A Retenção na Fonte na Importação de Serviços Técnicos: Questões não Resolvidas no Caso Copesul

Raphael Assef Lavez

Advogado em São Paulo.

Resumo

O presente artigo, ao analisar os principais aspectos apresentados pelo STJ no caso Copesul, pretende verificar a precisão dessa decisão, segundo a qual os pagamentos decorrentes da prestação de serviços técnicos e de assistência técnica remetidos a prestador residente em país com o qual o Brasil possua tratado de bitributação, contanto que não desempenhados por meio de estabelecimento permanente no Brasil, não estão sujeitos à retenção, na fonte, do Imposto de Renda brasileiro. Como será demonstrado, a aplicação do artigo 12 da maior parte dos tratados brasileiros pode ser mais adequada que a aplicação do artigo 7º, bem como não se poderia ter descartado a aplicação do artigo 14, de modo a se reconhecer a competência tributária brasileira para tributação na fonte.

Palavras-chave: serviços técnicos, imposto de renda retido na fonte, dupla tributação, royalties.

Abstract

This article, by the reviewing of the main issues presented by the Brazilian Court about the Copesul case, aims to verify the accuracy of that decision which concluded that payments and fees for technical services and assistance remitted to a foreigner provider, being resident in a country with which Brazil has an applicable tax treaty, are not subject to Brazilian income tax withholding, so long as these services have not been conducted through a permanent establishment in Brazil. As it will be demonstrated, it seems that Article 12 of the majority of Brazilian tax treaties is more suitable to be applied on the latter situation than the Article 7, as well as the application of the Article 14 could have not been refused, in a such way that recognizes the Brazilian jurisdiction to impose the withholding tax on imported services.

Keywords: technical services, withholding tax, double taxation, royalties.

1. Introdução

O Superior Tribunal de Justiça, recentemente, apreciou o leading case1 referente à incidência de IRRF sobre remessas na importação de serviços técnicos sem transferência de tecnologia a país com o qual o Brasil possua tratado para evitar a dupla tributação da renda. O Recurso Especial fora apresentado pela Copesul - Companhia Petroquímica do Sul, e vinha sendo considerado como principal caso na matéria, com numerosa produção bibliográfica a respeito.

Na ocasião, diante da controvérsia instaurada pelo Ato Declaratório Normativo Cosit nº 1/2000, decidiu a Segunda Turma ser indevida a retenção na fonte do imposto brasileiro, em razão de reconhecer aplicável a tais rendimentos o artigo 7º (lucro das empresas)2 dos tratados envolvidos, Brasil-Alemanha e Brasil-Canadá; foi refutada, portanto, a tese fazendária que tais rendimentos não se caracterizariam como lucro e que, então, a eles se aplicaria o artigo 21 do Tratado Brasil-Canadá e o 22 do Tratado Brasil-Alemanha (outros rendimentos não expressamente mencionados)3, de modo a se reconhecer a competência tributária brasileira ilimitada enquanto Estado da fonte. A incerteza quanto à conformidade ao tratado da retenção na fonte nessas hipóteses traz graves dificuldades à sua aplicação, tendo em vista que o Estado da residência, ao discordar da qualificação e consequente retenção operadas pelo Estado da fonte, pode negar, ao seu residente, a aplicação do método (isenção ou imputação) previsto no artigo 23 (segundo a numeração das Convenções Modelo), gerando uma indesejada dupla tributação4.

O propósito deste artigo é examinar as principais questões enfrentadas pelo citado acórdão, a fim de verificar se os argumentos nele apresentados podem pôr fim à pretensão do Fisco brasileiro em exigir IRRF sobre operações de importação de serviços que envolvam tratados de bitributação.

Após se terem delimitados todos os aspectos pertinentes ao caso Copesul (I), serão apresentadas duas regras fundamentais para a aplicação de tratados de bitributação, aparentemente negligenciadas na decisão do STJ (II). A partir de então, será analisada a aplicação dos artigos 12 (royalties) (III) e 14 (profissões independentes) (IV) dos tratados brasileiros, dispositivos cuja não apreciação, seja pelo órgão judicante, seja pelas partes envolvidas no caso Copesul, certamente causa alguma estranheza.

2. Caso Copesul

2.1. Antecedentes

Como brevemente introduzido, a principal questão colocada em discussão no caso Copesul se refere aos reais alcances do artigo 7º (lucros das empresas) e dos artigos 21 (Tratado Brasil-Canadá) e 22 (Tratado Brasil-Alemanha), relativos a outros rendimentos não expressamente mencionados.

Esse debate remonta ao final da década de 1990, quando se verificaram algumas decisões em Consulta da Receita Federal, nas quais se afastava a retenção na fonte do imposto brasileiro, em vistas à aplicação do artigo 7º, cujo exemplo de maior repercussão foi o caso Renault5. Na decisão, estabeleceu o Fisco brasileiro que, não havendo transferência de tecnologia, não há de se aplicar o artigo 126. Isso porque o mero conteúdo técnico dos serviços envolvidos (engenharia) não tinha o condão de equipará-los ao contrato de know-how e, portanto, a royalties enquanto remuneração, uma vez que a empresa contratada seria remunerada pelos serviços prestados, e não pelo uso de planos ou patentes, nem por informações relativas à experiência adquirida na área industrial7.

Superada a aplicação do artigo 12, diante da inexistência de estabelecimento permanente da prestadora de serviços francesa, consignou o Fisco brasileiro pela aplicação do artigo 7º do Tratado Brasil-França, resguardando-se, portanto, a competência exclusiva da França para tributar os rendimentos decorrentes dos serviços prestados no Brasil, que seriam remetidos sem qualquer retenção na fonte8-9.

Ocorre que, com a edição do Ato Declaratório Normativo Cosit nº 1/2000, fixou-se o entendimento segundo o qual não seria aplicável o artigo 7º dos tratados de bitributação na hipótese de importação de serviços, devendo-se aplicar, quando não houver transferência de tecnologia, o artigo que se refira a “outros rendimentos não expressamente mencionados” (via de regra, artigo 22 dos tratados brasileiros), de modo a se reconhecer a competência cumulativa ilimitada para o Estado da fonte. A partir de então, o Fisco brasileiro passou a exigir a retenção na fonte em 25%, nos termos do artigo 685, inciso II, alínea “a”, do Decreto nº 3.000/1999 (Regulamento do Imposto de Renda).

À publicação do Ato Declaratório nº 1/2000 seguiram-se inúmeras publicações especializadas rechaçando seu entendimento, porquanto violaria a dinâmica dos tratados brasileiros de bitributação10, sendo absolutamente minoritário o entendimento no sentido da adequação da aplicação do dispositivo dos tratados relativo a “outros rendimentos não mencionados expressamente”11.

Esse é, portanto, o contexto em que se insere o caso Copesul, cujo debate sumarizou os principais aspectos enfrentados pelas numerosas publicações a respeito do Ato Declaratório nº 1/2000.

2.2. Descrição do caso

A Companhia Petroquímica do Sul (Copesul) postulou judicialmente12 a aplicação do artigo 7º dos Tratados Brasil-Alemanha e Brasil-Canadá, de modo a exonerar-se da retenção na fonte de qualquer imposto incidente sobre as remessas efetuadas ao exterior, a título de remuneração aos serviços de reparo, revestimento e beneficiamento de fornos a empresas sediadas na Alemanha e Canadá. Em suma, impugnava-se judicialmente o entendimento do Ato Declaratório nº 1/2000.

As alegações da Copesul redundavam em três ordens principais, a saber: (i) os rendimentos percebidos pelas empresas canadense e alemã, por não se enquadrarem em qualquer outra norma distributiva dos tratados, constituem seu lucro, fazendo jus à aplicação do artigo 7º dos tratados; (ii) a regra do artigo 7º dos tratados seria dotada de especialidade se comparada à regra dos artigos que se referem aos “outros rendimentos não mencionados expressamente”, cujo escopo é limitado e nele não se incluem as atividades operacionais das empresas; e, finalmente, (iii) o artigo 98 do Código Tributário Nacional veda expressamente a alteração dos tratados por lei interna posterior, no caso, o artigo 7º da Lei nº 9.779/1999, que previra a retenção na fonte em 25%.

Por outro lado, a Fazenda Pública argumentou pela revogação dos tratados em comento (treaty override), em razão da edição da Lei nº 9.779/1999, que lhe é posterior13. Ainda que se entendessem aplicáveis os tratados, fato é que as remessas ao exterior não poderiam se classificar como lucro das empresas residentes no exterior, pois se tratariam de mero “envio” de recursos às empresas, já que a existência de lucro não pode ser apurada no momento da remessa, mas apenas após várias adições e subtrações, o que não ocorre no caso.

Como está claro dessa breve descrição, o caso Copesul cingiu-se a dois pontos fundamentais: (i) o real alcance e escopo do artigo 7º dos tratados envolvidos, em contraposição aos artigos 21 (Tratado Brasil-Canadá) e 22 (Tratado Brasil-Alemanha), referentes a outros rendimentos não mencionados expressamente; e (ii) a relação entre tratados de bitributação e a legislação interna.

2.3. Aspectos enfrentados no acórdão do Superior Tribunal de Justiça

O acórdão proferido pelo STJ divide-se, portanto, em dois capítulos - “natureza dos rendimentos pagos por empresa brasileira a outra sediada no estrangeiro pela prestação de serviços executados no exterior” e “tratados internacionais tributários em conflito com normas internas: resolução de antinomia”. Para os propósitos do presente artigo, é nitidamente mais relevante o primeiro aspecto abordado, não obstante o STJ ainda aprecie a relação entre tratados de bitributação e legislação tributária interna como caso de antinomia, ignorando o fato de possuírem objetos completamente distintos; de todo modo, embora sob o fundamento da lex specialis, o que não parece adequado, fato é que os Tribunais brasileiros reconhecem como efeito precípuo dos tratados de bitributação a limitação da tributação imposta pela legislação doméstica, seja ela anterior ou posterior à sua celebração14.

Com relação ao segundo aspecto, o Tribunal acolheu os argumentos levantados pela Copesul - e lastreados pela ampla doutrina tributária15 - no sentido de que a aplicação pretendida pelo Ato Declaratório nº 1/2000 teria por efeito o completo esvaziamento de qualquer conteúdo possível ao artigo 7º quando inexistir na hipótese um estabelecimento permanente. De fato, é evidente o equívoco do Fisco brasileiro ao pretender que tais rendimentos não sejam considerados como “lucros”, mas mera “entrada”, uma vez que o lucro se computaria somente ao final do exercício, com as adições e deduções legais - donde pretenderia a Fazenda Nacional equiparar a noção de “lucros” dos tratados ao lucro real previsto na legislação interna.

Embora seja possível, do contexto dos tratados, a exata compreensão do alcance da noção de “lucros” para fins de sua aplicação, o acórdão buscou fundamento à incidência do artigo 7º dos tratados no conceito de “lucro” da legislação interna. Ao contrário do que pretendera o Fisco, reconheceu-se que o conceito a que se refere o artigo 7º não se equipara ao lucro real da legislação doméstica - e, de fato, nem poderia sê-lo, uma vez que, sob a perspectiva do Estado da fonte, a tributação da renda sempre se dará de forma analítica, enquanto a noção de lucro real está intimamente atrelada à tributação sintética da renda, somente possível pelo Estado da residência. Dessa maneira, estabeleceu-se que a noção “lucros das empresas” deve ter alcance maior que, simplesmente, seu lucro real: trata-se, em verdade, do lucro operacional das empresas, previsto no artigo 11 do Decreto-lei nº 1.598/197716, e que compõe o lucro real a ser apurado, conforme artigo 6º, parágafo 1º, do mesmo diploma.

Considerando-se, como já salientado, que o caso Copesul contrapusera a aplicação do artigo 7º dos tratados aos artigos 21 (Tratado Brasil-Canadá) e 22 (Tratado Brasil-Alemanha), referentes a outros rendimentos não mencionados expressamente, é evidente que a decisão do STJ alinha-se com o entendimento amplamente majoritário dentre os autores que se debruçaram sobre o problema. Isso porque é praticamente pacífico o alcance do artigo 7º para todos os rendimentos remetidos a beneficiário residente no exterior que (i) decorram da atividade empresarial; e (ii) não se enquadrem nos demais artigos específicos do tratado (e.g., juros, dividendos, royalties etc.); dessa forma, se não couber tratamento especial a determinado rendimento empresarial, deverá ser, portanto, subsumido ao artigo 7º dos tratados de bitributação17.

De fato, não se há de cogitar a aplicação do dispositivo que se refere aos outros rendimentos não mencionados expressamente (artigo 21 das Convenções Modelo). Nesse sentido, Vogel pondera o fato de seu escopo ser estritamente restrito, restando-lhe rendimentos residuais muito específicos, tais quais anuidades baseadas em contribuições prévias (e.g., anuidades de previdência social não abrangidas pelo artigo 18), pagamentos de manutenção a parentes, indenizações pela perda de rendimentos não abrangidos nos demais artigos, prêmios artísticos ou acadêmicos, doações a fundações, prêmios de jogo e loteria etc. Não se aplica, portanto, a rendimentos inclusos no lucro das empresas, tais quais aqueles decorrentes da remuneração por serviços técnicos18. Ademais, perfila-se o entendimento esposado no caso Copesul à orientação da OCDE, constante em seus Comentários à Convenção Modelo19.

Não obstante o acerto do desfecho do caso Copesul no tocante à caracterização dos rendimentos em questão como “lucros das empresas”, causa estranheza o fato de todo o debate - seja do ponto de vista das razões do contribuinte, do Ato Declaratório nº 1/2000, dos aspectos enfrentados no acórdão - haver tomado, de plano, a presunção de que seriam potencialmente aplicáveis, tão somente, o artigo 7º das convenções ou os artigos 21 (Tratado Brasil-Canadá) e 22 (Tratado Brasil-Alemanha), uma vez que ambos os dispositivos (lucros das empresas e outros rendimentos) se tratam, cada um a sua medida, de normas distributivas residuais. Isso porque, evidentemente, o lucro das empresas poderia decorrer de rendimentos imobiliários (artigo 6º), dividendos (artigo 10), juros (artigo 11), royalties (artigo 12), entre outros. Diante de tal constatação, parece um pouco temerária a afirmação pela aplicação do artigo 7º sem, ao menos, perquirir se seria o caso da aplicação de outro dispositivo distributivo.

Em verdade, essa grave lacuna parece, tendo em vista os termos colocados pelo STJ, decorrente da não observação de duas simples, mas fundamentais, regras para a aplicação dos tratados de bitributação.

3. Regras Fundamentais para a Aplicação de Tratados de Bitributação

Embora muitas vezes de aparente fácil aplicação, os tratados de bitributação demandam uma abordagem bastante específica, levando-se em consideração algumas diretrizes que, em geral, não se encontram positivadas no próprio texto do tratado e, no mais das vezes, são meramente decorrentes da prática tributária internacional. Por essa razão, nesse momento, a análise quanto à completude ou existência de lacunas no desfecho do caso Copesul dependerá de breves considerações a algumas dessas diretrizes aparentemente não consideradas na aplicação dos Tratados Brasil-Alemanha e Brasil-Canadá.

Justamente com vistas a essas dificuldades na aplicação dos tratados de bitributação, Kees van Raad elaborou um estudo20 no qual elencou cinco regras as quais, não obstante pareçam de simples percepção, são essenciais para a correta análise da importação de serviços técnicos sem transferência de tecnologia no contexto dos tratados de bitributação celebrados pelo Brasil. Dentre essas cinco regras, serão pormenorizadas as duas mais relevantes para os propósitos desse artigo.

3.1. As normas distributivas dos tratados sobrepõem-se e possuem relações de prevalência

A estrutura de um tratado de bitributação orientado pelas Convenções Modelo é calcada em inúmeras regras distributivas de competência tributária. Tais normas da Convenção Modelo da OCDE (artigos 6º a 21) classificam os rendimentos, portanto, em inúmeras categorias: rendimentos de bens imobiliários, lucros das empresas, rendimentos provenientes de transporte marítimo e aéreo, dividendos, juros, royalties, ganhos de capital, profissões independentes, profissões dependentes, remunerações de direção, renda de artistas e desportistas, pensões, rendas oriundas de funções públicas, pagamentos internacionais a estudantes e professores e outros rendimentos não mencionados expressamente. Dessa forma, pretende-se que todas as possibilidades de rendimentos relativos a situações internacionais estejam abrangidos pelos tratados de bitributação - o que somente é possível em razão da existência de regras distributivas residuais.

Evidentemente, como sua própria redação sugere, o artigo 21 da Convenção Modelo é a principal regra residual, aplicando-se a todas as hipóteses em que determinado rendimento não se enquadrar em nenhum outro dispositivo; daí, portanto, o escopo restrito do artigo 21.

Por outro lado, outro importante dispositivo residual é o próprio artigo 7º. Isso porque, na ausência de um estabelecimento permanente, quando os lucros das empresas incluírem rendimentos abrangidos por outras regras distributivas - como, por exemplo, o artigo 12 -, as regras mais específicas prevalecerão sobre o artigo 7º21.

Em conclusão, uma vez constatado que as normas distributivas se sobrepõem entre si, bem como que os artigos 7º e 21 da Convenção Modelo da OCDE se revelam residuais para rendimentos empresariais e não empresariais, respectivamente, parece evidente que somente se cogitaria na aplicação de um ou outro posteriormente à realização de testes que atestem não ser o caso da aplicação de nenhuma outra norma mais específica, o que não ocorreu no caso Copesul.

3.2. Tratados possuem conceitos específicos para fins de sua aplicação, que não se confundem com os conceitos da legislação tributária interna

Além do problema da sobreposição e prevalência das normas distributivas, Kees van Raad atenta à particularidade que, muitas das vezes, um determinado termo possui um conceito específico para fins de aplicação do tratado que não se confunde com o significado que lhe é atribuído pela legislação tributária interna.

Esse fenômeno está presente no tocante aos termos utilizados para a definição da natureza de uma espécie de rendimento. No exemplo dado pelo autor holandês, o fato de determinado rendimento, qualificado na legislação interna de um Estado contratante como dividendo, ser qualificado, para os propósitos do tratado, como juros não inviabiliza, em nada, sua aplicação. Isso porque, relembra Kees van Raad, as normas distributivas têm a função única de distribuir as competências tributárias entre os Estados contratantes. Dessa forma, no exemplo citado, se determinado rendimento é qualificado, para fins do tratado, como “juros”, enquanto a legislação do Estado da fonte qualifica-o como “dividendos”, isso significaria que a tributação na fonte estaria sujeita às limitações estabelecidas no dispositivo do tratado relativo aos juros; observados esses limites, o Estado da fonte tributaria conforme sua legislação interna sobre dividendos22.

Essa constatação, não obstante negligenciada na resolução do caso Copesul, é fundamental para a análise do problema da incidência de IRRF sobre remuneração paga a prestadores de serviços técnicos, sem transferência de tecnologia, residentes em país com o qual o Brasil possua tratado. Na realidade, como se demonstrará a seguir, a maior parte dos tratados brasileiros - inclusive os Tratados Brasil-Alemanha e Brasil-Canadá, envolvidos no caso Copesul - possuem um conceito de royalties para os propósitos do tratado certamente distinto daquele que é atribuído pela legislação tributária brasileira.

4. A Aplicação do Artigo 12 (Royalties)

Como exposto, apenas se admite a aplicação de normas distributivas residuais se não for o caso da aplicação de nenhuma outra norma distributiva específica. Desse modo, particularidades do artigo 12 (royalties) na maior parte dos tratados brasileiros (inclusive aqueles que foram objeto do caso Copesul) tornam necessária a verificação se os serviços técnicos sem transferência de tecnologia não estariam nele abrangidos.

Para tanto, será analisado o escopo tradicional do artigo 12 da Convenção Modelo da OCDE23 e, então, se detalharão as peculiaridades da maior parte dos tratados brasileiros, nos quais parece ser o caso da qualificação dos rendimentos em questão como royalties para fins de sua aplicação.

4.1. O escopo do artigo 12 na Convenção Modelo da OCDE e distinção entre o contrato de know-how e a prestação de serviços sem transferência de tecnologia

Antes de se verificarem as peculiaridades dos tratados brasileiros, é importante, desde já, esclarecer que, na redação da Convenção Modelo da OCDE, não é lícito qualificar os rendimentos decorrentes da importação de serviços sem transferência de tecnologia como royalties, para fins de aplicação do artigo 12. Isso porque, como se demonstrará, a Convenção Modelo limita a aplicação do dispositivo, entre outras categorias, ao contrato de know-how, o qual não se confunde, em absoluto, com a prestação de serviços sem transferência de tecnologia.

Dessa forma, o escopo e alcance do artigo 12 na Convenção Modelo da OCDE vem definido em seu parágrafo 2º, no qual se conceitua o termo royalties como os pagamentos de qualquer natureza recebidos como remuneração pelo uso, ou pela concessão de uso, de qualquer direito de autor sobre obra literária, artística ou científica, inclusive sobre filmes cinematográficos (royalties intelectuais), qualquer patente, marcas de indústria, desenho ou modelo, plano, fórmula ou processos secretos (royalties industriais)24, ou por informações concernentes à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico (know-how).

Com a abrangência do artigo 12 da Convenção Modelo da OCDE aos contratos de know-how25, surge a necessidade da distinção entre esses pagamentos e aqueles decorrentes da prestação de serviços que, embora não importem em transferência de tecnologia, envolvem um conhecimento técnico26.

De fato, a própria OCDE reconhece a dificuldade dessa distinção, embora seja expressa na orientação de que a remuneração de serviços que não importem em transferência de tecnologia deverá qualificar-se na regra distributiva do artigo 7º. Corolário de tal entendimento é a distinção entre os serviços que envolvem efetiva transferência de tecnologia e aqueles considerados “puros”, isto é, que não envolvem transferência de tecnologia, ainda que de conteúdo técnico27.

Segundo os Comentários à Convenção Modelo da OCDE, contratos de know-
how
se caracterizam pela transferência de informações e experiência já existentes, ou pelo fornecimento desse tipo de informação após seu desenvolvimento e criação, destacando sua confidencialidade. Dessa forma, nos contratos de know-how, o contratado transmite (impart) ao contratante seu conhecimento e sua experiência especiais adquiridos anteriormente, mas ainda confidenciais, para que o beneficiário aplique-os por sua conta e ordem28.

Por outro lado, nos contratos de prestação de serviços, o prestador compromete-se a realizar determinados serviços que possam requerer o uso de conhecimentos, habilidades ou experiências especiais, os quais não serão, entretanto, transferidos ao tomador. Trata-se - e isso é fundamental - de conhecimentos típicos da profissão ou do ofício do prestador29, utilizados como mero instrumento para a execução do serviço contratado. Ainda, destaca-se a prestação de serviços pela execução do objeto do contrato pelo próprio prestador, ao contrário do que ocorre nos contratos de know-how30.

Nesse sentido, não se pode confundir o resultado da prestação de serviços com a tecnologia transferida (contrato de know-how). Na realidade, considerar que contratos de prestação de serviços de informática ou de consultoria jurídica e de engenharia envolvem transferência de tecnologia equipara-se ao equívoco de considerar que uma determinada estrutura societária, ou algum planejamento fiscal decorrente de um contrato de consultoria jurídica, se caracteriza como “tecnologia transferida” pelo consultor contratado31. No exemplo dado, o consultor jurídico apenas aplica os conhecimentos típicos de sua profissão no desempenho de uma atividade para a qual foi contratado, de modo que o contratante não protagoniza nenhum ato relevante nesse desempenho - a prestação é executada completamente por conta e ordem do prestador do serviço32.

Essa distinção foi relevante na resolução do caso Renault33, no qual se definiu o contrato de know-how como característico pela confidencialidade das informações transmitidas, cuja implantação ocorrerá pelo próprio beneficiário da transferência, sem que haja qualquer garantia de resultado oferecida pelo autor da transferência, que será remunerada em função do resultado verificado pela empresa beneficiária da transferência do know-how. Por outro lado, naquele caso, os serviços contratados seriam realizados com os conhecimentos típicos do ofício (engenharia), utilizando-se técnicas de conhecimento público, não se cogitando na transferência de qualquer tecnologia, e cuja remuneração seria calculada conforme valores preestabelecidos, independentemente do resultado que a tomadora viesse a experimentar com os serviços prestados34. Dessa forma, é certo que o mero conteúdo técnico de determinado serviço não pôde, por consequência, incutir-lhe a transferência de tecnologia35.

Não obstante, fato é que, na prática comercial, em geral, celebram-se contratos mistos (know-how e assistência técnica), como ocorre no contrato de franquia. Por essa razão, os Comentários sugerem que se tratem os rendimentos deles decorrentes de forma segmentada, com base em seus termos, distinguindo-se a remuneração atribuída à transferência de informação ou tecnologia daquela referente à prestação de serviços puros (assistência técnica)36.

Em conclusão, os contratos de know-how são caracterizados pela reduzida atuação do fornecedor37, que se limita a fornecer a informação confidencial existente38. Já na prestação, há a atuação direta do prestador contratado no cumprimento de suas obrigações contratuais, envolvendo um nível bem mais elevado de despesas corridas por sua conta e ordem39. Desse modo, não resta espaço, na Convenção Modelo da OCDE, para a aplicação do artigo 12 aos rendimentos decorrentes da prestação de serviços técnicos que não importem transferência de tecnologia40.

4.2. O conceito expandido de royalties nos tratados brasileiros

Não obstante seja evidente a não incidência da regra do artigo 12 da Convenção Modelo sobre os rendimentos decorrentes da prestação de serviços técnicos sem transferência de tecnologia, quando a análise se volta à redação dos tratados brasileiros de bitributação, a situação parece distinta.

Isso porque, à exceção dos acordos celebrados com a Áustria, a Finlândia, a França, o Japão e a Suécia, todos os demais tratados brasileiros adotam um conceito expandido de royalties, afastando-se dos termos colocados na Convenção Modelo da OCDE. Desse modo, na negociação de seus tratados, o Brasil vem garantido a inclusão, no protocolo, de disposição expressa que inclua a assistência técnica e os serviços técnicos no âmbito de aplicação do artigo 12.

Prova de que tal peculiaridade constitui autêntica política internacional brasileira em matéria de tratados de bitributação é a inclusão, nos Protocolos dos Tratados Brasil-Israel e Brasil-México41, de uma espécie de “cláusula da nação mais favorecida”, segundo a qual, caso o Brasil venha a celebrar tratado com país não situado na América Latina que não contenha tal extensão do conceito de royalties, o mesmo regime será aplicado aos tratados israelense e mexicano. Ressalte-se, ainda, que o Brasil apresenta ressalva ao seu direito de incluir os rendimentos provenientes da prestação de serviços técnicos e de assistência técnica no âmbito de aplicação do artigo 12, a exemplo do que ocorre com Costa do Marfim e Tunísia42.

Não obstante a previsão dos protocolos, o Fisco brasileiro vem refutando a aplicação do artigo 12 aos serviços técnicos, preferindo a aplicação do dispositivo referente aos “outros rendimentos não mencionados expressamente”, como demonstra o questionado Ato Declaratório nº 1/2000. Entretanto, fato é que a disposição dos protocolos da quase totalidade dos tratados brasileiros altera substancialmente os termos postos no caso Copesul, uma vez que, sendo o caso da aplicação do artigo 12, sequer se cogitaria aplicação do artigo 7º, tampouco dos artigos 21/22 (“outros rendimentos”).

Decerto, o conceito expandido de royalties nos tratados brasileiros traz alguma perplexidade à primeira vista. Vogel, ao analisar o artigo 12 dos Tratados Alemanha-Índia43 e Alemanha-Indonésia44, que possuem dispositivos semelhantes, frisa o fato de que tal equiparação, por um lado, elimina o problema da distinção entre as remunerações de contratos de know-how e de serviços técnicos. Ocorre que, por outro lado, ressalta o professor alemão, traz à tona a complexa distinção entre os rendimentos provenientes da assistência técnica prestada de forma complementar e instrumental a um contrato de transferência de informação, de um lado, e, de outro, aqueles que decorrem, simplesmente, das atividades empresariais ou de serviços pessoais independentes que possuam conteúdo técnico, mas não importem transferência de tecnologia45. E é justamente a partir dessa distinção que se deve ponderar a aplicação, ou não, do artigo 12 dos tratados que possuem conceito expandido de royalties aos rendimentos decorrentes da importação de serviços técnicos.

4.3. Serviços técnicos e assistência técnica na legislação tributária brasileira

Diante do problema apresentado por Vogel, Alberto Xavier propõe uma rígida distinção conceitual entre “serviços puros”, que não envolvem nenhuma transferência de tecnologia, e “serviços técnicos e assistência técnica”, marcados pela relação de complementariedade a um contrato de transferência de tecnologia46. Dessa forma, busca-se restringir o comentado conceito expandido de royalties nos tratados brasileiros, de modo a concluir-se que, mesmo nos tratados que trazem aquelas disposições em seu Protocolo, não se há de cogitar a aplicação do artigo 12 a rendimentos decorrentes de serviços que não importem transferência de tecnologia, ainda que venham a possuir um conteúdo técnico.

Assim, os serviços de assistência técnica distinguem-se, segundo Alberto Xavier, por sua prestação meramente instrumental ao objeto principal do contrato, que sempre será a transmissão de uma informação tecnológica, na forma de cessão temporária ou definitiva de direitos, que serão aplicados pelo próprio adquirente47 - daí a necessidade de uma assistência técnica a auxiliar na aplicação da informação cedida. Dessa forma, a prestação de serviços técnicos e de assistência técnica sempre estaria atrelada a um contrato de know-how. Deveriam, pois, distinguirem-se, de um lado, os “serviços técnicos e assistência técnica” - sempre acessórios de um contrato de know-how - e, de outro, os “serviços puros de conteúdo técnico” - nos quais os conteúdos técnicos são meramente aplicados e não transferidos48.

Como é evidente, o entendimento proposto restringe consideravelmente a aplicação do Protocolo ao artigo 12 presente na maioria dos tratados brasileiros. Não se admite, segundo esse entendimento, a aplicação do dispositivo a serviços que não importem na transferência de tecnologia, de modo que a única exceção à regra Convenção Modelo da OCDE por tais particularidades seria a aplicação do artigo 12 à integralidade dos rendimentos provenientes de contratos mistos (transferência de know-how cumulada com assistência técnica), o que é desaconselhado pela OCDE49.

Alberto Xavier se orienta pela lógica, embora não admitida expressamente em seus trabalhos no tema, da general renvoi clause do artigo 3º, parágrafo 2º, da Convenção Modelo da OCDE50, de modo que, diante da ausência de definição expressa de “serviços técnicos e assistência técnica” nos tratados, deveria ser buscado o significado atribuído a tais figuras pela legislação tributária brasileira51. A princípio, sugere o autor que a complementariedade e instrumentalidade dos “serviços técnicos e assistência técnica” decorreria do artigo 355, parágrafo 3º52, do Decreto nº 3.000/1999 (Regulamento do Imposto de Renda - RIR), entre outros dispositivos normativos53.

Não obstante tais entendimentos sejam carreados por outros autores54, bem como tenham sido acolhidos pela Administração Tributária em algumas oportunidades55, não se pode deixar de apontar algumas inadequações na sua abordagem.

Em primeiro lugar, o conceito de “serviços técnicos” na legislação tributária interna não é preciso, tampouco rigorosamente determinado, sendo que vários dispositivos são capazes de contradizer a tese de Alberto Xavier56.

A segunda e principal objeção à abordagem apresentada refere-se ao fato de que a remissão à legislação interna brasileira não contribui para a resolução da questão posta, a uma porque o legislador brasileiro, aparente, nunca se preocupou em atribuir um conceito normativo a “serviços técnicos e de assistência técnica”, utilizando-os indiscriminadamente em diversas ocasiões, configurando uma verdadeira “babel terminológica”57; a duas porque, sendo um dos objetivos do tratado, justamente, evitar a dupla tributação, tal desiderato somente será alcançado se ambos os Estados contratantes se esforçarem para garantir a maior harmonia decisória possível na sua aplicação pelas autoridades administrativas58. Afinal, corolário da regra segundo a qual os tratados possuem conceitos específicos para seus propósitos e distintos da legislação interna é a necessidade de uma interpretação autônoma pelos Estados contratantes, atribuindo-se um escopo o mais limitado possível ao artigo 3º, parágrafo 2º, dos tratados de bitributação.

4.4. Qualificação autônoma e escopo do conceito expandido de royalties nos tratados brasileiros

Como exposto, deve-se evitar atribuir um escopo abrangente à general renvoi clause, sob pena de se inviabilizar toda a sistemática do tratado, uma vez que conflitos de qualificação como o descrito podem, conforme o caso, acarretar na dupla tributação ou na dupla isenção, ambos efeitos nocivos de uma aplicação possivelmente equivocada dos tratados. Dessa forma, o reenvio à legislação doméstica deverá ser fortemente limitado pela interpretação dos tratados, na máxima extensão possível, de acordo com seu contexto59, não bastando a mera ausência de definição expressa de determinado termo para a remissão à lei interna.

Desse modo, admitindo como premissa o fato de que os tratados possuem conceitos que lhes são particulares se comparados à lei doméstica, é necessário abordar a inclusão dos “serviços técnicos e de assistência técnica” no âmbito do artigo 12 sob o ponto de vista de uma interpretação autônoma, que privilegie o contexto do tratado, independentemente do direito interno dos Estados contratantes60.

Em primeiro lugar, é fundamental que se destaque a excepcionalidade da disposição dos protocolos brasileiros a respeito do artigo 12, uma vez que, na definição da Convenção Modelo da OCDE, definitivamente, os serviços técnicos e assistência técnica não estão subsumidos no conceito ali presente de royalties. Desta feita, devem-se analisar os protocolos brasileiros considerando-os, efetivamente, definidores de um conceito extremamente peculiar de royalties, aplicável exclusivamente para os propósitos do respectivo tratado. Assim, não se devem analisar os protocolos com as amarras de um conceito de royalties predeterminado, seja na legislação dos Estados contratantes, seja na Convenção Modelo da OCDE.

Em seguida, tal excepcionalidade é, evidentemente, fruto de negociação específica entre os Estados contratantes, que bilateralmente convencionaram em esquivar-se agudamente do escopo do artigo 12 da Convenção Modelo. Prova disso é a constante presença dessa disposição nos protocolos, configurando-se verdadeira política internacional fiscal brasileira, faltando apenas nos tratados celebrados com a Áustria, a Finlândia, a França, o Japão e a Suécia. Corrobora com essa excepcionalidade, ainda, a inclusão nos Tratados Brasil-México e Brasil-Israel de uma “cláusula da nação mais favorecida” quanto à expansão do conceito de royalties.

Enfim, uma terceira importante premissa é tratar-se de duas espécies distintas: “serviços técnicos” e “assistência técnica”. Isso porque todos os protocolos dos tratados que adotam esse conceito estendido de royalties trazem locução semelhante a “prestação de serviços técnicos e de assistência técnica”, sempre com o conjuntivo “e”, que certamente indica uma relação de adição, e não de qualificação, como se fossem uma só espécie, “serviços de assistência técnica” ou algo do gênero.

Expostas essas três premissas fundamentais, parece correta, embora sob outros fundamentos, a abordagem de Alberto Xavier com relação à “assistência técnica”. De fato, o termo “assistência”, por si só, pressupõe a complementariedade a outra atividade, compreendendo-se perfeitamente na noção de acessório de um contrato de transmissão de know-how. Nesse caso, o escopo dos protocolos estaria limitado a abranger o conceito de royalties de modo a abrigar os objetos acessórios dos contratos de transferência de tecnologia. Assim, divergem os tratados brasileiros que adotam o conceito estendido de royalties dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE, que sugere a segmentação dos rendimentos decorrentes de contratos mistos, que envolvam transferência de informação tecnológica e assistência técnica61.

Por outro lado, com relação aos “serviços técnicos”, não há nenhum elemento que, sob o ponto de vista da interpretação autônoma, admite presumi-los acessórios a outro contrato, tampouco cogitar distingui-los dos serviços puros (sem transferência de tecnologia) de conteúdo técnico. Esse entendimento, inclusive, tende a se difundir, sobretudo com a derrota do Fisco, no caso Copesul, em sua pretendida aplicação dos artigos 21/22 (outros rendimentos). A esse respeito, quatro pontos corroboram com essa conclusão.

O primeiro aspecto é a clareza da redação do Protocolo ao Tratado Brasil-Índia, segundo o qual se aplica o artigo 12 “aos pagamentos de qualquer espécie feitos (…) como remuneração pela prestação de assistência ou serviços de natureza gerencial, administrativa, científica, técnica ou de consultoria”. Dessa forma, é literal a abrangência do artigo 12 do Tratado Brasil-Índia aos serviços de natureza técnica, ainda que não importem na transferência de tecnologia.

O segundo ponto que chama atenção é o fato de que, já no caso Renault, o problema dos protocolos se destacou na análise da Consulta formulada. Naquela ocasião, o Fisco brasileiro cotejou os Tratados Brasil-Franca e Brasil-Itália, de modo que a ausência, no primeiro, das disposições presentes no Protocolo do segundo quanto ao artigo 12 foi determinante para que se reconhecesse a aplicação, na matéria, do artigo 7º do tratado francês62.

Merece destaque, ainda, o caso do Tratado Brasil-Espanha63. Como já citado64, com o advento da tese fazendária no sentido da aplicação dos artigos 21/22 (outros rendimentos), que atribui à fonte competência ilimitada, o Fisco brasileiro deixou de aplicar o artigo 12 aos serviços técnicos sem transferência de tecnologia, independentemente da disposição do protocolo ao tratado. Ocorre que, após troca de cartas entre Brasil e Espanha, conforme previsão do artigo 25, parágrafo 3º65, do Tratado, foi editado o Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 24/2004, posteriormente reeditado pelo Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 4/2006, sendo que, em ambos, determinou-se que, com relação ao artigo 12, incluem-se no conceito de royalties as remunerações decorrentes de todos os serviços técnicos ou de assistência técnica, independentemente de envolverem transferência de tecnologia, assim como não se aplicaria, em nenhuma hipótese, o artigo 22 (outros rendimentos) a esses rendimentos e, finalmente, seria considerado reduzido o âmbito de aplicação do artigo 7º no tocante a esses serviços.

De fato, a corroborar com os resultados alcançados por meio da interpretação autônoma, a edição do Ato Declaratório Interpretativo nº 24/2004 (não obstante a plena vigência do famigerado Ato Declaratório Normativo COSIT nº 1/2000) é um poderoso argumento no sentido de que, considerando-se o objetivo de se alcançar uma harmonia decisória, não parece haver solução mais adequada senão se reconhecer a subsunção ao artigo 12 de todos os rendimentos decorrentes de serviços técnicos, importem ou não em transferência de tecnologia.

Finalmente, essa é a conclusão de Vogel ao analisar o Tratado Brasil-Alemanha, reconhecendo que se trata de um conceito mais flexível do conceito de royalties, de modo a incluir atividades de consultoria e serviços similares66.

5. A Aplicação do Artigo 14 (Profissões Independentes)

Um último relevante aspecto não enfrentado pelo STJ no caso Copesul, tampouco explorado pelos autores que se dedicaram a estudar o problema, trata-se da possibilidade de aplicação, à hipótese, do artigo 14 (profissões independentes), de modo a se reconhecer a competência tributária do Estado da fonte, em razão de algumas peculiaridades dos tratados brasileiros. Muito embora tenha sido eliminado da Convenção Modelo da OCDE a partir de 2000, fato é que consta em todos os tratados brasileiros, inclusive aqueles celebrados a partir de então, o que não permite que se esquive de sua análise.

5.1. Âmbito de aplicação do artigo 14 nas Convenções Modelo (OCDE, ONU, EUA)

Embora as Convenções Modelo da OCDE, ONU e EUA apresentem o artigo 14 sob a rubrica independent personal services (serviços pessoais independentes), ocorre que os modelos da OCDE e da ONU estabelecem que o dispositivo se aplique aos “rendimentos obtidos por um residente de um Estado contratante como remuneração de serviços profissionais”, enquanto a Convenção Modelo dos EUA estabelece a aplicação do artigo aos “rendimentos obtidos por um indivíduo que seja residente de um Estado contratante pela prestação de serviços profissionais”. Nesse sentido, importa ressaltar que os termos “residentes” e “indivíduos que residem”, para fins de aplicação dos tratados, não se confundem. De fato, o conceito de residente do artigo 4º refere-se ao termo “pessoa” - que, segundo o artigo 3º, parágrafo 1º, alínea “a”, engloba a pessoa física, sociedade ou qualquer outro agrupamento de pessoas. Dessa forma, já em uma primeira leitura se pode concluir que as Convenções Modelo da OCDE e ONU admitem, em tese, a aplicação do artigo 14 a sociedades ou agrupamentos de pessoas67.

Do ponto de vista objetivo, os rendimentos em análise podem ser enquadrados no âmbito de aplicação do artigo 14 das Convenções Modelo da OCDE e ONU, uma vez que seu parágrafo 2º exemplifica “serviços profissionais” como consultorias jurídicas, de engenharia, entre outras, nítidas situações de serviços técnicos sem transferência de tecnologia.

O artigo 14 foi eliminado da Convenção Modelo da OCDE, uma vez que suas previsões eram bastante similares àquelas do artigo 7º: era reconhecida a competência tributária do Estado da fonte se os serviços fossem prestados por meio de uma base fixa nele situada, regra que não diferia substancialmente da regra do estabelecimento permanente68.

Entretanto, não existe essa similaridade entre os artigos 7º e 14 dos tratados brasileiros. Assim, eventual aplicação do artigo 14, em detrimento ao artigo 7º, teria o condão de reconhecer a competência tributária do Estado da fonte.

5.2. O artigo 14 nos tratados brasileiros

Como já salientado, não obstante sua eliminação da Convenção Modelo da OCDE, o artigo 14 está presente em todos tratados brasileiros, inclusive aqueles celebrados posteriormente à eliminação. Essa particularidade se justifica pelo fato de que, ao contrário da Convenção Modelo, a regra distributiva do artigo 14 nos tratados brasileiros é substancialmente distinta do artigo 7º. Isso porque, em todos os tratados brasileiros, exceto o acordo japonês, reconhece-se a competência tributária do Estado da fonte se nele se situar a fonte de pagamento69. Diante do artigo 14 do Tratado Brasil-Alemanha, Vogel reconhece que a previsão da fonte de pagamento como elemento de conexão com o Estado da fonte trata-se de extremo afastamento da estrutura da Convenção Modelo da OCDE70.

Dessa forma, prevendo amplo espaço para a tributação na fonte, o artigo 14 teria relevantes impactos na resolução do caso Copesul.

A relevância do dispositivo é ainda mais evidente, tendo em vista que todos os tratados brasileiros, exceto o acordo coreano, seguem a redação da Convenção Modelo da OCDE quanto à aplicação do artigo sobre “rendimentos obtidos por (pessoa) residente” - disposição que, como já explicitado, abre margem para sua aplicação a rendimentos obtidos por sociedades e demais pessoas jurídicas. Entretanto, os tratados brasileiros vão além. Os protocolos dos diversos tratados, inclusive o acordo coreano, são expressos em estender a aplicação do artigo a atividades desempenhadas por sociedades71. Mais uma vez sobre o Tratado Brasil-Alemanha, Vogel considera que seu protocolo é expresso quanto à aplicação do artigo 14 não apenas a pessoas físicas, mas também pessoas jurídicas.

Por todos os pontos salientados, está claro que não existe, em diversos tratados, qualquer elemento que exclua de plano a aplicação do artigo 14 aos rendimentos relativos à prestação de serviços técnicos sem transferência de tecnologia, ainda que recebidos por pessoa jurídica, mais um argumento segundo o qual seria cabível a pretensão tributaria brasileira de exigir o recolhimento do IRRF nessas remessas ao exterior.

6. Conclusão

Restou demonstrada, portanto, a principal hipótese apresentada pelo presente artigo, no sentido de que a decisão do STJ no caso Copesul não encerrou, em absoluto, o contencioso tributário na temática da retenção na fonte de imposto brasileiro em remessas ao exterior, abrangidas por tratados de bitributação, relacionadas à importação de serviços técnicos sem transferência de tecnologia. Isso porque a citada decisão não explorou aspectos centrais do problema, quais sejam, a aplicação dos artigos 12 e 14 dos tratados brasileiros de dupla tributação, cujo reconhecimento asseguraria a competência tributária do Estado da fonte para impor a retenção de seu imposto.

Em primeiro lugar, exceto no caso de remessas a residente na Áustria, na Finlândia, na França, no Japão e na Suécia, é de rigor a aplicação do artigo 12 dos tratados de bitributação, em decorrência das disposições em seus protocolos estenderem o conceito de royalties, de modo a abrigar os serviços técnicos, independentemente de importarem em transferência de tecnologia. No Tratado Brasil-
Índia, é expressamente literal a abrangência do artigo 12 a serviços de consultoria - típica figura de serviço que não envolve qualquer transferência tecnológica.

Ainda que se acolha a tese segundo a qual o termo “serviços técnicos” estaria limitado a atividades complementares e acessórias a um contrato de transferência de tecnologia, não se poderia descartar de plano a competência tributária brasileira para impor a retenção de seu imposto na fonte. Na realidade, à exceção dos acordos celebrados com a Áustria, África do Sul, China, Finlândia, França, Índia, Israel, Japão, Holanda, Peru, Suécia e Ucrânia, todos os demais tratados de bitributação são expressos na abrangência do artigo 14 a rendimentos obtidos por sociedades, não se limitando, portanto, àqueles auferidos por pessoas físicas, como se costuma afirmar. Mesmo naqueles acordos que não trazem previsões especiais em seu protocolo, a redação do próprio artigo 14 refere-se a “residente” ou “pessoa residente”, termos que, para fins de aplicação do tratado, não se limitam a pessoas naturais.

Dessa forma, não obstante o completo desacerto do Ato Declaratório Normativo nº 1/2000, a resolução do problema dos serviços técnicos nos tratados de bitributação não é simples como a decisão do STJ faz parecer. É preciso, acima de tudo, levar em consideração que os tratados de bitributação, cujas regras distributivas sobrepõem-se e possuem relações de prevalência entre si, fazem uso de conceitos que lhes são peculiares e não se confundem com os conceitos da legislação interna dos Estados contratantes, constatação essa que corrobora à busca de uma interpretação autônoma nesses acordos.

1 Superior Tribunal de Justiça, Segunda Turma, Recurso Especial nº 1.161.467/RS, Ministro Relator Castro Meira, julgado em 17.5.2012.

2 O artigo 7º, na Convenção Modelo da OCDE (versão 2008), reproduzido na maior parte dos tratados brasileiros, apresenta duas principais regras no tocante à tributação dos lucros das empresas em situações internacionais, a saber: (i) competência tributária exclusiva do Estado da residência no caso de ausência de estabelecimento permanente no Estado da fonte; e (ii) limitação de sua competência tributária aos lucros atribuídos a estabelecimento permanente nele situado (negação ao princípio da força de atração).

3 O artigo 22 dos tratados brasileiros seguem a redação da Convenção Modelo da ONU, na qual se estipula a competência tributária ilimitada do Estado da fonte, ao contrário do disposto na Convenção Modelo da OCDE.

4 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo; e RIBEIRO, Ricardo Pereira. “New withholding taxes on imported services”. Transfer Pricing Journal. Amsterdã, setembro-outubro de 2004, pp. 196/205 (198).

5 O caso foi objeto da Decisão nº 9E97F007, proferida pelo Chefe de Divisão de Tributação da 9ª Região Fiscal (Paraná), referente ao processo nº 10980.006598/97-78, decorrente de consulta formulada pela Renault do Brasil S.A. Para fins de instalação de seu parque industrial no Brasil, a empresa brasileira contratou sua controladora, empresa sediada na França, com o objetivo da realização de um pré-estudo de engenharia para a construção de sua fábrica montadora de veículos, além da assistência quanto aos trabalhos de engenharia ligados ao empreendimento. Com relação a esse caso, importante salientar que o Tratado Brasil-França não possui artigo que se refira a “outros rendimentos não mencionados expressamente”, de modo que a questão enfrentada pelo Fisco brasileiro cingia-se à aplicação dos artigos 7º ou 12 da citada convenção. A íntegra da decisão encontra-se disponível em LEONARDOS, Gabriel Francisco. “O imposto de renda de fonte sobre os pagamentos ao exterior por serviços técnicos - Análise de um caso de renúncia fiscal do Brasil”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 40. São Paulo: Dialética, janeiro de 1999, pp. 32/48 (41/48).

6 A regra de atribuição de competência do artigo 12 nos tratados brasileiros segue a redação da Convenção Modelo da ONU, estabelecendo a competência tributária limitada do Estado da fonte.

7 A decisão faz referência à relevância do fato de não haver, no Protocolo do Tratado Brasil-França, dispositivo que estenda ao conceito de royalties as remunerações decorrentes da prestação de assistência técnica e de serviços técnicos. Esse aspecto, completamente ignorado no caso Copesul, será objeto da análise do item III, infra.

8 Cf., a respeito do caso Renault, GALHARDO, Luciana Rosanova. “Serviços técnicos prestados por empresa francesa e imposto de renda na fonte”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 31. São Paulo: Dialética, abril de 1998, pp. 39/44.

9 Importante frisar, nesse sentido, a irrelevância da inclusão, ou não, de dispositivo referente a outros rendimentos não mencionados expressamente no caso dos tratados brasileiros, tendo em vista a política brasileira de adoção da redação do artigo 21 da Convenção Modelo da ONU, que garante a competência tributária cumulativa e ilimitada do Estado da fonte. Assim, mesmo no caso do Tratado Brasil-França, que não possui semelhante dispositivo, acaso determinado rendimento não se enquadrasse em nenhuma das outras normas distributivas, concluir-se-ia pela não aplicação do tratado à espécie, redundando em idêntico efeito do dispositivo da Convenção Modelo da ONU: competência tributária cumulativa ilimitada de ambos os Estados (já que não há tratado a aplicar).

10 Cf. XAVIER, Alberto. “O imposto de renda na fonte e os serviços internacionais - Análise de um caso de equivocada interpretação dos arts. 7º e 21 dos Tratados”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 49. São Paulo: Dialética, outubro de 1999, pp. 7/17 (16/17), um dos primeiros artigos publicados sobre o problema, antes mesmo da edição do ADN nº 01/2000. Cf., ainda, SCHOUERI, Luís Eduardo; e RIBEIRO, Ricardo Pereira. “New withholding taxes on imported services”. Op. cit. (nota 4), pp. 196/197; NEVES, Márcio Calvet. “O imposto de renda na fonte nos pagamentos por prestações de serviços técnicos por residentes no exterior, o Ato Declaratório CST nº 1/00 e as Convenções celebradas pelo Brasil para evitar a dupla tributação da renda”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 58. São Paulo: Dialética, julho de 2000, pp. 69/74 (71/73); ROCHA, Sergio André. “O Ato Declaratório nº 1/2000 e a ilegalidade da obrigação de retenção do imposto de renda na fonte. Revista Dialética de Direito Tributário nº 58. São Paulo: Dialética, julho de 2000, pp. 100/108 (102/103); ROTHMANN, Gerd W. “Problemas de qualificação na aplicação das convenções contra a bitributação internacional”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 76. São Paulo: Dialética, janeiro de 2002, pp. 33/44 (39/41); TÔRRES, Heleno Taveira. “Princípio da territorialidade e tributação de não-residentes no Brasil. Prestações de serviços no exterior. Fonte de produção e fonte de pagamento.” Direito Tributário Internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003, pp. 71/108 (100/104); BELLAN, Daniel Victor. “Algumas considerações sobre a tributação dos royalties pagos a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior.” In: TÔRRES, Heleno Taveira (org.). Direito Tributário Internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003, pp. 257/376 (373/375); ROCHA, Sergio André. Interpretação dos tratados contra a bitributação da renda. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pp. 191/197; GIANETTI, Leonardo Varella. “A tributação da remuneração de serviços de assistência técnica, sem transferência de técnica, prestados por não-residentes em Estado com o qual o Brasil possua tratado para evitar a bitributação. Estudo de caso”. Revista tributária e de finanças públicas nº 88. São Paulo: RT, setembro-outubro de 2009, pp.163/180 (167/173); MATARAZZO, Giancarlo Chamma; e ARAÚJO, Joana Franklin de. “Caso Copesul: a tributação de serviços pelo Imposto de Renda e os tratados para evitar a dupla tributação.” In: CASTRO, Leonardo F. de Moraes e (org.). Tributação internacional: análise de casos. São Paulo: MP, 2010, pp. 247/257 (253/256); GARCIA, Ana Carolina Moreira; e FONSECA, Frederico de Almeida. “Não-incidência de IRRF sobre remessas ao exterior - Serviços técnicos sem transferência de tecnologia - Análise da jurisprudência”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 172. São Paulo: Dialética, janeiro de 2010, pp. 7/17 (16/17); CUNHA, Fábio Lima da. “Os serviços sem transferência de tecnologia no contexto dos tratados para evitar a dupla tributação da renda”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 190. São Paulo: Dialética, julho de 2011, pp. 19/28 (23/24).

11 Cf. LEONARDOS, Gabriel Francisco. “O imposto de renda de fonte sobre os pagamentos ao exterior por serviços técnicos - Análise de um caso de renúncia fiscal do Brasil”. Op. cit. (nota 5), no qual, embora publicado anteriormente à edição do Ato Declaratório nº 1/2000, está consignado entendimento no sentido da impossibilidade de aplicação, na hipótese, do artigo 7º dos tratados brasileiro, sendo de rigor a aplicação do dispositivo referente a “outros rendimentos não mencionados expressamente”.

12 Do ponto de vista processual, tratou-se o caso de uma ação declaratória proposta pela Copesul, com o objetivo de reconhecer a inexistência de relação jurídico-tributária com a União em decorrência da inexigibilidade de IRRF sobre as remessas efetuadas às empresas alemã e canadense contratadas, em vista ao artigo 7º dos Tratados Brasil-Alemanha e Brasil-Canadá (autos nº 0006530-43.2002.404.7100). Em primeira instância, foi negado provimento à ação no âmbito da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul; interposto Recurso de Apelação, foi dado provimento à pretensão da Copesul pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região, assim como foi negado provimento aos Embargos de Divergência opostos pela Fazenda Nacional, que interpôs o Recurso Especial nº 1.161.467/RS, cujo acórdão é objeto da presente análise.

13 Conforme o critério temporal do lex posteriori derogat lex priori.

14 Cf., a respeito da relação entre tratados de bitributação e a legislação tributária interna, SCHOUE­RI, Luís Eduardo. “Relação entre tratados internacionais e a lei tributária interna.” In: CASELLA, Paulo Borba et al. (orgs.). Direito Internacional, humanismo e globalidade: Guido Fernando Silva Soares. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, pp. 563/587 (564/572).

15 Cf., a esse respeito, a nota de rodapé nº 10.

16 “Artigo 11. Será classificado como lucro operacional o resultado das atividades, principais ou acessórias, que constituam objeto da pessoa jurídica.” (Decreto-lei nº 1.598/1977) De fato, os parágrafos 1º e 2º do dispositivo estabelece que o lucro bruto, enquanto resultado da atividade de venda de bens ou serviços que constitua objeto da pessoa jurídica, comporá o lucro operacional. Nesse sentido, relevante o artigo 12 do próprio Decreto-lei nº 1.598/1977, que estabelece como receita bruta dos serviços o preço dos serviços prestados, isto é, exatamente o objeto em discussão no caso Copesul.

17 Cf. ROTHMANN, Gerd W. “Problemas de qualificação na aplicação das convenções contra a bitributação internacional”. Op. cit. (nota 10), p. 40.

18 Cf. VOGEL, Klaus. Double Taxation Conventions - A Commentary to the OECD-, UN- and US Model Conventions for the Avoidance of Double Taxation on Income and Capital with Particular Reference to German Treaty Police (título original alemão Doppelbesteuerungsabkommen. Tradução de John Marin). 3ª ed. Kluwer Law International, 1997, pp. 1.072/1.073

19 Cf. OECD. Model Tax Convention on income and on capital (condensed version). Paris: OECD Publications, 2010, p. 225 (Comentários ao artigo 12, item 11.2 - C12, 11.2).

20 Cf. RAAD, Kees van. “Cinco regras fundamentais para a aplicação de tratados para evitar a dupla-tributação”. Revista de Direito Tributário Internacional nº 1. São Paulo: Quartier Latin, outubro de 2005, pp. 195/207.

21 Cf. VOGEL, Klaus. Double Taxation Conventions - A Commentary to the OECD-, UN- and US Model Conventions for the Avoidance of Double Taxation on Income and Capital with Particular Reference to German Treaty Police. Op. cit. (nota 18), p. 401.

22 Cf. RAAD, Kees van. “Cinco regras fundamentais para a aplicação de tratados para evitar a dupla-tributação”. Op. cit. (nota 20), p. 200.

23 No tocante ao escopo e alcance, não se vislumbram relevantes distinções entre as Convenções Modelo da OCDE, ONU e EUA. A grande distinção está na distribuição da competência tributária (OCDE, EUA: exclusiva do Estado da residência; ONU: cumulativa limitada do Estado da fonte).

24 Cf. XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 618.

25 A remuneração dos contratos de know-how está abrangida pelo conceito de royalties na Convenção Modelo em razão da expressão “pagamentos de qualquer natureza recebidos como remuneração (…) por informações concernentes à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico”.

26 Cf. RIBEIRO, Ricardo P.; e VASCONCELLOS, Roberto F. de. “A transferência internacional de tecnologia e sua tributação”. Revista de Direito Tributário Internacional nº 6. São Paulo: Quartier Latin, agosto de 2007, pp. 127/168 (147).

27 Cf. OECD. Model Tax Convention on income and on capital (condensed version). Op. cit. (nota 19), p. 225 (C12, 11.2).

28 Cf. OECD. Model Tax Convention on income and on capital (condensed version). Op. cit. (nota 19), p. 225 (C12, 11.1).

29 Cf. GALHARDO, Luciana Rosanova. “Serviços técnicos prestados por empresa francesa e imposto de renda na fonte”. Op. cit. (nota 8), p. 41.

30 Cf. OECD. Model Tax Convention on income and on capital (condensed version). Op. cit. (nota 19), p. 225 (C12, 11.1).

31 Cf. XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil. Op. cit. (nota 24), p. 623.

32 Nesse sentido, o contrato de know-how estará necessariamente atrelado a um supply of know-how, em oposição ao applying know-how to guide the company característico da prestação de serviços. Cf. BAKER, Philip. Double Taxation Conventions and International Tax Law - A Manual on the OECD Model Tax Convention on Income and on Capital of 1992. 2ª ed. Londres: Sweet & Maxwell, 1994, § 12-05 (página não identificada).

33 Cf. GALHARDO, Luciana Rosanova. “Serviços técnicos prestados por empresa francesa e imposto de renda na fonte”. Op. cit. (nota 8), p. 39. Como será demonstrado no tópico segundo, o caso Renault, por envolver o Tratado Brasil-França, cujo conceito de royalties é semelhante ao da Convenção Modelo da OCDE, seguiu o entendimento esposado nos Comentários.

34 Cf. GALHARDO, Luciana Rosanova. “Serviços técnicos prestados por empresa francesa e imposto de renda na fonte”. Op. cit. (nota 8), p. 41.

35 Cf. XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil. Op. cit. (nota 24), p. 623.

36 Cf. OECD. Model Tax Convention on income and on capital (condensed version). Op. cit. (nota 19), p. 226 (C12, 11.6).

37 Cf. RIBEIRO, Ricardo P.; e VASCONCELLOS, Roberto F. de. “A transferência internacional de tecnologia e sua tributação”. Op. cit. (nota 26), p. 148.

38 Cf. VOGEL, Klaus. Double Taxation Conventions - A Commentary to the OECD-, UN- and US Model Conventions for the Avoidance of Double Taxation on Income and Capital with Particular Reference to German Treaty Police. Op. cit. (nota 18), p. 791.

39 Cf. OECD. Model Tax Convention on income and on capital (condensed version). Op. cit. (nota 19), pp. 225/226 (C12, 11.3).

40 Cf. OECD. Model Tax Convention on income and on capital (condensed version). Op. cit. (nota 19), p. 226 (C12, 11.4). Estão elencados, no trecho citado, exemplos de serviços técnicos que não envolvem transferência de tecnologia, dentre eles as consultorias jurídicas, contábeis, de engenharia.

41 Importante salientar que ambos os tratados compõem a última onda de celebração de acordos de bitributação, tendo sido assinados em 12 de dezembro de 2002 e 25 de setembro de 2003, respectivamente.

42 Non-OECD Economies’ Positions on the OECD Model Tax Convention. (…) Positions on Article 12. (…) Paragraph 2. (…) 7. Brazil, Gabon, Ivory Coast and Tunisia reserve the right to include fees for technical assistance and technical services in the definition of ‘royalties’.” (OECD. Model Tax Convention on income and on capital (condensed version). Op. cit. (nota 19), p. 451).

43 O artigo 12 do Tratado Alemanha-Índia, celebrado em 19.6.1995, faz referência a “royalties and fees for technical services” e, em seu parágrafo 4º, conceitua “fees for technical services”, utilizados no dispositivo, como “payments of any amount in consideration for the services of a managerial, technical or consultancy nature, including the provision of services by technical or other personnel, but does not include payments for services mentioned in Article 15 of this Agreement”.

44 O artigo 12 do Tratado Alemanha-Indonésia, celebrado em 30.10.1990, faz referência a “royalties and fees for technical services” e, em seu parágrafo 4º, conceitua “fees for technical services”, e conceitua os rendimentos de serviços técnicos como “payments of any kind to any person, other than payments to an employee of the person making the payments, in consideration for any services of a managerial, technical or consultancy nature rendered in the Contracting State of which the payer is a resident”.

45 Cf. VOGEL, Klaus. Double Taxation Conventions - A Commentary to the OECD-, UN- and US Model Conventions for the Avoidance of Double Taxation on Income and Capital with Particular Reference to German Treaty Police. Op. cit. (nota 18), p. 799/800.

46 Cf. XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil. Op. cit. (nota 24), p. 512.

47 Cf. XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil. Op. cit. (nota 24), p. 513.

48 Cf. XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil. Op. cit. (nota 24), p. 515.

49 Cf. OECD. Model Tax Convention on income and on capital (condensed version). Op. cit. (nota 19), p. 226 (C12, 11.6).

50 A título de exemplo, verifique-se a redação do artigo 3º, parágrafo 2º, do Tratado Brasil-Canadá: “2. Para a aplicação da presente Convenção por um Estado Contratante, qualquer expressão que não se encontre de outro modo definida terá o significado que lhe é atribuído pela legislação desse Estado Contratante relativa aos impostos que são objeto da presente Convenção, a não ser que o contexto imponha interpretação diferente.” O padrão se repete nos demais tratados brasileiros.

51 Cf. XAVIER, Alberto. “O imposto de renda na fonte e os serviços internacionais - análise de um caso de equivocada interpretação dos arts. 7º e 21 dos Tratados”. Op. cit. (nota 10), p. 15.

52 O dispositivo trata da dedutibilidade das importâncias pagas a títulos de royalties e, ao se referir a remunerações que envolvam transferência de tecnologia, nelas enquadra aquelas decorrentes da assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes, projetos ou serviços técnicos especializados.

53 Cf. XAVIER, Alberto. “O imposto de renda na fonte e os serviços internacionais - análise de um caso de equivocada interpretação dos arts. 7º e 21 dos Tratados”. Op. cit. (nota 10), p. 15.

54 Cf. NEVES, Márcio Calvet. “O Imposto de renda na fonte nos pagamentos por prestações de serviços técnicos por residentes no exterior, o Ato Declaratório CST nº 1/00 e as Convenções celebradas pelo Brasil para evitar a dupla tributação da renda”. Op. cit. (nota 10), pp. 73/74; ROCHA, Sergio André. Interpretação dos tratados contra a bitributação da renda. Op. cit. (nota 10), pp. 198/199; CUNHA, Fábio Lima da. “Os serviços sem transferência de tecnologia no contexto dos tratados para evitar a dupla tributação da renda”. Op. cit. (nota 10), pp. 20/22.

55 Cf., a esse respeito, as Decisões em Consultas nº 150, de 5.6.2001, e 42, de 21.2.2001, ambas da 7ª Região Fiscal (RJ/ES), bem como o Acórdão nº 05-31472, da Delegacia da Receita Federal de Julgamento em Campinas/SP, de 25.11.2010, nos quais se afastou a aplicação do artigo 12 a rendimentos provenientes de serviços técnicos sem transferência de tecnologia, no âmbito dos Tratados Brasil-Holanda e Brasil-Alemanha, ambos com a expansão do conceito de royalties em seus Protocolos. Entretanto, é importante destacar, em todos os casos citados, o artigo 12 é preterido para que se aplicasse o artigo 22 (outros rendimentos) - ou seja, a Administração Tributária reconhecera a competência tributária ilimitada em detrimento da competência tributária cumulada limitada para a imposição do imposto brasileiro na fonte.

56 Veja-se, como exemplo, o artigo 17, parágrafo 1º, inciso I, alíneas “a” e “b”, da Instrução Normativa nº 252, de 3.12.2002, que trata os serviços técnicos de modo substancialmente distinto ao descrito no artigo 355, parágrafo 3º, do RIR/1999. O mesmo ocorre na legislação relativa à Cide-tecnologia (Lei nº 10.168/2000, na redação dada pela Lei nº 10.332/2001), se considerarmos que (i) a incidência da contribuição sobre serviços técnicos veio posteriormente à sua criação; e (ii) o Decreto nº 4.195/2002, que regulamentou a CIDE-tecnologia, em seu artigo, trata isoladamente, como situações distintas: “I - fornecimento de tecnologia; II - prestação de assistência técnica: a) serviços de assistência técnica; b) serviços técnicos especializados; III - serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes (…)”.

57 LEONARDOS, Gabriel Francisco. “O imposto de renda de fonte sobre os pagamentos ao exterior por serviços técnicos - análise de um caso de renúncia fiscal do Brasil”. Op. cit. (nota 5), p. 34.

58 Cf. VOGEL, Klau. “Harmonia decisória e problemática da qualificação nos acordos de bitributação”. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; e ZILVETI, Fernando Aurelio (coords.). Direito Tributário - Estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, pp. 71/81 (73).

59 Cf. VOGEL, Klaus. Double Taxation Conventions - A Commentary to the OECD-, UN- and US Model Conventions for the Avoidance of Double Taxation on Income and Capital with Particular Reference to German Treaty Police. Op. cit. (nota 18), p. 213.

60 Cf. VOGEL, Klaus. “Harmonia decisória e problemática da qualificação nos acordos de bitributação”. Op. cit. (nota 58), p. 78.

61 Cf. OECD. Model Tax Convention on income and on capital (condensed version). Op. cit. (nota 19), p. 226 (C12, 11.6).

62 “29. O referido § 4º do art. 12 define royalties de modo semelhante ao § 3º do art. 12 da Convenção entre o Brasil e a França. E, admitindo-se que as convenções, tais como a lei, não contém palavras inúteis, é de se concluir que ‘os rendimentos provenientes da prestação de assistência técnica e serviços técnicos’, expressamente citados na Convenção entre o Brasil e a Itália não estão abrangidos pela Convenção entre o Brasil e a França, em virtude da omissão desta.” (Cf. nota de rodapé 5)

63 O Tratado Brasil-Espanha possui, em seu Protocolo, a seguinte disposição: “5. Ad/Artigo 12, parágrafo 3. A expressão ‘por informações correspondentes à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico’, mencionada no parágrafo 3 do Artigo 12, compreende os rendimentos provenientes da prestação de serviços técnicos e assistência técnica.”

64 Cf. nota de rodapé 55.

65 “3. As autoridades competentes dos Estados Contratantes esforçar-se-ão por resolver, através de acordo amigável, as dificuldades ou dissipar as dúvidas que surgirem da interpretação ou da aplicação da presente Convenção. Poderão, também, consultar-se mutuamente com vistas a eliminar a dupla tributação nos casos não previstos na presente Convenção.”

66 Cf. VOGEL, Klaus. Double Taxation Conventions - A Commentary to the OECD-, UN- and US Model Conventions for the Avoidance of Double Taxation on Income and Capital with Particular Reference to German Treaty Police. Op. cit. (nota 18), p. 800.

67 Cf. VOGEL, Klaus. Double Taxation Conventions - A Commentary to the OECD-, UN- and US Model Conventions for the Avoidance of Double Taxation on Income and Capital with Particular Reference to German Treaty Police. Op. cit. (nota 18), p. 858.

68 Cf. OECD. Model Tax Convention on income and on capital (condensed version). Op. cit. (nota 19), p. 225 (C7, 77).

69 Sob o ponto de vista da regra distributiva e elemento de conexão do artigo 14, os tratados brasileiros dividem-se em três categorias: o tratado japonês, que exige a existência, no Estado da fonte, de uma base fixa por meio do qual o serviço é desempenhado; em segundo lugar, os tratados celebrados com França, Bélgica, Dinamarca, Áustria, Espanha, Suécia, Luxemburgo, Itália, Noruega, Argentina, Canadá, Equador, Coreia, Filipinas, Holanda, Hungria, República Tcheca e Eslováquia, Finlândia e Alemanha (sem efeitos desde 2006), os quais reconhecem a competência tributária do Estado da fonte se a fonte de pagamento for uma sociedade ou estabelecimento permanente, e nele estiver situada; e os demais, que reconhecem a competência tributária do Estado da fonte se a fonte de pagamento estiver situada nele, seja uma sociedade, um estabelecimento permanente ou uma pessoa física.

70 Cf. VOGEL, Klaus. Double Taxation Conventions - A Commentary to the OECD-, UN- and US Model Conventions for the Avoidance of Double Taxation on Income and Capital with Particular Reference to German Treaty Police. Op. cit. (nota 18), p. 873.

71 Os protocolos dos acordos celebrados com Dinamarca, Espanha, Argentina, Equador e México preveem expressamente a aplicação do artigo mesmo que a atividade seja desenvolvida por uma “sociedade”. Nos tratados celebrados com Itália, Noruega e Canadá, os Protocolos preveem a extensão do dispositivo a “sociedade civil ou de pessoas”. Os acordos celebrados com Luxemburgo, Coreia, Filipinas, Hungria, República Tcheca e Eslováquia estendem, nos protocolos, o dispositivo a “sociedades civis”. Finalmente, o Protocolo do Tratado Brasil-Rússia amplia a aplicação do dispositivo a “sociedades de pessoas ou de capitais”. Por outro lado, os acordos celebrados com a Áustria, África do Sul, China, Finlândia, França, Índia, Israel, Japão, Holanda, Peru, Suécia e Ucrânia não trazem qualquer previsão.