Preços de Transferência. Frete, Seguro e Tributos Devidos na Importação e o Método PRL

Bruno Fajersztajn

Advogado em São Paulo.

Ramon Tomazela Santos

Advogado em São Paulo.

Resumo

O presente artigo questiona a inclusão de despesas de frete, seguro e dos tributos incidentes na importação, na determinação do preço praticado, para fins de comparação com o preço-parâmetro, apurado com base no método PRL. Procura-se demonstrar que, diante da rigidez das regras brasileiras de preços de transferência, somente a lei pode determinar a inclusão das referidas despesas no cálculo em questão, não sendo possível a modificação da sistemática de controle por meio de recursos interpretativos.

Palavras-chave: preços de transferência, frete, seguro e tributos aduaneiros, método do PRL.

Abstract

This article questions the inclusion of expenses with freight, insurance and import taxes in the determination of the price charged in controlled transactions, for purposes of comparison to the parameter price calculated based on the PRL method. The article argues that, in view of the rigidity of the Brazilian transfer pricing rules, only the law can determine the inclusion of such expenses in the calculation of the price, and thus it is not possible to amend the controlling system by means of interpretation.

Keywords: transfer pricing, freight, insurance and import taxes, PRL method.

1. Introdução

Como é notório, as regras de preços de transferência foram introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro com o objetivo de controlar a manipulação de preços em operações realizadas entre pessoas ligadas, com a finalidade de evitar o superfaturamento nas importações, assim como o subfaturamento nas exportações1.

Em virtude de certas particularidades dos métodos de controle introduzidos pela Lei n. 9.430/1996, as regras brasileiras de preços de transferência têm suscitado inúmeros conflitos de interesses entre o Fisco e os contribuintes, que estão materializados em infindáveis demandas administrativas e judiciais.

Uma das principais controvérsias, que ainda permanece em discussão perante o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), diz respeito à necessidade de inclusão, ou não, das despesas com frete e seguro, quando contratadas junto pessoas não vinculadas, e impostos aduaneiros no preço praticado, para efeito de comparação com o preço-parâmetro.

Com enfoque eminentemente pragmático, o presente artigo tem o objetivo de promover reflexões a respeito dessa questão, a fim de contribuir com o debate.

2. O Preço Praticado e as Despesas com Frete, Seguro e Tributos

Em linhas gerais, o preço praticado é o valor estipulado entre as partes ligadas e que será objeto de controle com base nas regras de preços de transferência. Nas operações de importação, o preço praticado corresponde aos custos, despesas ou encargos contratados junto a pessoas vinculadas, relativos aos bens, serviços ou direitos importados, constantes dos documentos de importação. É o que se depreende claramente do caput do artigo 18 da Lei n. 9.430/1996, a seguir transcrito:

“Art. 18. Os custos, despesas e encargos relativos a bens, serviços e direitos, constantes dos documentos de importação ou de aquisição, nas operações efetuadas com pessoa vinculada, somente serão dedutíveis na determinação do lucro real até o valor que não exceda ao preço determinado por um dos seguintes métodos.”

Por outro lado, o preço-parâmetro é aquele definido pela legislação de preços de transferência como aceitável do ponto de vista fiscal. Nas importações, o preço-parâmetro é o limite de custo/despesa passível de dedução para fins de apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSL. No caso específico do PRL, em linhas gerais, o preço-parâmetro corresponde à média aritmética dos preços de revenda dos bens, serviços ou direitos, diminuídos dos descontos incondicionais, dos impostos e contribuições incidentes sobre as vendas, das comissões e corretagens pagas, e de margem de lucro determinada em lei2.

Com esse pano de fundo, podemos iniciar a análise da controvérsia.

A discussão em pauta deita raízes na redação original do parágrafo 6º do artigo 18 da Lei n. 9.430/1996, a seguir transcrita:

“§ 6º Integram o custo, para efeito de dedutibilidade, o valor do frete e do seguro, cujo ônus tenha sido do importador e os tributos incidentes na importação.”

Com esteio no texto legal transcrito acima, as autoridades fiscais sustentam que, como no preço-parâmetro apurado segundo o método do PRL normalmente estão incluídos os custos de frete, seguro e tributos aduaneiros, o preço de aquisição praticado pelo contribuinte-importador também deveria comportar tais custos, para evitar uma suposta distorção na comparação.

Assim, a pretexto de evitar a comparação entre grandezas distintas, a fiscalização comumente efetua ajustes no preço praticado pelo contribuinte, para incluir nele os valores relativos a frete, seguro, mesmo quando contratados junto a pessoas não vinculadas, e tributos aduaneiros, que nunca são pagos a pessoas vinculadas.

Conquanto seduza à primeira vista, estamos convencidos de que a linha de raciocínio exposta pelas autoridades fazendárias deve ser vista com temperança, eis que não confere à matéria a melhor solução do ponto de vista técnico-jurídico.

De início, é preciso salientar que a Lei n. 9.430/1996 não autoriza que os valores correspondentes ao frete, seguro e tributos aduaneiros sejam adicionados diretamente ao preço de aquisição do bem importado, como pretende o Fisco. Ao contrário, o art. 18, caput, da Lei n. 9.430/1996 é claro ao estabelecer que o preço praticado consiste no preço contratado junto a partes vinculadas, constante dos documentos de importação.

A assertiva acima é corroborada pelo parágrafo 5º do artigo 18 da Lei n. 9.430/1996, segundo o qual o preço-parâmetro deve ser comparado com os valores constantes em documentos de importação da empresa brasileira adquirente. Veja-se:

“§ 5º Se os valores apurados segundo os métodos mencionados neste artigo forem superiores ao de aquisição, constante dos respectivos documentos, a dedutibilidade fica limitada ao montante deste último.”

Ora, o preço praticado, em última análise, representa um dado fático da realidade, extraído dos negócios praticados entre partes vinculadas e registrado nos documentos de importação, não sendo passível de sofrer qualquer ajuste por parte das autoridades fiscais.

Pela sistemática que rege o controle de preços de transferência no Brasil, a qual estabelece limites máximos de dedutibilidade nas importações e valores mínimos de receitas tributáveis nas exportações, todo e qualquer ajuste deve ser determinado no preço-parâmetro e não no preço praticado.

Em consequência, ainda que fosse necessária a realização de qualquer ajuste funcional, a fim de se evitar a comparação entre grandezas distintas, é evidente que a respectiva alteração somente poderia ser procedida no preço-parâmetro, que é determinado por lei, e não no preço praticado pelo contribuinte, que corresponde ao valor efetivamente pago/incorrido à parte relacionada localizada no exterior.

Insistimos. A própria sistemática adotada pela legislação brasileira de preços de transferência indica que os ajustes devem ser feitos no preço-parâmetro, e não no preço praticado, o qual, evidentemente, deve ser aquele efetivamente contratado e que está sujeito a possíveis manipulações por partes relacionadas.

Os ajustes relativos às regras de preços de transferência sempre devem ser direcionados ao preço-parâmetro, que é o instrumento de controle de preços de transferência, a ser definido mediante a aplicação de um dos métodos previstos na legislação.

Assim, se a lei não prevê qualquer ajuste a ser realizado no preço-parâmetro, é evidente que não pode o intérprete, ainda que a pretexto de tornar mais coerente a forma de cálculo, pretender efetuar ajuste no preço praticado, que corresponde ao verdadeiro preço da importação, contratado junto a partes vinculadas e constante dos documentos de importação.

Em suma, não é outorgado ao intérprete a prerrogativa de alterar o preço praticado pelo contribuinte, na medida em que ele representa um dado da realidade factual, nos termos do artigo 18, e parágrafo 5º, da Lei n. 9.430/1996.

Há, porém, algo mais a dizer a respeito do argumento geralmente invocado pelo Fisco nas discussões a respeito do assunto, no sentido de que a falta inclusão das despesas com frete, seguro e tributos aduaneiros no preço praticado conduziria à suposta comparação entre grandezas diversas.

Pois bem. Ao estabelecer o método do PRL, o legislador brasileiro adotou margens predeterminadas, em evidente concessão ao princípio da praticabilidade. Com isso, o legislador adotou um método simplificado para se chegar ao preço-parâmetro: toma-se o preço médio de revenda do bem, do qual serão subtraídos os descontos, os impostos, as comissões e a margem de lucro. Após a realização do cálculo acima, chega-se ao preço-parâmetro, que será comparado ao preço praticado.

Eis, então, o paradoxo: se o legislador adotou um método simplificado para se chegar ao preço-parâmetro, por meio de fórmulas predeterminadas e margens fixas de lucro, cai por terra o argumento geralmente invocado pelo Fisco de que a comparação entre o preço praticado e o preço-parâmetro estaria distorcida em razão das despesas com frete, seguro e tributos aduaneiros.

O PRL não é um método comparativo, que reflete o preço praticado entre partes independentes no mercado. Trata-se de uma fórmula rígida e fechada a qual contempla presunção absoluta da prática do preço de mercado. Essa é, como se sabe, uma peculiaridade de nosso sistema, o qual prevê métodos fixos e não admite a prova do chamado preço arm’s lenght.

Dessa forma, na perspectiva de nosso sistema, não se afigura razoável invocar a necessidade de comparação entre medidas equivalentes, principalmente quando se considera que o legislador tributário fixou, a seu talante, critérios predeterminados para o cálculo do preço-parâmetro. Em suma, dada a rigidez de nosso sistema de controle de preços de transferência, não cabe alteração das regras estabelecidas em lei, a pretexto de torná-las mais justas ou coerentes.

Insistimos. As regras brasileiras de preços de transferência estabelecem métodos rígidos e objetivos para o controle das transações inter corporis, não sendo outorgado ao contribuinte o direito de aplicar métodos alternativos para comprovar que o preço praticado efetivamente reflete o padrão de mercado, livre de interferências e manipulações (separate entity approach), assim como não se admite que a Administração Tributária utilize métodos alternativos para proceder ao arbitramento do preço-parâmetro, com o objetivo de evitar a transferência indireta de lucros.

A particular rigidez do regime brasileiro de preços de transferência foi bem explorada na obra do professor Alberto Xavier, para quem as técnicas de determinação do preço-parâmetro admitidas no Direito brasileiro são exclusivamente aquelas enumeradas taxativamente no catálogo legal, constituindo um numerus clausus, de modo que, nem o Fisco, nem os contribuintes, podem se socorrer validamente de outras metodologias, ainda que devidamente comprovadas3.

No mesmo sentido, Ricardo Mariz de Oliveira anota que o regime de preços de transferência não abre espaço para a adoção de um método que não esteja expressamente discriminado na Lei n. 9.430/1996, ainda que se verifique, no caso concreto, a insuficiência dos métodos tradicionais para o controle de certas transações realizadas entre partes dependentes4.

Em virtude da rigidez e do fechamento conceitual dos métodos pelo legislador ordinário, é evidente que eventuais inconsistências entre o preço praticado e o preço-parâmetro não podem ser corrigidos por meio de processo de interpretação, ainda que em nome de uma teórica maior coerência.

A maior prova da importância da assertiva acima reside no fato de que a Medida Provisória n. 563, convertida na Lei n. 12.715/2012, estabeleceu, por meio de alteração do art. 18, parágrafo 6º, da Lei n. 9.430/1996 que o frete e o seguro, cujo ônus tenha sido do importador, não integram o cálculo do chamado “percentual de participação dos bens, direitos ou serviços importados no custo total do bem, direito ou serviço vendido” para efeito de determinação do PRL, desde que tais gastos tenham sido contratados junto a pessoa não vinculada no exterior ou tenham sido contratados com residentes ou domiciliadas em países ou dependências de tributação favorecida, ou que não estejam amparados por regimes fiscais privilegiados. O mesmo expurgo constou do art. 6-A, também introduzido pela referida lei de 2012, em relação aos tributos incidentes na importação.

Em outras palavras, com a introdução no ordenamento jurídico das regras previstas na Lei n. 12.715/2012, o valor do frete e do seguro, nas referidas situações, assim como os tributos na importação, ficam fora da relação percentual a ser calculada na apuração do PRL.

Como visto acima, eventual distorção, ainda que existente, somente poderia ser corrigida por alteração legislativa. Foi justamente o que ocorreu com a Lei n. 12.715/2012, que excluiu as despesas com frete, seguro e tributos na importação da relação percentual relativa ao cálculo do preço-parâmetro. Como se vê, a alteração legislativa teve por objeto o preço-parâmetro, e não o preço praticado5.

Ademais, a esta altura da exposição, ressaltamos novamente que as regras de preços de transferência têm a finalidade de coibir a manipulação de preços em operações entre pessoas jurídicas brasileiras e suas partes consideradas relacionadas no exterior. Ora, no mais das vezes, os serviços de frete e seguro são prestados por terceiros não vinculados ao importador brasileiro e, logo, não são passíveis de manipulação. Assim, na medida em que somente se sujeitam a ajustes de preços de transferência os custos que podem ser manipulados, os valores de frete e seguros pagos a terceiros não devem estar sujeitos às regras de preço de transferência e, portanto, devem ser integralmente dedutíveis para fins de apuração do IRPJ e CSLL devidos pelo importador.

Realmente, esses valores escapam ao controle exatamente porque são encargos pagos a terceiros, e não ao exportador cujo preço está sujeito à comparação, e somente interessa limitar a dedutibilidade de valores que, integrados aos preços, representem transferência indireta de lucros à pessoa vinculada (ou a país com tributação favorecida). Nada disso está em cogitação quando o importador no Brasil incorre em despesas com frete e seguro com pessoas não vinculadas. Controlar tais operações está fora do escopo das regras de preços de transferência.

Idêntico raciocínio se aplica aos tributos aduaneiros, que são devidos à própria União Federal. Não faz sentido controlar tributos cuja incidência e quantificação decorrem de lei e são devidos ao Estado.

Ora, se até mesmo os tributos aduaneiros estão inseridos no rol do parágrafo 6º do art. 18 da Lei n. 9.430/1996 (redação original), é inegável que a intenção do legislador foi no sentido de esclarecer que tais valores são dedutíveis como custo, sem se submeterem ao controle de preços de transferência. Os tributos incidentes na importação são encargos de natureza legal e com valores derivados da lei, portanto, infensos às eventuais manipulações de preços entre partes vinculadas.

Se é assim com os tributos, também deve ser assim com os gastos de frete e seguro, que recebem o mesmo regramento legal pelo mesmo dispositivo.

A prevalecer entendimento diverso, estar-se-á introduzindo, por via oblíqua, uma limitação à dedutibilidade de custos pagos pelo contribuinte à União Federal (no caso dos tributos aduaneiros) ou a terceiras empresas com as quais o contribuinte não tem nenhum vínculo, como é o caso das despesas com frete e seguro contratadas com terceiros. Se fosse essa a intenção do legislador, deveria ter sido expressa, o que definitivamente não ocorreu no caso em estudo.

Aliás, como já dito, o caput do art. 18 da Lei n. 9.430/1996 é claro ao estabelecer uma limitação à dedutibilidade de despesas com “os custos, despesas e encargos relativos a bens, serviços e direitos, constantes dos documentos de importação ou de aquisição, nas operações efetuadas com pessoa vinculada”. Assim, é evidente que os pagamentos efetuados a pessoas não vinculadas, a título de frete, seguro ou tributos aduaneiros, estão fora do âmbito de aplicação das regras de preço de transferência.

Em coerência com o disposto acima, o parágrafo 6º do art. 18 da Lei n. 9.430/1996 estabelece que “integram o custo, para efeito de dedutibilidade, o valor do frete e do seguro, cujo ônus tenha sido do importador e os tributos incidentes na importação”. Em termos práticos, ao estabelecer que os valores relativos a frete, seguro e tributos aduaneiros integram o custo, esse dispositivo apenas evidencia que tais valores são dedutíveis para o contribuinte-importador, não se sujeitando ao controle de preços de transferência.

Em verdade, a razão de ser do parágrafo 6º do art. 18 da Lei n. 9.430/1996 reside no fato de que a importação pode ser realizada sob o regime CIF, no qual o exportador (vendedor) fica responsável pelas despesas com transporte e seguro. Por isso, a redação do dispositivo apenas esclarece a possibilidade de dedução dos custos relativos a frete e seguro, “cujo ônus tenha sido do importador”, ou seja, nos casos em que a importação tenha sido realizada na modalidade FOB. Tanto é assim que para os tributos incidentes na importação, que consubstanciam sempre ônus do importador, não há qualquer ressalva relativa ao ônus do tributo.

Neste contexto, note-se que o art. 18 da Lei n. 9.430/1996 é claro no sentido de que o “preço-parâmetro” deve ser comparado com os documentos de importação (Declaração de Importação) da empresa brasileira adquirente, como se pode verificar de seu parágrafo 5º, já transcrito.

O propósito da norma acima é exatamente a comparação do “preço-parâmetro” com o valor efetivamente pago/incorrido junto à pessoa vinculada no exterior. Atente-se, neste caso, para o fato de que o parágrafo 5º não mencionou a palavra “custo”, mas sim “valor de aquisição”. Isso ocorreu porque não se fala em custo em seu sentido técnico, pois o que realmente interessa, neste caso, é o valor de aquisição do produto importado.

Ao estabelecer que os valores relativos a frete, seguro e tributos aduaneiros integram o custo, a lei apenas evidencia que tais valores são dedutíveis para o contribuinte-importador, desde que atendidas as respectivas regras gerais de dedutibilidade, não se sujeitando ao controle de preços de transferência.

A interpretação que aqui se defende é confirmada pelo fato que a norma em questão está inserida em um parágrafo do art. 18 da Lei n. 9.430/1996. Como se sabe, os parágrafos nunca podem contrariar a regra do caput, servindo apenas para esclarecê-la ou excepcioná-la. Se o caput do art. 18, como visto, estabelece que o preço praticado, para fins de comparação com o preço-parâmetro, é aquele contratado junto a partes vinculadas, não poderia o seu parágrafo 6º contrariá-lo frontalmente, determinando que valores pagos junto a terceiros sejam incluídos no preço praticado.

De fato, é princípio fundamental de hermenêutica jurídica que os parágrafos de cada dispositivo legal unem-se, indissociavelmente, ao caput, não tendo existência autônoma. As diretrizes de exegese jurídica, inclusive adotadas pela Administração Pública e pela jurisprudência, sempre prescreveram que os parágrafos subordinam-se ao caput do preceptivo legal, do qual são normas dependentes ou complementares.

Como normas dependentes ou complementares, os parágrafos são verdadeiras subordens em relação à ordem principal emanada do caput. Assim, o conjunto de disposições contidas no caput e nos parágrafos de um mesmo artigo devem se unir para formar um todo integrado de comandos normativos, tendo um objeto comum. Ademais, é possível que os parágrafos exprimam situações de exceção à norma do caput, mas sempre mantendo com ele um conjunto normativo integrado e destinado a objeto comum.

A recomendação doutrinária quanto a tal método de técnica legislativa acabou por se transformar em lei quando a Lei Complementar n. 95, de 26 de fevereiro de 1998, disciplinadora do processo legislativo, estabeleceu, em seu art. 11, inciso III, letra “c”, que os parágrafos devem expressar os aspectos complementares à norma enunciada no caput, ou as exceções à regra por este estabelecida.

Por isso, é válido concluir que o parágrafo 6º do art. 18 cumpriu sua função de esclarecer a regra geral do caput, deixando claro que os valores de frete seguro e imposto de importação “integram o custo para efeito de dedutibilidade” (leia-se: são dedutíveis, observadas as demais disposições aplicáveis), a par do controle de preços de transferência.

Além disso, partindo da premissa de que o parágrafo 6º está subordinado ao caput, é forçoso reconhecer que ele também se estende aos outros métodos relacionados às importações. Isso porque, como visto acima, o parágrafo 6º é norma relacionada ao caput do artigo 18, que trata do PIC, CPL e PRL. Logo, o parágrafo 6º é relacionado aos três métodos, porque os três estão mencionados e definidos nos incisos do caput.

Ora, o caráter geral e abrangente da redação do parágrafo 6º - que não se apresenta como exceção à norma do caput, e que não tem qualquer indicação de ser norma dirigida apenas ao método PRL - demonstra que ele deve ser aplicado tanto ao método do PRL, quanto aos demais métodos.

Seguindo adiante nessa linha de raciocínio, cabe investigar como o parágrafo 6º se comporta perante os outros dois métodos, a fim de examinar se faz algum sentido acrescer frete, seguro e impostos aos preços de importação.

Pois bem. No Método dos Preços Independentes Comparados - PIC, não há qualquer sentido em se cogitar dos valores de despesas de frete, seguro e tributos aduaneiros, porque se compara diretamente o preço da operação vinculada com o preço praticado com terceiros independentes. Ademais, o Método do Custo de Produção mais Lucro - CPL somente leva em conta os custos no país de origem, mais os impostos cobrados por este e a margem de lucro legal.

Daí que, se o parágrafo 6º se aplica a esses outros dois métodos e os valores por ele abrangidos não têm qualquer relevância para o sistema comparativo que regem, é forçoso reconhecer que o mesmo se impõe ao PRL.

Em conclusão, assim como no PIC e no CPL, não há razão para adicionar frete e seguro ao preço de importação, também para o PRL não há qualquer motivo para tanto, fato que confirma a proposta de interpretação que acima defendemos.

Em vista disso tudo, a única explicação que se pode extrair do citado parágrafo é que ele, efetivamente, prescreve que as despesas de frete, seguro e tributos de importação, suportados pelo importador, são custos cuja dedutibilidade independe do controle de preços de transferência, não influindo na comparação feita por qualquer dos métodos.

Além disso, não se pode perder de vista que a interpretação do Fisco, a qual combatemos neste estudo, ao pretender restringir a dedutibilidade de despesas com frete, seguro e tributos, conflita com outras normas do ordenamento jurídico brasileiro, principalmente o artigo 47 da Lei n. 4.506/1964, que diz serem dedutíveis as despesas necessárias, usuais e normais, e o artigo 41 da Lei n. 8.981/1995, segundo o qual os tributos são dedutíveis para fins de apuração do lucro real. Não há qualquer suspeita de que a Lei n. 9.430/1996 tenha pretendido revogar ou excepcionar tais regras, ainda que implicitamente. Esse conflito normativo, por si só, demonstra a incoerência da interpretação que aqui discutimos, geralmente defendida pela fiscalização federal.

O tema em questão foi decidido pela Câmara Superior de Recursos Fiscal (CSRF) nos autos do Processo Administrativo n. 16327.000966/2002-74 (Acórdão n. 9101-01166). Por sua clareza, vale transcrever breve trecho do voto proferido pela conselheira relatadora Karem Jureidini Dias:

“Não há, portanto, que se falar em inclusão de frete e seguro no preço praticado a depender da inclusão no preço parâmetro, já que o preço parâmetro é presunção legal. Nessa toada, a despeito do moralmente irreparável entendimento que caminha no sentido de aproximar o método de apuração do preço parâmetro da realidade, fato é que a conclusão diverge do que determina o ordenamento jurídico.”

Além dessa decisão, o Acórdão n. 1102-00302, de 1º de setembro de 2010, da 2ª Turma Ordinária da 1ª Câmara da 1ª Seção do Carf, adotou mesmo entendimento, como se verifica pela sua ementa:

“IRPJ - CSLL - Preços de Transferência - Método do Preço de Revenda Menos Lucro (PRL) - Fretes, Seguros e Tributos Incidentes na Importação - Os valores de frete, seguro e imposto de importação são custos efetivos do contribuinte que não foram pagos diretamente a pessoas vinculadas e, deste modo, não podem fazer parte do preço parâmetro.”

A despeito desses precedentes, ainda há controvérsia na jurisprudência a respeito do tema.

3. Conclusões

Em suma, considerando que:

i) as regras brasileiras de preços de transferência destinam-se ao controle dos preços praticados entre partes vinculadas; não controlam o preço praticado junto a partes independentes;

ii) o art. 18 da Lei n. 9.430/1996, ao tratar do preço praticado para efeito de comparação com o preço-parâmetro, referiu-se, como não poderia deixar de ser, apenas ao preço praticado junto a pessoas vinculadas, constante dos documentos de importação;

iii) as normas brasileiras de preços de transferência têm a peculiaridade de estabelecer limites de dedutibilidade nas importações por meio de um sistema de métodos previstos em lei, rígido e fechado, que não admite modificações ou temperamentos por meio de interpretação;

iv) nesse contexto, eventuais imprecisões ou distorções no PRL somente podem ser corrigidas por alteração legislativa, o que aliás, até veio a ocorrer na Lei n. 12.715/2012 (que pretendeu expurgar frete, seguro e o imposto de importação do PRL, sem tratar do preço praticado);

v) a melhor interpretação ao antigo parágrafo 6º do art. 18, cuja redação foi alterada pela Lei n. 12.715/2012, é no sentido de que ele apenas esclarece que os gastos com frete e seguro, quando suportados pelo importador, são dedutíveis, a par das regras de preços de transferência;

concluímos que frete e seguro, quando pagos a terceiros, e tributos incidentes na importação, não podem ser incluídos no preço praticado, para efeito de comparação com o preço-parâmetro, apurado com base no PRL, ou qualquer outro método. Por mais que se admita que a exclusão de tais despesas do preço praticado resulte na comparação de grandezas diferentes, essa possível distorção no cálculo somente pode ser corrigida por lei, nunca via interpretação, devendo a lei alterar o preço-parâmetro, e nunca o praticado, como, aliás, ocorreu na Lei n. 12.715/2012.

1 O item 12 da exposição de motivos que acompanhou a Lei n. 9.430/1996 deixa bastante claro quais foram os objetivos pretendidos pelo legislador com a introdução das regras de preços de transferência: “As normas contidas nos artigos 18 a 24 representam significativo avanço da legislação nacional face ao ingente processo de globalização experimentado pelas economias contemporâneas. No caso específico, em conformidade com as regras adotadas da OCDE. São propostas normas que possibilitem o controle dos denominados Preços de Transferência, de forma a evitar a prática, lesiva aos interesses nacionais, de transferências de recursos para o Exterior, mediante a manipulação dos preços pactuados nas importações ou exportações de bens, serviços ou direitos, em operações com pessoas vinculadas, residentes ou domiciliadas no Exterior.

2 Recentemente, a Lei n. 12.715/2012, que resultou da conversão da Medida Provisória n. 563/2012, promoveu a unificação dos métodos de cálculo PRL-20 e do PRL-60, com a fixação de margens de lucro diferenciadas por segmento econômico. Essas alterações legislativas, que serão comentadas adiante, são irrelevantes para a discussão ora examinada.

3 Cf. XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 321.

4 Cf. OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 843.

5 A alteração legislativa, em que pese tenha pretendido eliminar a controvérsia em questão, não expurgou completamente o frete, o seguro e tributos aduaneiros no cálculo do preço-parâmetro, fazendo-o apenas em relação ao chamado percentual de participação. Assim, a modificação introduzida não encerra a controvérsia. Em todo caso, esse tema deve ser objeto de um estudo específico.