ISS e o Caso Potenza Leasing

Questões acerca do Critério Espacial do ISS

Alberto Macedo

Membro do IBDT. Mestre e Doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP. Auditor Fiscal e Presidente do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo. Professor nos Cursos de Especialização em Direito Tributário da USP, FGV, Insper, IBDT e IBET.

Resumo

O presente artigo aborda as categorias relativas aos critérios espaciais do ISS, ou seja, as regras que determinam onde se deve considerar ocorrido o fato gerador do referido imposto; e coteja essa teoria com a história da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ a respeito, enfatizando os acertos e equívocos dos acórdãos paradigmáticos dessa jurisprudência, particularmente o REsp nº 1.060.210/SC, mais conhecido como caso Potenza Leasing, julgado em 28 de novembro de 2012.

Palavras-chave: Direito Tributário, Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), critério espacial do ISS.

Abstract

This article discusses the categories on the territorial criteria of the ISS, ie, the rules which defines where the taxable event should be considered occurred, and collates this theory with the history of the Superior Court of Justice - STJ jurisprudence about, emphasizing the successes and mistakes of its paradigmatic judgments about, particularly the REsp nº 1.060.210/SC, known as case Potenza Leasing, judged on November 28, 2012.

Keywords: Tax Law, services of any nature tax (ISS), territorial criteria of ISS.

1. Introdução

As questões acerca do critério espacial do ISS1 de longa data não trazem paz ao aplicador do Direito, particularmente ao contribuinte e ao responsável tributário do imposto, nas prestações de serviço intermunicipais.

Sim, porque já não bastasse toda a dificuldade probatória, de aplicação da lei, em relação a onde ocorre, no caso concreto, o fato jurídico tributário2 do ISS, o que soe acontecer quando uma empresa possui diversos estabelecimentos espalhados por distintos territórios municipais; põem-se dúvidas, a nosso ver, equivocadas, sobre a necessidade de uma lei complementar para a definição das regras que tratam do critério espacial do ISS.

O presente trabalho tem a intenção de discorrer sobre o critério espacial do ISS, cotejando-o com o recente acórdão que tratou do tema especificamente quanto ao leasing, submetido ao procedimento do art. 543-C do Código de Processo Civil (rito do Recurso Repetitivo) - o caso Potenza Leasing.

Em que pese o respeito que merecem as decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ, demonstrar-se-á que alguns entendimentos esposados no referido acórdão não foram felizes quanto à precisão conceitual a respeito do critério espacial do ISS, particularmente no que tange ao disposto na Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, não se tratando esses entendimentos da melhor interpretação a respeito.

Entretanto, restará claro que o STJ finalmente concluiu pela constitucionalidade e legalidade das regras de critério espacial do ISS tanto à luz do Decre­to-lei nº 406/1968 e suas alterações quanto à luz da Lei Complementar nº 116/2003.

2. O Critério Espacial do ISS de 1965 até os Dias Atuais

Criado com a Reforma de 1965 (Emenda Constitucional nº 18, de 1º de dezembro de 1965), o ISS foi logo regulamentado pela Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Entretanto, a referida lei, no tocante à regra matriz do imposto, limitou-se a definir de forma expressa somente seus critérios materiais (art. 71); no seu critério quantitativo, a base de cálculo (art. 72); e, no seu critério pessoal, o contribuinte (art. 73).

Assim, percebe-se que da leitura dos supracitados dispositivos do Código Tributário Nacional, essa implicitude do critério espacial à época deixava aberta a possibilidade de se considerar ocorrido o fato gerador onde o mesmo fosse efetivamente prestado, em que pese todas as possibilidades de conflito horizontal decorrentes daí, pela impossibilidade de se precisar, muitas vezes, quando a efetiva prestação de serviço teria ocorrido no caso concreto.

Advinda a Constituição de 1967, em 24 de janeiro, esta trouxe a novidade da previsão constitucional para uma lei complementar tratar dos potenciais conflitos de competência entre os entes das três esferas - federal, estadual e municipal - mas, principalmente, no que interessa ao presente trabalho, para tratar dos conflitos de competência tributária dos Municípios entre si. Veja-se o dispositivo a respeito:

“Art. 19, § 1º - Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre os conflitos de competência tributária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder tributário.”

Há que se ressaltar que a possibilidade de regra preventiva de conflito de competência tributária no ordenamento anterior ao da Constituição de 1967 limitava-se ao potencial conflito vertical entre o ISS e o então ICM, ou seja, entre critérios materiais, quando o parágrafo único do art. 15 da Emenda nº 18 previa que “Lei complementar estabelecerá critérios para distinguir as atividades a que se refere êste artigo [‘serviços de qualquer natureza, não compreendidos na competência tributária da União e dos Estados’] das previstas no art. 12 [‘operações relativas à circulação de mercadorias, realizadas por comerciantes, industriais e produtores’].”

Apesar de o novo ordenamento (da Constituição de 1967) ter trazido a possibilidade de regulação para prevenção de conflitos de competência tributária entre Municípios - conflitos de competência horizontais - por lei complementar, o fato é que o primeiro instrumento normativo que veio a estatuir de forma expressa onde se consideram prestados os serviços para efeito de ocorrência do fato jurídico tributário do ISS foi o Ato Complementar nº 36, de 13 de março de 1967,3 que em seu art. 6º prescreveu:

Art. 6º No caso de emprêsas que realizem prestação do serviço em mais de um Município, considera-se local da operação para efeito de ocorrência do fato gerador do impôsto municipal correspondente:

I - O local onde se efetuar a prestação do serviço.

a) no caso de construção civil;

b) quando o serviço fôr prestado, em caráter permanente por estabelecimentos, sócios ou empregados da emprêsa, sediados ou residentes no Município;

II - O local da sede da emprêsa, nos demais casos.” (Destaque nosso)

Posteriormente, veio a publicação do Decreto-lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968, onde, intuímos, percebeu-se rapidamente que a previsão da sede da empresa como elemento de fixidez não seria muito útil. Teceremos considerações a esse respeito mais adiante. Prescreveu o referido diploma:

“Art 12. Considera-se local da prestação do serviço:

a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador;

b) no caso de construção civil o local onde se efetuar a prestação.”

Previram-se, basicamente, então, a partir do referido Decreto-lei, dois elementos de conexão - instituto sobre o qual falaremos a seguir - relativos ao ISS: (i) o local do estabelecimento prestador; e (ii) o local da efetiva prestação. Já naquela época percebeu o legislador complementar a necessidade de estipulação de elementos de conexão para o ISS, de forma a torná-lo aplicável.

Finalmente, com o advento da Lei Complementar nº 116/2003, surgiu o desenho atual do critério espacial do ISS, com os seus arts. 3º e 4º:

“Art. 3º O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local: (...)

Art. 4º Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.”

3. Elemento de Conexão - Relevância do Conceito para a Determinação do Local da Prestação do Serviço

O conceito de elemento de conexão é indispensável para a estruturação da norma jurídica de conflitos.4 É um instituto previsto na legislação que determina o “local” de certo evento da vida para um ordenamento tributário, gerando-se efeitos jurídicos para esse evento pela aplicação de tal ordenamento.5

De fato, é fácil a solução sobre quem possui a competência tributária do ISS quando o local da efetiva prestação do serviço e local do estabelecimento do prestador se encontram no mesmo Município. Mas nos casos em que um determinado fato social “prestação de serviço” (estamos a falar do evento, ou seja, fato ainda não jurídico) se dá ao longo de mais de um território municipal, o legislador deve se valer de elementos de conexão, ou seja, critérios, presentes no fato social, de fixidez que possibilitem a determinado Município considerar como de sua competência o tributo relativo a este fato.

Mas como a escolha de tais critérios - para compor, junto com os demais, as características relevantes do fato hipotético - não pode ficar nas mãos dos legisladores ordinários dos diversos Municípios, sob pena de, por falta de uniformidade, serem escolhidos critérios que façam ocorrer bitributação, pluritributação ou até mesmo não tributação, esta é uma tarefa que deve caber, necessariamente, ao legislador complementar nacional, no exercício de sua função de prevenir conflitos de competência em matéria tributária (conforme art. 146, da Constituição de 1988), o qual selecionará, então, os elementos de conexão que ensejarão a competência para a tributação por um Município ou por outro.

Quando afirmamos que o legislador complementar pode estipular aquele critério espacial que enseje um mínimo de situações conflituosas, que dê o máximo de segurança jurídica, tal estipulação advém de uma necessidade de serem estabelecidos critérios objetivos que confiram a maior harmonia possível ao sistema.

Mas tal estipulação não está livre de limitações, sob pena de, ao invés de conferir harmonia e segurança jurídica ao ordenamento, provocar muito mais conflitos.6 Assim é que no evento do mundo real (e não no fato jurídico) “prestar serviços” temos que verificar quais os seus traços que seriam adequados para a estipulação legal, e consequentemente jurídica, do local da prestação do serviço.

Subdividem-se os elementos de conexão em objetivos e subjetivos.

Os elementos de conexão subjetivos se referem a critérios pessoais, tendo como maior exemplo a nacionalidade. A aplicação de elementos dessa natureza pode ser legítima para Estados soberanos em que as autoridades legislativas entendam que a nacionalidade já é suficiente para estabelecer uma relação jurídica tributária para com seus Estados de origem, onde quer que tais pessoas se encontrem, ao redor do mundo.7

No entanto, tais critérios não são válidos para entes políticos que não possuem soberania, mas apenas autonomia, como os Municípios da República Federativa do Brasil (com relação à naturalidade), por estarem submetidos a uma ordem jurídica superior (a ordem jurídica total), o que, devido à falta de genuine link entre a pessoa e seu Município de origem, não conferiria operacionalidade e harmonia ao sistema. Um singelo exemplo seria aquele em que, num caso em que um prestador de serviços fosse natural de Fortaleza, residisse e tivesse seu estabelecimento fixado no Rio de Janeiro e prestasse serviços no Rio Grande do Sul, a lei complementar conferisse competência tributária relativa ao ISS para o Município de Fortaleza, baseando-se em sua naturalidade. Seria um desatino, extrapolando sim a territorialidade, à qual deve se atrelar qualquer distribuição de competência tributária municipal.

Os elementos de conexão objetivos, por sua vez, consistem nos objetos ou fatos que apresentam relações com os ordenamentos tributários. Como exemplos, temos o local da celebração do contrato, o local da fonte de produção ou de pagamento da renda, o local da situação dos bens e, especificamente para o ISS, o local do estabelecimento prestador.

Notemos que a definição do local do estabelecimento prestador como sendo aquele em que se considera ocorrido o fato jurídico tributário trata-se de uma presunção absoluta. Não se enquadra como hipótese de ficção jurídica porque a correspondente norma jurídica não desconsidera a realidade objetiva, o domínio dos fatos, o mundo real, ao ignorar situações que efetivamente ocorrem.8 Isto porque, no mundo dos fatos, muitas vezes, o serviço é prestado mesmo no estabelecimento prestador, e não fora dele. O fato de o legislador complementar, em ato decisório, no processo legislativo, estipular que será sempre considerado como ocorrido o fato jurídico tributário do ISS no local do estabelecimento prestador, independentemente de prova em contrário, consubstancia sim uma presunção absoluta, na medida em que a norma jurídica in casu confere certeza jurídica a algo que no mundo dos fatos é apenas provável.9

A escolha do estabelecimento prestador como elemento de conexão atuando como uma presunção juris et de jure, teve por fim, e acreditamos com grande sucesso, evitar o maior número possível de conflitos, cumprindo adequadamente a função prescrita para a lei complementar tributária no art. 146, I, da Constituição de 1988.

E o legislador do Decreto-lei nº 406/1968, bem como o da Lei Complementar nº 116/2003, assim fizeram ao estipular como regra geral de elemento de conexão o local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, o local do domicílio do prestador, e, como exceção, para alguns tipos de serviço, o local da efetiva prestação.

4. Extraterritorialidade e Princípio da Territorialidade

Distintamente das situações concretas facilmente localizáveis, como no caso dos impostos sobre a propriedade imobiliária, em que a concepção clássica do Princípio da Territorialidade satisfaz os questionamentos sobre a competência tributária dos Municípios, no imposto sobre serviços, a cada vez maior desmaterialização dos serviços em realidades abstratas levou à potencial geração de mais e mais conflitos.

As realidades imateriais ou incorpóreas demandam por parte do legislador o estabelecimento de modo positivado de critérios suplementares ao clássico Princípio da Territorialidade a fim de conferir uma maior segurança jurídica na efetivação das relações jurídicas envolvidas, particularmente as tributárias.

Nesse sentido, cabe observar, como afirma Luís Eduardo Schoueri, que:

“a territorialidade, em seu sentido estrito (ligação a um território), já não mais pode ser aceita. Quando se cogita da existência de um princípio da territorialidade, no Direito Tributário Internacional [também válido no direito interno], não se defende a existência de uma limitação a fatos ocorridos num território, mas sim a exigência de que a situação a ser atingida pela tributação possua alguma conexão com o Estado tributante.”10

Toma relevância aqui, particularmente, o respeito à Territorialidade Formal, na medida em que, apesar de situações que ocorram em outros Municípios estarem sendo normatizadas por um Município (jurisdiction to prescribe), a prescrição normativa das ações das autoridades deste último Município encontra limitação nas fronteiras de seu território, sendo somente no seu interior que a normatização das atividades de coerção encontra espaço (jurisdiction to enforce). Assim, apesar de ser admitida a extraterritorialidade em sentido material, que é o fato de o ente político prescrever comandos normativos que se refiram a eventos ocorridos em território alienígena, mantém-se vedada a extraterritorialidade em sentido formal, representada pela previsão normativa por certo ente político da prática de atos de coerção de suas autoridades no território de outros entes políticos.11

Assim, a técnica dos elementos de conexão, especificamente para o caso dos Municípios, encontra limitações justamente no Princípio da Territorialidade formal, na medida em que apesar de a lei de norma geral poder prescrever normas jurídicas sobre critérios externos à territorialidade do Município, tal possibilidade só possui efetividade se conectadas a esses critérios externos estiverem situações que permitam ao Município efetivar sua atividade de fiscalização, cobrança e constituição do crédito tributário correspondente, como os estabelecimentos prestadores, por caracterizarem-se estes como elementos fixos, em que é possível ser exercida a eficácia da norma jurídica tributária, por parte das autoridades tributárias, na sua atividade de fiscalização, constituição e cobrança do crédito tributário.

Feriria a ordem constitucional o legislador complementar selecionar elementos que, mesmo possuindo alguma ligação com o território do Município a quem foi conferida a competência tributária, não lhe outorgassem a possibilidade do exercício do poder de autoridade no que concerne à exigência de seu tributo, simplesmente porque não estariam realizando a sua função de prevenir conflitos de competência na seara tributária. Estariam, isso sim, indo na contramão do que justamente foi-lhes conferido buscar, qual seja, a edição de normas jurídicas que contribuíssem para evitar os conflitos de competência.

O que também legitima a escolha do estabelecimento prestador como elemento de conexão é a própria continuidade espaço-temporal (em âmbito pré-jurídico, obviamente) da realização do serviço, se considerarmos as atividades preparatórias e de suporte à prestação de serviço propriamente dita que acontecem no estabelecimento prestador, já que aí o legislador complementar seleciona, dentro desse período, o momento mais adequado para eleger como critério espacial. E esse “adequado” passa sem dúvida por uma avaliação por parte do legislador sobre a efetividade da aplicação da lei, pela escolha de um local com fixidez.

Quando decide, no caso das exceções, pelo local da efetiva prestação do serviço como critério espacial do ISS, geralmente é por conta da facilidade da constatação do serviço nesse local (que não raro se confunde com o local do estabelecimento do tomador), comparando-se com a constatação do próprio local do estabelecimento prestador que dá suporte à atividade (como no caso da execução de obras de construção civil e do serviço de florestamento ou de reflorestamento, por exemplo).

Finalmente, cabe salientar que, apesar de a norma jurídica constitucional que confere à lei complementar a missão de prevenir conflitos de competência não se fundamentar por óbvio em lei infraconstitucional, o próprio Código Tributário Nacional, em seu art. 102,12 corrobora a possibilidade de extraterritorialidade da legislação tributária, desde que conferida como norma geral, qual seja, conformadora de uniformidade ao sistema.

5. O Papel Fundamental do Art. 146 da Constituição de 1988 como Fundamento de Validade para a Estipulação, pela Lei Complementar, dos Elementos de Conexão para o ISS

No atual ordenamento, o Estado Federal (República Federativa do Brasil) apresenta uma complexa estrutura com: (i) as ordens jurídicas parciais: (i.1) ordem jurídica federal - União; (i.2) ordem jurídica estadual e distrital; e (i.3) ordem jurídica municipal; e (ii) a ordem jurídica total, formada pela reunião dessas três ordens parciais.13

Em consonância com tais ordens jurídicas, temos que a lei complementar pode se revestir do caráter federal (quando instrumento da União) ou do caráter nacional (quando instrumento do Estado Federal). Essa é uma classificação cujo critério é o da abrangência da competência legislativa, pois a lei federal abrange apenas a União, enquanto a lei nacional abrange os três entes federativos (União, Estados e Municípios).14

Desta última roupagem - lei complementar nacional - é que se veste a lei complementar tributária do art. 146, pois ali se apresenta sempre como reguladora de normas aplicáveis aos três entes da Federação, indistintamente.

Dispõe o art. 146, no que interessa à presente análise:

“Art. 146. Cabe à lei complementar:

I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

(...)”

A referida lei complementar apresenta basicamente a função de estabelecer normas gerais:

i) para prevenir conflitos de competência em matéria tributária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

ii) para regulamentar as normas jurídicas de imunidade tributária; e

iii) sobre obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários.

Tal entendimento se coaduna com o que Tércio Sampaio Ferraz Junior chama de Federalismo Cooperativo, em que prevalece a colaboração dos entes federativos, conferindo-se menor força à separação e à independência recíproca entre eles, com a principal finalidade de uniformizar as normas gerais, que ele define como toda a matéria que extravase o interesse circunscrito de uma unidade da Federação, seja porque é comum (na medida em todos os entes têm o mesmo interesse); seja porque envolve conceituações que, acaso particularizadas num âmbito autônomo, acarretariam conflitos ou dificuldades no intercâmbio nacional.15

Na primeira e na segunda funções também se insere a definição de tributos e de suas espécies, bem como a definição dos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. Assim, não concordamos com a força que a corrente tricotômica16 dá à literalidade da alínea “a” do inciso III do art. 146 na construção das normas jurídicas referentes ao dispositivo, pois tal interpretação feriria de morte a autonomia dos Estados e Municípios, ao ficarem sobremaneira dependentes da lei complementar para poderem instituir seus impostos. Só cabe, pois, à lei complementar definir fato gerador, base de cálculo e contribuinte dos impostos estaduais e municipais quando da premente necessidade de se prevenir conflitos de competência ou de se regular as normas jurídicas de imunidade.

Com isso, defendemos que as normas jurídicas construídas a partir dos enunciados do art. 146, III, “a”, não se apresentam como nexos materiais fundantes da validade das leis federais, estaduais e municipais instituidoras dos seus respectivos tributos.17

Alguns doutrinadores18 entendem ser efetivamente impossível existirem conflitos de competência, havendo sim, não mais que aparentes conflitos de competência. Roque Antonio Carrazza, por exemplo, afirma que “(...) no plano lógico-jurídico, não há qualquer possibilidade de surgirem conflitos de competência tributária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”.19

Mas parece-nos claro que a norma que se constrói do disposto no art. 146, I, da Constituição, não é aquela que espelha a intenção de a lei regular os conflitos sucedidos no caso concreto, mas, sim, a que confere à lei complementar um papel de calibrador do sistema, em que deve introduzir nesse sistema normas que previnam ao máximo a ocorrência de tais conflitos.

No que tange ao critério espacial do ISS, o art. 12, “a”, do Decreto-lei nº 406/1968, e agora o art. 3º, caput, da Lei Complementar nº 116/2003, em que o serviço considera-se prestado no local do estabelecimento prestador, ou na falta deste, no local do domicílio do prestador, trazem uma definição estipuladora20 do critério espacial do ISS, fundamentando sua validade na norma jurídica construída a partir do art. 146, I, combinado com a alínea “a” do seu inciso III.

Assim, enquanto os dispositivos da LC nº 116/2003 que trazem os diversos serviços passíveis de incidência tributária por parte do ISS cuidam de dispor sobre conflitos de competência na seara do critério material, tentando aclarar as dúvidas sobre competência tributária entre Municípios e Estados (ISS x ICMS) e entre Municípios e União (ISS x IPI, IOF), encontrando fundamento de validade tanto no art. 156, III, in fine, quanto no art. 146, I, os dispositivos atinentes ao local da prestação do serviço (art. 12, “a”; e art. 3º, supracitados) têm sua validade fundamentada principalmente no art. 146, I.

E, neste mister de definir o critério espacial do ISS, trata a lei complementar de selecionar os elementos de conexão mais adequados, a fim de evitar o maior número possível de conflitos de competência.

6. O Primeiro Equívoco do STJ com Relação ao Critério Espacial do ISS - A Busca de uma Solução Constitucional Baseada tão somente no Art. 156, III, da Constituição de 1988

Em que pese as explanações acima, a busca da constitucionalização de um único critério espacial possível do ISS pelos aplicadores do Direito, particularmente em âmbito judicial, como se o texto constitucional do art. 156, III, pudesse dar uma resposta única e objetiva sobre quando se poderia considerar ocorrido o fato gerador, surpreendentemente encontrou eco na Corte do Superior Tribunal de Justiça, com o julgamento, na Primeira Seção,21 dos Embargos de Divergência em Recurso Especial (EREsp) nº 130.792/CE, em 7 de abril de 2000, em que, por maioria de votos liderada pela eminente Ministra Nancy Andrighi (Relatora para o Acórdão), entendeu-se como critério espacial do ISS o local da efetiva prestação do serviço:22

“Ementa:

Embargos de Divergência. ISS. Competência. Local da Prestação de Serviço. Precedentes.

I - Para fins de incidência do ISS - Imposto sobre Serviços -, importa o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se releve o teor do art. 12, alínea ‘a’ do Decreto-Lei nº 406/68.

II - Embargos rejeitados.” (Destaques nossos)

O referido julgado supervalorizou a regra do art. 156, III, da Constituição, ignorando o disposto na própria Constituição de 1988, no seu art. 146, incisos I e III, “a”, onde se prevê papel relevantíssimo da lei complementar para definir o critério espacial do ISS com a finalidade de prevenir conflitos de competência tributária, como exposto acima.

A referida decisão não considerou que a prestação de serviço ali referida hipoteticamente pode ocorrer, para um mesmo serviço, no caso concreto, totalmente dentro do estabelecimento do prestador; parte nesse estabelecimento e parte no estabelecimento do tomador; e total ou parcialmente em terceiro local. Tudo isso, reforce-se, para um mesmo serviço.

Dessa forma, admitir que o ISS só poderia ser devido no local da efetiva prestação, onde quer que ela ocorresse, inviabilizaria, em diversas situações, a determinação, de maneira segura, do sujeito ativo competente para exigir o imposto, como ocorre para os serviços cuja efetiva prestação não encontra nenhuma possibilidade de delimitação espacial rígida, o que seria necessário para se aplicar as regras sobre o imposto no caso concreto. Exemplos a respeito são os serviços de nucleação e bombardeamento de nuvens e congêneres (subitem 7.22 da lista de serviços) e os serviços de aerofotogrametria (subitem 7.20).

O supracitado julgado ignorou também o fato de que, considerando-se sempre o local da efetiva prestação como o critério espacial do ISS, seria incobrável o ISS nas situações em que o serviço por prestador estabelecido num Município fosse realizado no local de um cliente pessoa física domiciliado noutro Município.

Essa decisão judicial, sem dúvida, contribuiu sobremaneira para encorajar muitos legisladores municipais a, extrapolando sua competência legislativa, instituírem hipóteses de responsabilidade com retenção definitiva na fonte para serviços cujo critério espacial é o local do estabelecimento prestador, mesmo quando seus prestadores estivessem estabelecidos noutros Municípios.

7. O Retorno Parcial à Constitucionalidade e Legalidade no STJ com o REsp nº 1.117.121/SP

Depois de um “período de trevas” que durou mais de sete anos, uma luz surgiu, em 2007, com o acórdão do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 903.224-MG, de 11 de dezembro de 2007, pois a referida decisão marcou o início de uma mudança no posicionamento do STJ, conforme excerto da ementa abaixo:

“Ementa:

(...)

2. Interpretando o art. 12, ‘a’, do Decreto-lei 406/68, a jurisprudência desta Corte firmou entendimento de que a competência tributária para cobrança do ISS é do Município onde o serviço foi prestado.

3. Com o advento da Lei Complementar 116/2003, tem-se as seguintes regras:

a) o ISS é devido no local do estabelecimento prestador (nele se compreendendo o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas); e

b) na falta de estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII do art. 3º da LC 116/2003.

(...)” (Destaques no original)

No conteúdo do seu voto neste julgado, a eminente Relatora (Ministra Eliana Calmon), acompanhada por unanimidade da Segunda Turma, explicita de forma mais sistematizada seu entendimento sobre as regras a respeito do local de incidência do ISS:

“(...)

Entendo que, em linhas gerais, a partir da LC 116/2003, temos as seguintes regras:

1ª) como regra geral, o imposto é devido no local do estabelecimento prestador, nele se compreendendo o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas;

2ª) na falta de estabelecimento do prestador, no local do domicílio do prestador,

Assim, o imposto somente será devido no domicílio do prestador se no local onde o serviço for prestado não houver estabelecimento do prestador (sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação);

3ª) nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, acima transcritos, mesmo que não haja local do estabelecimento prestador, ou local do domicílio do prestador, o imposto será devido nos locais indicados nas regras de exceção.

(...)” (Destaques no original)

A guinada jurisprudencial foi confirmada de vez com o advento do acórdão no REsp nº 1.117.121/SP, de 14 de outubro de 2009, julgado no rito de Recurso Repetitivo, em que novamente a Ministra Eliana Calmon encabeçou a mudança, conforme se percebe de pronto em sua ementa:

“(...) 1. A competência para cobrança do ISS, sob a égide do DL 406/68 era o do local da prestação do serviço (art. 12), o que foi alterado pela LC 116/2003, quando passou a competência para o local da sede do prestador do serviço (art. 3º).

2. Em se tratando de construção civil, diferentemente, antes ou depois da lei complementar, o imposto é devido no local da construção (art. 12, letra ‘b’ do DL 406/68 e art.3º, da LC 116/2003).

(...)

6. Recurso especial decidido sob o rito do art. 543-C do CPC. Adoção das providências previstas no § 7º do art. 543-C do CPC e nos arts. 5º, II e 6º da Resolução STJ nº 8/2008.” (Destaque nosso)

Mas reparemos também que a correção do equívoco histórico não se deu de forma plena. Como que com um compromisso com o passado, fez questão de ressaltar o acórdão que a prevalência do critério espacial “local do estabelecimento prestador” só surgiu com o advento da Lei Complementar nº 116/2003.

Ora, observando a evolução cronológica da legislação sobre o critério espacial do ISS, não é difícil concluir que desde o Ato Complementar nº 36, de 13 de março de 1967, passando pelo Decreto-lei nº 406/1968, e agora com a LC nº 116/2003, a regra geral do critério espacial do ISS sempre foi a do local do estabelecimento prestador.

8. O REsp nº 1.060.210/SC: Acertos e Equívocos

8.1. O acerto no resgate à constitucionalidade e legalidade da regra de critério espacial do Decreto-lei nº 406/1968

A aplicação do entendimento exposto anteriormente quanto ao critério espacial do ISS também para o período de vigência do Decreto-lei nº 406/1968, finalmente, e até de uma forma um tanto quanto inesperada, encontrou eco no STJ, no REsp nº 1.060.210/SC, de 28 de novembro de 2012, o que se pode notar com a leitura do excerto abaixo.

“18. Para a corrente até aqui dominante, permitir que o só fato de uma empresa manter sede em Município único, em que alega concentrar alguns procedimentos acessórios relativos à operação de arrendamento mercantil, firmando negócios jurídicos por todo o Brasil, seria o mesmo que conferir extraterritorialidade à Lei Municipal, razão pela qual afastava-se a interpretação literal do art. 12 do DL 406/68.

19. Ouso divergir desse posicionamento. (...)

21. (...), a interpretação do mandamento legal leva a conclusão de ter sido privilegiada a segurança jurídica do sujeito passivo da obrigação tributária, para evitar dúvidas e cobranças de impostos em duplicata, sendo certo que eventuais fraudes (como a manutenção de sedes fictícias) devem ser combatidas por meio da fiscalização e não do afastamento da norma legal, o que seria verdadeira quebra do princípio da legalidade.”

Isso se refletiu claramente no conteúdo da ementa do referido acórdão, assim:

“3. O art. 12 do DL 406/68, com eficácia reconhecida de lei complementar, posteriormente revogado pela LC 116/2003, estipulou que, à exceção dos casos de construção civil e de exploração de rodovias, o local da prestação do serviço é o do estabelecimento prestador. (...)”

Louros para essa acertada tomada de posição jurisprudencial, ainda que tardia. Mas, a seguir, teceremos comentários sobre temas tratados no mesmo acórdão que infelizmente não ensejam a mesma comemoração, trazendo confusão para o aplicador do Direito.

8.2. O equívoco de se entender “sede” como sinônimo de “estabelecimento”

O sábio distanciamento da palavra “sede” que o legislador complementar desenvolveu já no Decreto-lei nº 406/1968, e manteve na Lei Complementar nº 116/2003, substituindo-a pela expressão “estabelecimento prestador” parece não ter sido ainda bem assimilado pelo STJ nos julgados relativos ao critério espacial do ISS.

A palavra “sede”, entendida como sinônimo de matriz, foi deixada de lado pelo Direito Tributário, relativamente ao ISS, desde 1968, na medida em que a sua fácil alteração formal no contrato social da empresa, permitindo sua “flutuação” pelos estabelecimentos da sociedade empresária conforme as suas conveniências, não ajudaria a manter uma verdadeira correlação com o local a partir do qual realmente fossem prestados os serviços.

Apesar disso, tanto no REsp nº 1.117.121/SP quanto no REsp nº 1.060.210/SC, incorreu-se no equívoco de se confundir a sede da empresa com o seu estabelecimento.

No REsp nº 1.117.121/SP constou que:

“1. A competência para cobrança do ISS, sob a égide do DL 406/68 era o do local da prestação do serviço (art. 12), o que foi alterado pela LC 116/2003, quando passou a competência para o local da sede do prestador do serviço (art. 3º).” (Destaque nosso)

Mas, ainda que seja norma individual e concreta, o acórdão também deve sofrer processo interpretativo, como qualquer outra norma. Por isso é que concluímos que a Relatora, em seu voto, referiu-se a “sede”, mas quis mencionar “estabelecimento”. Isso porque, findando a própria frase onde se referiu a local da sede, cita o dispositivo da Lei Complementar nº 116/2003, do qual teria extraído seu raciocínio, o art. 3º, que trata não de sede, mas, sim, de estabelecimento prestador.

Aliás, a própria Lei Complementar nº 116/2003 se preocupou em conferir relevância absoluta ao local do estabelecimento em detrimento do local da sede, ao mencionar, em seu art. 4º, que são irrelevantes para a caracterização do estabelecimento prestador denominações como “sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas”.

No REsp nº 1.060.210/SC, insistiu-se no equívoco. Segue trecho que corrobora isso.

“5. A interpretação do mandamento legal leva a conclusão de ter sido privilegiada a segurança jurídica do sujeito passivo da obrigação tributária, para evitar dúvidas e cobranças de impostos em duplicata, sendo certo que eventuais fraudes (como a manutenção de sedes fictícias) devem ser combatidas por meio da fiscalização e não do afastamento da norma legal, o que traduziria verdadeira quebra do princípio da legalidade tributária.” (Destaque nosso)

Não satisfeito com a confusão, o trecho abaixo do REsp nº 1.060.210/SC ainda traz uma nova conceituação, a qual não encontra respaldo seja no Direito Empresarial; seja no Direito Tributário: a sede do estabelecimento. Veja-se trechos do voto vencedor a respeito:

“12. (...) (b) o sujeito ativo da relação tributária, na vigência do DL 406/68, é o Município da sede do estabelecimento prestador (art. 12) (...)” (destaque nosso).

“(...) o Município do local onde sediado o estabelecimento prestador é o competente para a arrecadação do ISS sobre operações de arrendamento mercantil” (destaque nosso).

Ora, não é o estabelecimento que possui sede, mas, sim, a sociedade empresária. E sede também não se confunde com estabelecimento. A sede é a matriz da sociedade empresária, local onde funciona o estabelecimento principal da empresa, de onde normalmente emanam as principais decisões, cuja escolha cairá dentre um dos estabelecimentos dessa sociedade, podendo ser constantemente alterada por uma simples decisão da direção da empresa, consubstanciada em seu estatuto social ou contrato social.

Conforme preceitua o Código Civil, é relevante, para o empresário, a decisão sobre qual dos estabelecimentos será a sede da empresa, na medida em que se apresenta obrigatória a inscrição da sociedade empresária - bem como a averbação da constituição de seus estabelecimentos secundários (sucursal, filial ou agência) - no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede (art. 967).

Estabelecimento, por sua vez, apresenta-se como instituto distinto da sede.

O Código Civil brasileiro, em seu art. 1.142, adotou a definição de estabelecimento a partir do Código italiano, que também o “define como um complexo de bens organizado pelo empresário, para o exercício da empresa”.23

O estabelecimento comercial, também chamado de fundo de comércio, surgiu por intermédio de preceito de uma lei fiscal, no caso, na França (lei de 28 de fevereiro de 1872), que determinava a cobrança de imposto de 2% sobre a transferência a título oneroso de propriedade do fundo de comércio ou de clientela.24 Com o tempo, foi incorporado ao Direito Comercial, ganhando configuração própria. Ele é chamado de azienda pelos juristas italianos, e, nas palavras de Rubens Requião, constitui a base física da empresa, um instrumento da atividade empresarial.25

Essa noção de base física sempre interessou ao Direito Tributário, pois era e é necessário que o Fisco saiba onde pode encontrar o contribuinte, bem como onde se pode considerar juridicamente o espaço a partir do qual o contribuinte desenvolva suas atividades.

Em termos jurídicos, os diversos estabelecimentos pelos quais a sociedade empresarial exerce suas atividades somente distinguem-se em estabelecimento principal (sede ou matriz) e estabelecimentos secundários. A matriz ou sede, como principal estabelecimento da sociedade empresária, apresenta a característica de acolher a chefia da empresa, onde atua o empresário no comando dos negócios, o qual, sendo o centro de decisões da empresa, contabiliza suas contas e por isso alberga ali seus livros comerciais e fiscais.26

Os estabelecimentos secundários da empresa chamam-se estabelecimentos filiais, podendo se denominar filiais, sucursais ou agências, não havendo, a rigor, distinção jurídica positivada entre esses termos.

Assim é que, no art. 97, parágrafo 3º, da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, dispõe-se que “a criação de sucursais, filiais ou agências, observado o disposto no estatuto, será arquivada no registro do comércio”. Também o Código Civil não traz qualquer distinção entre as denominações “sucursal, filial ou agência”, citadas nos arts. 969; 1.000; 1.136, parágrafo 2º, II; 1.140, parágrafo único; 1.152, parágrafo 2º; 1.172; e 1.195. Ele apenas as contrapõe, como estabelecimentos secundários, à sede. Prescreve o art. 969:

“Art. 969. O empresário que instituir sucursal, filial ou agência, em lugar sujeito à jurisdição de outro Registro Público de Empresas Mercantis, neste deverá também inscrevê-la, com a prova da inscrição originária.

Parágrafo único. Em qualquer caso, a constituição do estabelecimento secundário deverá ser averbada no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede.”

Apesar de o Direito Empresarial não conferir personalidade jurídica a cada estabelecimento da empresa, não sendo ele sujeito de Direito, como o é o empresário ou a sociedade empresária, nesse ramo do Direito o estabelecimento já possui importância como local, considerado de per si, a partir do qual a empresa realiza suas atividades.

É que para os fatos realizados pelas empresas que interessam ao presente estudo, quais sejam, as prestações de serviço, já as regras de domicílio do direito privado deixam claro que “tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados” (art. 75, parágrafo 1º).

No Direito Tributário não é diferente. O art. 127 do CTN prevê que se considera domicílio tributário “quanto às pessoas jurídicas de direito privado ou às firmas individuais, o lugar da sua sede, ou, em relação aos atos ou fatos que derem origem à obrigação, o de cada estabelecimento”.

Ressalte-se que a leitura a ser feita do art. 127 do CTN, quando se trata de tributos de ordens jurídicas parciais, deve ser adequada para seus tributos. Nesse sentido, não seria possível a uma pessoa jurídica com estabelecimentos em diversos municípios eleger seu domicílio tributário a seu bel prazer (como poderia supor a leitura fria do caput do art. 127 - “domicílio de eleição”), ignorando o estabelecimento a partir do qual o fato “prestação de serviço” por ela efetuado deu origem à obrigação (art. 127, II, in fine).

A importância do estabelecimento da sociedade empresária como unidade autônoma é notada no Código Tributário Nacional também nas prescrições relativas ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), onde “considera-se contribuinte autônomo qualquer estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou arrematante” (art. 51, parágrafo único).

No tocante ao ICMS, na mesma linha, podemos observar o aspecto espacial tomando relevância na definição do conceito de estabelecimento, na Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, quando seu art. 11, IV, parágrafo 3º, prevê que “estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias, (...)”.

Assim, em que pese a pessoa jurídica como um todo poder ser chamada a responder pelo crédito tributário de diversos estabelecimentos seus, o fato é que se torna relevantíssima sua divisão em estabelecimentos autônomos, particularmente para fins dos tributos das ordens jurídicas parciais, quais sejam, Estados e Municípios. É que aí passa a ser mais relevante onde se deve considerar ocorrido o fato gerador, já que a pessoa jurídica pode possuir estabelecimentos em territórios estaduais diversos, bem como em territórios municipais diversos.

Fica demonstrada, pois, a relevância do estabelecimento prestador, como elemento de conexão, critério espacial do ISS; sendo que ele não se confunde, de forma alguma, com a sede da empresa.

8.2.1. O que contribuiu para a equivocada utilização do termo “sede” como sinônimo de “estabelecimento”?

Dissecando o voto aprovado por unanimidade do Ministro Relator, conclui-se que foi a peculiaridade do caso concreto julgado, o leasing financeiro, que contribuiu para a exacerbada e equivocada utilização do termo “sede” como sinônimo de “estabelecimento”.

Afinal, a atividade de leasing financeiro, de fato, em regra, é realizada na sede da empresa. Isso se constitui uma particularidade do negócio, pois, conforme o art. 2º da Resolução Bacen nº 2.309, de 18 de agosto de 1996, as empresas de leasing são obrigadas a manter “departamento técnico devidamente estruturado e supervisionado diretamente por um de seus diretores”, devendo inclusive “comunicar à Delegacia Regional do Banco Central do Brasil a que estiverem jurisdicionadas o nome do diretor responsável pela área de arrendamento mercantil”.

Assim, se o órgão responsável por normatizar o controle e a fiscalização de todas as operações de arrendamento mercantil determina a manutenção - por parte das pessoas arrendadoras - de departamento técnico devidamente estruturado para a realização de tais operações e supervisionado diretamente por um de seus diretores, naturalmente, será a sede o local onde presumivelmente serão tomadas as decisões a respeito da aprovação do arrendamento mercantil, solicitado por aqueles que pretendem ser arrendatários, consubstanciando essa sede, pois, o critério espacial do ISS, confundindo-se com o local onde se encontra o poder decisório da instituição financeira, no que tange ao arrendamento mercantil.

É que não compensa às instituições financeiras a criação de um departamento técnico desses em diversas de suas agências bancárias - e muito menos em estandes em feirões de automóveis - espalhadas pelo Brasil afora, por questões óbvias de custo operacional. Concentra-se, pois, a atividade de leasing, pela característica do negócio, na sede da empresa. Tanto isso é verdade que toda a documentação relativa às operações de leasing, para a gestão da atividade, será encontrada não nos referidos estandes ou nas agências bancárias da ponta da operação, mas, sim, na sede da empresa de leasing, justamente onde se encontra o supracitado departamento técnico.

Dessa forma, quando o parecer do ilustre jurista Humberto Ávila27, citado pelo Ministro Relator em seu voto, indica que os atos que viabilizam o arrendamento mercantil, seus atos principais, são praticados na sede, e que “é na sede que é concretizado o arrendamento mercantil”, sendo que “os atos, [sic] praticados fora do local da sede, [sic] são meros atos de conclusão de algo concebido no local da sede da arrendadora” (destaques nossos), só quer ele afirmar que, no caso concreto, o serviço de arrendamento mercantil é em regra efetuado na sede da empresa de leasing.

Não há, entretanto, como deixar de observar que o respeitável parecer, quando afirma que “se há simulações de sede, que sejam elas desconsideradas conforme o procedimento legalmente estabelecido” (destaque nosso), e que o “que não pode é desconsiderar todas as sedes reais porque algumas são irreais” (destaque nosso), foi infeliz, pois o que costuma ocorrer, quando empresas tentam burlar, perante o Fisco, o local a partir de onde seriam efetuadas as prestações de serviço, não são simulações de sede, mas, sim, simulações de estabelecimento.

Isso porque a fiscalização tributária busca verificar não onde se encontra a sede da empresa - isso é irrelevante, conforme reza o próprio art. 4º da Lei Complementar nº 116/2003 -, mas sim onde se encontra o estabelecimento da empresa a partir do qual foram prestados os serviços, caracterizando-se tal como estabelecimento prestador.

8.3. A aparente contradição entre o texto da ementa e o texto do conteúdo do voto vencedor, e o equívoco de se entender “unidade econômica ou profissional” e “local da efetiva prestação” como sinônimos

Apesar da correção quanto à interpretação das regras de critério espacial do ISS à luz da vigência do Decreto-lei nº 406/1968 - em que pese o equívoco conceitual dos termos “sede” e “estabelecimento” - o acórdão do REsp nº 1.060.210-SC não foi feliz na análise das regras de critério espacial à luz da vigência da Lei Complementar nº 116/2003.

Apressamo-nos em alertar que, ao contrário do que alardeiam alguns, o REsp nº 1.060.210-SC não retrocedeu ao critério “local da efetiva prestação” para todos os serviços, na interpretação das regras a respeito na Lei Complementar nº 116/2003.

De fato, o texto da ementa do referido acórdão parece dar azo a esse entendimento quando preceitua que:

“Sujeito Ativo da Relação Tributária na Vigência do DL 406/68: Município da Sede do Estabelecimento Prestador. Após a Lei 116/03: Lugar da Prestação do Serviço. (...)

3. O art. 12 do DL 406/68, com eficácia reconhecida de lei complementar, posteriormente revogado pela LC 116/2003, estipulou que, à exceção dos casos de construção civil e de exploração de rodovias, o local da prestação do serviço é o do estabelecimento prestador. (...)

6. Após a vigência da LC 116/2003 é que se pode afirmar que, existindo unidade econômica ou profissional do estabelecimento prestador no Município onde o serviço é perfectibilizado, ou seja, onde ocorrido o fato gerador tributário, ali deverá ser recolhido o tributo.”

Mas, mais do que nunca, impõe-se como fundamental a leitura e interpretação do acórdão na sua integralidade, para se demonstrar que, em que pese a infelicidade do voto vencedor na utilização de certos conceitos, ali decidiu-se sim que o critério espacial do ISS continua obedecendo à regra geral do local do estabelecimento prestador, convivendo com suas exceções legalmente previstas.

Cabe, então, pinçar o trecho do voto vencedor que demonstra que o Ministro Relator não defendeu a mudança das regras do critério espacial do ISS, com o advento da Lei Complementar nº 116/2003. Vejamos:

“24. Observe-se que nem mesmo a LC 116/2003, que sucedeu o DL 406/68, prestigiou em sua integralidade o entendimento externado pelo STJ, de modo que não reputa como competente para a arrecadação do tributo, em todos os casos, o Município em que efetivamente prestado o serviço.

25. A LC 116/2003 adotou um sistema misto, considerando o imposto devido no local do estabelecimento prestador, ou, na sua falta, no local do domicílio do prestador e, para outras hipóteses definidas o local da prestação do serviço, do estabelecimento do tomador ou do intermediário (art. 3º).”

Fica claro, portanto, que o Ministro Relator defendeu sim que, tanto na vigência do Decreto-lei nº 406/1968, quanto na da Lei Complementar nº 116/2003, aplica-se a regra geral de critério espacial do ISS, local do estabelecimento prestador, acompanhada das exceções legais, representadas pelo local da efetiva prestação, bem como pelo local do tomador do serviço.

Mas por que essa aparente antinomia na leitura desse acórdão quanto aos critérios espaciais do ISS?

Ela tem a ver com o fato de que no caso concreto julgado - o serviço de leasing - o local da conclusão do serviço, ou o local onde o serviço é efetivamente prestado, por coincidência, é o do estabelecimento onde se configura a unidade econômica ou profissional, sendo portanto um estabelecimento prestador, o qual, também por coincidência, é a sede da empresa de leasing.

Realmente não ajudam alguns trechos do voto que trazem certa confusão de conceitos, como o excerto abaixo:

“6. Após a vigência da LC 116/2003 é que se pode afirmar que, existindo unidade econômica ou profissional do estabelecimento prestador no Município onde o serviço é perfectibilizado, ou seja, onde ocorrido o fato gerador tributário, ali deverá ser recolhido o tributo.” (Destaques nossos)

Essa confusão decorreu da interpretação dada ao art. 4º da Lei Complementar nº 116/2003, conforme revela o trecho abaixo do voto:

“26. Ao definir estabelecimento prestador emprestou-lhe alcance bastante amplo, quando assinalou, em seu art. 4º que: considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.

27. Assim, após a vigência da LC 116/2003, em alguns casos, é que se poderá afirmar que, existindo unidade econômica ou profissional do estabelecimento prestador do serviço no Município onde a prestação do serviço é perfectibilizada, ou seja, onde ocorrido o fato gerador tributário, ali deverá ser recolhido o tributo.” (Destaques nossos)

Podemos notar que o acórdão confunde três conceitos, ao relacioná-los entre si de forma equivocada: “unidade econômica ou profissional”, “estabelecimento prestador” e Município “onde ocorrido o fato gerador tributário”.

O local onde se “perfectibiliza” o serviço traz um neologismo não só na Língua Portuguesa, mas também no contexto jurídico do ISS. Para o Ministro Relator, ele significa o local onde a prestação efetiva do serviço se conclui.

Quanto ao conceito de unidade econômica ou profissional, cabe registrar, em primeiro lugar, que se por um lado a expressão “unidade econômica ou profissional” é nova no texto de uma lei complementar do ISS; por outro lado, ela já existe de longa data no Direito Tributário, no próprio Código Tributário Nacional, onde seu art. 126 prevê:

“Art. 126. A capacidade tributária passiva independe: (...)

III - de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional.”

O referido dispositivo ressalta a irrelevância de uma pessoa jurídica estar regularmente constituída para poder figurar como contribuinte de um tributo, bastando a situação fática caracterizá-la como uma unidade econômica ou profissional.

A aplicação correta da expressão “unidade econômica ou profissional” não tem a ver com a uma indiscriminada busca de onde a prestação de serviço efetivamente se conclui, que pode ocorrer em local distinto do local do estabelecimento prestador da empresa e do local do estabelecimento do tomador. Não. A expressão “unidade econômica ou profissional” é característica que adjetiva o estabelecimento da empresa como um estabelecimento prestador, sendo portanto aquele estabelecimento a partir do qual se dá a prestação do serviço.

Temos que atentar que não são poucos os serviços em que essa “perfectibilização” do serviço não se dá dentro da unidade econômica ou profissional da empresa, ou seja, dentro do estabelecimento prestador.

Basta tomarmos dois exemplos para demonstrarmos que não necessariamente se confunde o local da efetiva prestação com o do estabelecimento prestador (= unidade econômica ou profissional).

No serviço de suporte técnico em informática (subitem 1.07 da lista de serviços), a empresa estabelecida pode prestá-lo não só no seu próprio estabelecimento, como executar o serviço, total ou parcialmente, no estabelecimento do seu cliente, tomador do serviço.

Tendo em vista que essa espécie de serviço obedece à regra geral do critério espacial do ISS - local do estabelecimento prestador - não há que se buscar se a empresa, no caso concreto, foi no cliente prestar o serviço, ou o efetuou em seu próprio estabelecimento. Ou seja, não há que se buscar onde ocorreu essa “perfectibilização” do serviço.

A busca aí é saber a partir de qual estabelecimento da empresa - considerando que ela tenha mais de um estabelecimento - o serviço foi prestado, ou seja, qual deles configura uma unidade econômica ou profissional, pelo menos para aquele serviço específico, caracterizando-se consequentemente como estabelecimento prestador.

Diferentemente, quando uma empresa presta serviços de jardinagem (subitem 7.11 da lista), sujeito ao critério espacial “local da efetiva prestação”,28 não há que se buscar onde se encontra a unidade econômica ou profissional, ou seja, o estabelecimento a partir do qual se presta o serviço, simplesmente porque isso é irrelevante para a determinação do Município competente para tributá-lo, pois esse Município será aquele onde a execução do serviço de jardinagem ocorrer efetivamente.

Vê-se, portanto, que não se confundem necessariamente, como supõe o conteúdo do acórdão, a unidade econômica ou profissional com o local da efetiva prestação.

Assim, quando existirem dois ou mais estabelecimentos, e o serviço for daqueles sujeitos ao critério espacial “local do estabelecimento prestador”, tem-se que verificar qual deles se caracteriza como unidade econômica ou profissional. Essa é a grande celeuma com a qual se defronta o aplicador do Direito, seja ele contribuinte ou auditor fiscal, quando uma empresa se mostra presente em dois ou mais estabelecimentos seus distintos localizados em diferentes municípios.

A suposta amplitude que o acórdão alega que o art. 4º da Lei Complementar nº 116/2003 teria conferido ao conceito de estabelecimento prestador ao defini-lo não teve o menor condão de alterá-lo. Afinal, essa definição apenas explicitou o que já estava implícito no conceito de estabelecimento prestador por mais de 40 anos.

Há que se atentar que o supracitado art. 4º apresenta-se como acessório ao art. 3º, apenas trazendo a definição de estabelecimento prestador, não tendo o poder de desdizer o dito no art. 3º, sendo que o critério espacial do ISS continua sendo, em regra, o local do estabelecimento prestador.

A configuração de unidade econômica ou profissional sempre foi condição necessária e suficiente para se caracterizar a existência de um estabelecimento prestador para efeitos de incidência do ISS, mesmo antes da existência do art. 4º no ordenamento.

Na medida em que tal expressão apresenta considerável vaguidade semântica, o legislador municipal paulistano, para a regulação das relações jurídicas tributárias de sua competência, erigiu critérios que, conjugados total ou parcialmente, melhor definem o conceito de unidade econômica ou profissional, no parágrafo 1º do art. 4º da Lei nº 13.701, de 24 de dezembro de 2003. São eles:

i) Manutenção de pessoal, material, máquinas, instrumentos e equipamentos próprios ou de terceiros necessários à execução dos serviços.

ii) Estrutura organizacional ou administrativa.

iii) Inscrição nos órgãos previdenciários.

iv) Indicação como domicílio fiscal para efeito de outros tributos.

v) Permanência ou ânimo de permanecer no local, para a exploração econômica de atividade de prestação de serviços, exteriorizada, inclusive, através da indicação do endereço em impressos, formulários, correspondências, “site” na internet, propaganda ou publicidade, contratos, contas de telefone, contas de fornecimento de energia elétrica, água ou gás, em nome do prestador, seu representante ou preposto.

Com certeza, com esses critérios a vaguidade não fica totalmente espancada, mas ao menos direciona o raciocínio do intérprete e do aplicador do Direito, seja ele contribuinte ou Fisco, para um campo um pouco mais seguro, tateando os elementos que possivelmente caracterizem a existência de uma unidade econômica ou profissional.

Em que pese a desnecessidade formal de a lei municipal paulistana explicitar critérios para o entendimento do que seja unidade econômica ou profissional, na medida em que a norma jurídica que se constrói a partir do art. 4º da Lei Complementar nº 116/2003 é autoaplicável, assim o fazendo, não agiu o Município contra legem. Ele apenas procurou trazer uma definição, no sentido de demarcação, ao conceito vago de unidade econômica ou profissional.29

O mais a respeito deve ser analisado no campo das provas, em que deverá ser caracterizada nos autos do processo de fiscalização a existência conjugada de alguns dos elementos acima elencados para que se caracterize uma unidade econômica ou profissional, para fins de incidência do imposto.

Por certo, o endereço de um imóvel constante num impresso que oferece os serviços, isoladamente, não será o suficiente para que se concretize a situação factual da existência, em tal imóvel, do estabelecimento prestador. Assim como a manutenção de determinado maquinário em certo endereço, mesmo que se caracterize como instrumental suficiente para a realização do serviço, de per si não tem o condão de evidenciar aquele local como uma unidade econômica ou profissional. Esses dois exemplos supracitados são elementos indiciários que, isoladamente considerados demandam a confirmação de outros elementos que, conjugados entre si, configurarão sim a unidade econômica ou profissional.

9. Conclusões

A jurisprudência do STJ desenvolveu uma longa “novela” a respeito do critério espacial (ou elemento de conexão) do ISS, por mais de 15 anos.

Começou ignorando solenemente o disposto no art. 12, “a”, do Decreto-lei nº 406/1968, que estabelecia, como critério espacial do referido imposto, o local do estabelecimento prestador, tendo como paradigma nesse sentido os Embargos de Divergência em Recurso Especial (EREsp) nº 130.792/CE, julgados em 2000.

Depois, reconhecendo parcialmente o equívoco, passou a entender que o critério espacial era o local da efetiva prestação na vigência do Decreto-lei nº 406/1968, o que teria sido alterado com a Lei Complementar nº 116/2003, quando passou a prevalecer, como regra geral, o local do estabelecimento prestador. Paradigma desse entendimento é o REsp nº 1.117.121/SP, julgado como Recurso Repetitivo em 2009.

O equívoco se manteve parcialmente na medida em que a Lei Complementar nº 116/2003 não alterou em nada o regime de regras de critério espacial do ISS, inovando apenas na quantidade de tipos de serviço que se punham como exceções à regra geral de critério espacial, conforme preceituam os incisos e parágrafos 1º e 2º do art. 3º da supracitada lei complementar.

Apesar de alguns equívocos conceituais, como a equiparação de sede de empresa a estabelecimento e de unidade econômica ou profissional a local da efetiva prestação, o REsp nº 1.060.210/SC, julgado em 2012, apresentou-se como a redenção da Corte na matéria, na medida em que reconheceu o erro histórico anteriormente mencionado, garantindo-se uma interpretação adequada dos dispositivos da lei complementar que tratam de critério espacial do ISS fundamentada corretamente não só no art. 156, III, mas particularmente no art. 146, incisos I e III, “a”, todos da Constituição de 1988.

1 “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...) III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.”

2 Sempre é bom lembrar que utilizamos a expressão cunhada por Paulo de Barros Carvalho, fato jurídico tributário, que significa o fato gerador in concreto, para diferenciá-lo do fato gerador in abstracto, que o mesmo autor denomina de hipótese de incidência tributária. Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 258.

3 Este diploma normativo também denominou a Lei nº 5.172/1966 de “Código Tributário Nacional”, pela letra de seu art. 7º.

4 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 251.

5 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 252.

6 A limitação a tal liberdade - para traçar os contornos do elemento de conexão que dá fundamento ao poder e tributar dos Estados - já era, e ainda é, preocupação doutrinária no Direito Tributário Internacional. Cf. XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, pp. 13-14.

7 Assim o é com os Estados Unidos e as Filipinas, quanto aos impostos sobre o rendimento, e os Estados Unidos e a Turquia, com respeito aos impostos sobre as sucessões e doações. Cf. XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 274.

8 Valemo-nos aqui da definição de uma das espécies de ficção jurídica propostas por Cristiano Carvalho, qual seja, a ficção de primeiro grau ou desconsideração da realidade objetiva. As demais espécies são a ficção de segundo grau, ou desconsideração da realidade institucional, e ficção de terceiro grau, ou desconsideração da realidade jurídica. Cf. CARVALHO, Cristiano. Ficções jurídicas no Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2008, pp. 241-248.

9 Neste sentido, FERRAGUT, Maria Rita. Presunções no Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2001, p. 87.

10 SCHOUERI, Luís Eduardo. “Princípios no Direito Tributário Internacional: Territorialidade, Fonte e Universalidade”. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e Limites da Tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005, pp. 321-374.

11 Sobre territorialidade material e territorialidade formal, cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas das empresas. 2ª ed. São Paulo: RT, 2001, pp. 81-86; e XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, pp. 25-27.

12 “Art. 102. A legislação tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios vigora, no País, fora dos respectivos territórios, nos limites em que lhe reconheçam extraterritorialidade os convênios de que participem, ou do que disponham esta ou outras leis de normas gerais expedidas pela União.” (Destaques nossos)

13 Para maior detalhamento sobre o tema, vide nosso: MACEDO, José Alberto Oliveira. ITBI - Aspectos Constitucionais e Infraconstitucionais. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 112.

14 BASTOS, Celso Ribeiro. Lei complementar: teoria e comentários. 2ª ed. São Paulo: Celso Bastos Editor - Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999, p. 83.

15 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. “Normas gerais e competência concorrente - uma exegese do art. 24 da Constituição Federal”. Revista Trimestral de Direito Público nº 7. São Paulo: Malheiros, 1994, pp. 16-20.

16 Tal corrente defende que a lei complementar tributária apresenta três funções conforme a literalidade dos três incisos do art. 146 da Constituição, cabendo-lhe inclusive definir de forma plena os fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes não só dos impostos federais, como também dos impostos estaduais e dos municipais.

17 A única exceção é justamente o ISS, pois a sua instituição por lei ordinária demanda previsão expressa de lista de serviços por lei complementar. Essa taxatividade da lista é uma contraposição à elasticidade e variabilidade do conceito de serviço na Ciência Econômica, adotado pela Emenda Constitucional nº 18, de 1º de dezembro de 1965, e pelas Constituições Federais posteriores.

18 Entre outros, JUSTEN FILHO, Marçal. O Imposto sobre Serviços na Constituição. Coleção Textos de Direito Tributário. Vol. 10. São Paulo: RT, 1985; OLIVEIRA, Fernando A. Albino de. “Conflitos de competência entre ICM e ISS”. Revista de Direito Tributário nº 19-20. São Paulo, janeiro/junho de 1982, p. 161; BAPTISTA, Marcelo Caron. ISS: Do texto à norma. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 196.

19 Curso de Direito Constitucional Tributário. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 633.

20 Definição estipuladora como uma decisão do legislador. Cf. GUIBOURG, Ricardo A.; GHIGLIANI, Alejandro M.; e GUARINONI, Ricardo V. Introducción al conocimiento científico. 3ª ed. Buenos Aires: Eudeba, 2004, p. 61.

21 O STJ é composto por três Seções de Julgamento, sendo cada Seção constituída por duas Turmas. A Primeira Seção tem a função de julgar as matérias de direito público de uma forma geral, onde se inserem as questões de ordem tributária, conforme art. 9º, IX, do Regimento Interno do STJ.

22 Vide também EREsp nº 168.023/CE, Relator Min. Paulo Gallotti, julgado em 22.9.1999; bem como: REsp nº 945.943/MG, Relator Min. Castro Meira, julgado em 20.9.2007; REsp nº 882.913/PE, Relator Min. Castro Meira; REsp nº 443.965/TO, Relator Min. Castro Meira, julgado em 15.8.2006.

23 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 248.

24 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 248.

25 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 248.

26 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, pp. 254-255.

27 “Imposto sobre a Prestação de Serviços de Qualquer Natureza - ISS. Normas constitucionais aplicáveis. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Hipótese de incidência, base de cálculo e local da prestação. Leasing financeiro: análise da incidência”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 122. São Paulo: Dialética, novembro de 2005, pp. 120-131.

28 Art. 3º, VIII - [local] da execução da decoração e jardinagem, do corte e poda de árvores, no caso dos serviços descritos no subitem 7.11 da lista anexa.

29 Fundamental que distingamos “conceito” de “definição”. O “conceito” se refere a um universo mais ou menos determinado de objetos que temos em mente quando nos referimos a determinado signo ou conjunto de signos (como “unidade econômica ou profissional”). A “definição” procura trazer características que o idioma agrupa naquele conceito. Cf. GUIBOURG, Ricardo A.; GHIGLIANI, Alejandro M.; e GUARINONI, Ricardo V. Introducción al conocimiento científico. 3ª ed. Buenos Aires: Eudeba, 2004, pp. 39; 58.