Toffoli coloca a questão de duas formas: ou a operação de importação é uma compra e venda direta (ou por encomenda), com transferência da propriedade do exportador para a empresa “Fundapiana” (que no caso era a importadora e recorrente), e o recolhimento do ICMS se dá ao Estado do Espírito Santo, beneficiando-se a mesma do sistema Fundap, e por consequência, recolhendo o PIS e a Cofins sobre o valor total da importação; ou a operação trata de simples importação por conta e ordem de terceiros e, neste caso, o PIS e a Cofins incidentes sobre a receita da trading seriam recolhidos apenas sobre o valor dos serviços, e o ICMS, neste caso, seria devido ao Estado onde se localizasse o destinatário dos bens, ou seja, o Estado da Federação em que estiver estabelecido o adquirente - que não poderá ser beneficiado pelo Fundap se não se encontrar sediado no Espírito Santo.

De acordo ainda com o Tribunal de origem, “se a Trading (Recorrente) é empresa vinculada ao Fundap e recolhe o ICMS para o Espírito Santo, em seu próprio nome, é porque se qualifica como destinatária das mercadorias e não simples consignatária, conforme os ditames do artigo 155, § 2º XI da CF. A partir de tais premissas a mesma situação fática subjacente não pode ser interpretada de maneiras distintas, apenas para alcançar benefícios fiscais, sob pena de se endossar hipótese de simulação.” Com esse entendimento, afastou, em seu julgamento, a aplicação da MP nº 2.158-35/2001 e das IN SRF nos 75 e 98, ambas de 2001.

O Recurso foi admitido como sendo de repercussão geral, e a matéria será julgada oportunamente pelo Superior Tribunal Federal.

Diante desse quadro fático, e diante inclusive de outro recurso extraordinário que também foi admitido como sendo de repercussão geral8, verificamos que a matéria sobre a sujeição ativa do ICMS, e a definição da base de cálculo tanto das contribuições para o PIS e a Cofins incidentes sobre a importação como sobre as receitas decorrentes dos serviços da trading, quando esta figurar como importadora (seja por conta e ordem seja por encomenda) ainda pende de uma efetiva análise final da referida Corte Constitucional.

VI - Tributação Reflexa do PIS e da Cofins-importação em Face do Recolhimento do ICMS a Estado Diverso Daquele Considerado pela Legislação como sendo o Legítimo Sujeito Ativo

De tudo quanto acima se expôs, vê-se que é importante examinar e determinar quem é o verdadeiro importador das mercadorias para se definir, inicialmente em relação ao ICMS devido na importação, quem é o sujeito passivo e, como consequência, quem é o sujeito ativo desse tributo.

De fato, entendemos que, nas importações diretas, onde o adquirente é aquele quem realiza ele próprio a importação, contratando diretamente com o exportador o negócio jurídico de compra e venda internacional, não há dúvidas de quem seja o sujeito passivo do tributo. Neste caso, sendo ele o sujeito passivo, o ICMS será por ele devido, por ocasião do desembaraço aduaneiro, ao Estado onde se encontrar localizado. Nestes casos, não importa onde as mercadorias serão desembaraçadas, pois o ICMS sobre a importação será sempre recolhido ao Estado da Federação onde estiver sediado o importador, que é a pessoa do destinatário das mercadorias para os efeitos do quanto determina o preceito constitucional (artigo 155, parágrafo 2º, inciso XI, da CF/1988).

A dificuldade se inicia quando o importador é uma terceira pessoa, que pode ser contratada tanto para adquirir diretamente a mercadoria no exterior, e ela própria realizar o negócio jurídico com o exportador, fechando o câmbio e pagando diretamente a ele as mercadorias importadas, para posteriormente revendê-las depois de nacionalizadas para quem a contratou (importação que a legislação federal trata como sendo “por encomenda” e que neste caso se equipara a uma compra direta), como pode ser contratada apenas como intermediária para realizar o processo de importação e desembaraço aduaneiro, sendo mera intermediária e não sendo responsável pelo fechamento do negócio no exterior, especialmente pelo pagamento das mercadorias, que é feito diretamente pela empresa contratante dos seus serviços (importação a que a legislação federal nomina como sendo “por conta e ordem”).

A nós nos parece que no primeiro caso (e sem considerar a legislação federal para decidir sobre a questão do ICMS), em que esse terceiro - trading ou comercial importadora - é contratado para realizar o negócio internacional e todo o processo de importação, e depois tem a obrigação contratual (ou não) de revender tais mercadorias, em uma nova operação, agora integralmente realizada dentro do território nacional, onde o pagamento dessa mercadoria é feito pelo comprador nacional diretamente a ele, sendo que o que se paga é a mercadoria adquirida em solo brasileiro e não os serviços prestados por terceiro - trading ou comercial importadora -, o ICMS será devido ao Estado da Federação onde se localiza esse terceiro (trading ou comercial importadora), que neste caso, de fato e de direito é o real importador das mercadorias, ainda que tenha realizado a importação por interesse e por encomenda de alguém. O adquirente nacional e encomendante dessas mercadorias será sempre o seu destinatário, porém o efetivo importador e sujeito passivo do ICMS devido pela importação será o terceiro - trading ou comercial importadora - que é quem realizou o negócio jurídico de compra e venda internacional junto ao exportador no exterior.

Já no segundo caso, não há como não visualizar o terceiro - trading ou comercial importadora - como um mero intermediário do negócio realizado entre o real adquirente das mercadorias e o exportador, localizado no exterior. Não é o terceiro quem paga pelas mercadorias, não é ele quem fecha o contrato de câmbio, não é ele quem assume o risco do negócio em relação ao exportador. Ora, não há como se pretender imputar a ele, simplesmente porque realiza o processo de importação, que, neste caso, nada mais é do que um serviço de despachante sofisticado, a qualificação de “destinatário” nos termos do texto constitucional. Aqui, o real destinatário para os fins constitucionais (embora não possa ser chamado tecnicamente como importador por não figurar na declaração de importação como tal), é aquele quem contratou o terceiro - trading ou comercial importadora - para realizar tal serviço. Assim sendo, o ICMS deverá ser pago ao Estado da Federação onde este último se localiza e não ao ente federado em que o terceiro constante da Declaração de Importação como importador está sediado. E aqui não importa o local onde se dá o desembaraço aduaneiro, nem tampouco para quem as mercadorias serão remetidas, supondo que o destinatário real encaminhe-as diretamente a uma outra pessoa. A mercadoria, inclusive, em nosso ponto de vista, pode ser remetida diretamente para ser industrializada, para só depois adentrar no estabelecimento do real destinatário. Tal fato não retira deste a qualidade de sujeito passivo do ICMS devido pela importação que realizou através da trading ou da comercial importadora, especialmente contratada por ele como intermediária e consignatária dos referidos bens.

Definido quem é o destinatário real das mercadorias importadas define-se, como consequência lógica, quem é o sujeito ativo do ICMS, e este fato pode influenciar a base de cálculo das contribuições para o PIS e a Cofins incidentes sobre as operações de importação, nos termos da Lei nº 10.685/2004 e também ao PIS e à Cofins nos casos previstos pela MP nº 2.158-35/2001. E aqui é justamente onde começam os problemas, como apontado no julgamento do caso Eximbiz, pois o ICMS está intimamente ligado ao valor das referidas contribuições: se este for recolhido erroneamente terá repercussão e reflexo no valor recolhido nas mencionadas contribuições sociais.

E isto é fácil de constatar. Tomemos como exemplo o “caso Eximbiz” que se encontra em julgamento no STF, onde a trading importadora se localiza no Estado do Espírito Santo, sendo ela beneficiária do Fundap. No referido julgamento, a importação foi feita segundo a modalidade “por conta e ordem” (de acordo com as alegações da trading). Portanto, o real destinatário das mercadorias importadas não seria ela, mas quem a contratou para a realização da importação, que não se localizava no mesmo Estado da trading. De acordo com o que acima concluímos, o ICMS devido na importação deve ser recolhido ao ente federativo onde se localiza o estabelecimento responsável pela conclusão efetiva do negócio jurídico internacional de compra e venda, que neste caso não seria a trading. Por este motivo, a nosso ver, não só o benefício fiscal não poderá ser aproveitado pela trading, como o valor do PIS e da Cofins devido na importação deverá ser sempre calculado levando-se em consideração o valor do ICMS apurado de acordo com as normas do Estado a quem cabe o recolhimento do tributo.

Se assim é, a prevalecer o entendimento acima, um grande problema se apresentará, na prática, aos contribuintes e aos nossos tribunais em breve. E isto porque, na grande maioria dos casos, as tradings e comerciais importadoras quando importam sob a condição “por conta e ordem” admitindo, portanto que são meras intermediárias e não são as reais importadoras dos bens, efetuam o recolhimento ao Estado onde se localizam, pois estes Estados, no mais das vezes, concedem incentivos fiscais, reduzindo o valor do ICMS devido na importação, ou mesmo isentando-o. Com isso, embora o ICMS na importação devesse ser recolhido por elas ao Estado onde se localiza o destinatário das mercadorias, isso não acontece, o que faz com que, por via reflexa, as contribuições sociais devidas sobre a importação e que incluem em sua base de cálculo o ICMS devido na mesma operação, sejam recolhidas a menor, pois a base de sua incidência, em função do benefício concedido por aquele Estado, passa a ser menor. Ao fazer isso, não só estão recolhendo o ICMS devido na operação de importação a ente diverso do que o devido, como também estão deixando de recolher corretamente as contribuições para o PIS e a Cofins na importação, já que a base de cálculo é diversa da efetivamente devida.

E mais, a partir do momento em que a trading realiza uma operação que ela própria declara ser “por conta e ordem” na declaração de importação, na forma como determina a legislação federal, para recolher o PIS e a Cofins referente às suas receitas de serviço e não sobre o valor total das mercadorias, na forma determinada na MP nº 2.158-35/2001, e ao mesmo tempo procede ao recolhimento do ICMS a ente diverso daquele que seria o correto, como se estivesse importando “por encomenda”, ou fosse ela a real destinatária das mercadorias, abre-se a possibilidade para ela de um novo passivo fiscal, já que poderá vir a ser-lhe exigido o PIS e a Cofins não sobre os serviços que prestou, mas sobre o valor total das mercadorias importadas, como se realmente tivesse importado “por encomenda” e “não por conta e ordem”, conforme se deu no caso Eximbiz. E neste caso, isso ocorrerá não por conta de ter ela desrespeitado a legislação federal, mas, sim, por ter desrespeitado a legislação estadual.

VII - Conclusões

Concluindo, como demonstramos acima, determinar a quem cabe o produto do ICMS devido na importação, ou seja, qual é o Estado da Federação que deve ser considerado como o seu sujeito ativo, terá grande e vital influência sobre os outros tributos a serem recolhidos e decorrentes da mesma operação, como mínimo em relação ao PIS e à Cofins devidos sobre as receitas decorrentes da importação e ao PIS e à Cofins devidos no momento do desembaraço aduaneiro pela própria importação.

Outro fato importante é que a partir do advento da Lei nº 10.685/2004, que instituiu o “PIS e a Cofins importação”, o ICMS a ser recolhido na importação, de acordo com a legislação estadual de São Paulo e de outros Estados, passou a incluir em sua própria base de cálculo o valor dessas contribuições. Assim, se o ICMS na importação for recolhido de maneira incorreta e para ente diverso do legítimo, quase que automaticamente se verificará que o PIS e a Cofins Importação poderão ter sido recolhidos em valor menor do que o devido, e os Estados que têm direito a reclamar pelo imposto não pago poderão, ao menos em tese, pleitear, inclusive, a diferença de valor que o recolhimento a menor do PIS e da Cofins importação causou e impactou na base de cálculo do ICMS devido.

Os efeitos realmente podem ser avassaladores, indo muito além do que a simples, mas até hoje não resolvida, questão de se definir o conceito jurídico do termo “destinatário” consignado no texto constitucional pode resultar.

Podemos ainda perguntar se, diante deste quadro, as autoridades fazendárias federais estão autorizadas a discutir a questão da sujeição ativa do ICMS devido na importação para pretender receber diferenças tributárias sobre o PIS e a Cofins que não tenham sido recolhidas corretamente, como acima se expôs, especialmente nos casos em que as importações se derem “por conta e ordem”. E ainda se os Estados também poderão fazer o mesmo, já que discutiriam, de forma reflexa, que na base de cálculo do ICMS devido se incluem tributos federais que podem ter deixado de ser calculados corretamente, o que impactaria no valor final do tributo devido a esses entes federados.

Esta discussão merece um novo estudo, diante da complexidade das questões que dela decorrem, e não nos propomos respondê-las neste trabalho, mas apenas suscitá-las, tendo em vista que entendemos ser o tema de extrema relevância e que merecerá, futuramente, uma atenção maior de nossos tribunais.

1 Caso Eximbiz - Repercussão Geral em RE nº 635.445 - Espírito Santo - Julgamento em 21.4.2011 - Ministro Dias Toffoli; Caso FMC Química do Brasil - Repercussão Geral no RE nº 665.134 - Minas Gerais - Julgamento em 10.2.2012 - Ministro Joaquim Barbosa.

2 Sobre o assunto, também dispunham a Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal (IN/SRF) nº 75, alterada pela IN/SRF nº 98, ambas de 2001, bem como o Ato Declaratório Interpretativo (ADI) nº 7/2002.

4 Art. 11. A importação promovida por pessoa jurídica importadora que adquire mercadorias no exterior para revenda a encomendante predeterminado não configura importação por conta e ordem de terceiros. § 1º A Secretaria da Receita Federal: I - estabelecerá os requisitos e condições para a atuação de pessoa jurídica importadora na forma do caput deste artigo; e II - poderá exigir prestação de garantia como condição para a entrega de mercadorias quando o valor das importações for incompatível com o capital social ou o patrimônio líquido do importador ou do encomendante. § 2º A operação de comércio exterior realizada em desacordo com os requisitos e condições estabelecidos na forma do § 1º deste artigo presume-se por conta e ordem de terceiros, para fins de aplicação do disposto nos arts. 77 a 81 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001. § 3º Considera-se promovida na forma do caput deste artigo a importação realizada com recursos próprios da pessoa jurídica importadora, participando ou não o encomendante das operações comerciais relativas à aquisição dos produtos no exterior.” (Incluído pela Lei nº 11.452, de 27 de fevereiro de 2007)

6 A fim de disciplinar essa prestação de serviços de importação, a Receita Federal do Brasil, editou a Instrução Normativa SRF nº 225, de 2002, que estabelece requisitos e condições para a atuação de pessoas jurídicas importadoras em operações procedidas por conta e ordem de terceiros e a IN SRF nº 247, de 2002, que estabelece, entre outros, obrigações acessórias, tanto para as empresas importadoras por conta e ordem, quanto para as empresas adquirentes.

7 Caso Eximbiz - Repercussão Geral em RE nº 635.445 - Espírito Santo - Julgamento em 21.4.2011.

8 Recurso Extraordinário com Agravo nº 665.134 - Minas Gerais - Ministro Joaquim Barbosa - observações do Ministro: “lembro que os contratos de importação por conta e ordem de terceiros e por encomenda projetam elementos imprescindíveis para caracterização do quadro fático-jurídico, de modo a caracterizar o importador como destinatário final ou como mero intermediário na operação. (...) Ademais, a entrada física da mercadoria no estabelecimento é outro dado cuja importância ainda carece de análise mais aprofundada nesta Corte. Esse ponto pode ou não ser relevante conforme se considere constitucionalmente válida a entrada ficta, utilizada pela legislação tributária.”