Ordem Econômica e Neutralidade Concorrencial Tributária: o Caso da Substituição Tributária “para Frente”

Mateus Calicchio Barbosa

Advogado em São Paulo.

Resumo

O presente artigo tem por escopo evidenciar as implicações concorrenciais da substituição tributária “para frente”, verificando, a partir da análise do princípio da livre concorrência na Constituição e da relação deste com a tributação, se o conteúdo do princípio da neutralidade concorrencial tributária do Estado implicaria sua inconstitucionalidade.

Palavras-chave: livre concorrência, neutralidade concorrencial tributária, substituição tributária.

Abstract

This article intends to show the competitive implications of the tax substitution and to verify, from the analysis of the free competition principle in the Constitution and its relation to taxation, if the content of the State’s competitive tax neutrality would imply its unconstitutionality.

Keywords: free competition, competitive tax neutrality, tax substitution.

I. Introdução

É sabido que a devida compreensão da norma tributária não pode se limitar ao seu efeito arrecadador1. Neste sentido, além de cumprir papel determinante no financiamento do Estado através de receitas derivadas, a norma tributária é também instrumento apto a produzir os mais diversos efeitos sobre o comportamento dos contribuintes, o que revela, assim, seu caráter indutor enquanto meio de intervenção do Estado sobre o domínio econômico. Dessa forma, há que se considerar que as normas tributárias indutoras não se limitam ao quanto disposto pela Constituição Federal no capítulo da ordem tributária; a tais normas, aplicam-se também as disposições constitucionais relativas à ordem econômica.

O caso da substituição tributária, em sua modalidade “para frente”, é revelador dos efeitos indutores que a norma de Direito Tributário pode assumir, evidenciando o vínculo entre a disciplina dos tributos e a ordem econômica. A substituição tributária, como se sabe, é regime que busca facilitar a arrecadação e a fiscalização dos tributos, atuando de forma significativa no combate à sonegação fiscal. É dizer, a substituição prestigia o “princípio da praticabilidade”, materializado nos meios e técnicas utilizáveis com o objetivo de tornar simples e viável a execução das leis, assim como de facilitar sua aplicação2. Dessa forma, ao combater a sonegação fiscal e a consequente vantagem competitiva do empresário sonegador, vê-se que a substituição promove a livre concorrência, arrolada como princípio balizador da ordem econômica pelo artigo 170, VI, da Constituição Federal.

Entretanto, diante do fato de a substituição tributária “para frente” permitir que a incidência do tributo se dê não sobre o valor real da venda de determinado produto ao consumidor final, mas antes sobre um montante médio e presumido do preço de venda do produto, pode-se cogitar efeitos deletérios para a livre concorrência. Logo se vê a situação paradoxal em que se encontra a disciplina da substituição tributária “para frente”: apesar de ter sido criado como um instrumento para, ao combater a sonegação fiscal, promover a livre concorrência, o referido mecanismo também pode mostrar-se potencialmente nocivo a tal princípio ao dar causa a distorções concorrenciais.

Neste contexto, o propósito do presente estudo é o de evidenciar as implicações concorrenciais do mecanismo da substituição tributária “para frente”, verificando se o conteúdo do princípio da neutralidade concorrencial tributária do Estado implicaria sua inconstitucionalidade.

Para tanto, analisar-se-á o princípio da livre concorrência, de modo a precisar sua posição no arranjo entre finalidade, fundamentos e princípios da ordem econômica constantes do artigo 170 da Constituição Federal. Abordar-se-á, então, a relação entre livre concorrência e tributação, questionando-se o significado e o conteúdo do princípio da neutralidade concorrencial tributária. Após tais etapas, passar-se-á à apresentação de breves comentários sobre os contornos da substituição tributária “para frente”, para, então, estudar-se sua relação com a livre concorrência. Do quadro resultante de tal análise, pretende-se verificar se o instituto representa lesão ao princípio da neutralidade concorrencial tributária do Estado, e se tal ofensa, caso constatada, é suficiente, por si só, para se ter o mecanismo por inconstitucional.

Sendo a livre concorrência um princípio, cumpre mencionar que o presente estudo tem como pressuposto para o seu desenvolvimento, no que se refere à colisão entre princípios e à diferença destes em relação às simples regras, as noções elaboradas por Robert Alexy3 e desenvolvidas, no Brasil, por Virgílio Afonso da Silva. Isso porque, encontrando-se o estudioso diante das mais variadas teorias que conceituam princípios em oposição às regras, espera-se coerência metodológica no tratamento do tema4.

II. A Constituição Econômica de 1988: entre Fins, Fundamentos e Princípios

Não obstante se espalhem por todo o texto constitucional os dispositivos que possuem relação de pertinência com a disciplina da ordem econômica5, as bases constitucionais do sistema econômico encontram-se entre os artigos 170 e 192 da Constituição Federal de 19886. Pode-se dizer, assim, que se encontra consubstanciada no Título VII da Carta de 1988 a “Constituição Econômica brasileira”7.

Entende-se, por “Constituição Econômica”8, a “parte da Lei Maior que cuida da regulação da vida econômica, fixando seus princípios fundamentais, determinando algumas regras básicas e definindo, por assim dizer, os atores principais da vida econômica”9, ou, nas palavras de Schoueri, “o conjunto das normas que se impõem ao Estado na matéria econômica”10. A expressão remonta à obra de Baudeau, quando este, indicando a necessidade de uma legislação de caráter econômico para a regulamentação da vida social, utilizou-a em um dos capítulos de sua obra Première Introduction a la Philosophie Économique11.

As Constituições brasileiras, notadamente após 1946, referem-se, no capítulo destinado à ordem econômica, a princípios, bases, fins e fundamentos, denotando, como ressalta Fábio Nusdeo, “evidente mistura de conceitos e visões hermenêuticas”. Cita-se, como exemplo, o desenvolvimento econômico, que, embora considerado um “fim” na Constituição Federal de 1967, tornou-se um “princípio” com o advento da Emenda Constitucional nº 1, de 196912.

A partir da leitura do caput do artigo 170 da Constituição Federal, nota-se que, no atual texto constitucional, a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Constata-se, assim, que o artigo citado apresenta, em seu caput, não só a finalidade da ordem econômica constitucional, como também os seus fundamentos, arrolando, em seus incisos, os princípios que informam a referida ordem.

Tem-se, de imediato, o fim a que se preza a ordem econômica constitucional, qual seja, “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. Sobre tal finalidade, assinala Schoueri tratar-se da construção de uma “sociedade na qual seja valorizada a pessoa humana, com existência digna, num ambiente de justiça social”13, em coerência com os objetivos da República presentes no artigo 3º (notadamente a construção de uma “sociedade livre, justa e solidária”) e o princípio constante do inciso III do artigo 1º da Constituição Federal (dignidade da pessoa humana).

Verificado qual é o fim da ordem econômica prevista constitucionalmente, importa diferenciar a ideia de “fundamentos”, contidos no caput do artigo 170 da Constituição Federal, da noção de “princípios” da ordem econômica, que se encontram arrolados nos incisos do referido artigo.

Tal postura é relevante: conforme ensina Washington Peluso Albino de Souza, muito embora o uso jurídico dos termos “fundamentos” e “princípios” tende a ser maldefinido, o constituinte de 1988 revelou preocupação em distinguir as duas noções nos artigos referentes à Constituição Econômica, mesmo porque destacou em Capítulo os “Princípios gerais da atividade econômica”14. Neste sentido, o referido autor, utilizando-se do conceito aristotélico de fundamento enquanto “causa no sentido de razão de ser” e da ideia de princípio como “ponto de partida”, toma o fundamento “como a causa da ‘ordem econômica’ instituída no texto constitucional, ligando-se, portanto, ao próprio objetivo por ela pretendido”, ao passo que os princípios correspondem aos “elementos pelos quais aquela ‘ordem’ se efetivará, ou seja, o ponto de partida para esta efetivação e que não pode ser relegado”.

Assim, a finalidade a que se propõe o Título VII da Constituição Federal (“assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”) deve ser atingida a partir da conjugação dos dois valores eleitos como fundamentos da ordem econômica constitucional. A partir de tal constatação, Schoueri nota que a presença dos dois elementos (livre-iniciativa e valorização do trabalho humano) em conjunto, por duas vezes (artigo 170 e artigo 1º, inciso IV) na Constituição Federal indicaria a opção constitucional pelo convívio harmônico entre ambos: não pode um valor ser reduzido à custa da promoção do outro, devendo a ordem econômica resolver-se de modo que “a livre-iniciativa seja a forma como se dará a valorização do trabalho humano, ou, noutro sentido, seja a valorização do trabalho humano uma garantia para o exercício da livre-iniciativa”15. O Estado deve promover ambos os valores, servindo estes de diretrizes para a sua atuação com vistas a alcançar a existência digna para todos: os fundamentos da ordem econômica, enquanto sua causa ou razão de ser, ligam-se ao seu próprio objetivo.

Ao Estado, cabe assegurar os fundamentos da ordem econômica a partir de seus princípios16. Estes servem, então, à conformação do processo econômico, através do condicionamento da atividade econômica a determinados fins políticos do Estado17. É dizer, na linha do raciocínio de Modesto Carvalhosa, que os fenômenos econômicos não são mais encarados pelo Estado como objetos de um processo evolutivo natural, mas que, ao contrário, correspondem a uma realidade passível de ser “politicamente plasmada e dirigida, mediante uma ação consciente e construtiva, visando os objetivos amplíssimos do Estado”18.

Em síntese, conclui-se, a partir do arranjo constante do artigo 170 da Constituição Federal, que a ordem econômica não se destina a garantir a livre-iniciativa, a valorizar o trabalho humano, ou ainda a promover a livre concorrência. Como visto, a finalidade da ordem econômica é assegurar a todos existência digna, e os referidos valores, ao lado dos demais princípios constantes dos incisos do artigo 170, correspondem a meios, ou balizas, para que o fim mencionado seja atingido.

Por outro lado, a finalidade a que se preza a ordem econômica não pode ser perseguida em detrimento de qualquer de seus princípios, como a defesa do meio ambiente ou a busca do pleno emprego. Devem os princípios arrolados ao longo do artigo 170 da Constituição Federal sempre serem vistos em relação de interação, não havendo que se falar de princípios que, por supostamente possuírem peso maior que os demais, prevaleceriam sobre outros. Ou seja, não se tratando a Constituição Federal de simples agregado de normas, mas de verdadeiro sistema, o conjunto de princípios constante do artigo 170 devem ser ponderados em sua globalidade19.

Daí a ideia da ponderação, que, encarada com a devida ressalva no que se refere à impropriedade de eventual relação de prevalência, implica reconhecer que, diante de uma situação concreta, os princípios conformadores da ordem econômica agem tais quais vetores cuja combinação indica a direção a ser seguida pelo corpo20. Compreensível, assim, a assertiva de Hugo de Brito Machado Segundo, para quem os princípios da ordem econômica devem ser encarados de forma equilibrada e proporcional, sem que o “desmedido elastério dado a um” venha a diminuir “o outro além do que seria admissível”21.

Sem se perder de vista que a análise da extensão da livre concorrência, enquanto princípio constitucional da ordem econômica, não se completa em termos abstratos, mas, ao contrário, pressupõe que esta seja encarada não de maneira isolada, mas sempre em interação com os demais princípios do artigo 170 da Constituição Federal diante da circunstância concreta, cumpre ao presente estudo verificar quais são os traços que caracterizam esse valor na Carta de 1988, que, pela primeira vez em nossa história constitucional, o elevou à condição de princípio. Isso porque a livre concorrência, consagrada enquanto princípio pela Constituição Federal, possui conteúdo estrutural próprio, revelado a partir de sua interação com os demais valores constantes do artigo 170 da Constituição22.

III. A Livre Concorrência na Constituição de 1988

3.1. Livre concorrência e livre-iniciativa

A Constituição Federal de 1988 consagra, em seu artigo 170, inciso IV, a livre concorrência como um princípio da ordem econômica - princípio, este, que é corolário da livre-iniciativa, fundamento da ordem econômica constitucional. Neste sentido, encontrando-se, no artigo 170, a livre concorrência como “princípio” e a livre-iniciativa como “fundamento”, nota-se que a Constituição Federal estabelece uma distinção entre livre-iniciativa e livre concorrência23. Isto é, embora em uma análise superficial possa o intérprete ser levado a crer tratar-se de identidade a relação entre a livre-iniciativa e a livre concorrência, não são os dois princípios correspondentes, embora estejam nitidamente ligados24.

Não obstante sejam distintos, ambos os valores, mesmo porque parte de uma mesma ordem econômica, possuem conteúdo que se apresenta complementar25. Neste sentido, embora possa existir livre-iniciativa sem livre concorrência, não há que se cogitar a existência de livre concorrência onde a livre-iniciativa não esteja assegurada26. Assim, consagrou-se, na doutrina, a ideia de que a livre concorrência deriva da livre-iniciativa27. Dessa forma, pode-se dizer que a contraposição da livre-iniciativa ao princípio da livre concorrência é, nas palavras de Diego Bomfim, “exigência de racionalidade interpretativa”28.

A compreensão da livre-iniciativa costuma associar-se, tradicionalmente, a uma ideia liberal de liberdade, enquanto desfrute de liberdades individuais face a um Estado que se pretenda omisso no que se refere à atuação do particular no domínio econômico. Em tal forma de entender, a livre-iniciativa corresponderia apenas à liberdade de se lançar a determinada atividade econômica sem restrições por parte do Estado29.

Entretanto, como se pode ver no próprio caput do artigo 170 da Constituição Federal, não se pode afastar a livre-iniciativa do outro fundamento da ordem econômica constitucional, a valorização do trabalho humano. Assim, assiste razão a Eros Grau quando este assinala que a livre-iniciativa possui conteúdo amplo, que não esgota nas noções de “liberdade econômica” ou “liberdade iniciativa econômica”, que possuem forte conotação liberal e são voltadas tão somente à liberdade de comércio30. Daí é que não se confere à livre-iniciativa, enquanto fundamento da ordem econômica prevista pela Constituição Federal de 1988, feições de cunho exclusivamente liberal e capitalista, no sentido de uma liberdade absoluta de iniciativa econômica em face do Estado.

Neste sentido, cabe considerar a lição de Calixto Salomão Filho, para quem a livre-iniciativa “não é sinônimo de liberdade econômica absoluta”, mas, enquanto princípio inserido no caput do artigo 170, é “cláusula geral cujo conteúdo é preenchido pelos incisos do mesmo artigo”, os quais “claramente definem a liberdade de iniciativa não como uma liberdade anárquica, porém social, e que pode, conseqüentemente, ser limitada”31.

3.2. A livre concorrência e o princípio da neutralidade concorrencial do Estado

É com o advento da Revolução Industrial e com a consagração do liberalismo econômico, no século XVIII, que a noção de mercado, deixando de ser relacionada apenas ao local onde as pessoas se reúnem em torno de trocas, funde-se à ideia de livre concorrência; passou o mercado liberal, então, a trazer a noção de livre concorrência como correlata32.

Assim é que se atrelou a livre concorrência, em sua gênese, ao ideário liberal que, por ser marcado pela não intervenção do Estado na economia, conferia a esse princípio um valor absoluto, intimamente ligado à noção liberal de livre-iniciativa33. No Brasil, fez-se sentir a influência liberal na Constituição do Império, de 1824, e na Constituição da República, de 1889, que não trataram do tema concorrencial. À época, a concorrência era encarada como um fato econômico regido por regras próprias, ditadas naturalmente pelo mercado, e que, dessa forma, dispensava qualquer tratamento específico por parte do Direito34.

Embora se reconheça a importância da doutrina liberal em associar a ideia de mercado à livre concorrência, não é com o sentido próprio àquela época que a livre concorrência deve ser entendida no contexto da Constituição de 1988. À semelhança da leitura da livre-iniciativa enquanto fundamento da ordem econômica na Constituição de 1988, não pode a livre concorrência, que é princípio desta mesma ordem, ser entendida em acepção simplesmente liberal, no sentido de mera forma de se assegurar o equilíbrio atomístico sustentado pelo liberalismo tradicional35. Para longe de uma concepção com tal jaez, deve-se entender a livre concorrência, na esteira do raciocínio de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, como verdadeiro instrumento de tutela do consumidor. A partir de tal premissa, o referido autor enxerga a livre concorrência não só sob o ponto de vista político, em que se afigura a livre concorrência como garantia de iguais oportunidades a todos os agentes econômicos (forma de desconcentração do poder), mas também sob um ponto de vista social, onde se conclui que a competitividade (elemento comportamental definidor da livre concorrência) deve garantir uma sociedade mais equilibrada, gerando “extratos intermediários entre grandes e pequenos agentes econômicos”36.

Não é diferente o entender de André Elali, para quem a livre concorrência implica a proteção de valores que vão além de um conteúdo individualista, como a melhor distribuição da renda, a estabilização da economia e a promoção da ideia de justiça37. Torna-se a livre concorrência, à semelhança da livre-iniciativa, uma liberdade regrada e condicionada, valorada a partir de seu conteúdo social38. Destarte, deve o Estado, em seu papel normativo e regulador, atuar em nome do interesse comum, e nunca em prol de interesses privados, no sentido de se assegurar a ausência de privilégios na concorrência entre os agentes que atuam em determinado mercado39.

Nega-se, assim, a noção liberal segundo a qual a livre concorrência corresponda a um direito subjetivo, uma liberdade irrestrita dos agentes econômicos, relacionando-se antes a tutela da concorrência à proteção dos consumidores e da coletividade em geral40. Em outras palavras, de uma liberdade subjetiva e irrestrita de cada agente que atua no mercado, passa a livre concorrência a relacionar-se à sociedade como um todo41.

Ou seja, como bem aponta André Elali, atualmente, não se pode entender por mercado, à maneira como o fazia o liberalismo clássico, um estado de natureza, marcado por conflito irrestrito e anárquico entre seus agentes; este, hoje, é fruto da vontade do legislador42. Não é diferente a lição de Schoueri, quando este constata que, embora a livre concorrência esteja ligada, na sua gênese, à ideia de liberdade, este conceito, atualmente, não é mais o mesmo do século XIX, já que, em nosso ordenamento, ela foi eleita pelo constituinte como um critério para a busca da existência digna de todos43.

Há que se ver que, em verdade, mesmo no Estado liberal clássico não havia que se entender, por livre concorrência, um direito ilimitado dos comerciantes, existindo, já naquela época, restrições estatais sobre a concorrência com vistas a atender ao interesse público44.

Cabe ver que não é só por conta de um ilegítimo viés privatístico e de uma suposta falta de conteúdo social que não se deve tomar a livre concorrência liberal como conteúdo do princípio da livre concorrência na ordem econômica constitucional: ainda que se afastassem tais objeções, demonstrou-se ser a “concorrência perfeita” postulada pelo liberalismo nada mais que um ideal, inalcançável na prática. Imagina-se, por concorrência perfeita, a circunstância onde o número de empresas vendendo um produto homogêneo é grande e atomizado, de modo que, por ser a participação de cada um tão pequena, nenhum dos agentes pode influenciar o preço através de variação da oferta45.

Pode-se dizer, na esteira do raciocínio de Ricardo Seibel, que, sequer em um Estado liberal ideal, cuja característica determinante é a mínima interferência pública sobre o espaço próprio aos agentes privados, seria admissível conceber uma noção absoluta de concorrência, onde a disputa é sem limites, uma vez que, mesmo em tal contexto, alguma restrição se faria impor à concorrência, ainda que pelas próprias forças e mecanismos do mercado46.

Ademais, como se sabe, a livre concorrência, em sua plenitude liberal, pressupõe elementos como homogeneidade de produtos, atomicidade do mercado, transparência de preços e mobilidade de fatores de produção - elementos, estes, que são ideais em um mercado perfeito mas, como demonstrado à exaustão pela literatura econômica do século XX, são facilmente afastados pela realidade do mercado, que apresenta falhas em sua própria estrutura47.

Assim, o princípio constitucional da livre concorrência não pode ser confundido com a concorrência perfeita liberal ideal, uma vez que esta, concretamente, é inalcançável, já que a realidade apresenta óbices aos seus pressupostos: a atomização dos agentes contrasta com a existência de concentração econômica e monopólio natural; a mobilidade dos fatores de produção esbarra em barreiras à entrada de novos agentes e em custos elevados para a migração de atividade econômica (sunk costs); a homogeneidade dos produtos se revela, na prática, inexistente, já que estes se diferenciam em razão de preferências específicas dos consumidores; a assimetria de informação entre os agentes econômicos mostra-se dificilmente superável; a existência de economias de escala é comum e deriva do avanço tecnológico aplicado aos fatores de produção; por fim, não se pode negar a existência de externalidades (custos e benefícios relacionados à prática da atividade econômica), tanto negativas quanto positivas, a comprometer a ideia de uma concorrência perfeita48.

Dessa forma, demonstrando-se afastada uma leitura de viés liberal do princípio no âmbito da ordem econômica constitucional, vê-se que a livre concorrência não chancela uma concorrência ilimitada, anárquica e desenfreada entre os agentes econômicos. Muito pelo contrário, sem se perder de vista a finalidade de se assegurar a todos existência digna, atua o princípio da livre concorrência como “fomentador negativo” de concorrência cujo exagero demonstra-se incapaz de trazer benefícios à sociedade como um todo49.

É dessa forma que José Marcelo Martins Proença encara a livre concorrência como elemento relevante para a valorização social da livre-iniciativa; no entender do referido autor, a livre concorrência se apresenta como elemento que possibilita a presunção de que a livre-iniciativa, no contexto da ordem econômica constitucional, promove o bem comum e possui valor social50. De maneira semelhante, Diego Bomfim aponta o princípio da livre concorrência como delineador da livre-iniciativa, de modo que o primeiro conforma a última51.

Conjugando os pontos de vista político e social referidos por Tércio Sampaio Ferraz Júnior, tem-se que o princípio da livre concorrência garante a igualdade de condições para os agentes que competem em um mesmo mercado, sempre de modo a permitir ganhos para a sociedade como um todo. Busca o princípio assegurar a concorrência, a disputa em condições de igualdade entre os agentes econômicos sempre de maneira compatível com as aspirações consubstanciadas no caput do artigo 170 da Constituição Federal52. Ademais, entendendo-se a livre concorrência como garantia de oportunidades iguais a todos os agentes, ver a proibição a eventuais barreiras postas pelo Estado no acesso à concorrência, aproxima-se o referido princípio do princípio da igualdade.

Note-se, no entanto, que a igualdade assegurada pelo princípio da livre concorrência é de condições para atuação no mercado, e não de competidores - estes, por óbvio, poderão se desnivelar, destacando-se uns em relação aos outros, através de práticas de preços mais acessíveis, oferta de produtos melhores, entre outros expedientes53. A desigualdade entre os competidores é, inclusive, característica própria ao domínio econômico regido pela livre-iniciativa e pela livre concorrência, eis que aqueles que adentram o mercado têm por objetivo justamente criar vantagem (isto é, diferenciar-se) em relação aos seus competidores; vedando-se a desigualdade entre os competidores, não haveria sentido em se falar em disputa ou competição pelo mercado.

O que o conteúdo do princípio da livre concorrência proíbe é que o Estado crie condições desiguais aos agentes econômicos para sua atuação no mercado. Em outras palavras, o que decorre do princípio da livre concorrência é uma exigência de imparcialidade dos atos estatais em face dos concorrentes54. É neste sentido que se cogita um “princípio da neutralidade concorrencial do Estado” a garantir a igualdade de oportunidades entre os agentes econômicos. Tal princípio implica a neutralidade do Estado diante de concorrentes que atuam em igualdade de condições. Ou seja, na busca de se “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, obriga-se o Estado a não conferir, através de seus atos, privilégios a determinado concorrente ou grupo de concorrentes, de maneira a desequilibrar a igualdade concorrencial postulada pelo princípio da livre concorrência.

Deve-se ressaltar, entretanto, que pode haver casos em que determinada medida repercuta desigualmente entre dois concorrentes sem que com isso se cogite de ofensa ao princípio da livre concorrência. Isto porque é natural que qualquer medida de caráter geral do Estado repercuta na capacidade concorrencial dos agentes inseridos no domínio econômico, ou seja, é natural que uma norma geral seja sentida de modo diferente pelos agentes e com isso implique repercussões na concorrência: tal impacto deriva da capacidade econômica de cada concorrente; o que se proíbe, com o princípio da neutralidade concorrencial, é que uma medida do Estado crie diferenças entre concorrentes que passam a existir apenas em virtude da própria medida55.

É importante enfatizar, à luz do arranjo do artigo 170 da Constituição Federal, que a livre concorrência não é um fim em si mesma - como se verificou, a finalidade da ordem econômica é “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. Neste sentido, deve-se compreender a livre concorrência no contexto estabelecido pelos fundamentos e pela finalidade da ordem econômica constitucional: o referido princípio não tutela os comportamentos, quer público, quer privados, que, “a pretexto de afirmar a atuação livre no mercado concorrencial, acabam por contrariar os fundamentos mesmos da ordem - livre-iniciativa e valorização do trabalho humano”56

Como bem lembra Paula Andréa Forgioni, marca-se a livre concorrência, assim, por um caráter instrumental, não havendo dúvidas, a partir do texto constitucional, de que a livre concorrência configura um instrumento para o alcance dessa finalidade57. A livre concorrência é, como os demais princípios constantes do artigo 170, uma baliza para a ordem econômica, um critério para a busca da existência digna de todos. É dizer, neste sentido, que em nome da finalidade de “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, encontra-se o Estado obrigado a não privilegiar concorrentes, desequilibrando a igualdade concorrencial.

Contudo, não só aos fundamentos e à finalidade constantes do caput do artigo 170 da Constituição Federal deve-se reportar o princípio da livre concorrência. Como se viu, a livre concorrência não é o único princípio a informar a ordem econômica constitucional, encontrando-se ao lado de outros princípios arrolados nos incisos do referido artigo que, na lição de Eros Grau, coexistem harmonicamente e conformam-se mutuamente58. Não há dúvida, assim, de que a livre concorrência não pode ser encarada de modo isolado, já que está inserida juntamente com outros princípios no bojo da ordem econômica constitucional. É neste ponto, onde se indica a interação entre os princípios informadores da ordem econômica, que se deve retomar a noção, já referida, de sopesamento ou ponderação entre princípios.

Não há indicação, no artigo 170 da Constituição Federal, de princípios que possuiriam maior relevância em relação aos demais como critérios para a busca da “existência digna” de todos. Os princípios atuam em conjunto: a aplicação de um não deve implicar a rejeição de outro59. Ilustrando tal raciocínio, imaginou Schoueri interessante figura, onde os princípios atuam em feixe semelhante à combinação de forças com vetores distintos: do mesmo modo que da combinação de todos os vetores deriva a resultante a denotar o caminho seguido pelo corpo, todos os princípios em jogo irão contribuir, na medida de seu “peso”, para indicar a direção a ser tomada pelo aplicador da lei60.

Assim é que se constata que a ponderação de princípios não pode se realizar em abstrato, devendo, necessariamente, se dar em face do caso concreto. É apenas à luz das circunstâncias particulares a cada caso concreto que se revelará o “peso” de cada princípio - assim, a depender das peculiaridades do caso, a livre concorrência terá, em relação aos demais princípios em jogo, maior ou menor relevância.

IV. Livre Concorrência e Tributação

4.1. Tributação e economia: o mito da neutralidade tributária

Em acepção geral, fala-se em “neutralidade tributária” como princípio ideal a sustentar, com vistas à eficiência econômica, a não interferência do tributo sobre a economia. De acordo com tal postulado, o melhor sistema tributário é aquele que não exerce influência sobre a economia, com tributos que se apresentam neutros diante do ciclo econômico61. Neste sentido, como bem assinala Roberto Ferraz, o princípio da neutralidade tributária contém em sua concepção a noção de não interferência do Estado, por meio da tributação, no mercado62.

Trata-se, assim, de um postulado de natureza liberal, no sentido da chamada “Regra de Edinburgh”, referida por Fritz Neumark, cuja máxima estabelece a famosa “leave-them-as-you-find-them rule of taxation”63. Em tal contexto, o princípio da neutralidade tributária corresponderia a uma tentativa, no âmbito jurídico, de se ponderar a dualidade entre equidade e eficiência, que tanta preocupação já causou na teoria econômica, no sentido de se manter o “equilíbrio geral” da economia através da menor afetação possível que a tributação possa realizar nesta64.

Com tal noção de neutralidade tributária, sustenta-se que a tributação deve ser o mais neutra possível, de modo que não venha a revelar-se elemento fundamental a orientar as decisões dos agentes econômicos no desempenho de suas ações. Tal argumentação toma por pressuposto o entendimento de que a tributação constitui “elemento de distorção do sistema econômico”, diminuindo a eficiência deste e correspondendo, por consequência, a um obstáculo ao desenvolvimento65.

Entretanto, a ideia de neutralidade tributária não é nada mais do que um ideal. Diante da função indutora da norma tributária, revela-se a busca por um tributo que não tenha efeitos sobre o comportamento dos agentes econômicos uma verdadeira utopia ou, quando muito, exagero que não subsiste em face de exigências de equidade e capacidade contributiva (a exemplo do caso da tributação per capita)66.

Efetivamente, a norma tributária não pode ser compreendida apenas a partir de seu viés arrecadador. Ensina Schoueri que, no contexto de um Estado Social Democrático de Direito, deve o jurista considerar, ao lado do tradicional papel desempenhado pela norma tributária no financiamento do Estado, suas funções distributiva, estabilizadora e alocativa, notadamente em seu aspecto indutor67. Nota-se, a partir de tais funções, que a tributação é instrumento apto a produzir efeitos na economia. Se pela função distributiva se verifica que a tributação pode redistribuir a renda com vistas à redução de desigualdades sociais, e pela função estabilizadora se constata o papel do tributo na manutenção de taxas razoáveis de emprego e crescimento econômico, é através da função alocativa, onde se determina a divisão dos recursos disponíveis entre setor público e setor privado, que se pode concluir em definitivo que a incidência tributária não é neutra em relação ao domínio econômico: transforma-se o tributo em instrumento indutor de comportamentos, verdadeira ferramenta para a intervenção do Estado no domínio econômico. É dizer, afigura-se a função indutora como forma intencional de se utilizar a tributação de maneira a interferir no âmbito das atividades econômicas68.

Aproximam-se, assim, ordem econômica e ordem tributária com intensidade tal que é apenas do confronto entre arrecadação e indução que se pode chegar a um equilíbrio da norma tributária: a arrecadação não pode demonstrar excesso que impeça a sociedade de construir uma liberdade coletiva, do mesmo modo que a indução não pode atentar contra os fundamentos da ordem econômica constitucional69. Ainda que observe a capacidade contributiva, poder-se-á questionar a constitucionalidade da norma tributária que contraria os valores protegidos pela ordem econômica. Já se afigura, assim, o dever do legislador tributário, quando da instituição dos tributos, observar o princípio da livre concorrência, dada a possibilidade destes provocarem distorções na concorrência entre os agentes econômicos70-71.

De todo modo, não é só pelo argumento da função indutora da norma tributária que se pode condenar a noção de uma neutralidade tributária em relação ao domínio econômico. Nota Rodrigo Maito da Silveira que, tanto no caso da tributação sobre a renda, quanto no caso daquela sobre o consumo ou ainda sobre o patrimônio, é constante que os tributos reduzem a renda e o patrimônio dos contribuintes, assim como incrementam o preço dos bens (quer matérias, quer imateriais) consumidos; dessa forma, por impactarem na formação dos preços e no nível de renda disponível para o consumo, não haveria como se negar a influência dos tributos na oferta e na demanda72. A este respeito, assinala José Luis Ribeiro Brazuna que não se poder ignorar que à incidência tributária corresponde necessariamente a ocorrência de fenômenos mercadológicos no âmbito econômico, naturais à imposição tributária e alternativos conforme o grau de elasticidade da oferta ou da demanda em determinado mercado73. Mostra-se insubsistente, mais uma vez, uma noção de neutralidade tributária segundo a qual o tributo não deve provocar efeitos na economia74.

Constatando-se não ser o tributo neutro diante da economia, nota-se que este pode ser fator de ineficiência econômica (deadweight loss). Partindo-se do pressuposto de um mercado ideal, onde as curvas de oferta e demanda encontram-se em ponto de equilíbrio, de onde se extrai o preço ideal, toda e qualquer tributação implica ineficiência, uma vez que descola a curva de oferta (tributo sobre a venda) ou de demanda (tributo sobre o consumo), distorcendo o ponto de equilíbrio preexistente75.

No entanto, ao contrário do que levam a crer os defensores da utópica neutralidade tributária, não é automática a relação entre tributação e ineficiência: apenas se poderia cogitar tal automatismo caso se admitisse um mercado perfeito, que inexiste - demonstra a realidade ser o mercado caracterizado por diversas falhas, onde o equilíbrio não é aquele ideal apontado por Pareto. Nesse contexto, verifica-se que a tributação não leva necessariamente à ineficiência, podendo implicar, ao contrário, ganho de eficiência, caso se revele o tributo como instrumento do Estado para a correção das falhas mercadológicas. Refere-se Schoueri, sobre este ponto, ao “duplo dividendo” da tributação: ganhos em arrecadação (primeiro dividendo) e em eficiência (segundo dividendo)76.

Destarte, é seguro afirmar que a tributação nunca é completamente neutra quanto aos seus efeitos sobre os agentes econômicos e a economia como um todo. Do mesmo modo, a tributação não corresponde necessariamente a um fator de ineficiência sobre a economia. Sempre haverá, em maior ou menor intensidade, a influência da tributação sobre o comportamento dos agentes econômicos, a revelar perda ou ganho de eficiência econômica.

4.2. O princípio da neutralidade concorrencial tributária

É apenas partindo da premissa da inexistência de neutralidade da tributação em relação aos agentes econômicos que se pode compreender a neutralidade concorrencial tributária, que é reflexo do princípio da neutralidade concorrencial do Estado, já referido. Isto é, caso inexistisse repercussão dos tributos no âmbito do domínio econômico, com seus princípios próprios, não haveria sentido em se cogitar uma neutralidade concorrencial tributária, uma vez que, imaginando-se não ser o tributo instrumento apto a interferir na livre concorrência, esta formulação seria desnecessária - em tal circunstância, bastaria o princípio da neutralidade concorrencial do Estado, sem quaisquer reflexos pertinentes à tributação, a assegurar a igualdade de condições entre os agentes econômicos.

Entretanto, como bem demonstrou André Elali, a desigualdade da tributação pode revelar-se fator a causar grave ofensa à livre concorrência, sendo assim, danosa à ordem econômica constitucional e à economia como um todo77. Isso porque, por interferir na igualdade de condições e oportunidades dos competidores, a tributação desigual impede que agentes econômicos não beneficiados (no caso de favor fiscal) ou tratados com ônus fiscal mais acentuado permaneçam no mercado com suas respectivas atividades, já que estas, por apresentarem custos maiores em relação à atividade do agente econômico beneficiado, não serão competitivas; naturalmente, o consumidor optará pelo produto ou serviço do concorrente favorecido pela tributação.

Do conteúdo do princípio da livre concorrência (como se verificou, a garantia de igualdade de condições e oportunidades para os agentes econômicos que atuam em determinado mercado), extrai-se o princípio da neutralidade concorrencial do Estado, enquanto obrigação imposta ao ente estatal no sentido de não promover interferências na concorrência, i.e., não criar desigualdade de condições entre os competidores. O princípio da neutralidade concorrencial tributária é justamente a manifestação desse princípio em matéria de tributos78.

Com a neutralidade concorrencial tributária, o princípio da livre concorrência passa a atuar como limite imposto ao legislador tributário79. Assim é que, quando se cogita uma neutralidade tributária (inexistente quando se toma por “neutralidade” a ausência de efeitos da tributação sobre a economia), é mais razoável supor tratar-se de uma neutralidade dos tributos em relação à livre concorrência, ou seja, de uma neutralidade concorrencial tributária do Estado. Em outros termos, é mais factível pensar-se em uma tributação que não se revele danosa à livre concorrência do que almejar tributos que não distorçam os preços ou não exerçam qualquer outra influência sobre a economia80-81.

Destarte, com a neutralidade concorrencial tributária não se está a sustentar a não interferência da tributação sobre o domínio econômico, mas, sim, que o tributo seja neutro em relação ao princípio da livre concorrência82. Não se pretende, com o princípio da neutralidade concorrencial do Estado, postular que os tributos sejam “economicamente neutros”. Diferente é o comando do referido princípio: deve o Estado, no exercício da tributação, manter-se imparcial diante dos agentes econômicos que competem em determinado mercado, evitando que o tributo se revele fator de desequilíbrio na igualdade de condições entre os competidores.

Gerd Willi Rothmann não enxerga, no princípio da neutralidade concorrencial da tributação, apenas um dever de abstenção do Estado diante do fenômeno concorrencial; o autor vê, no referido princípio, dois aspectos: um negativo e outro positivo83. O aspecto negativo corresponde à proibição de intervenções no mecanismo concorrencial através da política fiscal, de onde se impõe a necessidade de se examinar todos os tributos do sistema tributário nacional para verificar se estes trazem consequências danosas em relação à livre concorrência, de modo a eliminá-la ou mesmo diminuí-la. Já o aspecto positivo tem lugar quando a adoção de determinada política fiscal se mostra conveniente à fomentação da livre concorrência, na medida em que esta for imperfeita por motivos não fiscais.

Trata-se, no que se refere ao aspecto positivo, de motivação própria de uma norma tributária indutora enquanto ferramenta de intervenção do Estado no domínio econômico: a correção de falhas de mercado. Utiliza-se a norma tributária indutora de modo a aperfeiçoar a livre concorrência, servindo esta, então, de justificativa para a formulação daquela84. Assim, a partir do princípio da neutralidade concorrencial tributária, tem-se que, se por um lado é lícito ao Estado servir-se da tributação para regular situações de imperfeição no mercado (práticas anticoncorrenciais), de outro lado não pode o ente estatal adotar prática fiscal sem atentar para os efeitos que esta possa gerar na igualdade de condições entre os agentes imersos no domínio econômico.

Não é diferente a conclusão a que chegou Fritz Neumark ao pontuar a diferença entre a neutralidade tributária liberal, que também entendia por utópica, e a neutralidade fiscal concorrencial: esta não só deve impedir a interferência do tributo onde houver concorrência aproximadamente perfeita, que não se mostra danosa aos propósitos econômico-sociais do país, como também deve incentivar a utilização da política fiscal como instrumento de fomento à concorrência cuja imperfeição revelar-se prejudicial aos mesmos propósitos85.

Em tal contexto, não há como se negar, a partir da leitura de diversos dispositivos constitucionais, a presença do princípio da neutralidade concorrencial tributária no corpo da Constituição Federal de 1988; a correlação entre tributação e livre concorrência é contemplada de modo expresso pela Constituição Federal86. Assim é que se verifica, por exemplo, no artigo 173, parágrafo 1º, II, a submissão das empresas estatais exploradoras de atividade econômica ao mesmo regime jurídico-tributário das empresas privadas. De maneira complementar, o artigo 150, parágrafo 3º impede a extensão da imunidade recíproca, assegurada em relação ao patrimônio, renda e serviços das pessoas jurídicas de direito público interno, “ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados”87. O artigo 146-A da Constituição Federal, inserido pela Emenda Constitucional nº 42/2003, é, também, um exemplo oferecido pelo texto constitucional de coerência entre a tributação e o postulado da livre concorrência.

Demonstrada a íntima ligação entre ordem econômica e ordem tributária, de onde se extrai o princípio da neutralidade concorrencial tributária a impedir o legislador tributário de causar desequilíbrios concorrenciais, passa-se ao exame do caso da substituição tributária “para frente”.

V. Substituição Tributária “para Frente” e Neutralidade Concorrencial Tributária

5.1. A substituição tributária “para frente”

Tem-se, com a substituição tributária, fenômeno em que o substituto, conquanto não tenha incorrido na hipótese tributária, é colocado pela lei, desde a ocorrência do fato jurídico tributário, como verdadeiro sujeito passivo da obrigação tributária, de modo a responder integralmente pelo adimplemento do débito tributário e pelo cumprimento das obrigações acessórias88. Em sua modalidade tradicional, conhecida por substituição “para trás”, o mecanismo não dispensa a concretização da hipótese tributária pela conduta do contribuinte para que recaia sobre o substituto a responsabilidade pelo pagamento do tributo.

Embora seja a configuração clássica do instituto, não é a substituição “para trás” a única modalidade de substituição tributária, havendo que se considerar, também, a outra forma básica de substituição tributária, que hoje encontra amparo no parágrafo 7º do artigo 150 da Constituição: a chamada substituição “para frente”89. Diferentemente da modalidade clássica de substituição, onde a responsabilidade do substituto surge a partir da ocorrência do fato jurídico tributário, a substituição “para frente” implica o recolhimento de tributo antes da concretização do “fato gerador” pelo contribuinte substituído. Isto é, fala-se em substituição tributária tanto em relação às operações anteriores (substituição “para trás”) quanto em relação às operações seguintes (substituição “para frente”). Daí associar-se a substituição “para frente” a uma verdadeira antecipação do tributo90, relacionando-se, assim, a um “fato gerador presumido”91.

Trata-se da hipótese, por exemplo, de lei que atribui ao vendedor (que pode ser um industrial ou atacadista) a responsabilidade pelo pagamento do tributo relativo à operação de circulação a ser posteriormente desempenhada pelo adquirente (comerciante varejista). Vê-se, assim, que, através do mecanismo da substituição tributária “para frente”, autoriza-se o legislador a exigir do contribuinte que se encontra no início da cadeia o recolhimento de tributo que será devido por conta de fato que presumivelmente ocorrerá no futuro92-93.

Diversas críticas se teceram, no âmbito doutrinário, contra a figura da substituição tributária “para frente”94. Para o presente estudo, cabe destacar, dentre os pontos controversos, a cobrança antecipada do tributo tendo por base um valor presumido da operação que se supõe irá acontecer. Conforme ensina Humberto Ávila, extrai-se da Constituição Federal a regra segundo a qual a base de cálculo do ICMS deverá ser o valor efetivo, real das mercadorias circuladas; isto é, estabelecendo a Constituição Federal as “operações relativas à circulação de mercadorias” como o elemento material da hipótese de incidência, prevê-se implicitamente a base de cálculo do tributo como sendo o valor da operação95. No entanto, para cobrar o tributo antecipadamente, com base no valor presumido da venda, os Estados se valem de pautas fiscais e afastam-se da referida regra96-97.

Surge, neste ponto, a possibilidade de que a cobrança antecipada tendo por base um valor presumido enseje a ocorrência de discrepância entre tal presunção e o valor efetivo da venda, o que revela a importância dos valores fixados na pauta fiscal. Ou seja, como bem observa Humberto Ávila, servindo a pauta como “prévia unidade de valor” de operações futuras, irá necessariamente abranger tanto “casos em que o valor real é menor que o da unidade, quanto casos em que o valor real é maior que o da média”98. Dessa forma, sujeita-se aquele que vende por preço superior ao presumido a uma alíquota real de imposto menor que a nominal, ao passo que aquele que vender por preço inferior sujeitar-se-á a uma alíquota real maior que a nominal.

Com o julgamento do mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.851-4/AL99, a maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal entendeu não haver que se falar em tributo pago a maior ou a menor, em relação ao valor efetivo da operação futura, para fins de compensação ou ressarcimento, seja por parte do Fisco, seja por parte do contribuinte. Para o Tribunal, a possibilidade de restituição no caso de diferenças entre o valor presumido e o efetivamente praticado implicaria inviabilização dos propósitos a que se presta a substituição tributária “para frente”, quais sejam a praticidade na arrecadação e o combate à sonegação fiscal. O mesmo entendimento passou a ser adotado também pelo Superior Tribunal de Justiça, que estabeleceu como paradigma o julgamento realizado pelo Supremo Tribunal100.

Em síntese, consagrou-se, no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, o entendimento de que o artigo 150, parágrafo 7º, da Constituição Federal teria autorizado a tributação de “fatos geradores presumidos” de forma definitiva, não havendo que se falar em devolução dos valores pagos pelo fabricante de um bem a título de tributo pelas operações futuras caso o valor efetivo da operação revelar-se inferior ao valor presumido pelo Fisco101.

5.2. A substituição tributária “para frente” e livre concorrência

Encontra-se, no advento da substituição tributária “para frente”, a discussão a respeito dos efeitos da tributação sobre a livre concorrência. Conforme ensina Roberto Ferraz, o instituto da substituição tributária “para frente” veio como resposta aos anseios de concessionários de veículos localizados nas regiões Sul e Sudeste do País que viviam situação de concorrência desleal em relação aos seus concorrentes situados nas regiões Norte e Nordeste, por conta da redução de alíquotas de ICMS em operações interestaduais com vistas a privilegiar a arrecadação no destino aliada à prática sistemática de sonegação fiscal na região Nordeste102.

Ou seja, a indústria automobilística estabelecia os preços de revenda para seus diversos concessionários a partir das alíquotas estabelecidas pelo Senado para operações interestaduais, fato que implicava preços inferiores nas vendas realizadas ao Norte e Nordeste. Ao se considerar que as concessionárias de veículos em tais regiões não pagavam o ICMS pela alíquota interna, nota-se a vantagem competitiva de que gozavam por conta da sonegação em relação aos contribuintes que pagavam seus tributos.

Daí ser possível entender que a introdução do regime da substituição tributária “para frente”, a permitir o recolhimento pelo industrial dos tributos devidos em razão das operações subsequentes, teve por motivo determinante a garantia da livre concorrência, que até então se via maculada pela prática da sonegação fiscal. Isto é, na medida em que a substituição tributária “para frente” pretende anular as vantagens que os agentes sonegadores gozam em relação aos seus competidores, revela-se a intenção de se assegurar, através do referido mecanismo, a livre concorrência.

Entretanto, ao se considerar que, no âmbito da substituição tributária “para frente”, calcula-se o tributo a partir de uma base de cálculo presumida pelo Fisco, e que tal situação pode levar a discrepâncias em relação ao valor efetivo da operação, verifica-se que o instituto pode, paradoxalmente, trazer distorções ao princípio que pretende privilegiar. É esta a preocupação de Roque Antonio Carrazza, quando este consigna que “uma pauta fiscal que contradiga significativamente a realidade, ou seja, que vá muito além dos preços a final praticados, nas operações mercantis futuras, deve ser posta em oblívio, até porque a distorção pode provocar efeitos negativos no livre exercício da atividade comercial, afetando a própria livre concorrência”103.

Tal circunstância torna-se ainda mais evidente quando se leva em conta a atual posição do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o artigo 150, parágrafo 7º da Constituição Federal autoriza a tributação definitiva dos “fatos geradores presumidos”, sem possibilidade de que o contribuinte se veja restituído pelo valor pago a maior no caso de uma operação cujo valor efetivo tenha se revelado inferior à presunção do Fisco. Isso porque, em tal contexto, torna-se o tributo cobrado a partir de um valor médio presumido um encargo fixo, cobrado indistintamente de todo o empresariado que lida com determinado produto. Imagine-se, a título de ilustração, o recolhimento, pelo industrial, de R$ 100,00 de tributo por substituição. Imagine-se, também, que o valor da venda final ao consumidor tenha sido de R$ 1.000,00: neste caso, o tributo representa 10% do preço final pago pelo consumidor. Entretanto, há que se considerar que os preços cobrados do consumidor final irão se mostrar variados, uma vez que empresários eficientes conseguirão revender seu produto por preços inferiores. Imagine-se, então, que o mesmo produto do exemplo acima referido seja revendido ao consumidor por R$ 500,00: neste caso, o valor do tributo no preço final (20%) terá sua representatividade dobrada.

Tem-se, assim, nítida desvantagem concorrencial sofrida pelo empresário eficiente, que tem condições de oferecer preços mais baixos ao mercado do que aqueles fixados por presunção pelo Fisco, na medida em que repassará ao consumidor o mesmo valor de tributo que aqueles que eventualmente pratiquem operações com valores iguais ou mesmo superiores aos constantes da pauta fiscal. É a partir dessa situação de proporção inversa entre a eficiência do empresário na redução de seus custos e o peso percentual do tributo que Schoueri encontra, no regime da substituição tributária “para frente”, obstáculo à livre concorrência104.

Compreende-se, assim, o raciocínio de Renault de Freitas Castro e Valdomiro José de Almeida, quando estes assinalam que da fixação de uma base de cálculo uniforme, sem distinção por marca ou produto e que não reflete de modo adequado a realidade dos preços de determinada mercadoria pode derivar um forte viés anticoncorrencial105. Os referidos autores, em interessante estudo sobre o caso do mercado de cervejas, onde se afiguram empresas com diferentes posições no mercado, preços e margens de comercialização, notam que a adoção de um preço único para a fixação da base de cálculo presumida implica que os produtores de cerveja que pratiquem preços inferiores ao preço presumido terão que suportar maior peso do tributo sobre os seus preços ao consumidor.

Dessa forma, a lesão à concorrência derivaria do fato de que os produtores de menor porte e sem poder de mercado, que precisam praticar preços menores para permanecer no mercado, seriam mais “penalizados” pelo regime da substituição tributária “para frente”, que, nas palavras dos referidos autores, “subverte a ordem do mercado (...) contribuindo para frustrar os esforços de desenvolvimento e ganho de eficiência daquelas empresas de menor porte, além de representar verdadeiro estímulo à sonegação”106. Deve-se considerar, ademais, que o dimensionamento indevido da base de cálculo presumida em valor superior aos efetivamente praticados no mercado pode ocasionar tributação excessiva que, sob um prisma concorrencial, corresponde a uma verdadeira barreira à entrada de novos agentes econômicos em determinado mercado107.

O efeito danoso da substituição tributária “para frente” à livre concorrência pode ser visto, ainda, no âmbito do regime tributário diferenciado conferido às micro e pequenas empresas pela Lei Complementar nº 123/2006 (Simples Nacional), que tem também por fundamento oferecer aos agentes econômicos melhores condições concorrenciais. É o que nota Rodrigo Maito da Silveira, para quem a substituição tributária “para frente”, por não fazer distinção no que se refere às condições econômicas e ao porte dos agentes econômicos, mitiga os efeitos benéficos derivados do Simples em relação aos produtos comercializados sob o regime de substituição, “inviabilizando o tratamento tributário diferenciado” 108.

Outro efeito deletério à livre concorrência derivado da substituição tributária “para frente” decorre do fato do instituto não ser de aplicação nacional; sendo da competência dos Estados a instituição ou não do referido regime, haverá Estados que não o estabeleceram, ao passo que em outros se encontrará a presença do mecanismo na legislação109.

Em tal circunstância, um comerciante estabelecido em um Estado onde há o regime da substituição tributária “para frente” que compra mercadorias de um fornecedor local terá seu produto tributado pela referida sistemática, onde a base de cálculo presumida poderá mostrar-se superior ao preço efetivamente praticado. Por outro lado, caso o mesmo comerciante compre mercadorias de um fornecedor situado noutro Estado, onde não há previsão legal relativa à substituição “para frente”, não haverá recolhimento antecipado do tributo, e a base de cálculo será equivalente ao preço efetivo da mercadoria.

Demonstra-se ser difícil negar, diante do exposto, as repercussões concorrenciais (negativas) da substituição tributária “para frente”, conforme esta se apresenta atualmente (de maneira não uniforme no País, a partir de bases de cálculo presumidas para produtos não homogêneos e sem possibilidade de restituição do tributo pago a maior). O mecanismo implica graves desigualdades de condições entre os agentes econômicos a atuar no mercado, seja entre aqueles que se encontram submetidos ao referido regime, seja entre estes e os demais, que não se encontram obrigados ao recolhimento antecipado do tributo a partir de uma base de cálculo presumida. Trata-se, assim, de evidente violação ao dever imposto ao Estado pelo princípio da neutralidade concorrencial tributária: esta implica, em seu aspecto negativo, verdadeiro dever do Estado em não editar normas tributárias que se revelem danosas à concorrência.

5.3. A colisão de princípios

Entretanto, poderia o intérprete, diante do fato de a substituição tributária “para frente” deturpar a igualdade de condições entre os agentes econômicos postulada pelo princípio do artigo 170, IV, da Constituição Federal, sentenciar, de imediato, a inconstitucionalidade do mecanismo? Parece-nos que não: o princípio da neutralidade concorrencial tributária, embora lesado, não é o único “vetor” a atuar sobre a questão.

Pode-se afirmar que a substituição tributária “para frente” prestigia o princípio da “praticabilidade” (ou “praticidade”). É neste sentido que Misabel Derzi, ao se referir à regra do artigo 150, parágrafo 7º, da Constituição Federal, diz que esta foi “ditada em nome da praticidade”110-111.

Roque Antonio Carrazza, versando sobre o referido princípio, diz que este não encontra “formulação escrita” na Constituição Federal, mas que se encontra embutido “em vários de seus comandos (v.g., no parágrafo 7º de seu artigo 150), que sinalizam em favor da execução simplificada, econômica e viável das leis”112. Assim é que, conforme aponta Humberto Ávila, os Estados justificam a instituição do mecanismo da substituição tributária “para frente” através do argumento da impossibilidade, impraticabilidade ou extrema onerosidade relacionadas à verificação do preço efetivo da venda das mercadorias no âmbito de operações em massa113.

Para Regina Helena Costa, a substituição tributária “para frente” seria verdadeiro exemplo de aplicação inadequada da praticabilidade tributária, uma vez que tal princípio não teria “força suficiente para afastar por completo a aplicação de princípios de maior quilate, como são os da segurança jurídica, da verdade material e da capacidade contributiva”, supostamente lesados pelo instituto em questão114.

Nota-se, a partir da assertiva da referida autora, que a análise concreta do regime da substituição tributária “para frente” implica verdadeira colisão de princípios contidos na Constituição Federal: embora o princípio da praticabilidade esteja a legitimar o instituto, o princípio da livre concorrência e, mais especificamente, seu corolário em matéria tributária (a neutralidade concorrencial tributária do Estado) postulam a sua inconstitucionalidade. Há que se considerar, ainda, a eventual influência de outros princípios sobre a questão: como bem considera Paulo Victor Vieira da Rocha, as regras da substituição tributária “para frente” também “intervém sobre o âmbito de proteção do direito fundamental à tributação conforme a capacidade contributiva, que é garantido por um princípio”115.

Torna-se necessário, assim, retomar as noções de Robert Alexy, expostas no início deste estudo, somadas à figura dos “vetores” de Schoueri, segundo as quais a colisão de princípios implica a necessidade de sopesamento e ponderação entre estes diante das circunstâncias concretas, para que então o princípio de maior peso possa se revelar, conformando-se a partir dos demais e não lhes negando a validade. O que se quer ressalvar é que, conquanto tenha-se demonstrado que o regime da substituição tributária “para frente”, conforme se encontra hoje, viola o princípio da livre concorrência, notadamente no que se refere a um corolário específico seu em matéria de tributos (o princípio da neutralidade concorrencial tributária do Estado, em seu aspecto negativo), não pode o intérprete, a partir de tal constatação, apontar, de modo automático, a inconstitucionalidade do instituto.

Isso porque, embora o “vetor” da livre concorrência efetivamente siga nesta direção, há que se considerar a confluência de outros princípios sobre a questão, notadamente o princípio da praticabilidade, a sustentar a constitucionalidade da substituição tributária “para frente”, assim como o princípio da capacidade contributiva, que parece somar-se à livre concorrência no sentido de condenar o mecanismo.

Evidentemente, a ponderação entre tais princípios implicaria a análise detida da medida da relação de cada um com o regime da substituição tributária “para frente”, o que não se pretende com o presente trabalho. As breves considerações acerca da colisão de princípios fizeram-se necessárias para se ressalvar que, embora se tenha demonstrado que o princípio da livre concorrência restou violado pela substituição tributária “para frente”, a conclusão pela inconstitucionalidade do mecanismo depende do sopesamento entre todos os princípios que se encontram concretamente em jogo.

Destarte, embora o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.815-4/AL, tenha entendido pela prevalência do princípio da praticabilidade sobre princípios como a capacidade contributiva e a não cumulatividade, sem quaisquer considerações de caráter concorrencial, espera-se que a livre concorrência, por demonstrar-se diminuída em face da substituição tributária “para frente”, seja considerada pelos julgadores, na próxima ocasião em que o instituto for analisado, como mais um, e não menos relevante, “vetor” a atuar sobre a questão.

VI. Considerações Finais

Não obstante a associação da livre concorrência à noção de mercado tenha sido obra do liberalismo clássico, não é em acepção simplesmente liberal, onde esta aparece como um direito subjetivo a chancelar uma liberdade irrestrita dos agentes econômicos, que a livre concorrência deve ser entendida no âmbito da Constituição Federal de 1988. Ao contrário, atua o princípio da livre concorrência como “fomentador negativo” de concorrência cujo exagero demonstra-se incapaz de trazer benefícios à sociedade como um todo. Tem-se, assim, que o princípio da livre concorrência garante a igualdade de condições para os agentes que competem em um mesmo mercado, sempre de modo a permitir ganhos para a sociedade. Da exigência de imparcialidade dos atos estatais em face dos concorrentes, decorre o princípio da neutralidade concorrencial do Estado a garantir igualdade de oportunidades entre os agentes econômicos.

Constatando-se que a tributação nunca é completamente neutra quanto aos seus efeitos sobre os agentes econômicos e a economia como um todo, vê-se que ela pode revelar-se fator a causar grave ofensa à livre concorrência. Assim, figura o princípio da neutralidade concorrencial tributária como a manifestação do princípio da neutralidade concorrencial em matéria de tributos. Neste sentido, quando se cogita uma neutralidade tributária (inviável quando se toma por “neutralidade” a ausência de efeitos da tributação sobre a economia), é mais razoável supor tratar-se de uma neutralidade dos tributos em relação à livre concorrência, i.e., de uma neutralidade concorrencial tributária do Estado.

O caso da substituição tributária, em sua modalidade “para frente”, evidencia o vínculo entre a disciplina dos tributos e a ordem econômica. Em meio à franca oposição doutrinária ao instituto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.815-4/AL, entendeu pela constitucionalidade do parágrafo 7º do artigo 150 da Constituição Federal. Para os Ministros, o referido dispositivo teria autorizado a tributação de “fatos geradores presumidos” de forma definitiva, não havendo que se falar em devolução ou complementação nos casos de discrepância entre o valor efetivo da operação e aquele presumido pelo Fisco.

Embora se possa afirmar que o advento da substituição tributária “para frente” deve-se a uma tentativa de se prestigiar a livre concorrência, encontra-se o referido instituto em situação paradoxal, uma vez que, conforme é aplicado atualmente, traz efeitos deletérios à igualdade de condições entre os agentes econômicos, seja por “penalizar” mais intensamente aqueles que praticam preços inferiores ao presumido, seja por não possuir aplicação nacional. Implica o mecanismo, assim, violação ao princípio da neutralidade concorrencial tributária que, em seu aspecto negativo, estabelece verdadeiro dever do Estado em não editar normas tributárias que se revelem danosas à concorrência.

Entretanto, não pode o intérprete, a partir de tal constatação, apontar, de modo automático, a inconstitucionalidade da substituição tributária “para frente”, já que tal conclusão depende do sopesamento entre todos os princípios que se encontram em colisão, o que envolve, notadamente, a praticabilidade e a capacidade contributiva. Não obstante, caso o princípio da neutralidade concorrencial tributária venha ser reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal como mais um “vetor” a atuar sobre a questão, novos limites constitucionais à substituição tributária “para frente” poderão derivar do jogo de princípios.

1 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

2 Cf. DERZI, Misabel Abreu Machado. “Princípio da praticabilidade do Direito Tributário: segurança jurídica e tributação”. Revista de Direito Tributário nº 47. São Paulo: RT, 1989, p. 166.

3 Ensina Alexy que princípios são “mandamentos de otimização”, cujo conteúdo ordena que algo seja realizado na maior medida possível, podendo ser satisfeitos em graus variados, ao passo que regras contêm determinações, sendo sempre satisfeitas ou não satisfeitas. Dessa forma, conflitos entre princípios ocorrem “na dimensão do peso”, no sentido de que, se dois princípios colidem, ocorrerá a precedência de um princípio sobre o outro, sob as condições concretas, sem que o outro princípio seja declarado inválido; em condições concretas distintas, a precedência pode, então, revelar-se no sentido oposto. Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 90-93.

4 Cf. ALMEIDA, Fabrício Antonio Cardim de. Interpretação constitucional e os princípios da ordem econômica: debate teórico e estudo empírico da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Dissertação (mestrado). São Paulo: USP, 2009, p. 43.

5 A Constituição Federal de 1988 cuida da ordem econômica não apenas em seu Título VII, mas também em diversos dispositivos ao longo do texto constitucional. Neste sentido, Eros Roberto Grau refere-se aos preceitos contidos nos artigos 1º, 3º, 5º, inciso LXXI, 7º a 11, 24, inciso I, 37, incisos XIX e XX, 103, parágrafo 2º, 149, 201, 202, 218, 225 e 219. Cf. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 215.

6 Cf. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional positivo. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 759.

7 Cf. SOUZA, Washington Peluso Albino de. Teoria da constituição econômica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 101.

8 Costuma-se realizar, na doutrina, a distinção entre Constituição Econômica “formal” e Constituição Econômica “material”. Enquanto a primeira corresponde ao conjunto de dispositivos no ordenamento constitucional destinado a regular a ordem econômica, a segunda consiste nas normas, constitucionais e infraconstitucionais, destinadas a estruturar as relações sociais econômicas de produção. Cf. RAMOS, Elival da Silva. “O Estado na ordem econômica”. Revista de Direito Constitucional e Internacional nº 43. São Paulo: RT, 2003, pp. 49-50.

9 Cf. BASTOS, Celso Ribeiro. Direito Econômico brasileiro. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 2000, p. 79.

10 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. cit. (nota 1), p. 80.

11 Cf. CAGGIANO, Monica Herman Salem. “Direito Público Econômico: fontes e princípios na Constituição brasileira de 1988”. In: CAGGIANO, Monica Herman Salem; e LEMBO, Cláudio (orgs.). Direito Constitucional Econômico: uma releitura da Constituição econômica brasileira de 1988. São Paulo: Manole, 2007, p. 3.

12 Cf. NUSDEO, Fábio. “A principiologia da ordem econômica constitucional”. In: VELLOSO, Carlos Mário da Silva (org.). Princípios constitucionais fundamentais. São Paulo: Lex, 2005, p. 390.

13 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. cit. (nota 1), p. 83.

14 Cf. SOUZA, Washington Peluso Albino de. “A experiência brasileira de Constituição econômica”. Revista de Informação Legislativa nº 102. 1989, pp. 29-32.

15 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. cit. (nota 1), p. 84.

16 Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. “Congelamento de preços - Tabelamentos oficiais”. Revista de Direito Público nº 91. São Paulo: RT, 1989, p. 78.

17 Cf. GRAU, Eros Roberto. Elementos de Direito Econômico. São Paulo: RT, 1981, p. 47.

18 Cf. CARVALHOSA, Modesto. A ordem econômica na Constituição de 1969. São Paulo: RT, 1972, p. 49.

19 Cf. PROENÇA, José Marcelo Martins. Concentração empresarial e o direito da concorrência. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 3.

20 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. In: PILAGALLO, Oscar (org.). Tributo ao mercado - Desequilíbrio concorrencial tributário e a Constituição: um debate. São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 32-33.

21 Cf. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. “Tributação e livre concorrência”. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e limites da tributação 2. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 403.

22 Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. “O princípio da neutralidade concorrencial do Estado”. In: RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes; e BERARDI, Luciana Andrea Accorsi (orgs.). Estudos de Direito Constitucional em homenagem à Profa. Maria Garcia. São Paulo: IOB, 2007, p. 492.

23 Cf. PROENÇA, José Marcelo Martins. Op. cit. (nota 19), p. 4.

24 Cf. BOMFIM, Diego. Tributação e livre concorrência. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 173.

25 Cf. GRAU, Eros Roberto. Op. cit. (nota 5), p. 222.

26 Cf. BASTOS, Celso Ribeiro. Op. cit. (nota 9), p. 132.

27 Cf. ELALI, André. “Um exame da desigualdade da tributação em face dos princípios da ordem econômica”. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e limites da tributação 2. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 236.

28 Cf. BOMFIM, Diego. Op. cit. (nota 24), p. 173.

29 Veja, neste sentido, BASTOS, Celso Ribeiro. Op. cit. (nota 9), p. 110.

30 Cf. GRAU, Eros Roberto. Op. cit. (nota 5), p. 227.

31 Cf. SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2001, pp. 93-94.

32 Cf. FORGIONI, Paula Andréa. Os fundamentos do antitruste. 4ª ed. São Paulo: RT, 2010, pp. 58-60.

33 Cf. PAULA, Daniel Giotti de. “A constitucionalização da neutralidade concorrencial dos tributos”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 153. São Paulo: Dialética, 2008, pp. 17-18.

34 Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. “Concorrência como tema constitucional: política de Estado e de Governo e o Estado como agente normativo e regulador”. Revista do Ibrac v. 16, nº 1. São Paulo, 2009, p. 169.

35 Cf. FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 90.

36 Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. “A economia e o controle do Estado”. Artigo publicado em O Estado de São Paulo, edição de 4 de junho de 1989.

37 Cf. ELALI, André. Op. cit. (nota 27), p. 247.

38 Cf. BRUNA, Sérgio Varella. O poder econômico e a conceituação do abuso em seu exercício. São Paulo: RT, 2001, p. 136.

39 Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. “Obrigação tributária acessória e limites de imposição: razoabilidade e neutralidade concorrencial do Estado”. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e limites da tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 732.

40 Cf. DUTOIT, Bernard. “O direito da concorrência desleal e a relação de concorrência; dupla indissociável? Uma perspectiva comparativa”. Revista dos tribunais nº 717. São Paulo: RT, 1995, p. 16.

41 A esse respeito, assevera Tércio Sampaio Ferraz Júnior que “o mercado é cego em face dos indivíduos, sendo, ao revés, um instrumento a serviço da coletividade”. Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Op. cit. (nota 39), p. 727.

42 Cf. ELALI, André. Op. cit. (nota 27), p. 245.

43 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 331.

44 Cf. FORGIONI, Paula Andréa. Op. cit. (nota 32), p. 61.

45 Cf. ELALI, André. Op. cit. (nota 27), p. 247.

46 Cf. LIMA, Ricardo Seibel de Freitas. Livre concorrência e o dever de neutralidade tributária. Porto Alegre: Dissertação (mestrado), UFRGS, 2005, p. 25.

47 Cf. BASTOS, Celso Ribeiro. Op. cit. (nota 9), p. 137.

48 Cf. BRAZUNA, José Luis Ribeiro. Defesa da concorrência e tributação à luz do artigo 146-A da Constituição. São Paulo: IBDT/Quartier Latin, 2009, pp. 66-69.

49 Cf. BOMFIM, Diego. Op. cit. (nota 24), p. 176.

50 Cf. PROENÇA, José Marcelo Martins. Op. cit. (nota 19), p. 5.

51 Cf. BOMFIM, Diego, Op. cit. (nota 24), p. 175.

52 Cf. FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira. V. 6. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 245.

53 Cf. BOMFIM, Diego. Op. cit. (nota 24), p. 180.

54 Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Op. cit. (nota 39), p. 731.

55 Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Op. cit. (nota 39), p. 734.

56 Cf. LIMA, Ricardo Seibel de Freitas. Op. cit. (nota 46), p. 37.

57 Cf. FORGIONI, Paula Andréa. Op. cit. (nota 32), pp. 190-191.

58 Cf. GRAU, Eros Roberto. Op. cit. (nota 5), p. 234.

59 Cf. MACHADO, Hugo de Brito. “Ordem econômica e tributação”. In: FERRAZ, Roberto (coord). Princípios e limites da tributação 2. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 385.

60 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. “Livre concorrência e tributação”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do Direito Tributário. V. 11. São Paulo: Dialética, 2007, pp. 248-249.

61 Cf. LIMA, Ricardo Seibel de Freitas. Op. cit. (nota 46), p. 70.

62 Cf. FERRAZ, Roberto. “A inversão do princípio da capacidade contributiva no aumento da COFINS pela Lei 9.718”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 130. São Paulo: Dialética, 2006, pp. 75-76.

63 Cf. NEUMARK, Fritz. Grundsätze gerechter und ökonomisch rationaler Steuerpolitik. Tübingen, 1970, p. 41 apud ROTHMANN, Gerd Willi. “Tributação, sonegação e livre concorrência”. In: FERRAZ, Roberto. Op. cit. Princípios e limites da tributação 2. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 341.

64 Cf. CALIENDO, Paulo. “Princípio da neutralidade fiscal: conceito e aplicação”. In: PIRES, Adilson Rodrigues; e TÔRRES, Heleno Taveira (orgs.). Princípios de Direito Financeiro e Tributário. São Paulo: Renovar, 2006, p. 518.

65 Cf. CALIENDO, Paulo. Op. cit. (nota 64), p. 536.

66 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. cit. (nota 43), pp. 38-39.

67 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. cit. (nota 43) pp. 25; 33.

68 Cf. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Op. cit. (nota 21), p. 404.

69 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. “Tributação e indução econômica: os efeitos econômicos de um tributo como critério para sua constitucionalidade”. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e limites da tributação 2. São Paulo: Quartier Latin, 2009, pp. 142-143, pp. 148-150.

70 Cf. SILVEIRA, Rodrigo Maito. Tributação e concorrência. Tese (doutorado). São Paulo: USP, 2009, p. 50.

71 Sobre a relação entre tributo indutor e a neutralidade tributária, em um sentido no qual um se revela a antítese do outro, ver ZILVETI, Fernando Aurelio. “Subsídios fiscais no Direito Tributário Internacional”. Revista de Direito Tributário Internacional nº 6. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 26.

72 Cf. SILVEIRA, Rodrigo Maito. Op. cit. (nota 70), p. 22.

73 Cf. BRAZUNA, José Luis Ribeiro. Op. cit. (nota 48), pp. 47; 141-142.

74 Sobre a repercussão da norma tributária em âmbito econômico, assinala Gerd Willi Rothmann, referindo-se à doutrina do “tax announcement effects” de Arthur Cecil Pigou, que esta até mesmo prescinde da incidência tributária, uma vez que o mero anúncio de alteração na legislação tributária já é fenômeno apto a provocar “amplos efeitos econômicos, antes mesmo de o novo imposto ou o aumento de imposto existente ser instituído”. Cf. ROTHMANN, Gerd Willi. Op. cit. (nota 63), 334.

75 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. cit. (nota 69), p. 144.

76 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. cit. (nota 69), p. 145.

77 Cf. ELALI, André. Op. cit. (nota 27), p. 238.

78 Cf. BOMFIM, Diego. Op. cit. (nota 24), p. 181.

79 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. cit. (nota 43), p. 332.

80 Cf. SILVEIRA, Rodrigo Maito da. Op. cit. (nota 70), p. 72.

81 É neste sentido que Ricardo Seibel de Freitas Lima refere-se à uma acepção “mais restrita” da neutralidade tributária: “na acepção aqui defendida, mais restrita, porém relacionada àquela, a neutralidade é a neutralidade da tributação, atividade essencial do Estado, em relação à livre concorrência, visando a garantir um ambiente de igualdade de condições competitivas, aferível pelo grau de equilíbrio do mercado”. Cf. LIMA, Ricardo Seibel de Freitas. Op. cit. (nota 46), p. 70.

82 Não é este, entretanto, o sentido que Fernando Facury Scaff dá ao princípio, uma vez que o referido autor associa-o à ausência de interferência da norma tributária sobre a economia e a formação de preços. Cf. SCAFF, Fernando Facury. “ICMS, guerra fiscal e concorrência na venda de serviços telefônicos pré-pagos”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 126. São Paulo: Dialética, 2006, p. 78.

83 Cf. ROTHMANN, Gerd Willi. Op. cit. (nota 63), p. 341.

84 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. cit. (nota 60), p. 243.

85 Cf. NEUMARK, Fritz. Princípios de la imposición. Madri: Instituto de Estudios Fiscales, 1974, p. 317.

86 Cf. ROTHMANN, Gerd Willi. Op. cit. (nota 63), p. 334.

87 Refere-se Schoueri, ainda, ao artigo 150, XII, g, da Constituição Federal, que, ao exigir deliberação dos Estados e do Distrito Federal para a concessão de isenções e benefícios relativos ao ICMS, corresponde a uma proteção contra a guerra fiscal geradora de desequilíbrio concorrencial entre os Estados-membros. Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. cit. (nota 43), p. 339.

88 Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 264.

89 Sobre as duas modalidades, assinala Johnson Barbosa Nogueira que “a distinção fundamental entre as duas espécies de substituição reside no fato de o ‘substituído’ ter ficado atrás ou adiante do momento de tributação, vista a circulação da mercadoria em suas várias fases”. Cf. NOGUEIRA, Johnson Barbosa. “Contribuinte substituto no ICM”. Revista de Direito Tributário nos 21/22. São Paulo: RT, 1982, p. 101.

90 Cf. TORRES, Ricardo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12ª ed. São Paulo: Renovar, 2005, p. 264; NOGUEIRA, Johnson Barbosa. Op. cit. (nota 89), p. 101.

91 Sobre tal figura, assinala Maria Rita Ferragut: “(...) proposição jurídica que imputa, a um fato indiciário de situação de provável ocorrência futura, conseqüências jurídicas próprias desta situa­ção, fato jurídico típico tributário”. Cf. FERRAGUT, Maria Rita. Presunções no Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2001, p. 119.

92 Cf. BECHO, Renato Lopes. Sujeição passiva e responsabilidade tributária. São Paulo: Dialética, 2000, p. 136.

93 Não obstante esteja consagrada pela doutrina, a denominação “substituição ‘para frente’” é objeto da repulsa de Alcides Jorge Costa: “a ‘substituição para frente’ é outro equívoco. Se na substituição a obrigação já nasce tendo o substituto como sujeito passivo, é evidente que não se pode falar em substituto passivo de uma obrigação que não existe, nem se sabe se vai existir. E como ver algum vínculo, qualquer que seja ele, entre o substituto e um contribuinte inexistente?” Cf. COSTA, Alcides Jorge. “ICMS e substituição tributária”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 2. São Paulo: Dialética, 1995, p. 85.

94 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit. (nota 90), p. 264.

95 Cf. ÁVILA, Humberto. “Imposto sobre circulação de mercadorias - ICMS. Substituição tributária. Base de cálculo. Pauta fiscal. Preço máximo ao consumidor. Diferença constante entre o preço usualmente praticado e o preço constante da pauta ou o preço máximo ao consumidor sugerido pelo fabricante. Exame de constitucionalidade”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 123. São Paulo: Dialética, 2005, p. 122.

96 Cf. ÁVILA, Humberto. “Presunções e pautas fiscais frente à eficiência administrativa”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do Direito Tributário. V. 9. São Paulo: Dialética, 2005, p. 277.

97 É ao que se refere Schoueri como base de cálculo “praenumerando”, onde a fixação da base de cálculo ocorre a partir de uma grandeza presumida. Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. cit. (nota 43), p. 457.

98 Cf. Ávila, Humberto. Op. cit. (nota 95), p. 123.

99 Cf. Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.815-4/AL, Pleno, Ministro Relator Ilmar Galvão, julgamento em 8.5.2002, DJ de 13.12.2002.

100 Cf. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 18.572/GO, Primeira Turma, Relator Ministro José Delgado, julgamento em 15.2.2005, DJ de 23.5.2005.

101 Nada obstante, cumpre mencionar que, atualmente, a matéria encontra-se sob julgamento pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nos 2.675 e 2.777, julgadas conjuntamente. A primeira ação, relatada pelo então Ministro Carlos Velloso, relaciona-se à lei do Estado de Pernambuco (Lei nº 11.408/1996) que permite creditamento do imposto pago a maior, ao passo que a segunda ação diz respeito à lei do Estado de São Paulo (Lei nº 6.374/1989, com redação dada pela Lei nº 9.176/1995) que estabelece a restituição do imposto pago a maior diante da comprovação de que a base de cálculo efetiva é inferior àquela que foi presumida pelo Fisco.

102 Cf. FERRAZ, Roberto. “O consumo, a concorrência, o mercado e as distorções da substituição tributária (para frente)” In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do Direito Tributário. V. 11. São Paulo: Dialética, 2007, p. 363.

103 Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 336.

104 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. “Restrições à atividade econômica do contribuinte na substituição tributária e livre concorrência”. In: FERREIRA NETO, Arthur; e NICHELE, Rafael (orgs.). Curso avançado de substituição tributária. São Paulo: IOB, 2010, p. 524.

105 Cf. CASTRO, Renault de Freitas; e ALMEIDA, Valdomiro José de. “Concorrência e tributação: efeitos anticoncorrenciais da substituição tributária no caso do ICMS sobre cerveja”. Revista de Direito Econômico nº 29. Brasília, 1999, pp. 101-102.

106 Cf. CASTRO, Renault de Freitas; e ALMEIDA, Valdomiro José de. Op. cit. (nota 105), p. 116.

107 Cf. SILVEIRA, Rodrigo Maito da. Op. cit. (nota 70), p. 171.

108 Cf. SILVEIRA, Rodrigo Maito da. Op. cit. (nota 70), p. 173.

109 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. cit. (nota 104), p. 525.

110 Cf. DERZI, Misabel Abreu Machado. “A praticidade, a substituição tributária e o direito fundamental à justiça individual”. In: FISCHER, Octavio Campos (coord.). Tributos e direitos fundamentais. São Paulo: Dialética, 2004, p. 265.

111 Da mesma forma, Gustavo Vaz Porto Brechbühler, ao verificar o referido artigo da Constituição Federal, assinala que “O mencionado dispositivo constitucional alberga o princípio da praticidade em toda a sua essência, na medida em que tenta facilitar e proporcionar meios mais eficazes e seguros para a obtenção/arrecadação do tributo devido.” Cf. BRECHBÜHLER, Gustavo Vaz Porto. A imperiosa aplicação do princípio da praticidade na tributação em massa. Dissertação (mestrado). Rio de Janeiro: UFF, 2007, p. 44.

112 Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Op. cit. (nota 103), p. 285.

113 Cf. ÁVILA, Humberto. Op. cit. (nota 96), p. 277.

114 Cf. COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e justiça tributária. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 283.

115 Cf. ROCHA, Paulo Victor Vieira da. “O controle de proporcionalidade das regras de ‘substituição tributária por fato gerador presumido’”. Revista Direito Tributário atual nº 24. São Paulo: IBDT/Dialética, 2010, p. 412.