Os Incentivos Fiscais da Lei nº 11.196/2005 e o Caso da Subcontratação das Atividades de Pesquisa e Desenvolvimento: Interpretação, Validade e Aplicação no Tempo da Instrução Normativa nº 1.187/2011

Aristóteles Moreira Filho

Especialista e Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP.

Resumo

O trabalho analisará a dinâmica normativa desencadeada no marco instituidor e regulador dos incentivos à inovação, quanto à restrição para apropriação dos benefícios do art. 19 da Lei nº 11.196/2005 na hipótese de subcontratação das atividades de pesquisa e desenvolvimento, pelo advento da Instrução Normativa nº 1.187/2011, em seu art. 4º, parágrafo 9º, vis-à-vis o princípio da segurança jurídica em matéria tributária, para afinal propor a interpretação e aplicação deste regime incentivado nas circunstâncias descritas.

Palavras-chave: pesquisa, desenvolvimento, incentivo fiscal, Instrução Normativa nº 1.187/2011.

Abstract

This article discusses the changes in the regulatory framework of research and development tax incentives in Brazil, regarding the restrictions on the eligible R&D expenditures of Federal Law nº 11.196/2005, Article 19, imposed on operations of subcontracted R&D by the way of Normative Instruction nº 1.187/2011, Article 4, paragraph 9, vis-à-vis the legal security principle of tax law, to propose due interpretation and application of this legal regime on the described circumstances.

Keywords: research, development, tax incentives, Normative Instruction nº 1.187/2011.

1. Introdução: Delimitação do Problema Objeto da Análise

A Lei nº 11.196/2005 instituiu regime fiscal de incentivos à atividade de pesquisa e desenvolvimento, dentre os quais se destaca, a partir do seu art. 19, a possibilidade de excluir do lucro líquido, na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, o valor correspondente a até 60% da soma dos dispêndios realizados no período de apuração com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica, classificáveis como despesa pela legislação do IRPJ.

Neste contexto, muitas empresas estruturaram, em seus modelos de negócios, os processos de inovação através de unidades autônomas, dedicadas exclusivamente ao desenvolvimento de novas tecnologias, via processos e produtos inovadores que possam ser incorporados ao seu portfólio, ou das diversas empresas de cada grupo e, inclusive, de outras empresas do mercado.

Por sua vez, outras empresas se especializaram no desenvolvimento de soluções inovadoras para o mercado, suprindo, via outsourcing, spin-offs, uma demanda relativa a infraestrutura de P&D necessária para implementar operações de desenvolvimento de inovação tecnológica.

A subcontratação das atividades de pesquisa e desenvolvimento, dessa forma, desenvolveu-se, numa tendência mundial que também repercute no Brasil, como uma vertente substancial desse processo essencial e estratégico para o progresso econômico do País, para o êxito da economia nacional no cenário competitivo do mercado global, e, afinal para a geração de postos de trabalho e elevação do padrão de bem estar da população como um todo.

Esta possibilidade de estruturação jurídica e gerencial dos processos de inovação, copulada com os incentivos fiscais da Lei nº 11.196/2005, desenvolveu-se regularmente até o advento da Instrução Normativa nº 1.187, de 29 de agosto de 2011, que, a pretexto de regulamentar a fruição dos incentivos fiscais instituídos pela Lei nº 11.196/2005, efetivamente acresceu à disciplina legal vedações à apropriação de benefícios fiscais conferidos às atividades de pesquisa e inovação.

Interessa-nos especificamente, a bem de delimitar o objeto da análise no presente trabalho, o art. 4º, parágrafo 9º, da IN nº 1.187/2011, que veio vedar peremptoriamente a apropriação de benefícios relativamente às despesas de pesquisa e inovação que venham a ser contratadas com empresas que realizem, como fornecedoras, as atividades de pesquisa e desenvolvimento1. A Instrução Normativa excepciona, da regra legal de apropriação de benefícios a partir de despesas operacionais com pesquisa e inovação genericamente consideradas, aquelas despesas com pesquisa e inovação em que o fornecedor realiza ou colabora nos processos de pesquisa ele próprio, ou seja, as despesas com inovação via subcontratação ou terceirização da pesquisa e desenvolvimento.

A institucionalização de um marco normativo estável, sabe-se, é um dos pilares fundamentais para o fomento à atividade econômica, ao propiciar ao investidor um ambiente de previsibilidade em que as variáveis postas lhe darão a máxima expectativa quanto ao retorno do seu investimento. No âmbito dos investimentos em inovação, de forma especial, a segurança quanto às expectativas decorrentes das regras do jogo é aspecto ainda mais relevante, na medida em que as atividades de P&D trazem consigo um componente de risco que lhe é inerente, decorrente de que os processos de criação, seleção, implementação, teste e homologação de novas ideias, por mais controlados que sejam, sempre lidam com o imprevisível e assim geram taxas de insucesso sempre elevadas; também a necessidade de largo horizonte de tempo para amortizar os ativos de P&D desenvolvidos requerem sempre um marco regulatório de elevada segurança e estabilidade.

Tais considerações adquirem relevo quando se considera que as operações de P&D vinham transcorrendo há seis anos, desde a edição da Lei nº 11.196/2005, sob regras pelas quais a subcontratação das atividades de P&D gerava a plena apropriação de benefícios outorgados pela lei. Subitamente, via edição da IN nº 1.187/2011, não apenas os benefícios foram subtraídos das empresas que contratavam suas operações de inovação nestes moldes, mas também erigiu-se a contingência relativamente à possibilidade de que o Fisco pretenda aplicar a restrição contida na Instrução Normativa retroativamente, ou seja, desde a edição da lei.

As circunstâncias, sobre exigirem uma interpretação e harmonização dos diplomas que regem a matéria, quanto à possível antinomia, trazem reflexões acerca do princípio de segurança jurídica em matéria tributária, em suas diversas conotações, desde a segurança jurídica como integridade sintática do sistema e a legalidade, passando pela irretroatividade da norma tributária, pelo princípio da proteção de expectativas de confiança legítima, pelos limites no tempo à alteração de critérios jurídicos do lançamento, chegando até a suppressio em matéria tributária, todos com aptidão para estender sua eficácia para a questão que se pretende analisar.

O escopo do trabalho, portanto, consistirá na análise da dinâmica normativa desencadeada no marco instituidor e regulador dos incentivos à inovação, especificamente quanto à restrição para apropriação dos benefícios do art. 19 da Lei nº 11.196/2005 na hipótese de subcontratação das atividades de pesquisa e desenvolvimento, pelo advento da Instrução Normativa nº 1.187/2011, em seu art. 4º, parágrafo 9º, vis-à-vis o princípio da segurança jurídica em matéria tributária, para afinal propor a interpretação e aplicação deste regime incentivado nas circunstâncias descritas.

Para tanto, partiremos, como toda boa hermenêutica, das balizas constitucionais que fundam a matéria, sem descurar que, ao lado da própria atividade impositiva, cujo grau de constitucionalização em nosso ordenamento é afirmação já trivial na nossa doutrina, o desenvolvimento tecnológico do País é valor prestigiado pelo constituinte como motor de princípios fundamentais da nossa Constituição.

Considerando a posição já manifestada pelo Fisco, de que a Instrução Normativa em verdade vem apenas desenvolver uma vedação que já consta da lei, e a preocupação dos contribuintes, de que suas operações sejam prejudicadas quanto à eligibilidade aos benefícios, afinal externaremos nossas conclusões, na expectativa de contribuir para o debate da questão.

2. O Incentivo ao Desenvolvimento Nacional como Princípio Constitucional Matriz do Princípio do Desenvolvimento Científico e Tecnológico: a Autonomia Tecnológica do País como Finalidade do Regime de Benefícios e a Territorialidade da Inovação Incentivada

A tecnologia, enquanto acervo de informações técnicas aplicadas às atividades humanas na sua interação ótima com o meio ambiente natural e social, tornou-se ativo estratégico para os países no concerto internacional de nações, em meio ao quadro de intensa competitividade econômica que caracteriza o cenário global atual.

Para incrementar a atuação dos players nacionais nesta vertente da atividade econômica que é o processo de inovação, os países instituem políticas direcionadas ao fomento das ações e dos projetos de desenvolvimento tecnológico e da inventividade.

O Brasil não é diferente, de modo que o incentivo à inovação integra a pauta estratégica para inserção do País no mercado global, seja conquistando espaços em mercados no exterior, seja capacitando sua economia para uma abertura segura à competição internacional.

A promoção do desenvolvimento tecnológico e da inovação, no Brasil, vai além de mera política pública e se insere num marco regulatório que, antes de aportar às leis específicas de incentivo à inovação, parte decisivamente da Constituição Federal, onde se fincam as bases e os pilares para esse projeto de desenvolvimento que se verte juridicamente em princípios e vetores que permeiam todo o plexo constitucional.

São diversos os dispositivos constitucionais que prestigiam e estatuem o desenvolvimento da pesquisa e da tecnologia como valores a serem efetivados pelo legislador, pelo Estado e pelos próprios cidadãos e empresas, seja tratando de setores específicos, a exemplo do agrícola, no art. 187, III, ou no segmento da saúde, no art. 200, V, como na educação, nos arts. 200, V, e 214, V, até normas de maior envergadura, como a do art. 5º, XXIX, e art. 216, III.

Mas é no Capítulo próprio, IV - Da Ciência e da Tecnologia, que o constituinte é mais específico e exaustivo quanto à integração da promoção da pesquisa e do desenvolvimento científico e tecnológico na pauta do Estado de bem-estar social que a Constituição engendra, sotopondo esta vertente da atividade econômica ao protagonismo do Estado, que opera no exercício do seu papel de fomentar o desenvolvimento da economia e do País como um todo.

O art. 218 da Constituição Federal de 1988 inaugura o vetor de promoção do desenvolvimento tecnológico, ao estabelecer, de forma ampla e genérica, que o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas. Trata-se da positivação de uma política de desenvolvimento, que, incorporando no Direito positivo a promoção da pesquisa, da tecnologia e da ciência como um valor tutelado pelo Direito, estabelece a ação do Estado em prol do desenvolvimento destas atividades como um princípio jurídico e constitucional. Desde já, porém, e em meio aos múltiplos empregos da tecnologia e da ciência propugnados nos diversos parágrafos do art. 218, já sobressai aquele que, no parágrafo 4º, designa o direcionamento da pesquisa tecnológica para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.

O art. 219, por sua vez, conclui a dicotomia, firmando o mercado interno como foco do incentivos à promoção do desenvolvimento tecnológico do País. E assim estabelece, a partir do princípio geral envergado pelo art. 218, aquele que, de forma mais assertiva, atuará sobre a economia, tornando o mercado interno, ou seja, a economia nacional, ator e destinatário dos esforços rumo ao desenvolvimento tecnológico e científico nacionais, instrumentos do desenvolvimento cultural, sócio-econômico e do bem-estar da população.

Sob o abrigo do princípio do desenvolvimento científico e tecnológico, temos então princípio específico que comanda a hipertrofia das potencialidades do mercado brasileiro quanto à produção tecnológica, vis-à-vis as demais economias do mercado global, que é exatamente o princípio da autonomia tecnológica nacional, empunhado no fecho do art. 219.

Capacitar a economia e os seus atores para as potencialidades geradoras de tecnologia, como um elemento estratégico para a competitividade nacional no cenário global, é decerto um dos conteúdos primordiais do princípio do desenvolvimento científico e tecnológico, que projeta na Constituição o protagonismo econômico sob a forma de protagonismo tecnológico; independência econômica como independência tecnológica; instrumentos de garantia e fruição soberana do mercado interno, que, prescreve o art. 219, é patrimônio nacional.

Todo este plexo de valores e princípios vem verter-se, de forma relativamente evidente, do plano concreto para o mais abstrato de sentido, desde a base da pirâmide dos princípios constitucionais, onde atuam tais vetores específicos da verve tecnológica, até o topo, onde pairam os sobreprincípios constitucionais, para os objetivos fundamentais da República, mais precisamente o princípio do desenvolvimento nacional, do art. 3º, II, da Constituição Federal.

É para assegurar o objetivo fundamental do desenvolvimento nacional, do art. 3º, II, da CF/1988, que o constituinte proclama o princípio do desenvolvimento científico e tecnológico, no art. 218, caput; que se enverga o vetor da autonomia tecnológica, do art. 219 da Constituição Federal; e se põe o desenvolvimento tecnológico a serviço do desenvolvimento do sistema produtivo nacional, nos termos do art. 218, parágrafo 2º do texto constitucional.

Os mecanismos de incentivo fiscal à inovação, dessarte, e a legislação que os institui, vêm afinal operar como instrumento de desenvolvimento do sistema produtivo nacional; de realização e alcance da autonomia tecnológica do País; de desenvolvimento científico e tecnológico do País; e, finalmente, do desenvolvimento nacional, aportando competitividade à indústria nacional, pujança à economia nacional e ao mercado interno, e trazendo bem estar e prosperidade à população.

Observa-se que o denominador comum de toda essa gama de valores e princípios é a elevação da economia do País a um patamar superior, através da tecnologia aqui produzida e a cujo serviço deve sempre se apresentar o Estado brasileiro, donde se erige que toda a inovação produzida no País deve ser incentivada: trata-se do vetor da territorialidade da inovação, que fecha a hierarquia de princípios que comanda esse plexo normativo, dando forma a essa cadeia de derivação valorativa expressa no quadro abaixo.

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De fato, a territorialidade da inovação dá sentido à efetividade dos princípios do desenvolvimento tecnológico e da autonomia tecnológica como viabilizadoras do desenvolvimento nacional, demarcando a fronteira da inovação a ser propagada e patrocinada pelo Estado e pelo Direito positivo, que não é a inovação per se, mas sim aquela produzida dentro das fronteiras nacionais, e que assim maximiza o desempenho do País internamente e, de forma especial, em face dos demais países do mercado global e do concerto internacional de nações.

Aspecto de notar, decorrente do postulado da territorialidade da inovação incentivada, é que é irrelevante, para o Direito positivo, na concretização do valor que patrocina por via dos princípios que regem a matéria, aspectos da pessoa que promove o desenvolvimento científico e tecnológico, sendo relevante apenas que este valor seja efetivado via realização de ações desenvolvidas dentro do território nacional, ou seja, que o particular beneficiário do incentivo realize as atividades de P&D no interior das fronteiras nacionais.

Considerando que os incentivos à inovação integram a pauta da política industrial de grande parte dos países, e que o desenvolvimento nacional implica diretamente a territorialidade da inovação incentivada, sob pena de estimular-se a difusão da tecnologia alienígena e, conseguintemente, a competitividade de países concorrentes, tem-se que a territorialidade dos incentivos à inovação é um paradigma difundido mundialmente2.

No Brasil, particularmente, este vetor se impõe com ainda maior contundência. De fato, historicamente o Brasil foi um país importador de tecnologia, circunstância que, em boa medida, explica o baixo desenvolvimento econômico comparado às nações mais maduras e também às demais nações emergentes. O empresário, no Brasil, ao invés de arriscar-se ao investimento para desenvolver suas próprias tecnologias, optava preferencialmente por adquirir tecnologias já desenvolvidas por empresas estrangeiras, implementadas e postas no mercado no exterior, com sucesso já comprovado e consagrado. O constituinte brasileiro, assim, viu-se sob a responsabilidade de inserir na agenda da elaboração da Constituição, e, assim, no plexo constitucional de valores e princípios instituídos pelo texto de 1988, o rompimento da tradição de dependência tecnológica via inserção de um novo paradigma, de autonomia tecnológica, o que fez via concatenação da pirâmide de valores acima descrita, guiado, no topo, pelo objetivo fundamental do desenvolvimento nacional, e fechando, na base, de forma instrumental, com o vetor da territorialidade da inovação incentivada.

Assim é que o telos que confere aos mecanismos de incentivo à inovação o seu fundamento axiológico, seu liame que os conecta com os princípios constitucionais que presidem a regulação das atividades de desenvolvimento científico e tecnológico, é, tendo como pano de fundo o objetivo ulterior do desenvolvimento nacional, exatamente desenvolver e potencializar as atividades de pesquisa científica e tecnológica dentro do território nacional, de modo que é este critério objetivo que confere a medida e a régua do êxito, tanto para o legislador ordinário, como para o intérprete, que atue nesta seara.

3. O Regime de Incentivos à Inovação da Lei nº 11.196/2005, Art. 19: a Regra de Apropriação do Benefício Fiscal de Exclusão de 60% das Despesas Dedutíveis com Pesquisa e Desenvolvimento

A Lei nº 11.196/2005 concedeu, em seu art. 193, benefício à atividade de P&D consistente na possibilidade de excluir do lucro líquido, para efeito de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, o valor correspondente a até 60% da soma dos dispêndios realizados no período de apuração com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica, classificáveis como despesa pela legislação do IRPJ.

O dispositivo, ao exigir que o gasto possa ser classificado como despesa à luz da legislação do IRPJ, faz remissão ao art. 17, I4, da mesma lei, que, por sua vez, põe como requisito para a auferição do benefício que se trate de gastos com atividade de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica “classificáveis como despesas operacionais pela legislação do IRPJ”.

Observa-se que a regra padrão do benefício é composta de dois critérios básicos: (i) sejam realizados gastos com atividade de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica; e (ii) tais gastos sejam classificáveis como despesas operacionais pela legislação do IRPJ.

Comecemos pelo segundo critério. Em princípio, os gastos com pesquisa, tendentes à geração de intangíveis, devem ser reconhecidos como despesa, na medida em que ainda não se está diante de um ativo que demonstradamente gerará prováveis benefícios econômicos futuros para a empresa. De fato, a pesquisa visa prospectar novos conhecimentos sobre fatos e fenômenos, a partir de determinados objetivos (pesquisa aplicada) ou não (pesquisa básica), o que indica uma atividade voltada de forma ampla à geração de conhecimento, sem uma aplicação ou propósito específico5. Por sua vez, o desenvolvimento implica já o emprego do conhecimento adquirido a partir da pesquisa básica e aplicada, e a sua utilização na criação, ou aperfeiçoamento substancial, de materiais, produtos, processos, sistemas ou serviços6. A partir da fase de desenvolvimento, já deverá haver, passível de demonstração, ativo intangível técnica e comercialmente viável para gerar proveito econômico à sociedade, de modo que as normas contábeis recomendam, desde então, a ativação dos gastos vinculados ao projeto7.

A legislação do IRPJ, contudo, não distingue as fases de pesquisa e desenvolvimento, permitindo, nos termos do art. 53 da Lei nº 4.506/1964, indistinta e genericamente o reconhecimento como despesa dos gastos incorridos com pesquisas científicas ou tecnológicas inclusive com experimentação para criação ou aperfeiçoamento de produtos, processos, fórmulas e técnicas de produção, administração ou venda, o que decerto inclui, como seu conteúdo aponta, não apenas a pesquisa propriamente dita, como também o desenvolvimento de produtos, processos e outros intangíveis8.

Efetivamente, o art. 53 da Lei nº 4.506/1964, reproduzido no art. 349 do RIR/1999, reputa despesas operacionais todos os gastos com pesquisa e desenvolvimento, sendo, uma vez assim caracterizados os dispêndios, cumprido um dos dois critérios da hipótese da norma padrão de incentivo, que é tratar-se de despesas operacionais sob a legislação do IRPJ.

O outro critério da hipótese da norma padrão de incentivo diz com a circunstância de que tais despesas operacionais devam decorrer de dispêndios com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica. O tratar-se de gastos com atividade de pesquisa tecnológica e desenvolvimento tecnológico implica que estes dispêndios ou sacrifícios de recursos sejam realizados em custeio de alguma utilidade vinculada à atividade de P&D, a exemplo da aquisição de insumos ou matérias-primas empregadas nos laboratórios, contratação de pesquisadores, serviços de pesquisa, de desenvolvimento, dentre outras possibilidades. Em meio a toda a gama de utilidades, sob a forma de bens e serviços, isoladamente ou em conjunto, que formam uma operação de pesquisa e desenvolvimento, todos estes dispêndios e cada um deles pode estar subsumido à hipótese do incentivo, pela sua vinculação à atividade de P&D.

A hipótese de gasto vinculado a P&D tem dois extremos opostos que bem ilustram a circunstância de estar vinculado a esta atividade: a contratação de uma utilidade isoladamente, a exemplo de um insumo qualquer, a ser empregado na pesquisa ou desenvolvimento tecnológico; e, de outro lado, a contratação de todo o processo de P&D, como um serviço prestado pelo fornecedor.

Impende destacar, como diferença crucial que demarca o limite da hipótese legal, nesta vertente do gasto decorrente de uma contratação mais abrangente, a linha fronteiriça entre (i) a subcontratação das atividades de P&D e (ii) a aquisição de tecnologia. Decerto, a subcontratação das atividades de P&D consubstancia prestação de serviços, o que implica manter-se sob o domínio do contratante a direção, os riscos e o resultado da pesquisa e do desenvolvimento contratados9. A seu tempo, a aquisição de tecnologia requer a cessão ou licenciamento de um ativo tecnológico que o alienante já havia desenvolvido previamente, sob sua direção, risco e fruição, o que não se esquadrinha na hipótese legal e, mais ainda, não se tratando do desenvolvimento de tecnologia nova, mas mera aquisição de tecnologia já existente, está fora do escopo valorativo que pauta os incentivos à tecnologia e à inovação.

A partir da aquisição de tecnologia, não temos mais despesas vinculadas a atividades de P&D, mas sim aquisição de ativo. Até a subcontratação do serviço de pesquisa e desenvolvimento, portanto, tem-se dispêndio que se reconhece como despesa com atividade de P&D, que irá eventualmente gerar o bem intangível na própria contratante.

É precisamente esta hipótese da despesa com a contratação de todo o processo de P&D, ou seja, a subcontratação ou terceirização, que se põe como o objeto de análise no presente trabalho, é dizer, a aplicabilidade dos incentivos à inovação, do art. 19 da Lei nº 11.196/2005, nessas operações de subcontratação em pesquisa e desenvolvimento.

Desde já observamos que a hipótese de subcontratação das atividades de P&D se amolda aos critérios de configurar-se despesa operacional sob a legislação do IRPJ, e, ainda mais, vinculados à própria atividade de pesquisa e desenvolvimento, como uma contratação de serviços de geração de tecnologia sob direção, riscos e fruição do contratante, o que, em princípio, amolda-se aos critérios da norma-padrão incentivadora, mais precisamente o art. 19 da Lei nº 11.196/2005.

Impõe escrutinar, no iter hermenêutico que requer o sistema jurídico, a inter-relação que esta norma encartada na Lei nº 11.196/2005 desenvolve com a própria Instrução Normativa nº 1.187/2011, e como os princípios e valores que balizam esta seara normativa instruem a interpretação e a conclusão da análise da questão.

3.1. Os requisitos para a apropriação de benefícios na hipótese de subcontratação de serviços de P&D: regime da Lei vs. IN nº 1.187/2011

A Instrução Normativa nº 1.187/2011 veio estabelecer, em seu art. 4º, parágrafo 9º, que, com exceção da contratação de microempresas, empresas de pequeno porte, universidade, instituição de pesquisa ou inventor independente, não é permitido o uso dos incentivos fiscais sobre as atividades de P&D, inclusive aqueles do art. 19 da Lei nº 11.196/2005, em relação às importâncias empregadas ou transferidas a outra pessoa jurídica para execução de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica sob encomenda ou contratadas.

A Instrução Normativa, no regime que pretende instituir, admite a contratação de serviços de P&D exclusivamente nas hipóteses mencionadas de forma específica pela lei, quais sejam, aquelas de subcontratação de microempresas, empresas de pequeno porte, universidade, instituição de pesquisa ou inventor independente.

Como dito, a própria Lei nº 11.196/2005, nos arts. 17, parágrafo 2º e 18, caput10, já indicava essas possibilidades específicas de subcontratação das atividades de inovação que a IN nº 1.187/2011 traz e reproduz no art. 4º, parágrafo 9º.

O fato de que estas possibilidades de subcontratação estejam expressamente previstas na Lei, e na Instrução Normativa, não elide a circunstância de que a regra padrão do incentivo à inovação, do art. 19 da Lei nº 11.196/2005 e art. 17, I, da mesma Lei, ao assegurar a fruição dos benefícios para os dispêndios realizados com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica classificáveis como despesas operacionais pela legislação do IRPJ, abrange outras possibilidades de subcontratação das atividades inventivas, na medida em que, como demonstramos, a contratação da prestação de serviços de P&D se subsume à hipótese geral de elegibilidade dos dispêndios com P&D classificáveis como despesas operacionais.

Diferente seria se a lei vedasse a subcontratação em tese e admitisse excepcionalmente apenas aquelas possibilidades de que trata, o que não ocorreu. A vedação à subcontratação é, assim, restrição inaugurada com a IN nº 1.187/2011.

Vejamos então em que medida os princípios que dão congruência ao marco normativo da inventividade colaboram na harmonização da Lei nº 11.196/2005 com a IN nº 1.187/2011, e que podemos concluir desde tal plano sistêmico, para definir o deslinde da questão objeto da análise.

3.2. A aplicação da IN nº 1.187/2011 sob o influxo dos princípios constitucionais que pautam a inventividade

Vimos que a Lei nº 11.196/2005 fixa como critérios da hipótese da norma padrão de incentivo, do art. 19 e art. 17, I, a efetivação de dispêndios com P&D classificáveis como despesa operacional na legislação do IRPJ. Estariam incluídas aí, de forma genérica, as subcontratações de trabalhos de pesquisa e desenvolvimento, e, paralelamente, a própria lei enuncia a possibilidade de subcontratação de microempresas, empresas de pequeno porte, universidade, instituição de pesquisa ou inventor independente.

Também vimos, a IN nº 1.187/2011 vedou, para efeito de fruição dos benefícios, a subcontratação das atividades de pesquisa e inovação, excepcionando de tal proibição geral apenas as hipóteses de subcontratação expressamente mencionadas na lei, exatamente microempresas, empresas de pequeno porte, universidade, instituição de pesquisa ou inventor independente.

Por sua vez, analisando os valores plasmados na Constituição Federal que moldam o marco normativo dos benefícios fiscais à pesquisa e desenvolvimento, verificamos que os mecanismos de incentivo fiscal à inovação, e a legislação que os institui, vêm afinal operar como instrumento de desenvolvimento do sistema produtivo nacional, de atingimento da autonomia tecnológica do País, com vistas a promover o desenvolvimento nacional como objetivo fundamental da República, para tanto fomentando a atividade inventiva desenvolvida territorialmente.

A questão que se põe é de que forma os princípios que regem a inventividade, a partir de nossa Constituição, interagem com a Lei e a Instrução Normativa para articular, dentre as possibilidades interpretativas, aquela que mais efetiva os valores positivados constitucionalmente. Efetivamente, as soluções hermenêuticas devem mirar, como fim a ser logrado, a máxima efetividade da Constituição; postulado do qual deriva o vetor segundo o qual, dentre as possibilidades de sentido possíveis, impõe-se ao aplicador aquela que seja conforme aos enunciados e programas constitucionais11.

Sobrepairando as disposições da Lei e da Instrução Normativa, a Constituição prescreve o fomento a toda atividade inventiva desenvolvida dentro do território nacional.

No plano infraconstitucional temos, como duas possibilidades de concretização do ideal constitucional, a Lei, incentivando todos os dispêndios promovidos a título de atividade de pesquisa e desenvolvimento, inclusive subcontratações; e a Instrução Normativa, propondo incentivar os dispêndios promovidos a título de atividade de pesquisa e desenvolvimento, vedando, porém, as subcontratações, com exceção das hipóteses expressamente previstas.

Desprezemos, num primeiro momento, a eventual antinomia entre a Lei e a Instrução Normativa, e a supremacia da primeira na hierarquia do sistema.

Tomadas como duas possibilidades hermenêuticas alternativas de concretização do sistema constitucional, temos que o regime da Instrução Normativa limita significativamente o alcance do mecanismo de incentivos, ao excluir a possibilidade de subcontratação das atividades de P&D como hipótese geral, e, assim, excluir a possibilidade de contratação de todas as empresas, ressalvadas as micro e pequenas, que se dedicam exclusivamente a pesquisa e desenvolvimento, o que afinal contraria a principiologia constitucional que impõe o fomento de toda atividade inventiva promovida dentro do território nacional.

A Lei, por sua vez, assegura benefícios a todas as possibilidades de dispêndio com pesquisa e desenvolvimento, sem qualquer vedação a subcontratação, o que, de já, otimiza a concretização do programa constitucional de fomento à inventividade. Seu regime projeta de forma precisa o paradigma constitucional ao assegurar, em seu art. 22, II12, a apropriação de incentivos apenas às despesas contratadas junto a pessoas físicas ou jurídicas residentes e domiciliadas no País, excluindo as despesas contratadas fora das fronteiras nacionais, o que efetiva o postulado da territorialidade da inovação, regra de ouro do regime constitucional da inventividade.

Ao centrar os incentivos na contratação das despesas com P&D, excluindo, portanto, a possibilidade de aquisição de tecnologias já desenvolvidas, e, dentro das atividades de P&D, viabilizar o beneficiamento de todas as possibilidades de despesas contratadas territorialmente, inclusive subcontratações, a Lei nº 11.196/2005 concretiza validamente o regime constitucional dos incentivos à inventividade. Diferentemente, a IN nº 1.187/2011, ao excluir as subcontratações da hipótese geral da regra padrão de incentivo, poda a eficácia do marco constitucional da inventividade, sem, para tanto, auferir fundamento de valor idôneo, senão a mera vontade da Receita Federal, órgão arrecadador: ao rejeitar a aplicação dos incentivos à subcontratação, a IN nº 1.187/2011 não se vale de qualquer fundamento de valor que possa ser ponderado vis-à-vis os valores de autonomia tecnológica e desenvolvimento nacional, que demandam o amplo fomento à inventividade desenvolvida dentro do País. Daí que, operando como caprichosa poda do marco constitucional da inovação, a IN nº 1.187/2011 vai de encontro ao objetivo fundamental do desenvolvimento nacional, quando o próprio legislador fez consignar que o objetivo da legislação de benefícios é exatamente o de promover o projeto de desenvolvimento brasileiro13. E assim, a IN nº 1.187/2011 não se mostra, dentre as possibilidades interpretativas de concretização do regime de incentivos, aquela que guarda fidelidade e conformidade com a norma constitucional.

Vejamos então os consectários que o confronto instaurado pela IN nº 1.187/2011, com a Lei nº 11.196/2005 e a Constituição Federal, traz sob o prisma estático e dinâmico do Direito à luz do princípio da segurança jurídica, é dizer, qual o impacto da norma controvertida, que veda a apropriação de benefícios para as operações de subcontratação, junto às expectativas dos contribuintes já há seis anos sob regência da Lei quando da entrada em vigor da Instrução Normativa nº 1.187/2011.

4. A Aplicação da IN nº 1.187/2011 e o Princípio da Segurança Jurídica no Direito Tributário

Estabelecer um estado de segurança é um dos fins do ordenamento jurídico14.

A prestação que o Direito realiza na sociedade, análise que precede a dogmática do Direito positivado, já indica que é da índole do sistema jurídico manter expectativas normativas perante o sistema social, assegurando no indivíduo um estado de previsibilidade quanto à existência de um sistema de normas e quanto ao seu cumprimento.

Assim, a segurança permeia todo o ordenamento como um direito fundamental à ordem jurídica segura, garantismo constitucional que também se aplica a todo o subsistema tributário.

A segurança jurídica não é só direito fundamental, como, sobretudo, uma garantia ao exercício de outros direitos fundamentais15.

No nosso ordenamento jurídico, a segurança jurídica se firma exatamente a partir do plexo constitucional de princípios que, modulando a instauração da estrutura do Estado via conjunto de competências e, pari passu, as garantias do cidadão frente ao exercício do poder político pelo ente coletivo, concretizam a pauta de valores constitucionais, de tutela dos direitos fundamentais, à luz do paradigma constitucional do Estado Democrático de Direito.

Assim é que a segurança jurídica se projeta sob a forma de garantias específicas, cada uma das quais opera assegurando a concretização dos valores constitucionais, a exemplo da justiça, da boa-fé, da equidade, da transparência e publicidade, da propriedade, da estabilidade das relações e da própria segurança strictu sensu.

Para realizar os valores constitucionais em vertentes concretas da vida social estão as garantias específicas, verdadeiros subprincípios que, dessa forma, concretizam o ideal da segurança jurídica: legalidade; tipicidade; proporcionalidade; razoabilidade; irretroatividade; confiança legítima, dentre outros.

Após seis anos de vigência da Lei nº 11.196/2005, a dinâmica engendrada no regime jurídico dos incentivos à inovação, a partir da edição da IN nº 1.187/2011, mediante a instituição da restrição à subcontratação das atividades de pesquisa e desenvolvimento; a ruptura provocada pela alteração de critérios de elegibilidade após anos de prática consolidada pelos contribuintes; em face da incerteza quanto ao conflito entre os regimes legal e infralegal; com a possibilidade de aplicação retroativa do ato infralegal, sujeitando os contribuintes a riscos diante da fiscalização dos benefícios apropriados durante todo este período; surgem questões inerentes à aplicação do princípio da segurança jurídica, em suas submodalidades, que serão abordadas na sequência.

4.1. A segurança jurídica das fontes: o princípio da legalidade

A segurança jurídica, em sua vertente formal, tem um dos seus consectários fundamentais no princípio da legalidade, enquanto vetor que exige que o parlamento, via procedimento e quórum próprios e constitucionalmente definidos, manifeste sua vontade como requisito à estatuição válida de normas instituidoras de tributos.

A legalidade realiza a função certeza no ordenamento16, e concretiza a segurança restringindo as possibilidades de veículos normativos instituidores de tributos: apenas a lei pode enunciar critérios da norma impositiva, de sorte que se considera o instrumento introdutor de normas tributárias por excelência. Diante do princípio da legalidade, restringem-se as possibilidades formais de enunciação de critérios da norma padrão instituidora do tributo, de modo que o intérprete, dentre as miríades de textos legislativos de tributação, só pode buscar tais critérios, de composição da norma tributária estrita, no diploma que tem status de lei17.

A seu tempo, realiza ainda a concretização do princípio do Estado Democrático de Direito, ao assegurar que o direito de propriedade só será alvo da tributação na medida em que o próprio povo, via seus representantes, manifeste reflexivamente o seu consentimento com o ato impositivo.

No caso em análise, viu-se que a Lei nº 11.196/2005 fixou como critérios da hipótese da norma padrão de incentivo à inovação que sejam realizados dispêndios com P&D classificáveis como despesa operacional na legislação do IRPJ, o que, demonstramos, abrange as subcontratações de trabalhos de pesquisa e desenvolvimento. A IN nº 1.187/2011, editada seis anos depois, vedou, por sua vez, para efeito de fruição dos benefícios, a subcontratação das atividades de pesquisa e inovação perante empresas em geral.

A contradição é evidente. Poderia a Instrução Normativa instituir a vedação que a lei não traz consigo, para subtrair o direito à apropriação do benefício fiscal nesta hipótese?

O princípio da legalidade aplica-se não apenas à instituição ou majoração de tributo, da previsão do art. 150, I, mas também à outorga de benefício fiscal, conforme preceitua o parágrafo 6º do mesmo art. 150 da Constituição Federal.

Redundante no que se refere à reprodução do princípio constitucional, o CTN, sobre consignar a legalidade de forma geral, no art. 97, caput, quanto a diversas possibilidades normativas em matéria tributária, inclusive instituição e majoração de tributos, prossegue no parágrafo 1º para equiparar à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo que importe em torná-lo mais oneroso. Considerando-se que o caso objeto do presente trabalho diz respeito à vedação ao aproveitamento de benefício fiscal de adicional de 60% sobre os dispêndios com P&D para efeito de dedução da base de cálculo do IRPJ e CSLL, a glosa ou subtração dessa dedução adicional irá implicar modificação da base de cálculo dos tributos federais, correspondente à adição destes 60% dos dispêndios que, antes do vigor da IN nº 1.187/2011, eram subtraídos do lucro tributável, o que reitera a sua submissão ao paradigma da legalidade também segundo as normas gerais do CTN.

A IN nº 1.187/2011 falha, dessarte, em atender ao postulado da legalidade tributária, violando não apenas a Constituição Federal, mas também a lei complementar de normas gerais.

Sabendo-se que a pretensão da Receita Federal será de aplicar a restrição da IN nº 1.187/2011 desde a vigência da lei, e a bem de instrumentalizar tal debate, vejamos o que de Direito se pode afirmar quanto à aplicabilidade no tempo da IN nº 1.187/2011, seara em que também vigoram outras vertentes da segurança jurídica em matéria tributária, com seus critérios e requisitos.

4.2. A possibilidade de aplicação da IN nº 1.187/2011 no tempo: análise sob o prisma da segurança jurídica

A questão relativa à aplicabilidade das restrições do art. 4º, parágrafo 9º, da IN nº 1.187/2011 está em seu estágio inicial de discussão, nos âmbitos administrativo e judiciário, além dos foros acadêmicos e entre os próprios contribuintes, via grupos de discussão e associações de classe.

Daí que, como sói ocorrer com as controvérsias jurídicas em geral, não está descartado que prevaleça o entendimento do Fisco e a IN nº 1.187/2011 seja aplicada integralmente e com a incidência, desde o início de vigência da Lei, da restrição à apropriação dos benefícios na hipótese de subcontratação da atividade de pesquisa e desenvolvimento.

Admitindo-se a restrição encartada na IN nº 1.187/2011 como uma possibilidade interpretativa dentro do regime instituído pela Lei nº 11.196/2005, a aplicação da Instrução Normativa desde a vigência da lei não é uma decorrência trivial ou óbvia, inerente à inaptidão da norma infralegal de inovar no ordenamento jurídico. Isso porque essa possibilidade traz, na pragmática da aplicação do regime, uma ruptura evidente no critério jurídico de apropriação dos benefícios, a partir do qual os contribuintes, desde sempre e tradicionalmente, realizaram a sua apuração rotineira do IRPJ e da CSLL, e informaram permanentemente ao Fisco, sem qualquer questionamento.

Sabe-se que as controvérsias sobre a aplicação da norma no tempo sempre sofrem o escrutínio da segurança jurídica, de sorte que, ante a possibilidade que este debate se instaure, relativamente à IN nº 1.187/2011, analisaremos quais repercussões a concretização do princípio, em suas submodalidades aplicáveis, proporciona no caso em análise.

4.2.1. O princípio da proteção de expectativas de confiança legítima como realização da segurança jurídica no Direito Tributário: conceito e aplicação ao caso concreto

À segurança proporcionada pelo ordenamento corresponde a confiança gerada no indivíduo, destinatário das prescrições normativas.

A confiança gera no indivíduo expectativas quanto à realidade futura, dado essencial para o desenvolvimento de um ambiente social complexo em que interagem inúmeros atores, empresas, instituições e indivíduos. As expectativas selecionam as possibilidades de experimentação e assim permitem a um elaborar perspectivas para o futuro e estabilizar suas ações rumo a um horizonte de largo prazo.

O Direito, na medida em que institui e estabiliza expectativas comportamentais, já atende, em nível sistêmico, a uma demanda social pela manutenção de expectativas normativas de forma generalizada, servindo como um instrumento de motivação altamente abrangente, que funciona sempre e independentemente das estruturas motivacionais individuais, e goza da confiança generalizada18.

Assim o Direito permite, em meio às inúmeras possibilidades de ação e interação que caracterizam o ambiente social, reduzir tais complexidades, abstraindo-as em prol de possibilidades selecionadas pelas normas, generalizadas e mantidas pelo ordenamento jurídico.

Além desta confiança inerente à própria função do Direito, o ordenamento jurídico se utiliza de diversos instrumentos para transmitir segurança e inspirar confiança nos seus destinatários, dos quais podemos destacar, como alguns dos que sobressaem de forma mais trivial, os arquétipos de legalidade e autoridade.

É certo que os atributos sistêmicos do Direito, além da mera positividade como expressão de legalidade e manifestação de autoridade, por vezes são insuficientes para enfrentar a insegurança e o risco que, conquanto reduzidos, sempre caracterizarão a sociedade moderna19. A construção das expectativas, a partir da compreensão do sentido do Direito como comunicação de normas de conduta, traz consigo um risco inerente, cuja contingência o ordenamento jurídico procurou endereçar a partir de um conceito material de segurança.

De fato, a confiança inspirada no indivíduo a partir de uma expectativa gerada em função de determinada lei não está imune a ser frustrada por futuras determinações do Direito, via manifestação de autoridades, que infirmem a expectativa originariamente elaborada pelo particular. Essa quebra de expectativas legítimas instaura um estado de insegurança e incerteza que, no paradigma do Estado Democrático de Direito, confronta não apenas a finalidade, mas o conteúdo do ordenamento jurídico em seus valores mais caros.

Aí exsurge a necessidade de atuação do ordenamento jurídico no sentido de não apenas inspirar confiança gerando expectativas, mas também, como mecanismo acautelador de sua própria função, de proteger as expectativas geradas de forma legítima contra futuras frustrações, imunizando aqueles que agiram em conformidade com expectativas a cuja elaboração o ordenamento jurídico efetivamente deu ensejo.

Aquele que, a partir de expectativas legítimas, age de boa-fé e com crença no ordenamento jurídico, não pode ser penalizado pela complexidade do sistema da comunicação e da linguagem jurídicas, sob pena de desacreditar-se a ordem jurídica como um todo, o que põe em cheque não apenas o valor da justiça, mas também da própria segurança.

Assim é que o princípio de proteção de expectativas de confiança legítima opera restaurando o estado de segurança quando expectativas geradas legitimamente a partir do ordenamento jurídico, e que fundamentam a conduta do particular que age objetivamente de boa-fé, são quebradas por determinado ato ou norma.

Obviamente que o princípio não tutela qualquer expectativa, muito menos aquela cujo conteúdo é contrário à lei. Os requisitos, enumera Heleno Tôrres20, para a identificação das expectativas tuteladas pela segurança jurídica, são os seguintes: (i) situação passível de proteção, que indique uma posição de interesse protegido pelo Direito e que seja objeto da expectativa manifestada; (ii) legitimidade da conduta de quem alega a eficácia da confiança, de forma que a expectativa gerada seja lícita, baseada na ordem jurídica e a conduta que ela tenha ensejado se caracterize, por elementos objetivos, pela boa fé; e (iii) titularidade, de sorte que aquele que enverga a expectativa e pleiteia a tutela do ordenamento jurídico detenha, a partir de determinado ato jurídico, vínculo com o direito pretendido, de modo que sobre ele se reconheça um estado de confiança do particular; ato de órgão ou de autoridade pública que contraria o direito exercido em estado de confiança, e assim torna necessária a proteção da ordem jurídica.

No caso da aplicação da IN nº 1.187/2011, relativamente à vedação da apropriação de benefícios fiscais sobre as despesas com subcontratação de P&D, podemos identificar a presença dos quatro requisitos, senão vejamos: (i) a situação passível de proteção consiste exatamente na eligibilidade aos benefícios fiscais, sob a forma da dedução adicional de 60% dos dispêndios com P&D da base de cálculo de IRPJ e CSLL; (ii) a legitimidade da conduta está calcada (a) na própria legalidade, uma vez que, mesmo que se admita possível construir-se a restrição à subcontratação como uma alternativa interpretativa dentro da Lei nº 11.196/2005, em momento algum a lei veda a subcontratação, muito menos expressamente, de forma que essa expectativa, sobre ser lícita, tem fundamento na própria lei instituidora do incentivo fiscal, e (b) na boa-fé dos contribuintes que apuraram e informaram, não apenas via declarações fiscais, mas também por formulário próprio ao Ministério da Ciência e Tecnologia (“MCT”), regularmente toda a estrutura e dados de suas operações de P&D por seis anos ininterruptos; e (iii) a titularidade reside na apropriação dos benefícios via lançamento dos tributos e opção formalizada via declarações fiscais e Formulário MCT; e, finalmente, o ato de autoridade que contraria o direito exercido em estado de confiança virá sob a forma de fiscalizações e auditorias que venham a se concretizar pela aplicação retroativa da IN nº 1.187/2011, com autuações e glosas dos benefícios apropriados com base na Lei, desde 2006 até 2011, data da edição da Instrução Normativa.

Caracterizada a existência de expectativas de confiança legítima protegidas pela segurança jurídica, é de se perquirir as modalidades de tutela que o ordenamento jurídico e o sistema tributário oferecem, como garantias ao contribuinte de manutenção da estabilidade da ordem jurídica e do estado de confiança.

4.2.1.1. A aplicação da IN nº 1.187/2011 no tempo e a proteção da confiança legítima em face da alteração de critérios de aplicação da norma tributária

Uma das já clássicas modalidades de proteção à confiança legítima, no sistema tributário brasileiro, é aquela que assegura os efeitos ex nunc das mudanças de critérios jurídicos na realização do lançamento tributário.

A regra, que consagra a boa-fé, a confiança legítima, a estabilidade do ordenamento e das relações jurídicas, a eficácia consumativa do ato e do fato jurídicos, a teoria do fato gerador, a irrevisibilidade dos atos passados, a imutabilidade do lançamento21 e a irretroatividade da norma tributária, assegura ao contribuinte que os tributos apurados e recolhidos segundo determinados critérios jurídicos vigentes e aplicáveis, não serão objeto de novos critérios, futuramente estabelecidos, que venham a ser aplicados retroativamente.

Tal norma, que se caracteriza pela objetividade, está encartada no art. 146 do CTN, ao determinar que na hipótese em que futuro ato normativo, inclusive decisão administrativa ou judicial, altere os critérios jurídicos adotados no ato de lançamento, terão eficácia tais alterações apenas quanto a fatos geradores ocorridos posteriormente à sua introdução.

Trata-se de mecanismo que pauta a constituição do crédito tributário, calibrando no tempo os critérios de vigência e aplicabilidade das normas impositivas através das regras de produção do ato de lançamento. Assim sendo, sua aplicação se projeta para os tributos de lançamento de ofício, como também os tributos sujeitos ao lançamento por homologação ou autolançamento: trata-se de determinar os critérios de emissão da norma individual e concreta tributária, mediante identificação e construção do fato gerador e apuração do crédito tributário a partir das base de cálculo e alíquota identificadas22; ou seja, a apuração e recolhimento do tributo deve ser realizada com base na norma vigente à época.

Assim é também quanto à apuração e recolhimento do IRPJ e da CSLL, cujo lançamento, ou autolançamento, foi impactado pelo advento da IN nº 1.187/2011, com a vedação, a partir de 2011, da apropriação dos benefícios nas operações de subcontratação de P&D, quando os contribuintes vinham historicamente apurando e recolhendo tais tributos mediante a apropriação dos benefícios sobre todas as despesas com P&D, inclusive as decorrentes P&D subcontratada.

Ainda que não se considere como lançamento o ato do contribuinte de apurar, recolher e formalizar o crédito tributário via declarações ao Fisco, nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, para efeito de firmar o critério jurídico paradigma, originariamente consolidado antes da alteração do critério jurídico, tem-se que, no caso sob análise, há o transcurso de mais de cinco anos, desde o início da vigência da Lei nº 11.196/2005, até o advento da IN nº 1.187/2011, o que, em qualquer hipótese, consuma, nos termos do art. 150 e parágrafo 4º do CTN, o lançamento por homologação, a cabo da própria autoridade administrativa, pelo decurso do prazo quinquenal. Eis que, se não for pelo próprio ato do contribuinte em formalizar a apuração do crédito tributário, o critério de apuração dos benefícios encartado na Lei e realizado pelos contribuintes desde sempre fica consolidado como critério jurídico originário do lançamento, para efeito do art. 146 do CTN, pelo lançamento realizado pela própria autoridade administrativa via homologação tácita.

A alteração no critério da apuração do imposto incentivado, pela impossibilidade de deduzir adicionalmente 60% das despesas com subcontratação de P&D, e o princípio de segurança que aí intervém, impedem, dessarte, numa hipótese de fiscalização e eventual lançamento de ofício, a aplicação retroativa do novel critério jurídico, de sorte que a restrição da apropriação da dedução adicional poder-se-á aplicar apenas aos fatos geradores posteriores à IN nº 1.187/2011.

4.2.1.2. A aplicação da IN nº 1.187/2011 no tempo e a proteção da confiança legítima em face das práticas reiteradas da Administração Tributária: a suppressio em matéria fiscal

As expectativas legítimas que pautam a conduta dos contribuintes não se elaboram e se consolidam apenas a partir de normas gerais, a exemplo das Leis e das próprias Instruções Normativas.

Efetivamente, as expectativas relevantes para o Direito são projeções de sentido geradas pelo estado de confiança no ordenamento jurídico em geral, de sorte que as fontes de elaboração de expectativas guardam correspondência com as fontes de produção de normas em geral. No Direito Tributário, esse plexo parte da CF/1988 e chega até os atos concretos de aplicação das normas impositivas, que se projetam pragmaticamente na orientação da conduta do particular, seja como atos formais, seja como posturas, arquétipos e práticas em geral.

De forma especial, as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas, malgrado não consubstanciem unidade normativa formal típica, foram elevadas a esta condição pelo sistema tributário exatamente pela sua aptidão de, no plano pragmático, engendrar no destinatário do sistema jurídico expectativas a partir das quais pautará ele sua conduta.

Assim é que o art. 100 do CTN insere as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas entre as normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos, como elemento do sistema tributário, o que implica proteger as expectativas legítimas formadas pelos contribuintes a partir da forma de agir do órgão fiscalizador.

O princípio do reconhecimento das práticas reiteradamente observadas pela autoridade administrativa, ou suppressio em matéria tributária, implica que a conduta do contribuinte reiteradamente acatada, de forma ativa ou passiva, comissiva ou omissiva, pela autoridade fiscal, forma no particular expectativas de confiança legítima que o ordenamento jurídico protege, restringindo a possibilidade de penalização do contribuinte que assim age, em tais circunstâncias, mesmo quando futuramente infirmadas tais expectativas via atos normativos que se lhe contrapõem. Em nosso ordenamento jurídico, a suppressio tem o efeito de excluir o ilícito tributário, exonerando o contribuinte de multa e juros, nos termos do art. 100, III, e parágrafo único do CTN23.

O princípio do suppressio parte do reconhecimento de que não apenas os atos jurídicos positivos, previamente entabulados e veiculados no ordenamento, firmam um paradigma de segurança que o ordenamento tributário valora e tutela, frente à possibilidade de dinâmicas normativas que tenham pretensão de eficácia retroativa ou ex tunc, com prejuízo às expectativas de confiança legítima consolidadas.

O silêncio também produz efeitos jurídicos, e as práticas reiteradamente observadas pela Administração Tributária, e tuteladas pela ordem jurídica como expressão da confiança legítima, são exatamente as práticas realizadas pelo contribuinte, de forma repetida e continuada, e a cuja reiteração corresponde a aquiescência da autoridade administrativa, expressa ou tácita.

Bem verdade que a identificação do grau de reiteração das práticas observadas pela fiscalização é desafio tornado premissa ou pressuposto à aplicação desta garantia da segurança jurídica, sobretudo quando se trata de circunstâncias pontuais, ou recorrentes há pouco tempo24.

Diferente é a circunstância em que as práticas são de tal forma reiteradas que já superam o quinquênio decadencial. De efeito, a conduta do contribuinte que, na apuração e recolhimento do tributo, adota determinado critério ou sistemática há mais de cinco anos, já sofreu, por presunção legal, a chancela da homologação, o que faz pressupor, para todos os efeitos, que se trata de práticas conhecidas e chanceladas pela fiscalização.

Este é precisamente o cenário do caso objeto do presente estudo, no qual os contribuintes vinham se apropriando regularmente dos benefícios da dedução adicional sobre as despesas de inovação, em relação às operações de subcontratação de P&D, desde 2005 até 2011, ultrapassando, assim, sem qualquer questionamento pela fiscalização, o reconhecimento da homologação tácita, desde 2010.

Identifica-se assim a aplicabilidade, ao caso em análise, da hipótese legal de tutela da segurança jurídica via reconhecimento das práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas, de modo que, ainda que se considere aplicável a restrição da IN nº 1.187/2011, inclusive retroativamente à data de sua edição, descabe, em qualquer hipótese, nos termos do art. 100, III, e parágrafo único do CTN, a cobrança de juros e multa de qualquer natureza.

5. Conclusões

i. Os mecanismos de incentivo fiscal à inovação vêm como instrumento de promoção do desenvolvimento nacional, via concretização da autonomia tecnológica do País, o que significa que o seu sentido se realiza pelo estímulo à inovação desenvolvida dentro do território nacional, valor que concretiza o postulado da territorialidade da inovação incentivada.

ii. Considerando que a subcontratação de P&D, enquanto despesa operacional vinculada à atividade de inovação, se amolda exatamente à hipótese da norma padrão de incentivo dos arts. 17 e 19 da Lei nº 11.196/2005, não é compatível com o marco sistêmico da inventividade, no ordenamento jurídico nacional, a vedação, introduzida pela IN nº 1.187/2011 à elegibilidade dos dispêndios com subcontratação de serviços de P&D, mormente quando realizados tais serviços dentro do território nacional.

iii. Sendo irrelevantes, para o Direito positivo, na concretização do valor do desenvolvimento nacional instrumentalizado pelo postulado da territorialidade da inovação incentivada, aspectos da pessoa que promove o desenvolvimento científico e tecnológico, mas apenas que as ações de desenvolvimento científico e tecnológico sejam promovidas dentro do território nacional, a IN nº 1.187/2011, ao excluir as subcontratações da hipótese geral da regra padrão de incentivo, não apenas viola a Lei nº 11.196/2005, ao pretender revogar benefícios fiscais, via redução de base imponível, alterando critério quantitativo da norma padrão de IRPJ e de CSLL, mas poda a eficácia do marco constitucional da inventividade, sem, para tanto, auferir fundamento de valor idôneo que supere a axiologia da norma incentivadora.

iv. Decorridos seis anos de vigência da Lei nº 11.196/2005, consolidada nos contribuintes a prática via apropriação dos benefícios nos termos do diploma legal, a gerar-lhes a expectativa de confiança legítima protegida pelo ordenamento jurídico; a dinâmica engendrada no regime jurídico dos incentivos à inovação, a partir da edição da IN nº 1.187/2011, mediante a instituição da restrição à subcontratação das atividades de P&D, ainda que se admita aplicável e compatível com a lei, provoca ruptura que traz desencadeamentos decorrentes da atuação do princípio de segurança jurídica: (a) numa hipótese de fiscalização e eventual lançamento de ofício, a aplicação da restrição à subcontratação de P&D, novel critério jurídico na aplicação da norma tributária, nos termos do art. 146 do CTN, poder-se-á aplicar apenas aos fatos geradores posteriores à IN nº 1.187/2011; e (b) considerando-se que os contribuintes vinham apurando os benefícios sem a aplicação da restrição infralegal, desde 2005 até 2011, ultrapassando a chancela da homologação tácita, a partir de 2010, consubstancia-se, pela consumação dos lançamentos por homologação, o reconhecimento de práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas, de modo que, ainda que se considere aplicável a restrição da IN nº 1.187/2011, inclusive retroativamente à data de sua edição, descabe, em qualquer hipótese, nos termos do art. 100, III, e parágrafo único do CTN, a cobrança de juros e multa de qualquer natureza.

1 Brasil. A Instrução Normativa nº 1.187/2011 trouxe algumas outras restrições também alvo de controvérsia. Nos ateremos, contudo, à questão atinente à subcontratação, o que não elide a circunstância de que boa parte do raciocínio aqui encetado também se aplique aos demais pontos questionados da legislação.

2 Assim é, por exemplo, na lei canadense, que considera elegíveis os gastos com “scientific research and experimental development carried on in Canada” (Income Tax Act, subparágrafo 37(1)(a)(i)). Na mesma linha, a lei australiana concede a elegibilidade de pesquisas fora do território do país apenas quando tais pesquisas, por sua natureza, forem impossíveis de serem realizadas em solo australiano, e, ainda assim, devem ser vinculadas, e gerar gastos inferiores, a pesquisas desenvolvidas territorialmente (Industry Research and Development Act 1986, Section 28D).

3 “Art. 19. Sem prejuízo do disposto no art. 17 desta Lei, a partir do ano-calendário de 2006, a pessoa jurídica poderá excluir do lucro líquido, na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, o valor correspondente a até 60% (sessenta por cento) da soma dos dispêndios realizados no período de apuração com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica, classificáveis como despesa pela legislação do IRPJ, na forma do inciso I do caput do art. 17 desta Lei.”

4 “Art. 17. A pessoa jurídica poderá usufruir dos seguintes incentivos fiscais: (Vigência) (Regulamento)

I - dedução, para efeito de apuração do lucro líquido, de valor correspondente à soma dos dispêndios realizados no período de apuração com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica classificáveis como despesas operacionais pela legislação do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ ou como pagamento na forma prevista no § 2º deste artigo.”

5 Cf. OECD. Frascatti manual: proposed standard practice for surveys on research and experimental development. OECD, 2002, p. 30.

6 Ibidem, p. 30.

7 Cf. NBC TG 04, aprovada pela Resolução CFC nº 1.303/2010, item 57.

8 Como a lei brasileira permite o reconhecimento de despesas nos gastos com desenvolvimento, e também permite que a empresa contabilize esses valores no ativo, para posterior amortização, pode-se afirmar que o contribuinte tem a opção de deduzir imediatamente as despesas ou diferir para o momento da amortização, cf. OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 687.

9 O legislador não ignorou essas circunstâncias, de modo que quando se referiu a subcontratação das atividades de inovação (a exemplo do art. 17, parágrafo 2º, da Lei nº 11.196/2005), fez registrar que a gestão, o risco e os resultados devem ser mantidos sob controle do contratante, o que, como se vê, não decorre de mero capricho do feitor da lei, mas, sim, de aspectos inerentes à natureza jurídica da operação.

10 “Art. 17. (...)

§ 2º O disposto no inciso I do caput deste artigo aplica-se também aos dispêndios com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica contratados no País com universidade, instituição de pesquisa ou inventor independente de que trata o inciso IX do art. 2º da Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, desde que a pessoa jurídica que efetuou o dispêndio fique com a responsabilidade, o risco empresarial, a gestão e o controle da utilização dos resultados dos dispêndios.

Art. 18. Poderão ser deduzidas como despesas operacionais, na forma do inciso I do caput do art. 17 desta Lei e de seu § 6º, as importâncias transferidas a microempresas e empresas de pequeno porte de que trata a Lei nº 9.841, de 5 de outubro de 1999, destinadas à execução de pesquisa tecnológica e de desenvolvimento de inovação tecnológica de interesse e por conta e ordem da pessoa jurídica que promoveu a transferência, ainda que a pessoa jurídica recebedora dessas importâncias venha a ter participação no resultado econômico do produto resultante.”

11 Cf. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 5ª edição. Lisboa: Almedina, 2002, p. 1.210.

12 “Art. 22. Os dispêndios e pagamentos de que tratam os arts. 17 a 20 desta Lei:

II - somente poderão ser deduzidos se pagos a pessoas físicas ou jurídicas residentes e domiciliadas no País, ressalvados os mencionados nos incisos V e VI1 do caput do art. 17 desta Lei.”

13 Assim registrou-se na exposição de motivos da MP nº 66/2002, convertida na Lei nº 10.637/2002, que precedeu a Lei nº 11.196/2005 quanto aos incentivos à inovação: “Os arts. 42 a 45 instituem mecanismos de estímulo à pesquisa e à inovação tecnológica, indispensáveis à construção do projeto de desenvolvimento brasileiro.”

14 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Tributário e segurança jurídica: metódica da segurança jurídica do sistema constitucional tributário. São Paulo: RT, 2012, p. 215.

15 Cf. COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 54.

16 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Tributário e segurança jurídica: metódica da segurança jurídica do sistema constitucional tributário. São Paulo: RT, 2012, p. 225.

17 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2009, p. 294.

18 Cf. LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983, p. 130.

19 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Tributário e segurança jurídica: metódica da segurança jurídica do sistema constitucional tributário. São Paulo: RT, 2012, p. 216.

20 Ibidem, p. 222.

21 Cf. MARTINS, Ives Gandra da Silva (organizador). Comentários ao Código Tributário Nacional, v. 2. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 293.

22 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Ob. cit. (nota 17), p. 509.

23 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Tributário e segurança jurídica: metódica da segurança jurídica do sistema constitucional tributário. São Paulo: RT, 2012, p. 245.

24 Ibidem, p. 244.