O Caso Société Natexis Banque Populaire e a Cláusula de Matching Credit do Acordo de Bitributação entre Brasil e França
Natalie Matos Silva
Advogada em São Paulo.
Resumo
A adequada conceituação das cláusulas de tax sparing e matching credit é fundamental para que sejam evitados equívocos quando de sua aplicação. Nesse contexto, o presente artigo tem por escopo analisar, à luz dos referidos conceitos, decisão da jurisprudência francesa que ganhou destaque na doutrina internacional ao tratar da aplicação da cláusula de matching credit prevista no Acordo Brasil-França para evitar a dupla tributação.
Palavras-chave: matching credit, tax sparing, acordos de bitributação.
Abstract
A proper conceptualization of the tax sparing credit and matching credit clauses is essential to avoid possible misunderstandings in their application. In this context, the scope of this article is to examine, in light of these concepts, the French decision that became notorious among international scholars by dealing with the application of the matching credit provision of Brazil-France Double Tax Treaty.
Keywords: matching credit, tax sparing, double tax treaties.
1. Introdução
Na disciplina dos acordos firmados para evitar a dupla tributação internacional sobre a renda (ou os “acordos de bitributação”), destacada relevância vêm assumindo as cláusulas de tax sparing e matching credit.
Sabe-se que, em um primeiro momento, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) chegou a recomendar a utilização de tais cláusulas nos acordos de bitributação celebrados entre países com graus diferentes de desenvolvimento, como uma forma de atrair investimentos para os países menos desenvolvidos.
No entanto, em relatório publicado em 1998, denominado Tax sparing: a reconsideration1, a OCDE reviu sua posição inicial sobre o assunto, passando então a desencorajar o uso dessas cláusulas por seus países-membros, através de diversas críticas e questionamentos acerca de sua adoção.
A utilidade do mecanismo foi então colocada em jogo, uma vez que, na visão da OCDE, entre outras coisas, o tax sparing pode favorecer a ocorrência de situações de planejamento tributário abusivo e evasão fiscal, não sendo este um instrumento eficiente para garantir o desenvolvimento econômico do Estado da fonte.
O Brasil, por sua vez, desde os primeiros acordos para evitar a dupla tributação assinados, nos primórdios da década de 1960, tem firmado a política de sempre negociar cláusulas de tax sparing e matching credit, especialmente nos acordos celebrados com países desenvolvidos.
Em tal contexto, no presente trabalho, pretende-se discutir polêmica decisão da jurisprudência francesa, que ganhou destaque na doutrina internacional justamente ao tratar da cláusula de matching credit prevista na Convenção para evitar a Dupla Tributação e prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, concluída entre o Brasil e a França (“Acordo Brasil-França”), aprovada pelo Decreto Legislativo nº 87, de 27 de novembro de 1971 e promulgada pelo Decreto nº 70.506, de 12 de maio de 1972.
Desta feita, a partir da análise do conteúdo do que foi decidido no julgamento do caso Société Natexis Banque Populaire2 (“Banco Natexis”) pelo Conseil d’État3 francês, será possível notar a relevância da correta conceituação das expressões matching credit e tax sparing.
Isso porque, na decisão que será ora estudada, a interpretação dada pelo Conseil d’État acerca da natureza da cláusula prevista no artigo XXII(2)(d) do Acordo Brasil-França foi motivo suficiente para que o direito ao crédito do imposto ali previsto fosse negado ao Banco Natexis, instituição financeira residente na França que possuía, à época dos fatos, investimentos no Brasil, em função dos quais recebia juros.
Além de abordar os fatos e fundamentos da decisão do caso do Banco Natexis, realizar-se-á, no presente trabalho, uma breve distinção da natureza das cláusulas de matching credit e tax sparing, a fim de que se possa analisar criticamente o quanto foi decidido pelo Conseil d’État.
2. Caso Société Natexis Banque Populaire: Fatos e Fundamentos da Decisão do Conseil d’État
2.1. Principais fatos relativos ao caso do Banco Natexis
Em 26 de julho de 2006, o Conseil d’État francês julgou o caso Banco Natexis, que se tornou famoso por discutir os mecanismos de concessão de crédito do imposto no Acordo Brasil-França. Passa-se, assim, a analisar os principais fatos e fundamentos concernentes à decisão em tela.
O Banco Natexis, residente na França, possuía determinados investimentos no Brasil, de modo que recebia juros que tinham sua fonte localizada no País. No momento do cálculo do imposto a ser pago na França, seu Estado de residência, buscou o reconhecimento de um crédito de imposto relativo à cláusula constante do artigo XXII(2)(d) do Acordo Brasil-França, pelo qual se considera, no que diz respeito aos juros (artigo XI), que o imposto brasileiro tenha sido cobrado à alíquota de 20%. Nesse passo, veja-se o quanto disposto no artigo XXII(2) do Acordo Brasil-França a esse respeito:
“Artigo XXII
Regras gerais de tributação
A dupla tributação será evitada da seguinte forma:
(...)
2. no caso da França:
(...)
c) no que concerne aos rendimentos indicados nos Artigos X, XI, XII, XIII, XIV, XVI e XVII sobre os quais tenha incidido o imposto brasileiro em conformidade com as disposições de tais artigos, a França concederá aos seus residentes que recebem tais rendimentos de fonte brasileira um crédito tributário correspondente ao imposto pago no Brasil, no limite do imposto francês referente a esses mesmos rendimentos;
d) no que concerne aos rendimentos indicados nos Artigos X, XI e parágrafo 2 ‘c’, do Artigo XII, o imposto brasileiro é considerado como tendo sido cobrado à taxa mínima de 20%.
(...)” (Destaques nossos)
Com efeito, nos termos do artigo XI do Acordo Brasil-França4, que dispõe acerca da repartição de competências tributárias entre os Estados contratantes relativamente aos juros, como regra geral, os juros podem ser tributados no Estado de residência do investidor e no Estado da fonte, sendo que neste último caso o imposto não poderá ser superior a 15% do montante bruto dos referidos juros.
Mencione-se, ainda, que o artigo XI(3)(b) determina que, no que se refere aos juros dos empréstimos e créditos concedidos, por um período mínimo de sete anos pelos estabelecimentos bancários com participação de um organismo público de financiamento especializado e ligados à venda de bens de equipamento ou ao estudo, à instalação ou ao fornecimento de complexos industriais ou científicos e de obras públicas, o imposto cobrado pelo Estado da fonte não poderá exceder a alíquota de 10%.
É exatamente essa a situação em que se enquadrava o Banco Natexis: os juros recebidos por esta instituição financeira provenientes do Brasil, em princípio, sujeitos a uma alíquota de 10% na fonte. No entanto, em virtude de um benefício fiscal previsto na legislação brasileira, a alíquota relativa à tributação na fonte, no Brasil, foi reduzida a 0%, não havendo que se falar em qualquer tributação no Brasil sobre tais rendimentos.
Justamente em razão do benefício fiscal concedido pelo Brasil e pelo fato de os juros não terem sofrido tributação alguma na fonte, o Fisco francês negou ao Banco Natexis o direito de aproveitamento do crédito de 20% previsto no artigo XXII(2)(d) do Acordo Brasil-França.
É importante notar, nesse ponto, que em 8 de dezembro de 1972, as autoridades fiscais francesas editaram instrução (Instrução 14 B-17-72) que esclarecia a natureza e a forma de aplicação do mecanismo de crédito de imposto previsto no Acordo Brasil-França, em seu artigo XXII, parágrafo 2, alíneas “c” e “d”.
Nos termos da referida instrução, para fins de cálculo do imposto devido na França, devia-se, em qualquer situação, considerar o crédito equivalente a 20% do montante bruto de tais rendimentos, ainda que na ausência de qualquer imposição fiscal brasileira sobre os juros em comento5.
Houve, portanto, mais ou menos à mesma época em que entrou em vigor o Acordo Brasil-França (1971), o reconhecimento pelas autoridades fiscais francesas de que os residentes na França possuíam um direito incondicional ao crédito de imposto previsto no artigo XXII(2)(d), ainda que diante de uma total ausência de tributação na fonte, no Brasil.
Com notável astúcia, Guy Gest6 afirma que, dada a diferença de apenas 14 meses entre a assinatura do Acordo Brasil-França e a edição da Instrução 14 B-17-72, pode-se legitimamente supor que os responsáveis pela elaboração desta última estavam familiarizados com o texto do primeiro, já que tanto uma quanto outro são oriundos de um mesmo órgão governamental.
Ademais, três meses após a assinatura do Acordo Brasil-França (e 12 meses antes da publicação da Instrução 14 B-17-72), foi divulgado o relatório geral da Comissão de Assuntos Estrangeiros da Assembleia Nacional francesa a respeito do projeto de lei que autorizava a ratificação do referido tratado internacional. No relatório em tela, o Deputado Trémeau, seu autor, expunha claramente que os juros exonerados ou tributados a uma alíquota reduzida no Brasil faziam jus a um crédito de imposto igual a 20% de seu montante bruto7.
Assim, conclui Guy Guest ser possível crer que a Instrução 14 B-17-72 estava não somente conforme o texto do Acordo Brasil-França, como também era fiel à intenção de seus autores8.
Em 1997, em sentido contrário ao anteriormente firmado, as autoridades fiscais francesas voltaram a manifestar-se a respeito do Acordo Brasil-França, por meio de nova instrução (Instrução 14 A-7-97). Passados 25 anos da edição da primeira instrução, em 5 de dezembro de 1997, decidiu-se que somente poderia ser reconhecido o direito ao crédito na França na hipótese de algum imposto ter sido pago no Brasil com relação aos juros considerados9. Entendeu-se, assim, que o artigo XXII(2)(d) deveria ser interpretado de modo a subordinar o reconhecimento do crédito da França à ocorrência de tributação no Brasil, em total dissonância com a instrução emanada em 1972.
Considerando-se a mudança de posicionamento do Fisco francês a respeito da interpretação a ser conferida à cláusula de crédito de imposto prevista no Acordo Brasil-França, requereu o Banco Natexis ao Conseil d’État: (i) a anulação do parágrafo II da Instrução 14 A-7-97, relativo às modalidades de imputação do crédito de imposto no que concerne aos juros de fonte brasileira, e (ii) subsidiariamente, a anulação da decisão de 25 de julho de 2005, que havia rejeitado sua demanda pelo afastamento do parágrafo II da referida instrução.
Desta forma, coube ao Conseil d’État, na decisão em comento, determinar qual das duas instruções editadas pelas autoridades fiscais francesas interpretava corretamente o artigo XXII(2)(d) do Acordo Brasil-França.
2.2. A decisão do Conseil d’État e seus fundamentos
O Conseil d’État entendeu, nos termos da Instrução 14 A-7-97, que o crédito de 20% somente poderia ser concedido caso tivesse havido algum imposto efetivamente recolhido no Brasil, o que não era o caso.
A decisão em comento, baseada nas conclusões de Pierre Collin, Comissaire du Gouvernement, assentou-se sobre a premissa de que, veiculando o artigo XXII(2)(d) notadamente uma cláusula de matching credit, a sua aplicação requeria, necessariamente, que tivesse havido tributação sobre os rendimentos (no caso, juros) no Brasil.
Assim, a Instrução 14 B-17-72 teria, erroneamente, interpretado a cláusula prevista no artigo XXII(2)(d) como sendo de tax sparing, situação em que o crédito seria concedido pelo Estado da residência ainda que na ausência de qualquer tributação no Brasil. Tal “erro” teria sido corrigido com a edição da Instrução 14 A-7-97, ao esclarecer que se trata o artigo XXII(2)(d) de uma cláusula de matching credit, de modo que restaria vedada a concessão do crédito na hipótese de exoneração do tributo pelo Estado da fonte.
A respeito do entendimento do Comissaire du Gouvernement Pierre Collin, Anapaula Trindade Marinho e Vanessa Arruda Ferreira afirmam10:
“Em seu parecer, Pierre Collin explicita sua concepção das cláusulas de tax sparing e matching credit. Nesse sentido, ele relata, inicialmente, que o princípio geral do crédito de imposto estrangeiro nem sempre seria respeitado. O crédito de imposto poderia ser determinado ‘a forfait’, correspondendo a uma alíquota previamente fixada na convenção, e concedido independentemente do valor do imposto estrangeiro, desde que este tenha sido efetivamente arrecadado, ou ainda um crédito concedido mesmo diante da ausência de qualquer arrecadação pelo Estado fonte da renda. O primeiro caso, quando o crédito é determinado de maneira forfetária na própria convenção, equivaleria ao matching credit. O segundo caso, quando pouco importasse a existência ou não de alguma arrecadação no Estado doente, equivaleria à modalidade de tax sparing. Para ele, o artigo 22, alínea ‘d’, da convenção franco-brasileira, lido após a alínea ‘c’, revelar-se-ia uma cláusula matching credit, em função da alíquota prefixada de 20%, e o crédito do imposto teria de ser ‘em parte’ fictício e, portanto, necessária uma tributação, mínima que fosse, para justificar a concessão do crédito de imposto fictício à alíquota de 20%.”
Com efeito, invocando a necessidade de se interpretar literalmente as disposições do Acordo Brasil-França, que decorreria do princípio da interpretação estrita que guia a interpretação da lei fiscal e das convenções internacionais, Pierre Collin buscou associar as alíneas “c” e “d” do parágrafo 2º do artigo XXII, para afirmar que o crédito de imposto fictício previsto na alínea “d” decorre, inevitavelmente, do crédito de imposto clássico previsto na alínea “c”.
Desta feita, a alínea “c” do artigo XXII enuncia o crédito do imposto efetivo, partindo-se deste para o caso particular da alínea “d”, que trata do matching credit. Veja-se novamente, nesse passo, o quanto disposto na alínea “c” do parágrafo 2º do artigo XXII, in verbis:
“Artigo XXII
Regras gerais de tributação
A dupla tributação será evitada da seguinte forma:
(...)
2. no caso da França:
(...)
c) no que concerne aos rendimentos indicados nos Artigos X, XI, XII, XIII, XIV, XVI e XVII sobre os quais tenha incidido o imposto brasileiro em conformidade com as disposições de tais artigos, a França concederá aos seus residentes que recebem tais rendimentos de fonte brasileira um crédito tributário correspondente ao imposto pago no Brasil, no limite do imposto francês referente a esses mesmos rendimentos.” (Destaques nossos)
Assim, não poderia um contribuinte beneficiar-se do crédito previsto na alínea “d” (“no que concerne aos rendimentos indicados nos artigos X, XI e parágrafo 2, ‘c’, do artigo XII, o imposto brasileiro é considerado como tendo sido cobrado à taxa mínima de 20%”) se não houver direito, ao menos em princípio, a um crédito do imposto efetivo, nos termos da alínea “c”, e que corresponde ao imposto que tenha incidido e sido pago no Brasil. Não havendo imposto incidido e pago e, consequentemente, direito ao crédito do imposto efetivo, não haveria que se falar em matching credit.
Feitas estas considerações, passa-se a analisar os conceitos de matching credit e tax sparing, a fim de determinar se o entendimento adotado pelo Conseil d’État ao julgar o caso do Banco Natexis está em consonância com o entendimento prevalente na doutrina acerca da natureza de tais cláusulas.
3. Natureza Jurídica da Cláusula Prevista no Artigo XXII(2)(D) do Acordo Brasil-França: Tax Sparing ou Matching Credit?
3.1. Breves considerações sobre a repartição de competências e o método do crédito dos acordos de bitributação
Inicialmente, é importante esclarecer que, nas regras de distribuição dos acordos de bitributação, haverá ocasiões em que a competência tributária será atribuída exclusivamente ao Estado da residência ou, mais raramente, ao Estado da fonte. A competência tributária exclusiva é manifestada pela expressão shall be taxable only (em português, “será tributável somente”), que esclarece que apenas um dos Estados contratantes poderá tributar o rendimento em questão.
Em tais casos, não haverá que se falar em dupla tributação, uma vez que a repartição de poderes tributários realizada pelo acordo terá automaticamente eliminado a possibilidade de uma dupla imposição sobre o rendimento.
No entanto, para determinadas categorias de rendimento, o acordo de bitributação atribui competência tributária cumulativa para o Estado da residência e para o Estado da fonte. Nesses casos, o acordo conterá a expressão may be taxed (em português, “poderá ser tributado”), geralmente referindo-se ao Estado da fonte, para evidenciar que tal Estado poderá tributar, sem que isso signifique a exclusão da possibilidade de tributação pelo Estado da residência.
O Estado da fonte, desta forma, poderá tributar o rendimento, com ou sem limitações. É comum que, para determinados tipos de rendimento, haja uma limitação da alíquota a ser aplicada pelo Estado da fonte.
Em momento posterior, o Estado da residência terá a obrigação de aplicar o método para evitar a dupla tributação previsto no acordo, de modo a impedir que ocorra uma situação de dupla tributação. Assim, caberá ao Estado da residência isentar os rendimentos auferidos no Estado da fonte, ou permitir que o contribuinte tome como crédito o imposto pago no Estado da fonte11.
Pelo método da isenção, os rendimentos que, pelas regras distributivas do acordo, são tributáveis pelo Estado da fonte ou da situação do bem, serão isentos no Estado da residência12. Trata-se de uma medida decorrente do princípio da territorialidade, uma vez que não leva em consideração os rendimentos obtidos no exterior, mas somente aqueles auferidos internamente13.
Já no método do crédito, tradicionalmente utilizado pelo Brasil em seus acordos de bitributação, rendimentos que sejam tributáveis pelo Estado da fonte ou da situação do bem estarão sujeitos a tributação no Estado da residência, mas o imposto pago no Estado da fonte pode ser deduzido do imposto devido no Estado da residência14.
O método do crédito, também chamado de método da dedução do imposto ou método da imputação15, pode ser aplicado, essencialmente, de duas maneiras, conhecidas como crédito integral ( full credit) e crédito ordinário (ordinary credit).
Aplicando-se a modalidade do crédito integral, o Estado de residência permite que o contribuinte utilize o imposto pago sobre os rendimentos auferidos no exterior como crédito contra o imposto interno devido sobre sua renda mundial16.
Já de acordo com o crédito ordinário, o Estado da residência permite que o imposto pago no exterior seja deduzido do imposto devido sobre sua renda mundial, mas limitado ao montante do imposto interno devido sobre os rendimentos estrangeiros17.
Na maior parte dos países, aplica-se a modalidade do crédito ordinário, sendo que em alguns casos é autorizada a utilização do excesso de créditos em anos anteriores (carry back) ou futuros (carry forward)18.
Ao se tratar do método do crédito presente nos acordos contra a dupla tributação, uma discussão que merece destaque é a utilização de cláusulas de tax sparing e matching credit nos instrumentos firmados entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
3.2. Limitações do método do crédito e o surgimento das cláusulas de tax sparing e matching credit
Apresentados os métodos destinados a eliminar ou mitigar a dupla tributação da renda, resta claro que, no que tange aos acordos bilaterais, uma de suas principais funções é a de repartir as competências e as receitas tributárias entre os Estados contratantes.
Considerando-se que a maioria dos acordos - inclusive os brasileiros - segue, em grande parte, a Convenção Modelo da OCDE, tal alocação de competências e receitas tende a privilegiar o Estado da residência.
Se tal fato não traz maiores prejuízos quando se trata de relações entre países desenvolvidos, sabe-se que, na hipótese de acordos entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, estes últimos possivelmente terão que lidar com consequências danosas.
Afinal, historicamente, os países em desenvolvimento desempenham o papel de importadores de capital, ao passo que nos países desenvolvidos estão os titulares dos capitais investidos. Na medida em que se privilegia a tributação pelo Estado da residência, o Estado da fonte sofre as consequências de não poder tributar (ou poder tributar de maneira limitada) os rendimentos auferidos em seu território.
De modo a atenuar a mencionada disparidade, é comum que os Estados da fonte concedam incentivos fiscais, destinados a atrair investimentos estrangeiros para o seu território. No entanto, os investimentos assim concedidos podem ser anulados para o investidor, caso o método para eliminar a dupla tributação que venha a ser adotado seja o método do crédito.
Assim, imagine-se situação em que um país em desenvolvimento A, em um primeiro momento, tributa na fonte os juros remetidos ao exterior a uma alíquota de 15%. Um investidor estrangeiro residente em um país B, que possui um acordo de bitributação com o país A, no qual está previsto o método do crédito, resolve aplicar determinado montante no país A. Após certo tempo, o referido investidor aufere $ 100 a título de juros no país A, e é tributado na fonte, recolhendo aos cofres deste país o montante de $ 15.
No país B, o investidor é tributado a uma alíquota de 20% sobre o total de seus rendimentos, incluindo aqueles auferidos no país A. Desta forma, deveria pagar, em princípio, $ 20, mas como pode deduzir deste montante o crédito de $ 15 relativo ao imposto pago no país A, recolhe ao país B somente $ 5. A carga tributária total do investidor em questão terá sido, portanto, de $ 20 ($ 15 no país A e $ 5 no país B).
Continuando esse exercício, imagine-se que, na tentativa de atrair investimentos estrangeiros, o país A venha a reduzir a alíquota na fonte sobre os juros de 15% para 5%. Nessa situação, o investidor do país B que auferisse um rendimento de juros de $ 100 pagaria ao país A o montante de $ 5 a título de imposto retido na fonte.
Em seu Estado de residência, o país B, o investidor continuaria sendo tributado a uma alíquota de 20% sobre os rendimentos auferidos no país A. No entanto, o crédito relativo ao imposto pago no país A seria de apenas $ 5, de modo que o imposto devido ao país B seria de $ 15. Nessa segunda situação, a carga tributária total do investidor terá sido, novamente, de $ 20 ($ 5 no país A e $ 15 no país B).
Com esses exemplos, é possível perceber que, com a utilização do método do crédito tradicional, os incentivos fiscais concedidos pelo Estado da fonte para atrair investimentos estrangeiros acabam sendo anulados, na medida em que nenhum benefício efetivo resulta para o investidor estrangeiro. Apenas o Estado de residência do investidor estrangeiro é beneficiado, por passar a conceder um crédito inferior ao que seria obrigado na ausência de incentivos fiscais no Estado da fonte.
Por essa razão, foram criados determinados tipos de cláusulas que asseguram que o sacrifício fiscal sofrido pelo Estado da fonte será revertido em benefício para o investidor estrangeiro, e não para o Estado da residência. Tem-se, assim, as cláusulas de tax sparing e de matching credit, que substituem o método do crédito puro e simples.
3.3. Natureza das cláusulas de tax sparing e matching credit
Na sistemática dos acordos contra a dupla tributação, de um modo geral, o crédito a ser deduzido do imposto devido no Estado da residência leva em consideração o imposto efetivamente pago no Estado da fonte.
Contudo, não é isso que acontece nas cláusulas de crédito fictício (tax sparing) e de crédito presumido (matching credit), presentes em acordos negociados entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, e que não tomam por base o imposto realmente pago no Estado da fonte. As cláusulas de tax sparing e matching credit geralmente são estabelecidas com relação aos rendimentos passivos (dividendos, juros e royalties). A respeito de tais cláusulas, ensina Alberto Xavier19:
“Quer a imputação ordinária, quer a imputação integral tomam por base o imposto real e efetivamente pago no exterior. Todavia, duas novas modalidades surgiram - sobretudo nas convenções fiscais entre países desenvolvidos e países em via de desenvolvimento - que se baseiam, respectivamente, num imposto presumido ou imposto fictício: o matching credit e o tax sparing.”
As duas modalidades de crédito de imposto mencionadas surgiram com a intenção de fazer com que a renúncia fiscal suportada pelos países em desenvolvimento pudesse de fato ser revertida em benefício para o investidor estrangeiro, e não para o Estado de residência deste, situação que ocorria com a aplicação do método do crédito puro e simples20.
Deve-se notar que desde o fim da década de 1960 e do início da década de 1970, a maioria dos países-membros da OCDE passou a adotar cláusulas de tax sparing em ao menos alguns dos seus acordos de bitributação assinados com países em desenvolvimento. Entendia-se que tais cláusulas faziam parte de uma política de auxílio internacional que visava promover atividades comerciais, industriais e científicas nos países menos desenvolvidos21.
Nos Comentários ao artigo 23 da Convenção Modelo da OCDE de 1963, reconhecia-se que os incentivos fiscais concedidos pelos países em condição de menor desenvolvimento eram anulados caso se reconhecesse como crédito apenas o montante do imposto efetivamente pago no Estado da fonte. A sugestão contida naqueles Comentários era a de que esse problema poderia ser enfrentado através da isenção desses rendimentos no Estado de residência do investidor, ou através do tax sparing22.
Anos mais tarde, os Comentários ao artigo 23 da Convenção Modelo de 1977 davam um passo adiante, com a sugestão da alteração da redação dos acordos de bitributação, caso fosse a vontade das partes contratantes, para prever expressamente cláusulas de tax sparing ou de isenção dos rendimentos beneficiados por incentivos fiscais em países menos desenvolvidos23.
No entanto, as cláusulas de tax sparing, cuja utilização já foi incentivada pela OCDE, foram amplamente criticadas pela Organização em relatório publicado em 1998. A OCDE argumenta, entre outras coisas, que o cenário econômico mundial que se verifica na atualidade não mais justifica a utilização das cláusulas de tax sparing, não somente porque o mercado global cresceu consideravelmente, mas também porque diversos países beneficiados por tais cláusulas são hoje economicamente desenvolvidos, inclusive até mais do que muitos países-membros da OCDE24.
Muito embora as discussões atuais acerca de tais institutos recaiam principalmente sobre a questão de sua efetividade, diversos problemas que surgem quando da aplicação dessas cláusulas estão relacionados à imprecisão na definição das duas expressões25. Por tal motivo, cumpre conceituá-las adequadamente.
O tax sparing é um crédito de imposto que corresponde ao imposto que teria sido pago no Estado da fonte, na ausência de benefícios fiscais com o intuito de incentivar o investimento estrangeiro em tal Estado. Pretende-se, no tax sparing, que os incentivos fiscais concedidos pelo Estado da fonte sejam efetivamente fruídos pelo investidor, e não pelo Estado da residência.
Já o matching credit independe da existência de um incentivo fiscal. No próprio tratado, o Estado da residência concorda em conceder um crédito (geralmente) superior à alíquota vigente no Estado da fonte.
É nesse sentido que Luís Eduardo Schoueri afirma que26:
“(...) se o tax sparing se relaciona a benefícios concedidos unilateralmente, não anulados por um acordo de bitributação, diversos acordos entre países desenvolvidos e em desenvolvimento vão além, afastando de vez a neutralidade e servindo abertamente de instrumento para o incentivo a investimentos.”
O desenvolvimento das cláusulas de matching credit remonta ao fato de que, nos acordos de bitributação celebrados entre países com graus diferentes de desenvolvimento, geralmente o fluxo de investimentos é maior em um dos sentidos (do país desenvolvido para o país em desenvolvimento), sendo a renúncia fiscal efetuada pelo Estado da fonte definitiva.
Diferentemente, nos acordos celebrados entre países com o mesmo grau de desenvolvimento, os fluxos bilaterais de rendimentos fazem com que as renúncias fiscais de um dos Estados sejam compensadas pelos ganhos derivados dos fluxos inversos27. Para equilibrar essa situação, fez-se necessária a previsão de cláusulas de matching credit nos acordos de bitributação celebrados entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Assim, o matching credit é ainda mais benéfico aos investidores do que o tax sparing, na medida em que sempre se prevê que o Estado da residência concederá um crédito fixo, em montante normalmente superior ao imposto que pode ser cobrado pelo Estado da fonte, em função das regras distributivas do acordo.
De acordo com Guy Guest, o matching credit surgiu para resolver determinadas insuficiências do tax sparing, que eram sentidas tanto pelos países desenvolvidos quanto pelos países em desenvolvimento. Nesse sentido, o autor francês menciona que os países em desenvolvimento ressentiam-se do fato de os países desenvolvidos poderem, de certa forma, questionar os incentivos fiscais concedidos no âmbito do tax sparing; os países desenvolvidos, por sua vez, mencionavam o risco de que os países em desenvolvimento, desejosos de atrair mais investimentos para o seu território, majorassem as alíquotas de sua legislação de modo a aumentar o montante do crédito a ser concedido pelo Estado da residência; por fim, também no Estado da residência, havia a dificuldade prática da determinação do montante do crédito a ser concedido, que dependia da prova da legislação do Estado da fonte28.
De qualquer forma, tanto o tax sparing quanto o matching credit são mecanismos que têm por objetivo atrair investimentos estrangeiros aos países em desenvolvimento. Em verdade o matching credit difere do tax sparing apenas sob o aspecto da técnica aplicada, sendo o primeiro uma “prefixação do crédito de imposto sob um determinado percentual, inscrito na cláusula convencional”, e o último “um mecanismo segundo o qual o Estado da fonte faz declarar os impostos que teriam sido pagos caso não existisse qualquer benefício”29.
O termo tax sparing é geralmente utilizado nos países de common law para se referir às duas formas de alívio da dupla tributação aqui estudadas30. A OCDE entende que o matching credit é uma das formas pelas quais o mecanismo do tax sparing pode ser aplicado. De fato, no parágrafo 74 dos Comentários da OCDE ao artigo 23 da Convenção Modelo31, está estabelecido que as provisões de tax sparing podem ter diferentes formas, como, por exemplo, a dedução de um crédito, pelo Estado de residência, em parte fictício, fixado em uma alíquota maior do que a efetivamente cobrada pelo Estado da fonte32.
O entendimento da OCDE a respeito do matching credit, que, apesar de não ter sido mencionado expressamente, foi descrito como um crédito “em parte fictício”, poderia levar à apressada conclusão de que o matching credit requer, necessariamente, alguma tributação no Estado da fonte para que possa ser aplicado.
No entanto, tal assertiva não corresponde ao efetivo funcionamento do mecanismo do matching credit, que consiste pura e simplesmente na determinação, no texto do próprio acordo de bitributação, do montante do crédito a ser conferido pelo Estado da residência sobre determinados rendimentos, geralmente superior ao limite de tributação previsto neste mesmo acordo para tal rendimento, sendo indiferente para o Estado da residência como se deu a tributação no Estado da fonte, ou mesmo se ela efetivamente ocorreu.
Corroborando tal entendimento, Luís Eduardo Schoueri33 ensina, a respeito do matching credit:
“O matching credit é, portanto, independente de medidas unilaterais. Pode-se também falar em matching credit no caso de não haver diferença entre a tributação máxima na fonte e o crédito concedido pelo Estado da Residência, contanto que este crédito seja fixado pelo acordo independentemente de qualquer outra investigação sobre qual teria sido a efetiva tributação na fonte. Em outras palavras, o mecanismo de matching credit contempla um crédito fixo pelo Estado da Residência, que será sempre concedido sobre remessas do Estado da Fonte. Sob esta perspectiva, o matching credit tem um perfil pragmático, uma vez que as partes não precisam trazer nenhuma prova sobre o nível de tributação na fonte, que se torna irrelevante para fins de determinação do crédito a ser concedido pelo Estado da Residência.”
No mesmo sentido, ao tratar das diferenças entre as duas modalidades de crédito (tax sparing e matching credit), leciona Alberto Xavier34:
“Enquanto a cláusula de ‘tax sparing’ pressupõe um incentivo preexistente que visa a preservar, a cláusula de ‘matching credit’ atribui o direito à dedução no Estado de residência de um crédito fixado ‘a forfait’. Seja qual for a política fiscal do outro Estado, estabeleça ele ou não um imposto reduzido ou até mesmo uma isenção: é este o significado da expressão ‘o imposto será sempre considerado como tendo sido pago à alíquota de ...’”
Destarte, tendo em vista que o mecanismo de matching credit, por sua natureza, independente de qualquer consideração do Estado da residência quanto à tributação e à legislação do Estado da fonte, é forçoso concluir que o Conseil d’État andou mal ao condicionar a concessão do crédito ao Banco Natexis a uma efetiva tributação na fonte, no Brasil, sobre os juros por tal instituição percebidos.
4. Análise Crítica da Decisão do Conseil d’État no Caso do Banco Natexis
Considerando-se o quanto exposto no tópico anterior a respeito da natureza das cláusulas de matching credit e tax sparing, pode-se concluir que o artigo XXII(2)(d) do Acordo Brasil-França contém legítima cláusula de matching credit, que poderá ser aplicada ainda que na ausência de qualquer tributação no Brasil (Estado da fonte).
No entanto, para além dessa conclusão inicial, é necessário tecer, ainda que brevemente, algumas considerações adicionais acerca dos fundamentos da decisão do Conseil d’État ao julgar o caso do Banco Natexis, analisando-se criticamente os pilares sobre os quais tal decisão foi erigida.
Para fazer valer a decisão que foi proferida no caso do Banco Natexis, o Conseil d’État e o Comissaire du Governement interpretaram literalmente o Acordo Brasil-França, chegando à conclusão de que o artigo XXII era inaplicável ao caso concreto pela inexistência de dupla tributação. De acordo com o entendimento ali manifestado, somente se houvesse disposição específica abrangendo os casos de dupla não tributação, como é efetivamente a situação do Banco Natexis, haveria que se falar na aplicação do artigo XXII (destinado exclusivamente aos casos de dupla tributação).
No entanto, a simples interpretação literal do artigo XXII(2)(d), a despeito do ponto de vista defendido por Pierre Collin, poderá conduzir o intérprete ao reconhecimento de que o matching credit deverá ser concedido ainda que não haja qualquer tributação no Brasil, justamente porque não existe, no texto do Acordo Brasil-França, qualquer disposição excepcionando a aplicação de tal crédito em casos como o do Banco Natexis.
Ademais, deve-se ter em conta que o texto do Acordo Brasil-França, como qualquer tratado internacional, deverá ser interpretado, nos termos do artigo 31 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (“CVDT”)35, promulgada pelo Decreto nº 7.030/2009, “em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade”.
Nesse sentido, veja-se o ensinamento de Sergio André Rocha36:
“Assim, na interpretação das CDTRs [Convenções para evitar a Dupla Tributação da Renda], como na interpretação de qualquer texto jurídico, partir-se-á da moldura textual, levando-se em consideração os interesses que se buscou tutelar e os fins que se procurou alcançar, tomando-se em conta, ainda, os valores que fundamentam a norma, o histórico que pautou sua edição, assim como o contexto em que se encontra inserida.”
Desta feita, entendendo-se o contexto nos termos dos itens 2 e 3 do atigo 31 da CVDT, impende que sejam mencionados novamente a Instrução 14 B-17-72 e o relatório geral francês da Comissão de Assuntos Estrangeiros da Assembleia Nacional, de autoria do Deputado Trémeau, documentos contemporâneos à assinatura do Acordo Brasil-França e que claramente determinavam que o direito ao matching credit subsistia ainda que diante de uma hipótese de exoneração total dos juros no Brasil, Estado da fonte.
Desta forma, pelo dito contexto, é possível chegar à conclusão de que os negociadores do Acordo Brasil-França pretendiam, à época de sua assinatura e ratificação, que o matching credit fosse concedido a residentes franceses que investissem no Brasil, independentemente de ter havido qualquer tributação brasileira sobre os juros auferidos.
Nada obstante, a verificação do objetivo e da finalidade das cláusulas de tax sparing e matching credit no contexto da disciplina dos acordos de bitributação também é relevante para o deslinde da questão.
É sabido que, a fim de evitar situações de dupla tributação internacional, os Estados limitam sua soberania fiscal ao negociar acordos internacionais em matéria tributária. Os acordos de bitributação “são instrumentos de que se valem os Estados para, através de concessões mútuas, diminuir ou impedir a ocorrência do fenômeno da bitributação internacional em matéria de imposto sobre a renda, além de meio para o combate à evasão fiscal”37. Nos acordos de bitributação, os Estados contratantes fazem concessões mútuas, renunciando a uma parte de sua pretensão tributária.
Atualmente, tem-se discutido a real necessidade dos acordos contra a dupla tributação, uma vez que os países dispõem das já mencionadas medidas unilaterais para lidar com a questão da bitributação38. Não se pode negar, contudo, que a eliminação da dupla tributação é uma das principais funções de um acordo de bitributação, e que os acordos existentes servem a essa finalidade.
Como mencionado pela OCDE, na introdução aos Comentários à Convenção Modelo, os efeitos nocivos da dupla tributação jurídica sobre as trocas de bens e serviços e sobre os movimentos de capital, tecnologia e pessoas são de tal forma conhecidos que é desnecessário apontar a importância de se removerem os obstáculos que a dupla tributação representa ao desenvolvimento das relações econômicas entre os Estados39.
Sergio André Rocha aponta, entre as finalidades dos acordos contra a dupla tributação, a repartição das receitas tributárias entre os Estados contratantes40. Não nos parece ser este um objetivo autônomo dos acordos de bitributação, mas um meio através do qual se atinge o objetivo de eliminar a dupla tributação jurídica. Assim, através da repartição de competências tributárias, os acordos visam eliminar a dupla tributação.
Além disso, os acordos contra a dupla tributação têm o papel de combater a evasão fiscal internacional41, haja vista a previsão do intercâmbio de informações do artigo 26 da Convenção Modelo da OCDE e as diversas medidas antievasivas previstas nos modelos de acordos, cada vez com maior frequência.
A prevenção da aplicação de tratamentos discriminatórios também é mencionada como um dos objetivos dos acordos de bitributação, embora a cláusula de não discriminação prevista no artigo 24 da Convenção Modelo da OCDE não seja suficientemente abrangente42.
Além disso, há que se mencionar que os acordos contra a dupla tributação possuem a finalidade de fomentar os investimentos e as relações comerciais entre os Estados contratantes, através da proteção da segurança jurídica dos investidores estrangeiros43, sendo essa uma das mais relevantes funções de tais instrumentos no desenvolvimento da economia mundial.
É dentro dessa última finalidade que devem ser entendidas e interpretadas as cláusulas de tax sparing e matching credit. O objetivo das cláusulas de matching credit e tax sparing inseridas nos acordos de bitributação não é o de mitigar ou evitar a dupla tributação (ou a dupla não tributação), tampouco o de combater a elisão e evasão fiscais ou evitar a discriminação fiscal, mas, sim, o de promover os investimentos estrangeiros em países em desenvolvimento.
Portanto, não pode ser aceito o entendimento adotado pelo Conseil d’État, segundo o qual o matching credit somente pode ser concedido quando se está diante de alguma tributação (e, por consequência, de algum crédito do imposto efetivo, nos termos do artigo XXII(2)(c)), na medida em que tal argumentação desconsidera, por completo, que o objetivo das cláusulas de matching credit não é o de evitar a dupla tributação (ou dupla não tributação) internacional.
Por fim, Guy Guest demonstra o absurdo da interpretação do Conseil d’État na decisão do caso do Banco Natexis: de acordo com a cláusula de matching credit prevista no artigo XXII(2)(d), caso o Brasil tribute os juros na fonte à alíquota de 15%, o crédito de imposto na França será de 20%; na hipótese de a alíquota brasileira ser reduzida a 5%, os mesmos 20% de crédito serão concedidos pela França; por fim, ainda que o Brasil diminua sua alíquota na fonte sobre os juros a um patamar de 1%, remanescerá ao contribuinte o direito ao crédito francês de 20%44. No entanto, conforme decidido pela Corte francesa, diante da exoneração total do imposto no Brasil, não haveria mais que se falar em direito ao matching credit na França.
Ante todo o exposto, conclui-se que o entendimento do Conseil d’État, ao negar ao Banco Natexis o aproveitamento do matching credit previsto no Acordo Brasil-França, agiu não somente em desacordo com o texto do artigo XXII(2)(d), que não traz nenhuma restrição ao direito em questão quando não há tributação nenhuma no Estado da fonte, mas também em sentido contrário ao objetivo e finalidade da cláusula de matching credit, que não é o de evitar a dupla tributação (ou dupla não tributação) internacional, mas o de fomentar os investimentos em países em desenvolvimento.
5. Considerações Finais
No presente trabalho, buscou-se discutir, à luz do caso do Banco Natexis julgado pelo Conseil d’État francês, os conceitos de tax sparing e matching credit, bem como os princípios que devem ser considerados na interpretação de tais cláusulas.
Foi possível notar, a partir desta breve análise, que o singular entendimento das cláusulas de tax sparing e matching credit e de sua forma de aplicação foi fundamental para que o Conseil d’État proferisse, no caso concreto, decisão que negava ao residente francês a possibilidade de aproveitamento do crédito previsto no Acordo Brasil-França, em razão da ausência de tributação no Brasil sobre os juros por este percebidos.
No entanto, a referida decisão merece críticas, na medida em que parte de conceito equivocado de matching credit, pelo qual esse mecanismo somente seria aplicável no Estado da residência do investidor na existência de alguma tributação, por mínima que seja, no Estado da fonte.
Em primeiro lugar, é de se notar que uma das características determinantes do matching credit consiste justamente em sua total independência em relação à legislação interna prevista e aplicada no Estado da fonte. Ao Estado de residência não cabe questionar se houve tributação no Estado da fonte, ou em que montante tal tributação ocorreu, uma vez que tais dados são simplesmente irrelevantes para que se conceda o crédito, previamente determinado no texto do próprio acordo de bitributação.
Ademais, a interpretação da cláusula de matching credit deverá, para além da pura e simples literalidade do texto, buscar também seu contexto, objetivo e finalidade.
Nesse sentido, nota-se que textos legislativos da época da assinatura e ratificação do Acordo Brasil-França já demonstravam que a intenção dos negociadores deste instrumento internacional era a de que o investidor francês teria direito ao crédito de 20% sobre o montante bruto dos juros recebidos, ainda que tais rendimentos tivessem sido completamente exonerados de qualquer tributação no Brasil.
Também a finalidade e o objetivo das cláusulas de matching credit não poderão ser desprezados. Conforme visto, são diversas as finalidades perseguidas pelos Estados contratantes na assinatura dos acordos de bitributação. No que tange às cláusulas de matching credit, por sua vez, a finalidade é apenas uma: a de fomentar os investimentos nos países em desenvolvimento, que podem ser desencorajados a partir da aplicação do método do crédito, puro e simples.
Não poderá, assim, uma cláusula de matching credit ser interpretada como uma norma, por exemplo, destinada a evitar a dupla tributação (ou dupla não tributação) internacional, ou mesmo como uma norma de combate à evasão e elisão fiscais.
Por fim, cumpre mencionar tratar-se o julgado ora analisado de decisão de extrema relevância para o Brasil, que nas negociações de acordos contra a dupla tributação, sempre teve por princípio adotar cláusulas de tax sparing e matching credit da negociação de acordos de bitributação com países desenvolvidos.
Com efeito, a eventual prevalência do entendimento defendido na decisão do caso do Banco Natexis perante as cortes internacionais poderá, como consequência, afastar investidores estrangeiros que, em princípio, seriam atraídos pela existência de cláusulas de tax sparing e matching credit, receosos da interpretação que tais cláusulas poderão receber em seus Estados de residência.
1 Organisation for Economic Co-operation and Development. Tax sparing: a reconsideration. Paris: OCDE, 1998, 86 p.
2 CE, nº 284.930, 26.7.2006, “Societé Natexis Banques Populaires”.
3 A respeito das atribuições do Conseil d’État, veja-se: “O Conselho de Estado é o conselheiro do governo na preparação de projetos de lei, de ordonnances e de alguns decretos. Atende a solicitações governamentais de pareceres sobre questões jurídicas e realiza, sob requisição governamental ou por iniciativa própria, estudos sobre questões administrativas ou políticas públicas.
O Conselho de Estado é também o juiz administrativo supremo: é o julgador de última instância das atividades do poder executivo, das coletividades territoriais, das autoridades independentes e dos estabelecimentos públicos administrativos ou dos organismos que dispõem de prerrogativas de poder público.
Por sua dupla função, jurisdicional e consultiva, o Conselho de Estado assegura a submissão efetiva da administração francesa ao Direito. Constitui, portanto, um dos mecanismos essenciais do Estado em nosso país. Enfim, o Conselho de Estado é o administrador geral de todos os tribunais administrativos e das cortes administrativas de apelação.” (Destaque nosso) Disponível em http://www.conseil-etat.fr/pt/. Acesso em 10 de outubro de 2012.
Assim, Anapaula Trindade Marinho e Vanessa Arruda Ferreira afirmam que, na França, existe a chamada dualité juridictionelle, havendo a ordem judicial e a ordem administrativa, sendo estas paralelas e não existindo uma posição hierárquica superior da ordem judicial, como ocorre no Brasil. A diferença entre as duas jurisdições, por essa razão, consiste na competência com relação a matéria, sendo que “o Conseil d’État, última jurisdição da jurisdição administrativa, seria equivalente aqui ao nosso Supremo Tribunal Federal.” MARINHO, Anapaula Trindade; e FERREIRA, Vanessa Arruda. “Crédito de imposto fictício: de uma noção nebulosa a um regime jurídico incerto”. Revista de Direito Tributário Internacional nº 11. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 35.
4 “Artigo XI - Juros
1. Os juros provenientes de um Estado Contratante e pagos a um residente de outro Estado Contratante são tributáveis nesse outro Estado.
2. No entanto, esses juros podem ser tributados no Estado Contratante de que provêm e em conformidade com a legislação deste Estado, mas o imposto assim estabelecido não poderá exceder a 15% do montante bruto.
3. Não obstante as disposições do parágrafo 2:
a) os juros dos empréstimos e créditos concedidos pelo governo de um Estado Contratante não serão tributados no Estado de que provêm;
b) a taxa de imposto não pode exercer a 10% no que se refere aos juros dos empréstimos e créditos concedidos, por um período mínimo de sete anos pelos estabelecimentos bancários com participação de um organismo público de financiamento especializado e ligados à venda de bens de equipamento ou ao estudo, à instalação ou ao fornecimento de complexos industriais ou científicos assim como de obras públicas.
4. O termo ‘juros’ usado neste artigo significa os rendimentos de fundos públicos, de obrigações de empréstimos, acompanhados ou não de garantias hipotecárias ou de uma cláusula de participação nos lucros e de créditos de qualquer natureza, bem como outros rendimentos que pela legislação tributária do Estado de que provenham sejam assemelhados aos rendimentos de importâncias emprestadas.
5. As disposições dos parágrafos 1 e 2 não aplicam quando o beneficiário dos juros, residente de um Estado Contratante, tiver, no outro Estado Contratante de onde provêm os juros, um estabelecimento permanente a qual estiver efetivamente ligado o crédito que dá origem aos juros. Neste caso, são aplicáveis as disposições do Artigo VII.
6. A limitação estabelecida nos parágrafos 2 e 3 não se aplica aos juros provenientes de um Estado Contratante e pagos a um estabelecimento permanente de uma empresa do outro Estado Contratante, situado em um terceiro Estado.
7. Os juros serão considerados como provenientes de um Estado Contratante quando o devedor for esse próprio Estado, uma subdivisão política, uma comunidade local ou um residente desse Estado. No entanto, quando o devedor dos juros, residente ou não de um Estado Contratante, tiver num Estado Contratante um estabelecimento permanente pelo qual haja sido contraída a obrigação que dá origem aos juros e a quem cabe o pagamento desses juros, tais juros serão considerados provenientes do Estado Contratante em que o estabelecimento permanente estiver situado.
8. Se, em conseqüência de relações especiais existentes entre o devedor e o credor ou entre ambos e terceiros, o montante dos juros pagos, tendo em conta o crédito pelo qual são pagos, exceder àquele que seria acordado entre o devedor e o credor na ausência de tais relações, as disposições deste artigo são aplicáveis apenas a este último montante. Neste caso, a parte excedente dos pagamentos será tributada conforme a legislação de cada Estado Contratante e tendo em conta as outras disposições da presente Convenção.”
5 “Conformément aux dispositions de l’article 22, paragrafe 2, c et d de la convention, les intérêts de tout nature ouvrent droit, pour le calcul de l’impôt français dans les bases daquel ils sont compris (impôt sur le revenu, impôt sur les sociétés) et en toutes hypothèses c’est-à-dire même en l’absence de tout prélèvement fiscal brésilien, à un crédit équivalent à 20 % du montant brut des produits.”
6 GUEST, Guy. “L’affaire des crédits d’impôt brésiliens, ou les limites de l’interprétation littérale des conventions”. Revue de Droit Fiscal nº 50. Paris: Lexis Nexis, dezembro de 2006, p. 2.125.
7 GUEST, Guy. Op. cit. (nota 6), p. 2.125.
8 Op. cit. (nota 6), p. 2.125.
9 “Cette mesure est rapportée el il est précisé qu’aucun crédit d’impôt ne peut etrê imputé sur l’impôt français lorsque aucun impôt n’a eté acquitté au Brésil à raison de ces revenus.”
10 Op. cit. (nota 3), pp. 57-58.
11 ROTHMANN, Gerd Willi. “Bitributação internacional” (verbete). In: FRANÇA, Rubens Limongi (coord.). Enciclopédia Saraiva do Direito. V. 11. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 454.
12 Comentários à Convenção Modelo da OCDE, “Introdução”, parágrafo 25.
13 ROTHMANN, Gerd Willi. Op. cit. (nota 11), p. 453.
14 Comentários à Convenção Modelo da OCDE, “Introdução”, parágrafo 25.
15 ROTHMANN, Gerd Willi. Op. cit. (nota 11), p. 453.
16 FINNERTY, Chris et al. Fundamentals of international tax planning. Amsterdã: IBFD, 2007, p. 10.
17 FINNERTY, Chris et al. Op. cit. (nota 16), p. 10.
18 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 821.
19 Op. cit. (nota 18), p. 823.
20 “De fato, a aplicação do método da imputação de crédito previsto nas convenções acarretava o aumento do imposto pago pelo contribuinte no Estado de residência, fazendo cair por terra o objetivo atrativo dos países em desenvolvimento. Foi no intuito de tentar reverter essa situação e de dar efetividade à política fiscal atrativa dos países em desenvolvimento que foram criadas as cláusulas de tax sparing e matching credit.” (MARINHO, Anapaula Trindade; e FERREIRA, Vanessa Arruda. Op. cit. (nota 3), p. 12)
21 TOAZE, Deborah Toaze. “Tax sparing: good intentions, unintended results”. Canadian Tax Journal nº 4, v. 49. 2001, p. 888.
22 TOAZE, Deborah. Op. cit. (nota 21), p. 888.
23 TOAZE, Deborah. Op. cit. (nota 21), p. 888.
24 OCDE. Op. cit. (nota 1), p. 21.
25 MARINHO, Anapaula Trindade; e FERREIRA, Vanessa Arruda. Op. cit. (nota 3), p. 13.
26 SCHOUERI, Luís Eduardo. “Acordos de bitributação e incentivos fiscais: o papel das cláusulas de tax sparing e matching credit”. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; ELALI, André; e PEIXOTO, Marcelo Magalhães (coords.). Incentivos fiscais: questões pontuais nas esferas federal, estadual e municipal. São Paulo: MP, 2007, pp. 260-261.
27 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 218.
28 Op. cit. (nota 6), p. 2.128.
29 TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 318.
30 IBFD. IBFD international tax glossary. 6ª ed. Amsterdã: IBFD, 2009, p. 432.
31 Comentários à Convenção Modelo da OCDE, artigo 23, parágrafo 74:
“74. Tax sparing provisions constitute a departure from the provisions of Articles 23 A and 23 B. Tax sparing provisions may take different forms, as for example:
(a) the State of residence will allow as a deduction the amount of tax which the State of source could have imposed in accordance with its general legislation or such amount as limited by the Convention (e.g. limitations of rates provided for dividends and interest in Articles 10 and 11) even if the State of source has waived all or part of that tax under special provisions for the promotion of its economic development;
(b) as a counterpart for the tax reduction by the State of source the State of residence agrees to allow a deduction against its own tax of an amount (in part fictitious) fixed at a higher rate;
(c) the State of residence exempts the income which has benefited from tax incentives in the State of source.”
32 Assim, quando se for comentar no presente trabalho a posição da OCDE, a menção ao tax sparing implica menção ao matching credit.
33 SCHOUERI, Luís Eduardo. “Tax sparing: uma reconsideração da reconsideração”. In: OLIVEIRA, Ricardo Mariz de; SCHOUERI, Luís Eduardo; e ZILVETI, Fernando Aurelio (coords.). Direito Tributário atual v. 26. São Paulo: Dialética, 2011, p. 98.
34 Op. cit. (nota 18), p. 824.
35 “Artigo 31
Regra Geral de Interpretação
1. Um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade.
2. Para os fins de interpretação de um tratado, o contexto compreenderá, além do texto, seu preâmbulo e anexos:
a) qualquer acordo relativo ao tratado e feito entre todas as partes em conexão com a conclusão do tratado;
b) qualquer instrumento estabelecido por uma ou várias partes em conexão com a conclusão do tratado e aceito pelas outras partes como instrumento relativo ao tratado.
3. Serão levados em consideração, juntamente com o contexto:
a) qualquer acordo posterior entre as partes relativo à interpretação do tratado ou à aplicação de suas disposições;
b) qualquer prática seguida posteriormente na aplicação do tratado, pela qual se estabeleça o acordo das partes relativo à sua interpretação;
c) quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveis às relações entre as partes.
4. Um termo será entendido em sentido especial se estiver estabelecido que essa era a intenção das partes.”
36 ROCHA, Sergio André. Interpretação dos tratados contra a bitributação da renda. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 140.
37 SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no Direito Tributário brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Dialética, 2006, p. 260.
38 Nesse sentido, Sergio André Rocha, baseado em lição de David R. Davies, aponta que “é possível que haja situações em que a dupla tributação seja evitada por intermédio de medidas unilaterais, de modo que a CDTR torna-se irrelevante para fins de evitar a dupla tributação, a qual, mesmo no caso de sua inexistência, não ocorreria” (Op. cit. (nota 36), p. 49).
39 “International juridical double taxation can be generally defined as the imposition of comparable taxes in two (or more) States on the same taxpayer in respect of the same subject matter and for identical periods. Its harmful effects on the exchange of goods and services and movements of capital, technology, and persons are so well known that it is scarcely necessary to stress the importance of removing the obstacles that double taxation presents to the development of economic relations between countries.” (Comentários à Convenção Modelo da OCDE, “Introdução”, parágrafo 1)
40 Op. cit. (nota 36), pp. 45-46.
41 FINNERTY, Chris et al. Op. cit. (nota 16), p. 14.
42 FINNERTY, Chris et al. Op. cit. (nota 16), p. 14.
43 ROCHA, Sergio André. Op. cit. (nota 36), p. 49.
44 Op. cit. (nota 6), p. 2.133.