Responsabilidade por Infrações em Matéria Tributária: Reconsiderações acerca do Art. 136 do Código Tributário Nacional
Caio Augusto Takano
Advogado em São Paulo.
Leonardo Ogassawara de Araújo Branco
Advogado em São Paulo.
Resumo
Este artigo destaca e analisa o tema da responsabilidade tributária por infrações e, mais especificamente, se o art. 136 do Código Tributário Nacional define ou não uma responsabilidade objetiva (independente de culpa).
Palavras-chave: responsabilidade objetiva, responsabilidade subjetiva, infração, sanção.
Abstract
This article highlights and analyses the subject of the tax liability by infractions and, more specifically, if the article 136 of the Brazilian’s Internal Revenue Code determines or not an objective liability (regardless of guilt).
Keywords: objective liability, subjective liability, infraction, sanction.
1. Introito
O tema da responsabilidade por infrações não tem sido objeto de atenção ou estudos aprofundados pela doutrina especializada1. A afirmação corrente de que o art. 136 do CTN instituiu a “responsabilidade objetiva” em matéria tributária, sem maiores indagações ou reflexões sistêmicas, denuncia que o conteúdo deste dispositivo pertence ao conjunto de conceitos que, considerados como “óbvios”, costumam ou não ser analisados ou ser analisados superficialmente, exatamente por serem “demasiadamente óbvios” para merecer qualquer análise mais profunda, comportamento que recebeu incisivas críticas de Alfredo Augusto Becker2.
Consectário disso é o inadequado tratamento que vem recebendo o referido dispositivo, principalmente pela Administração Pública, que, vezes sem conta, impõe pesadas sanções tributárias, com fundamento “responsabilidade objetiva” do agente por ilícitos fiscais e na existência de dano ao erário público.
Contudo, quem assim procede, parece não considerar que, como bem apontou Ricardo Mariz de Oliveira, a sanção tributária não possui como única função a reposição de danos causados ao erário público, mas igualmente apresenta as funções punitiva e preventiva (intimidatória) de novas infrações3, o que, a nosso ver, torna imprescindível o exame da culpabilidade do infrator no caso concreto.
Evidencia-se, assim, a importância de se investigar o conteúdo do art. 136 do Código Tributário Nacional, de modo a permitir que deste dispositivo não se reconheça um “cheque em branco” ao legislador para que penalize livremente aquele que ocupa o polo passivo da relação tributária, mas, ao revés, se reconheça a delimitação de pressupostos para aplicação de sanções decorrentes do descumprimento da legislação tributária, de modo a proteger o contribuinte de injustificadas imposições de sanções.
O presente estudo tem como proposta trazer algumas reflexões em torno dos pressupostos e limites para a aplicação do art. 136 do CTN, visando estabelecer diretrizes seguras para sua interpretação e aplicação à luz do sistema jurídico brasileiro.
2. As Sanções em Matéria Penal e Tributária: Fundamentos e Limites a sua Aplicação
A culpabilidade como vínculo psicológico que une o autor ao fato por meio da presença ou ausência de intenção (dolo) e prudentia moveu o sistema clássico do Direito Penal, sem dar conta, porém, de explicar as situações antijurídicas não puníveis, o que levou autores como Edmund Mezger à admissão da ideia de “poder agir de outro modo” como fundamento adicional necessário da reprobabilidade das ações humanas4. É com Hans Welzel, durante a primeira metade da década de 1930, que se passa a admitir que toda conduta humana se funda em uma finalidade5: ainda que no dolo ela se manifeste em consciência e vontade, na culpa ela opera como potencial consciência da ilicitude6. O pressuposto finalista foi incorporado pelo Direito brasileiro, que optou por consagrar a excepcionalidade da modalidade culposa como requisito mínimo para a imputação penal.
É passível de punição, sob tais premissas, o indivíduo que, podendo agir de outro modo, e ainda que apenas potencialmente consciente das finalidades de sua conduta, incorre no ato antijurídico (delito)7 que implica uma sanção8. O conteúdo subjetivo da ação infracional decorre de previsão constitucional, e funciona como instrumento viabilizador e mensurador da punição. Nilo Batista entende a culpabilidade como “repúdio a qualquer espécie de responsabilidade pelo resultado, ou responsabilidade objetiva”, sendo a reprovabilidade da conduta, “núcleo da ideia de culpabilidade”9.
Winfried Hassemer enfatiza que mesmo as noções funcionalistas do Direito Penal, ao optarem por uma aproximação entre a dogmática e a política criminal, tampouco se aproximam da responsabilização objetiva10. Claus Roxin, em refinada construção teórica, tendo por objetivo conceder maleabilidade ao Direito Penal, remete a culpabilidade a um conceito superior de “responsabilidade”, integrado pelos pressupostos preventivos de necessidade da pena, sem excluir, em nenhum momento, o requisito da culpa. Assim, a responsabilidade, mesmo sendo uma noção expandida de culpabilidade em comparação com as doutrinas finalistas, não deixa de considerar a culpa (subjetividade): a estrutura da infração passa a ser composta também pela satisfação das necessidades preventivas11.
Afirmar a aplicação da responsabilidade objetiva é caminhar em sentido inverso ao da apresentação da chamada doutrina das boas razões, na medida em que tem por objeto desobrigar o aplicador do ônus da produção de provas e argumentos. Afasta-se, com isto, do direito penal do cidadão e se aproxima da ideia do direito penal do inimigo, tal como formulado por Günther Jakobs, ao tratar o contribuinte não como um importante e necessário interlocutor no momento da formação do crédito (crédito-tributo ou crédito-penalidade), mas como fonte de perigo permanente12: seja nas grandes tomadas de posição, ao se realizar a defesa de uma responsabilidade objetiva, seja nos pequenos detalhes do cotidiano, ao se deixar de intimar o contribuinte para a prestação de esclarecimentos no caso de dúvida. A proposta contrária, por sua vez, busca refletir sobre tal substrato teórico de modo a diminuir o alheamento entre o subsistema tributário e o penal, rumo a uma aproximação epistemológica que ganhe efetividade no campo das justificativas.
A convergência é tal que Hector Villegas não diferenciava entre Direito Penal Tributário e Direito Tributário Penal. A respeito do tema da culpa, em 1974, observou ser, em diferentes países, o tema do aspecto subjetivo da infração tributária um dos mais controvertidos, tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Pela objetividade pura, escreveram Posadas Belgrano, Alberto Spota e também Giuliani Fonrouge que, assim como Rafael Bielsa, por outro lado, reconheceu o que chamou de evolução da doutrina de seu tempo “de um conceito objetivo até a tese subjetivista”, a exemplo de Albert Hensel13.
Dino Jarach, ao promover o aprofundamento da relação entre os dois sistemas, afirma que também em matéria de ilícitos tributários não se presume a culpa, mas a inocência, e que o ônus da prova recai sobre o acusador, o que encontraria eco na doutrina brasileira, a ponto de Geraldo Ataliba questionar: “a quem compete o estudo da legislação repressiva tributária: aos penalistas ou aos tributaristas?”14 Buscaremos, nas páginas seguintes, antes de apresentar a nossa abordagem sobre a culpabilidade do agente no caso de infrações tributárias, desenvolver alguns desdobramentos desta indagação, que nos serão mais úteis na medida em que desembocarem em terreno comum tanto ao Direito Tributário Penal como ao Direito Penal: o conteúdo jurídico-implicacional da sanção15.
3. O Direito Tributário Penal e suas Implicações ao Estudo das Infrações em Matéria Tributária
Nada obstante inexistir qualquer critério ontológico que diferencie as infrações administrativas das infrações penais, mas sua distinção ser meramente formal (cabendo ao legislador a opção por incluir determinada infração em uma categoria ou em ambas)16, isto não significa que o ordenamento jurídico confira identidade de tratamento a ambas.
Como observa Luís Eduardo Schoueri, a competência para instituição de sanções tributárias advém do ius tributandi, i.e., da própria atribuição de competência (legislativa) tributária17, distanciando-se, portanto, da fundamentação das sanções decorrentes do ius puniendi estatal, tais quais aquelas inseridas no âmbito do Direito Penal. A assertiva é relevante, pois, se diferentes são as suas fundamentações, consequentemente distintos serão seus regimes jurídicos.
Daí a relevância de reconhecer, sem olvidar as divergências doutrinárias que circunscrevem a questão18, o Direito Tributário Penal como um ramo didaticamente autônomo do Direito, que visa regular as penalidades impostas pela Administração Pública, em matéria tributária, decorrentes do não cumprimento de obrigações tributárias principais ou deveres instrumentais19. É que esta separação didática permitirá melhor compreensão das peculiaridades do regime jurídico das sanções punitivas decorrentes de ilícitos administrativos em nosso ordenamento jurídico.
Com efeito, na aplicação das sanções administrativas decorrentes de infrações tributárias, diversos princípios jurídicos tradicionalmente considerados típicos do Direito Penal se interpenetram no regime jurídico eminentemente tributário que disciplina a matéria. Ou seja, vige a permeabilidade de princípios, pela qual alguns princípios do Direito Penal são estendidos ao Direito Tributário Penal20. Decorrência, a nosso ver, do cânone hermenêutico da totalidade do sistema jurídico21.
Por isso, assiste razão a Fábio Fanucchi, ao afirmar:
“Daí por que, para a solução dos casos tributários penais, há de se observar todos os princípios jurídicos que regem o direito penal, a começar pelos mais importantes deles, pelos efeitos que são capazes de gerar: o da inexistência da infração e da pena, se a lei não as descreve e comina com anterioridade (nullum crimen, nulla poena, sine lege); o da solução das dúvidas em favor do infrator (in dubio pro reo); o da retroatividade da lei mais benigna ao infrator; o de que a pena não passa da pessoa do infrator para terceiros.”22
Neste ponto, deve-se observar que tais princípios são aplicáveis sempre que houver pretensão punitiva, seja de natureza penal ou administrativa.
Se assim é, a rigor, não seria necessária qualquer menção explícita a eles na disciplina das infrações tributárias. Nada obstante, não foi esse o caminho trilhado pelo legislador nacional. Preferiu positivar tais princípios também na legislação tributária, explicitando a imposição de sua aplicação em matéria sancionatória, e assim extirpando quaisquer dúvidas sobre a sua imperatividade.
Daí por que, se o legislador complementar não precisaria, pela própria coerência interna do sistema jurídico, mas optou por fazê-lo, importa compreender a relevância da enunciação expressa desses princípios em nosso ordenamento jurídico. E, neste ponto, a intenção do legislador é clara: limitar o poder sancionatório estatal em matéria tributária.
É que os princípios jurídicos, no sentido que se utilizará neste estudo, consistem em critérios diretivos que permitem a justificação de decisão jurídica, i.e., são elementos de coerência e racionalidade do sistema jurídico que agem como parâmetros adotados pelo legislador para justificar o tratamento diferenciado daqueles que não se encontram em situação equivalente, visando à realização do princípio da isonomia23. Atuam, portanto, como norteadores da interpretação e aplicação das demais normas jurídicas do sistema, de modo que, uma vez escolhidos tais parâmetros, cabe ao legislador e ao aplicador do Direito adotá-los coerente e consistentemente, sob pena de caracterizar o arbítrio24.
Incorporando expressamente aqueles princípios vigentes no Direito Penal à matéria tributária, como parâmetros de aplicação coerente das normas jurídicas do Direito Tributário Penal, impôs o legislador a adoção consistente desses parâmetros. Em outras palavras, a positivação desses critérios no ordenamento jurídico implica a obrigatoriedade de sua observância inclusive pela Administração Pública.
Assim, cumpre analisar, brevemente, os principais aspectos de cada um desses princípios, cujo espectro de atuação foi estendido ao Direito Tributário, permitindo a compreensão do regime jurídico das infrações tributárias.
A começar pela extensão do princípio da legalidade estrita como requisito para a imposição de normas sancionatórias. Por força do art. 97, inc. V, do CTN, a penalidade não apenas decorre de lei, como deve ser nela prevista25. A conformação da norma sancionadora (tanto seu antecedente quanto seu consequente) foi reservada à lei ordinária, em sentido formal e material26, razão pela qual a vetusta parêmia “nullum crimen, nulla poena, sine lege” permanece válida ao sistema jurídico atual.
Ademais, cumpre observar que a necessidade de previsão abstrata e genérica da infração tributária e da sanção dela decorrente é consectária da função intimidatória da pena, porquanto esta impõe que haja a possibilidade de livre opção do indivíduo entre, pelo menos, dois caminhos possíveis: entre a conduta lícita, cuja realização é desejada pelo Direito, e a conduta ilícita, a qual é atribuída penalização27.
O princípio da interpretação mais benéfica (in dubio pro reo) foi igualmente incorporado ao Direito Tributário, pelo art. 112 do CTN, referindo-se exclusivamente às penalidades. Não se trata de interpretação mais benéfica em favor do contribuinte, mas, como enfatizou Fábio Fanucchi, de solução mais benéfica em favor apenas do infrator28.
Também ao infrator é aplicável o princípio da retroatividade da lei mais benigna, sempre que uma determinada situação deixe de configurar infração à legislação tributária ou quando a penalidade cominada pela lei vigente seja menos severa do que aquela existente quando da prática do ilícito, consoante o art. 106 do CTN. Cumpre atentar para importante uma limitação: somente se aplica a regra a “ato não definitivamente julgado”29.
Por fim, houve a extensão do princípio da pessoalidade da pena à matéria tributária, de modo que as sanções não poderão passar da pessoa do infrator. É em virtude da existência desse importante princípio a razão pela qual o CTN afastou a possibilidade de se imputarem penalidades a pessoa diversa daquela que efetivamente infringiu a norma tributária, nos casos de responsabilidade por sucessão (em seus arts. 131 a 133) e de terceiros (art. 134).
Consoante os ensinamentos de Luís Eduardo Schoueri, a utilização do termo “tributo”, e não “crédito tributário”, nesses dispositivos, revela a opção do legislador de excluir da responsabilidade tributária as penalidades pecuniárias, abrangidas pelo conceito de “crédito tributário”, mas não de “tributo”, nos termos do CTN30. Contudo, a aplicação deste princípio não se circunscreve exclusivamente nas situações previstas nesses quatro dispositivos, mas em qualquer questão referente à responsabilidade em matéria tributária.
Esses são os princípios incorporados pelo Direito Tributário de maior relevo ao estudo31. Como parâmetros, norteadores do sistema jurídico, deverão ser seguidos por todo aplicador do Direito, sob pena de violação à isonomia. Neste ponto, a indagação que se faz é: a responsabilidade objetiva coaduna com o regime jurídico acima descrito?
A questão será respondida oportunamente. O importante, neste momento, é consignar que qualquer proposta de interpretação do art. 136 do CTN deverá levar em consideração, para que obtenha êxito, as peculiaridades do regime jurídico específico no qual está inserido, especialmente os princípios informadores deste regime.
4. A Interpretação do Art. 136 do Código Tributário Nacional pela Doutrina Brasileira
A interpretação do art. 136 do CTN tem suscitado bastante polêmica entre aqueles que se dedicaram a investigar seu conteúdo e alcance. Estabelece o referido dispositivo:
“Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.”
Como se nota, ao referido artigo falta a clareza necessária para se afirmar, de modo peremptório, quais são os requisitos necessários para a configuração da responsabilidade por infrações tributárias: se necessita de um elemento subjetivo ou apenas de um elemento objetivo. A questão é tormentosa. Embora haja consenso sobre a prescindibilidade do elemento doloso (“intenção do agente”), a doutrina se divide no tocante à necessidade de outro elemento subjetivo para a configuração do ilícito tributário.
Há fortes manifestações na doutrina tradicional perfilhando a consideração objetiva das infrações tributárias (independência de dolo ou culpa) e, consequentemente, de sua responsabilidade. Em açodada inferência, sustentam que as infrações tributárias, diferentemente das penais, são meramente formais, prescindindo, salvo disposição legal expressa, da intenção do agente, bem como a natureza e a extensão dos efeitos do ato ilícito32. Em relação a isto, explica Bernardo Ribeiro de Moraes que a referida independência em relação à intenção do agente ou dos efeitos do ilícito se dá justamente porque a infração tributária possui natureza administrativa, e não civil ou penal33.
No mesmo sentido, Paulo de Barros Carvalho vê no dispositivo “uma declaração de princípio em favor da responsabilidade objetiva”, ainda que não em termos absolutos34, e José Eduardo Soares de Melo, para quem as sanções administrativas, dentre as quais as tributárias, decorrem de responsabilidade objetiva35.
Rubens Gomes de Sousa, em relatório apresentado à Comissão Especial para a elaboração do projeto do Código Tributário Nacional, fundamenta a consideração objetiva das infrações tributárias pelo fato de estas não possuírem qualquer conteúdo jurídico próprio (somente configuram um ilícito em conexão com a obrigação tributária) e não possuírem quaisquer efeitos práticos que não o descumprimento de uma obrigação tributária (principal ou acessória), razão pela qual se justificaria a presunção absoluta de que a motivação do infrator tenha sido aquele descumprimento36.
Igualmente, Ricardo Lobo Torres é incisivo ao afirmar a irrelevância de dolo ou, até mesmo, de culpa na configuração da infração tributária, e, consequentemente, seja imputada a responsabilidade àquele que o comete. Em nada modificaria, tampouco, a inexistência de dano ou prejuízo à Fazenda Pública que seja resultante daquele ato37. Neste sentido, também Dejalma de Campos, que considera a responsabilidade tributária como sendo “puramente objetiva”38, e Zelmo Denari, para quem caberia subjetividade somente para crimes e contravenções, mas não para infrações tributárias39.
Daí por que ser comum a conclusão, daqueles que aderem a esta corrente, de que o art. 136 do CTN recomenda (insinua) a consideração objetiva do ilícito fiscal, como regra, ainda que seja conferida ao legislador ordinário a possibilidade de se considerar a subjetividade do agente40.
De outro lado, significativa parcela da doutrina brasileira não coaduna com tal conclusão e rejeita a possibilidade de se cogitar em aplicação de sanção, ainda que de natureza administrativa, sem que haja um mínimo de subjetividade na conduta do agente infrator, sob o argumento de que o referido artigo apenas exclui o dolo para a configuração do ilícito tributário, não dispensando a necessidade de culpa do agente infrator41.
Esta é a posição de Luciano Amaro que, afastando tais interpretações do enunciado do art. 136 do CTN, aduz que a citada independência de intenção do agente implica unicamente a irrelevância da presença de dolo. Com efeito, o próprio art. 108, inc. IV, daquele mesmo código, ao impor a equidade na aplicação da legislação tributária pelas autoridades administrativas, bastaria para afastar sanções em situações em que não se justifiquem em virtude de suas circunstâncias pessoais ou materiais42.
Outrossim, do art. 112 do CTN decorreria a consideração da culpa para a imputação de sanções tributárias, uma vez que por decorrência deste dispositivo legal haveria expressa vedação de que o aplicador deixe de considerar a natureza ou as circunstâncias materiais do fato ilícito, sua natureza e seus efeitos43.
Ruy Barbosa Nogueira, com base nas lições de Ernst Blumenstein, sustenta que a ocorrência da infração tributária pressupõe, no mínimo e necessariamente, a culpabilidade do agente. E, citando o art. 100, parágrafo único; art. 161, parágrafo 2º; e art. 138, todos do CTN, conclui que, em razão do princípio da boa-fé, pelo qual se exclui a culpa do contribuinte, este não poderia ser punido se agiu em conformidade com instrução ou informação da autoridade administrativa44.
Ives Gandra da Silva Martins lamenta a opção do legislador de 1966 ao afastar todo um capítulo dedicado a infrações que constava do anteprojeto de Rubens Gomes de Souza, “ficando com a insuficiência notória dos 3 dispositivos ofertados à configuração de direito tributário infracionário”45. Entende que o artigo se volta à impessoalidade da infração, infenso ao grau de intensidade das faltas cometidas, e que o prejuízo por ele causado apenas não é maior porque o legislador ordinário corrige esta falha, buscando punir, sempre que possível, a intenção do agente. O autor aponta, ainda, que a responsabilização objetiva é um “princípio ultrapassado no direito penal e tributário” e que representa “a volta ao primitivismo jurídico”46.
Argumenta-se, ainda, que a exigência de culpa, em seu sentido estrito, é decorrência natural do direito sancionatório, razão pela qual a configuração da responsabilidade independerá unicamente do dolo do agente na prática do ato ilícito, não sendo possível afastar a exigência de culpa47. Esta é a posição de Hugo de Brito Machado que, distinguindo as sanções decorrentes do não cumprimento de obrigações tributárias em punitivas e execução forçada do tributo devido, afirma que apenas nesta última hipótese a responsabilidade prescindiria totalmente de um elemento subjetivo48.
Esta já era, aliás, a posição do autor no ano de 1980, quando fez referência a uma discussão travada na Pontifícia Universidade Católica, cinco anos antes, entre Alberto Xavier, Cleber Giardino e Fernando Coelho sobre a possibilidade de uma empresa que, tendo seus depósitos bancários penhorados, deixa de recolher um tributo. Relata Hugo de Brito Machado que os debatedores chegaram à conclusão de que não seria possível a sua punição com multas e mora, pois o art. 153, parágrafo 13 da Constituição de 1967, com a Emenda Constitucional de 1969, realizava a exigência de culpabilidade, não sendo possível ao CTN consagrar, portanto, por completa incompatibilidade, uma responsabilidade objetiva49.
Por fim, Renato Lopes Becho, quase a latere, cuida rapidamente do dispositivo, que considera ter elevado a responsabilidade por infrações à legislação tributária ao grau objetivo. Porém, se o discurso é no sentido da objetividade, o tom da afirmação é de verdadeiro desconforto: “excluindo uma ampla gama de temas afetos precisamente à legislação criminal”50. Em outras palavras, percebe haver uma incompatibilidade teórica por, ao versar sobre infrações, ter passado ao largo “precisamente” da legislação criminal, i.e., se acaso o Código busca cuidar de tal matéria, então nada mais razoável do que tomar como referência o Direito Penal, convergência esta que deveria ser, portanto, recuperada e reconstruída. Apesar da peremptória contraposição que realiza entre o art. 136 e o art. 137 do CTN, tudo indica haver em sua posição um gérmen de desconforto tendente à subjetividade que buscaremos desenvolver ao longo deste estudo e que, por isso, em nosso entendimento, não nos permite colocá-lo entre os adeptos da “corrente objetivista pura”.
Não há, como se vê, um entendimento pacífico na doutrina sobre o sentido e alcance do art. 136 do CTN. Nada obstante, parece que os argumentos a favor da objetividade da responsabilidade por infrações tributárias vêm perdendo sua consistência, inclusive pelo reconhecimento, de seus defensores, que a regra não é absoluta, podendo ser modificada não apenas pela legislação ordinária, como também sua aplicação poderá sofrer mitigações a depender das condições fáticas de cada caso.
Impende notar, pois, que mesmo aqueles que propugnam pela responsabilidade objetiva não ignoram a potencial aplicação da equidade para a interpretação do art. 136 do CTN, para afastar a sua aplicação51. Neste sentido, inclusive, diversas manifestações do Superior Tribunal de Justiça, “temperando a objetividade” da responsabilidade por infrações tributárias52. E, neste ponto, cabe a indagação: no que consistiria o “temperamento” da aplicação da responsabilidade objetiva senão o reconhecimento da relevância da subjetividade do agente infrator para a aplicação de sanções tributárias?
Igualmente, não olvidam esses doutrinadores que a constatação da boa-fé do infrator poderá ensejar na atenuação da sanção administrativa ou mesmo na não aplicação da responsabilidade “objetiva” e consequente penalização53. Podemos citar, por exemplo, que a consideração da boa-fé tem justificado o cancelamento de autos de infrações lavrados sob o manto da “responsabilidade objetiva” por aquele tribunal superior54.
Eis os argumentos frequentemente encontrados nos textos de nossa doutrina brasileira. Até o momento, foi realizada uma exposição dos posicionamentos possíveis sem qualquer juízo de valor sobre eles. Cumpre-nos, agora, propormos a interpretação deste dispositivo que melhor coadune, a um só tempo, com a teoria das sanções e com as exigências ínsitas de nosso sistema jurídico tributário.
5. Algumas Considerações sobre os Pressupostos e Limites do Art. 136 do CTN
Para construir a proposta que apresentamos neste estudo, parte-se de terreno menos tormentoso na doutrina, afirmando-se que, salvo disposição legal expressa em sentido contrário, a infração prevista pelo art. 136 do CTN não depende de uma intenção, de um querer doloso, para que o agente que pratica um determinado ato, considerado ilícito, seja por ele responsabilizado. Tal delito, nascido independentemente de um desejo seu, será a condição para a aplicação de uma sanção, sem que desta afirmação se extraia um desdobramento ético: seja no plano normativo, na medida em que não se cogita uma ação contra o direito, mas a mera cominação daquilo que juridicamente se prevê como ilícito na dinâmica do dever inflexível das proposições de conformação lógica (PÕQ), seja no plano do mundo, pois a responsabilização independerá de um determinado animus do agente55.
Sob este prisma, estabelece-se a sanção como um instrumento pelo qual se busca ocasionar uma conduta desejada pelo legislador, seja o seu caráter de reparação ou de punição. E isto ocorre devido ao fato de, apesar de compartilharem uma natureza de formato implicacional, a “sanção civil sempre consistir em uma privação de alguma posse econômica”, diferente da “multa, que é uma sanção criminal”. O que se altera não é a estrutura normativa, mas o propósito da norma: seja o ressarcimento, no caso da sanção civil, seja a retribuição, coibição ou prevenção, no caso da sanção penal56.
Assim seria o caso de um contribuinte que escritura a saída da mercadoria e recolhe os tributos, mas se esquece de emitir a nota fiscal respectiva, perfazendo uma infração, ainda que de seu ato não resulte prejuízo à Fazenda57. Segundo o texto em análise, não serão critérios válidos de discrímen aptos a afastar a aplicação do dispositivo o fato de ter havido ou não a chegada ao seu destino (efetividade), tratar-se do descumprimento de mera obrigação acessória, e não de uma obrigação principal que, ademais, foi cumprida (natureza), ou ter a mercadoria atravessado uma ou mais fronteiras (extensão). Por regra de dedução, infere-se: a responsabilidade poderá eventualmente ser elidida por outros motivos ou critérios - mas não por estes.
O agir negligente do contribuinte em um dado momento deve, portanto, implicar uma resposta do Estado, que o considerará responsável, e.g., a recolher uma determinada quantia. Como não houve prejuízo ao erário público, esta obrigação não terá o caráter ressarcitório (sanção-ressarcimento), mas um caráter punitivo (sanção-pena). Esta é a responsabilidade por infração stricto sensu: o vínculo obrigacional gerado em virtude do cometimento de um delito, independentemente da intenção daquele que o praticou, sendo bastante a configuração de uma das duas únicas modalidades da ação (ato ou omissão) culposa possíveis: negligência ou imprudência. Em regra, a imperícia não poderá ser motor do delito, pois o comerciante é perito no seu comércio, assim como o industrial na sua indústria, e não nas técnicas arrecadatórias ou na legislação tributária.
A sanção-ressarcimento, por outro lado, é uma responsabilidade por infração lato sensu, ou mesmo imprópria, pois o dever de recolher o tributo persistirá não em virtude da aplicação do art. 136, mas da relação jurídico-tributária originária que a antecedeu - seja ela decorrente de sujeição passiva por se tratar de um contribuinte ou um responsável (por transferência ou por substituição)58. O dever de recolher não é uma punição propriamente, mas um dever prévio reafirmado - ainda que o não recolhimento, para fins deste dispositivo, seja, per se, uma infração. Atinge-se, nesta aplicação, o máximo de objetividade possível: a norma exortativa ou moral “cumprir a legislação tributária” não existe senão de modo pressuposto sob o cálculo geométrico-formal da consequência sancionatória - não como desprezo pelo seu caráter orientador ou pedagógico, mas como reconhecimento de que a sua existência persiste como substrato motivador do mecanismo.
Apenas sob este pálio kelseniano é que se poderia de alguma forma atribuir uma pretensa “objetividade” ao art. 136, cuja implicação é bastante clara: demonstrada a conduta apta a cumprir as condições estabelecidas pela norma, será imputada a sanção59. Bastante diferente, e em nada afeito a esta lógica matemática e formal, será o ônus de se realizar a demonstração da conduta, quando os parâmetros já não serão objetivos: a responsabilização deverá ser justificada dentro dos limites da discutibilidade processual60: a apresentação das provas de que, no mínimo, houve culpa por parte do acusado.
Se o caso hipotético do esquecimento da emissão da nota fiscal não implicou prejuízo à Fazenda, mas gerou multa por infração em virtude de negligência do agente61, completamente diverso é o creditamento indevido com base em notas fiscais inidôneas sem comprovação de culpa do adquirente. Neste caso, ocorre o inverso: há prejuízo à Fazenda, mas não há culpa do agente.
No âmbito do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, houve ampla discussão acerca do tema, que somente veio a ser pacificada com a realização de sessão monotemática sobre “créditos indevidos de documentos fiscais inidôneos”, em 29 de maio de 201262. Aqui, decidiu-se que, comprovada a boa-fé do adquirente das mercadorias (tomador do crédito), não poderá este ser penalizado ou exigido o pagamento do tributo que teria sido pago com a compensação de créditos “inidôneos” antes da publicação da declaração de inidoneidade. Posição esta que já era consolidada na jurisprudência do STJ, pela qual a presunção de não culpa (agir prudente e diligente) somente será elidida mediante a publicação regular de ato declaratório de inidoneidade, não operando efeitos ex tunc sobre os créditos que o precederam63.
A partir dos critérios adotados, e ainda que o Código Tributário, atuando com função de lei geral de caráter nacional, disponha sobre uma responsabilidade decorrente de “infrações da legislação tributária” sem definir em nenhum momento qual seria a sua dimensão exata, há aplicabilidade da sanção-pena (pagamento de multa e juros de mora) e, ainda, da sanção-ressarcimento (pagamento do principal e correção monetária) a ser dirigida ao destinatário da nota inidônea, mas unicamente a partir da publicação da declaração de inidoneidade, momento a partir do qual não mais caberia falar de desconhecimento da irregularidade do emitente da nota fiscal e, portanto, agiria o adquirente de mercadoria, ainda que em boa-fé, com imprudência (culpa) e, logo, passível de responsabilização, uma vez preenchido o princípio da pessoalidade da pena.
De igual sorte, aquele que promove a saída de mercadoria, a título de venda, em contexto comercial, e que emite nota fiscal com destinatário inidôneo ou falso, em caso de diferimento de ICMS, tampouco poderá ser responsabilizado se não agiu ao menos com culpa; tampouco poderá uma posterior declaração de inidoneidade alcançar o vendedor de boa-fé: trata-se de caminho semelhante ao caso anterior, mas no sentido contrário da operação. A saída da mercadoria ocorreu no mundo, e também para efeitos jurídicos, acompanhada do documento fiscal, rumo a uma aproximação pragmática64.
Não é possível a imputação de responsabilidade ao contribuinte pelo pagamento do principal, na modalidade de ressarcimento, pois não terá ele dado causa à lesão (faltaria pessoalidade à pena que assim dispusesse): trata-se de caso não de responsabilidade por transferência (sentido estrito), mas de substituição, criação teórica do início do século XX atribuída por Brandão Machado a Ernst Blumenstein. Não existe solidariedade com o contribuinte, e não se fala em responsabilidade em sentido estrito, mas em uma opção ou construção jurídica muito mais radical: trata-se de figura autônoma amparada também pelo art. 128 do CTN em que se exclui a responsabilidade do contribuinte, atribuindo a responsabilidade pelo crédito a terceira pessoa vinculada ao fato gerador65.
Neste sentido, cabe a explicitação, que parece estar passando despercebida, no sentido de que o substituto, na concepção de Blumenstein, seria o devedor da obrigação tributária que assumiria a posição de sujeito passivo, de forma originária e direta, em lugar de quem efetivamente teria realizado o fato gerador66. Alheia-se a substituição de qualquer resquício solidarístico na medida em que se reconfigura o vinculum iuris da relação67. A aplicação do art. 136 do Código Tributário Nacional ocorre em um segundo momento, de aferição de culpa como requisito mínimo para a atribuição de uma nova responsabilidade, aquela que decorre do cometimento de uma infração: o não recolhimento do tributo.
Somente haveria de se cogitar o dever de ressarcimento por parte do contribuinte originário substituído no caso de lei que determinasse esta forma de sanção específica em virtude do cometimento da infração, descaracterizando, assim, a sua natureza indenizatória para uma sanção-pena que, indiretamente, extingue o crédito tributário devido pelo substituto68. Não é possível ao aplicador da norma, sob nenhum aspecto, sem amparo legal, realizar construção antimajoritária tão elaborada e complexa manu propria, por melhores que sejam as suas intenções de, como legislador positivo, ressarcir os cofres públicos69.
Também no campo da discutibilidade, e não da objetividade, deverá ser averiguada a existência de culpa em zonas limítrofes de difícil definição da competência tributante, como nos casos de industrialização por encomenda, empreitada mista, serviços gráficos ou decoração, entre outros em que serviços (ISS), industrialização (IPI) e fornecimento de materiais (ICMS) tornam-se, mesmo à luz da especificidade dos contratos, esfumaçadas e pouco claras nas suas respectivas materialidades. A discussão sobre o art. 136, porém, ocorre em um segundo momento: definida a materialidade pelo intérprete autêntico, questiona-se se terá o contribuinte cometido infração ao recolher tributo diverso.
O dever de recolher o tributo, repisa-se, não advém da infração, mas da relação jurídico-tributária originária: trata-se, na classificação proposta, de uma sanção-ressarcimento, ou uma responsabilidade por infração imprópria ou lato sensu. Volta-se o debate, portanto, à aplicabilidade da sanção-pena, inquirindo-se se a escolha do contribuinte foi realizada com dolo, ou, não obstante, com negligência ou imprudência. Uma vez mais, a abordagem precisará assumir, necessariamente, feições pragmáticas ao se debruçar sobre provas e argumentos, entre os quais poderão figurar os costumes, v.g., como fonte do direito na presença de dúvida sobre a aplicabilidade das fontes primárias70. O ônus, portanto, para se averiguar a culpa, será dado nas fronteiras da processualidade, no baixo-clero das provas, não sendo bastante uma interpretação meramente cognoscitiva do sistema normativo, mero (ainda que inexorável) ponto de partida para o aplicador.
Sob o CTN, recepcionado com status de lei complementar, poderá ser editada norma apta a beneficiar o contribuinte no caso da responsabilidade por infração - neste caso, aplicável a todas as infrações não julgadas, em decorrência do princípio da retroatividade benigna -, de maneira a não afrontar a liberdade negativa do particular com relação ao Estado em sua função expropriante de tributar e de apenar mediante dever de prestação de pecúnia. O art. 136 prevê, portanto, discricionariedade do legislador ordinário para exigir intenção (dolo) para que se configure tal responsabilidade, i.e., para definir que, em determinados casos expressos em lei, não bastará a comprovação da negligência e da imprudência, mas também, necessariamente, do animus. Tal lei, no entanto, tem condão protetivo, não servindo para desconsiderar os predicados mínimos de culpa estabelecidos pela Lei 5.172/1966, mas para adensá-los com a possibilidade de uma exigência adicional.
É neste sentido, de entender o art. 136 como uma proteção mínima (que somente poderá ser reforçada pela lex mitior, e jamais erodida), que entende a Câmara Superior de Recursos Fiscais, conforme se denota da análise reiterada do caso em que o contribuinte é induzido a erro de preenchimento da sua declaração espontânea de ajuste pelo informe de rendimentos (“comprovante de retenção”) emitido pela fonte pagadora71. Nestes casos, tem-se aplicado, corretamente, a exclusão da penalidade da multa de ofício: é afastado o dolo pelo fato de que a declaração foi ipso facto realizada, não tendo havido nenhuma tentativa de ocultação do rendimento; a culpa se afasta na medida em que foram utilizados os dados de que o declarante dispunha e diante da inexistência de provas em contrário.
Deve-se atentar ao fato, ainda, de que a chamada “declaração inexata” tem um conteúdo específico dado pelo art. 841, III, do Decreto nº 3.000/1999 (RIR), considerado como aquele que contém ou omite elemento que implique redução ao imposto a pagar (ou aumento da restituição devida)72. Assim, a norma versa um rigor terminológico, o que leva alguns aplicadores a concluírem corretamente que “não é qualquer erro, mesmo grosseiro, que autoriza o lançamento de ofício, por inexatidão da declaração de rendimentos”73. Afasta-se, sob tal raciocínio, a aplicação de sanção-pena por um mero erro de cálculo ou de prestação de informação que escape à correção absoluta: sendo possível a revisão interna, inclusive mediante intimação do contribuinte para prestação de esclarecimentos, deve o aplicador realizar o lançamento por declaração, retificando-se os elementos necessários.
A ideia do art. 136, não como dispositivo de responsabilização objetiva, mas como instituto de proteção, ou norma de exigência de produção de conteúdo argumentativo-probatório mínimo, aliada à posição reiterada da Câmara Superior, conduziu à edição da Súmula Carf 73 aprovada pelo Pleno em dezembro de 2012, a partir da qual se extrai uma presunção em benefício do contribuinte: “Erro no preenchimento da declaração de ajuste do imposto de renda, causado por informações erradas, prestadas pela fonte pagadora, não autoriza o lançamento de multa de ofício.”
A disposição assume caráter de norma complementar nos termos do art. 100 do CTN, na condição de garantia de segurança jurídica como vetor interpretativo de aplicação: necessária, no caso da pessoa física, amparada pelo entendimento sumulado; possível, salvo argumento válido de refutação em contrário, no caso da pessoa jurídica, que encontra amparo no art. 172, incs. II e IV. A Súmula, portanto, somente não será aplicável para as empresas que incidirem em um “erro escusável” caso o aplicador demonstre uma refutação razoável que implique impossibilidade do mesmo percurso argumentativo, sob pena de ofensa à isonomia no sentido de julgar casos idênticos por meio de critérios diferentes74. Confere-se, portanto, uma exigência de justificativa.
Assim, é possível a cobrança do principal sempre que a relação jurídico-tributária consistente no dever de pagar tributo esteja previamente formada. Por uma questão de coerência, encontrou-se grande dificuldade técnica e teórica de se justificar a responsabilização do substituído sobre o ressarcimento do valor não recolhido a título de ICMS pelo substituto, em decorrência de exclusão de sua responsabilidade em virtude de mandamento expresso do art. 128 do CTN. Ocorre que algo muito semelhante acontece com a retenção exclusiva na fonte, no caso do Imposto de Renda, em que o imposto devido é retido pela fonte pagadora que entrega o valor já líquido ao beneficiário (contribuinte).
O que se cogita neste caso é a entrega do informe de rendimentos com erro, que é repetido (espelhado) pelo contribuinte de direito em sua declaração de ajuste. Porém, trata-se de um fenômeno muito próximo à substituição, pois não se trata de uma mera retenção por antecipação, em que a apuração definitiva é realizada pelo contribuinte, no momento do ajuste anual. A retenção exclusiva na fonte tem em si o condão da definitividade, a ponto de o Parecer Normativo 1/2002 reconhecer expressamente a similitude: “nesse regime, a fonte pagadora substitui o contribuinte desde logo, no momento em que surge a obrigação tributária. A sujeição passiva é exclusiva da fonte pagadora”75. O Parecer utiliza os termos “substitui” e a sujeição passiva é reconhecida como “exclusiva”, i.e., que exclui outros, remetendo ao art. 128 como seu elo de fundamentação mais explícito.
Do ponto de vista técnico e teórico, portanto, os traços de substituição nos levam a concluir que exigir do contribuinte o pagamento do principal somente seria possível, em princípio, a título de sanção-pena, e jamais de sanção-ressarcimento, pois ele está expressamente excluído da sujeição passiva da relação. Sendo sanção-pena, não poderá o redirecionamento ser objeto de uma construção do aplicador da norma, mas expressamente prevista em lei - da mesma forma que o intérprete não pode supor uma multa que não exista, não é possível uma sanção originária de seu poder argumentativo: a fundamentação exige, necessariamente, o lastro positivo, sob pena de invalidade. Ademais, fez-se a ressalva quanto ao ressarcimento do valor do principal mediante a sanção-pena, porquanto, se a função da pena for meramente punitiva e intimidatória, o valor do principal servirá unicamente como elemento de dosimetria da sanção, ainda que em um plano legal, razão pela qual o ressarcimento do tributo não pago será sempre incidental nessas hipóteses.
De rigor, não se trata, de nenhuma forma, de uma atenuação interpretativa76, mas da simples leitura atenta do dispositivo, que denota o descabimento da consideração objetiva da responsabilidade por infrações (administrativas) tributárias, seja porque o art. 136 eliminou, como regra, apenas o elemento doloso para a configuração do ilícito tributário, mas manteve a exigência da culpa como requisito da pretensão punitiva estatal, como proteção mínima do contribuinte; seja porque o sistema tributário brasileiro aponta, em diversos dispositivos do CTN, para direção radicalmente distinta, exigindo a consideração da subjetividade do agente nos ilícitos tributários; ou, ainda, porque a possibilidade de se imputar uma sanção administrativa a determinado indivíduo, sem que se leve em consideração sua culpabilidade em qualquer uma de suas manifestações possíveis, não coaduna com a natureza e as finalidades das sanções tributárias.
Daí a pertinência das lições de Luís Eduardo Schoueri que, sobre sua procedência, sintetiza o pensamento que compartilhamos, razão pela qual merece transcrição:
“É comum a referência ao dispositivo acima citado para que se afirme que, em matéria de infração tributária, a responsabilidade seria objetiva. Não é este, entretanto, o teor do dispositivo (...). Inexistindo culpa ou dolo, não surge a pretensão punitiva do Estado, pelo mero fato de que não há o que punir.”77
Em suma, não há como se cogitar, em nosso ordenamento jurídico, hipótese de cominação de sanção administrativa à míngua de qualquer subjetividade daquele que comete o ato ilícito.
6. Considerações Finais
Embora seja ainda de larga aplicação pelas autoridades fazendárias, em todas as esferas políticas, a consideração objetiva dos ilícitos tributários vem progressivamente perdendo sua consistência jurídica. De um lado, o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento contrário à responsabilidade objetiva, ora “temperando” sua aplicação, ora reconhecendo expressamente a necessidade de culpa e a insuficiência de um nexo objetivo. De outro, mesmo os defensores da consideração objetiva reconhecem que o campo de aplicação de uma “objetividade pura” é cada vez menor.
Torna-se interessante, neste contexto, dispensar novas reflexões sobre o conteúdo do art. 136 do Código Tributário Nacional a partir de diferentes perspectivas.
A perspectiva da responsabilidade por infrações tributárias como uma proteção mínima, e não como fundamento para a responsabilização objetiva, sobre conferir uma interpretação sistêmica ao enunciado prescritivo do art. 136 do CTN, conduz o aplicador do Direito a diretrizes seguras para a instituição de sanções administrativas tributárias. Impõem-se, assim, limites à atividade da Administração Pública e se confere proteção ao contribuinte quando ausente o requisito inexpugnável da culpa.
Por fim, a partir das reconsiderações propostas, parece assistir razão a Ruy Barbosa Nogueira, para quem a “arcaica concepção de infração puramente objetiva” em matéria tributária configura uma excepcionalidade odiosa que não deve ser contemplada pelo legislador ordinário, porquanto não tolerada por nosso sistema tributário brasileiro78.
1 Há algumas poucas obras que se dedicaram ao assunto, configurando relevantes exceções ao desinteresse da doutrina brasileira sobre o tema, razão pela qual merecem destaque. Sobre o tema, cf. MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Sanções administrativas tributárias. São Paulo/Fortaleza: Dialética/Icet, 2004.
2 Cf. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2007, p. 11-15.
3 Cf. OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. “Sanções tributárias e denúncia espontânea”. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Sanções administrativas tributárias. São Paulo/Fortaleza: Dialética/Icet, 2004, p. 401-402.
4 Cf. JAKOBS, Günther. Derecho Penal - parte general - fundamentos de la teoría de la imputación. 2. ed. Madri: Marcial Pons Ediciones Jurídicas, 1997, p. 568-575.
5 Cf. PUIG, Santiago Mir. Derecho Penal - parte general. 7. ed. Buenos Aires: Editorial B, 2005, p. 185.
6 Cf. CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1988, p. 3-4.
7 Cf. NINO, Carlos Santiago. Introdução à análise do Direito. São Paulo: WMF-Martins Fontes, 2006, p. 205.
8 “Neste contexto, ‘responsável’ (...) é aquele que está sujeito à sanção.” (Cf. PEIXOTO, Daniel Monteiro. Responsabilidade tributária e os atos de formação, administração, reorganização e dissolução de sociedades. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 47)
9 Cf. BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao Direito Penal brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 102-105.
10 Cf. HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do Direito Penal. 2. ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2005, p. 292-293.
11 Para que se possa punir o agente, “(...) es presupuesto la imputabilidad o capacidad de culpabilidad” (cf. ROXIN, Claus. Derecho Penal - parte general: Fundamentos. La estrutura de la teoría del Delito. Tomo 1. Madri: Civitas Ediciones, 1997, p. 189-192 e 195).
12 Cf. JAKOBS, Günther; e MELIÁ, Manuel Cancio. Derecho Penal del enemigo. Colombia: Departamento de Publicaciones de la Universidad Externado de Colombia, 2005, p. 17-40.
13 Rafael Bielsa chegaria a recordar as palavras de Rudolf von Ihering no sentido de que “a noção simplista da chamada responsabilidade objetiva (sem culpa), longe de significar um progresso para o direito, faria com que este retrocedesse aos tempos bárbaros” (cf. VILLEGAS, Hector. Direito Penal Tributário. São Paulo: Resenha Tributária, 1974, p. 234-235). Anos mais tarde, Ives Gandra da Silva Martins e Ruy Barbosa Nogueira ecoariam a ideia de barbarismo para se referir à concepção objetivista.
14 Note-se que Hector Villegas defendeu a corrente objetiva na medida em que aproxima a infração tributária do direito penal contravencional, ou administrativo, e não do crime. Geraldo Ataliba registra uma insatisfação que, naquilo que concerne ao tema do presente artigo, continua atual: “A doutrina existente é escassíssima. A jurisprudência tumultuária.” (Cf. ATALIBA, Geraldo. “Prefácio”. In: VILLEGAS, Hector. Direito Penal Tributário. São Paulo: Resenha Tributária, 1974, p. 11).
15 A sanção deve ser um ponto de partida necessário para o estudo da responsabilidade tributária voltada ao campo das infrações. Cf. PEIXOTO, Daniel Monteiro. Responsabilidade tributária e os atos de formação, administração, reorganização e dissolução de sociedades. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 37-53.
16 Cf. LAPATZA, José Juan Ferreiro. Direito Tributário: teoria geral do tributo. São Paulo: Manole, 2007, p. 422. No Brasil, cf. MACHADO, Hugo de Brito. “Teoria das sanções tributárias”. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Sanções administrativas tributárias. São Paulo/Fortaleza: Dialética/Icet, 2004, p. 163.
17 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 731.
18 Em sentido contrário à existência de um Direito Tributário Penal, cf. MARTINS, Ives Gandra da Silva. “Arts. 128 a 138”. Atualizado por André Elali. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional: arts. 96 a 218. V. 2, 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 290.
19 Cf. FANUCCHI, Fábio. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Brasília: Resenha Tributária, 1975, p. 448.
20 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 731.
21 Cf. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2007, p. 122.
22 Cf. FANUCCHI, Fábio. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Brasília: Resenha Tributária, 1975, p. 449-450.
23 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. “Princípios no Direito Tributário Internacional: territorialidade, fonte e universalidade”. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e limites da tributação. V. 2. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 323-325.
24 Cf. TIPKE, Klaus. “Sobre a unidade da ordem jurídica tributária”. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; e ZILVETI, Fernando Aurelio (coords.). Direito Tributário: estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 60.
25 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 731-732.
26 Cf. OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. “Sanções tributárias e denúncia espontânea”. In: Hugo de Brito Machado (coord.). Sanções administrativas tributárias. São Paulo/Fortaleza: Dialética/Icet, 2004, p. 404.
27 Cf. HARADA, Kiyoshi; e MASUMECCI FILHO, Leonardo. Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Atlas, 2012, p. 93.
28 Cf. FANUCCHI, Fábio. Curso de Direito Tributário brasileiro. Brasília: Resenha Tributária, 1975, p. 450.
29 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Ob. cit. (nota 25), p. 732.
30 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Ob. cit. (nota 25), p. 733.
31 Há, ainda, outros princípios do Direito Penal que projetam consequências jurídicas no Direito Tributário Penal, tais quais a garantia do devido processo legal, o princípio do arrependimento posterior e até mesmo o princípio da bagatela. Sobre eles e sua aplicação na matéria ora em análise, cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Ob. cit. (nota 25), p. 731-734.
32 Cf. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 758 e ss.
33 Cf. MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. V. 2. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 523.
34 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2009, p. 888.
35 Cf. MELO, José Eduardo Soares de. “Sanções tributárias”. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Sanções administrativas tributárias. São Paulo/Fortaleza: Dialética/Icet, 2004, p. 255.
36 Cf. Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: IBGE, 1954, p. 243-244.
37 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 17. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 271.
38 Cf. CAMPOS, Dejalma. “Responsabilidade tributária”. Caderno de pesquisas tributárias nº 5. São Paulo: Resenha Tributária e Centro de Estudos de Extensão Universitária, 1980, p. 110.
39 Cf. DENARI, Zelmo. “Responsabilidade tributária”. Caderno de pesquisas tributárias nº 5. São Paulo: Resenha Tributária e Centro de Estudos de Extensão Universitária, 1980, p. 137.
40 Por todos, cf. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. “Infração tributária e sanção”. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Sanções administrativas tributárias. São Paulo/Fortaleza: Dialética/Icet, 2004, p. 430.
41 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Ob. cit. (nota 25), p. 742.
42 Cf. AMARO, Luciano. Direito Tributário brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 470-472.
43 Cf. MACHADO, Schubert de Farias. “Sanções tributárias”. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Sanções administrativas tributárias. São Paulo/Fortaleza: Dialética/Icet, 2004, p. 464.
44 Cf. NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 4. ed. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Tributário, 1976, p. 168.
45 Cf. MARTINS, Ives Gandra da Silva. “Responsabilidade tributária”. Caderno de pesquisas tributárias nº 5. São Paulo: Resenha Tributária e Centro de Estudos de Extensão Universitária, 1980, p. 39.
46 Cf. MARTINS, Ives Gandra da Silva. “Responsabilidade tributária”. Caderno de pesquisas tributárias nº 5. São Paulo: Resenha Tributária e Centro de Estudos de Extensão Universitária, 1980, p. 40-42.
47 Cf. COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 291.
48 Cf. MACHADO, Hugo de Brito. “Teoria das sanções tributárias”. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Sanções administrativas tributárias. São Paulo/Fortaleza: Dialética/Icet, 2004, p. 173-175.
49 Redação do art. 153, parágrafo 13: “Nenhuma pena passará da pessoa delinquente. A lei regulará a individualização da pena.” (Cf. MACHADO, Hugo de Brito. “Responsabilidade Tributária”. Caderno de pesquisas tributárias nº 5. São Paulo: Resenha Tributária e CEU, 1980, p. 71-73.
50 Cf. BECHO, Renato Lopes. Sujeição passiva e responsabilidade tributária. São Paulo: Dialética, 2000, p. 187.
51 Cf. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 758.
52 Sobre o “temperamento” da interpretação do art. 136 pela doutrina, verbi gratia, cf. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial nº 1.220.414/SC. Relator Min. Humberto Martins. 2ª Turma. Julgamento: 19.5.2011. Diário da Justiça, 25.5.2011; Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp nº 982.224/PR. Relator Min. Mauro Campbell Marques. 2ª Turma. Julgamento: 6.5.2010. Diário da Justiça, 27.5.2010; Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 267.546/MG. Relator Min. João Otávio de Noronha. 2ª Turma. Julgamento: 6.12.2005. Diário da Justiça, 1º.2.2006; entre outros.
53 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 271.
54 Há inúmeros precedentes do STJ neste sentido. Dentre todos os julgados, por ser representativo de controvérsia, cf. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.148.444/MG. Relator Min. Luiz Fux. Primeira Seção. Julgamento: 14.4.2010. Diário da Justiça, 27.4.2010. Esta decisão será analisada oportunamente, importando consignar o reconhecimento pacífico de efeitos jurídicos à boa-fé do contribuinte em matéria de infrações tributárias.
55 “Kelsen (...) entende por ilícita a ação (ato ou omissão) que é condição para a sanção (...). Não há, pois, ações a favor ou contra o direito, apenas juridicamente lícitas (as que evitam a sanção) e ilícitas (que provocam a sanção). Ou seja, o delito é também uma conduta jurídica (juridicamente punível).” (Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 134)
56 “É essa diferença bastante relativa entre sanção civil e sanção criminal que constitui a base de diferenciação entre Direito Civil e Direito Penal.” (Cf. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martin Fontes, 2005, p. 71-72)
57 Cf. FANUCCHI, Fábio. Curso de Direito Tributário. V. 1. São Paulo: Resenha Tributária, 1971, p. 130-132.
58 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Ob. cit. (nota 25), p. 505-533.
59 No sistema kelseniano, “o delito não pode contradizer uma norma jurídica”, pois, da perspectiva da norma, a infração não é imoral ou prejudicial, ainda que a imoralidade tenha motivado a sua redação. Trata-se, antes, de um cálculo, da assunção de um custo pela prática de um ato. Cf. NINO, Carlos Santiago. Introdução à análise do Direito. São Paulo: WMF-Martins Fontes, 2006, p. 206.
60 Cede-se lugar à tradição lógico-retórica (substancial ou informal), ou não analítica: “Discutibilidade processual, aqui, como possibilidade das partes de se manifestarem (petições/audiências/provas) e de terem seus argumentos apreciados (conhecimento por parte do intérprete autêntico).” (Cf. ANDRADE, José Maria Arruda de. Interpretação da norma tributária. São Paulo: MP/APET, 2006, p. 137)
61 É interessante notar, aqui, que, ainda que a multa punitiva, em princípio, seja aplicável, a conclusão poderia ser outra sob a perspectiva dos limites jurídicos aos deveres instrumentais (obrigações acessórias). Um raciocínio que poderia ser feito é que, sendo o “interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos” um pressuposto e limite intransponível para a instituição dos deveres instrumentais (sobre o assunto, cf. TAKANO, Caio Augusto. “Os limites impositivos aos deveres instrumentais tributários”. Direito Tributário atual nº 27. São Paulo: Dialética, 2012, p. 284-304), só caberia sanção punitiva se este bem jurídico fosse, de alguma forma, prejudicado. Ora, o descumprimento de um dever que não causou qualquer prejuízo ao Fisco, indiscutivelmente não afeta o interessa da arrecadação. E, igualmente, ao escriturar contabilmente registros sobre a saída da mercadoria e, ainda, recolher o tributo, não há prejuízo da fiscalização, porquanto há outros meios igualmente idôneos e eficazes para que se cumpra a fiscalização pela autoridade fiscal. Sendo assim, não havendo lesão ao bem jurídico tutelado pelas normas que instituem deveres instrumentais, não surge a pretensão punitiva do Estado contra o “infrator”.
62 Cf. Tribunal de Impostos e Taxas. Recurso Especial nº 296.166/2010. Câmara Superior. Relator Gianpaulo Camilo Dringoli. Sessão: 29.5.2012.
63 Cf. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.148.444/MG. Relator Min. Luiz Fux. Primeira Seção. Julgamento: 14.4.2010. Diário da Justiça, 27.4.2010.
64 “Houve real saída (...). Diferente seria a solução para esse caso (...) se a operação fosse (...) arquitetada com o objetivo único de não recolher o imposto.” (Cf. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 90.153/SP. Relator Min. José Delgado. 1ª Turma. Julgamento: 26.11.1996. Diário da Justiça, 16.12.1996)
65 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Ob. cit. (nota 25), p. 506-507.
66 Cf. MACHADO, Brandão. “Adicional do Imposto de Renda dos Estados”. Repositório IOB de jurisprudência nº 18. São Paulo: IOB/Síntese, 1989, p. 294.
67 “El legislador instituye al ‘sustituto tributario’ cuando resuelve reemplazar ab initio al destinatario legal tributario de la relación jurídica tributaria principal. Surge allí un solo vinculum iuris entre el sujeto activo ‘fisco’ y el sujeto activo ‘sustituto’. El sustituto (...) desplaza a este último de la relación jurídica tributaria principal. Por ello, el sustituto no queda obligado ‘junto a’ (…) sino ‘en lugar del destinatario legal tributario’, motivando ello la exclusión de este último de la relación jurídica tributaria principal.” (Cf. VILLEGAS, Hector. Curso de finanzas, Derecho Financiero y Tributario. 2. ed. Buenos Aires: Depalma, 1975, p. 226-227)
68 Apenas indiretamente na medida em que o tributo não pode ser uma sanção de ato ilícito, cf. art. 3º CTN.
69 Posição assumida no voto do Ministro Demócrito Reinaldo no Recurso Especial nº 90.153/SP: “Pergunta-se: a quem cabe arcar com o ônus do pagamento do imposto? É evidente que ao responsável tributário.”
70 Cf. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 215.655/PR. Relator Min. Francisco Falcão. 1ª Turma. Diário da Justiça, 20.10.2003. Neste julgado, tendo decidido o conflito em favor da incidência do ICMS, a Corte decide afastar a multa por entender que o contribuinte não foi imprudente, pois o costume, para a sua modalidade de empresa, à época dos fatos, era o recolhimento do ISS.
71 Paradigmáticos neste sentido os Acórdãos nos CSRF/01.0.217 e CSRF/01-95.032.
72 “Art. 841. O lançamento será efetuado de ofício quando o sujeito passivo: (...). III - fizer declaração inexata, considerando-se como tal a que contiver ou omitir, inclusive em relação a incentivos fiscais, qualquer elemento que implique redução do imposto a pagar ou restituição indevida (...).”
73 Cf. Câmara Superior de Recursos Fiscais. Acórdão nº CSRF/04-00.409, de 12.12.2006.
74 Cf. TIPKE, Klaus; e LANG, Joachim. Direito Tributário. V. 1. Tradução da 18. ed. alemã, de Luiz Dória Furquim. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008, p. 171.
75 Parecer normativo Cosit nº 1, de 24 de setembro de 2002, DOU de 25.9.2002 (Imposto de renda retido na fonte - IRRF): “No caso de imposto de renda incidente exclusivamente na fonte, a responsabilidade pela retenção e recolhimento do imposto é da fonte pagadora.”
76 Cf. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 752.
77 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Ob. cit. (nota 25), p. 742.
78 Cf. NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 4. ed. São Paulo: IBDT, 1976, p. 168.