Penhora on Line na Execução Fiscal. A Revisitação da Jurisprudência do STJ sob a Perspectiva do Princípio da Segurança Jurídica
Fábio Henrique Ribeiro
Advogado no Paraná.
Resumo
Neste artigo pretende-se proceder a uma análise crítica da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acerca da penhora on line aplicada na execução fiscal, sob a luz do princípio da segurança jurídica material.
Palavras-chave: penhora on line, segurança jurídica, proporcionalidade.
Abstract
In this article we intend to undertake a critical analysis of the case law of the Supreme Court regarding the garnishment applied to online tax lien, under the light of the principle of legal material.
Keywords: attachment online, legal security, proportionality.
1. Introdução
Com a introdução do art. 185-A ao Código Tributário Nacional pela Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 20051, o Superior Tribunal de Justiça reafirmou a sua jurisprudência2 no sentido de que, na seara da execução fiscal, o bloqueio eletrônico de dinheiro em depósitos ou aplicações financeiras somente se justificava ante a inexistência de outros bens que pudessem garantir o recebimento do crédito tributário.
Todavia, a Primeira Seção daquele Egrégio Pretório, através do Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.184.765/PA, julgado em 24 de novembro de 2010, alterou o posicionamento anterior em virtude da nova redação do art. 655 e da criação do art. 655-A do Código de Processo Civil3, introduzidos pela Lei nº 11.382, de 7 de dezembro de 2006. Os ilustres Ministros do STJ decidiram, por unanimidade, que a partir do advento dessas modificações ao estatuto processual a penhora eletrônica de depósitos ou aplicações financeiras na execução fiscal prescinde do esgotamento de diligências pela Fazenda Pública para a constrição sobre outros bens passíveis de garantir o feito4.
Ademais, em julgamentos subsequentes o STJ firmou que o denominado bloqueio on line possui preferência sobre qualquer modalidade de garantia da execução fiscal, vale dizer, é medida imposta ainda que o contribuinte oferte outros bens suficientes e com liquidez capaz de promover a satisfação do suposto crédito tributário5.
Para o objetivo deste estudo, cumpre-nos concentrar atenção na estratégia argumentativa utilizada pelo STJ para a fundamentação de sua decisão, de sorte a identificar o paradigma axiológico a ela subjacente, que será o ponto de partida para o desenvolvimento dos tópicos seguintes.
Consoante deflui do voto condutor do acórdão no REsp nº 1.184.765/PA, da lavra do ilustre Ministro Luiz Fux, a aparente antinomia entre o art. 185-A do CTN e o art. 655 e art. 655-A do CPC foi solucionada sob a invocação da denominada “Teoria do Diálogo das Fontes”6, pela qual, em apertada síntese, a norma geral superveniente que realiza determinado valor preponderante do sistema jurídico deve preferir à aplicação da norma especial, com a finalidade de preservar a coerência material do ordenamento7.
Esse modelo teórico foi utilizado pelo STJ para justificar o argumento da modificação de sentido do art. 185-A do CTN (norma específica) pela Lei nº 11.382/2006, a partir da premissa assumida pela decisão de que o crédito tributário goza de privilégio na relação entre Fazenda e Contribuinte, fundada no axioma do “dever fundamental de pagar tributo”.
Assim, segundo a exegese do STJ, a supremacia do interesse público legitimaria conceber o crédito tributário como categoria preponderante no ordenamento, não se revelando coerente, por essa razão, aparelhar a execução civil do bloqueio on line previsto no art. 655-A do CPC, e limitar o uso desse instrumento ao credor Fazendário.
Por conseguinte, o STJ atribuiu ao postulado do “dever fundamental de pagar tributo” relevância axiomática, como se fosse a finalidade do “Estado fiscal”8 a que todas as categorias normativas devessem se conformar para a coerência do sistema jurídico tributário. A consequência imediata dessa proposição foi a exclusão do interesse arrecadatório do dever de sopesamento com os demais valores institucionalizados na Constituição Democrática, precipuamente os direitos e liberdades fundamentais do contribuinte.
A consolidação, na prática judiciária, do discurso jurídico apresentado pelo STJ abriu espaço para efeitos desastrosos sobre a atividade empresária, sujeitando-a ao fenecimento pelo simples fato, em determinadas circunstâncias, de o contribuinte ser incluído no polo passivo da execução fiscal. A título ilustrativo, utilizaremos de uma hipótese que se mostra recorrente na prática: a Fazenda Pública inscreve o nome de determinada pessoa jurídica em dívida ativa na qualidade de responsável tributária, sem prévio procedimento de lançamento fiscal, sob o argumento de que ao tempo dos fatos geradores ela figurava no quadro societário da devedora contribuinte. Sobrevém a execução fiscal e a empresa é surpreendida com o bloqueio on line de parte substancial dos depósitos em suas contas correntes, destinados exclusivamente ao seu capital de giro, ocasionando o impedimento do cumprimento das atuais obrigações trabalhistas e fiscais, a impossibilidade de pagamento de fornecedores, e a inadimplência dos empréstimos bancários. Sem condições de financiamento da atividade, somado ao abrupto aumento das dívidas civis, trabalhistas e tributárias, a quebra será o destino.
Apesar de todo o apelo ao Judiciário para evitar tais consequências ao exercício da livre iniciativa, a resposta queda na seguinte proposição: a questão não comporta mais discussão, pois o STJ já consolidou o entendimento de que o bloqueio on line é instrumento a ser aplicado em prol da eficiência e praticabilidade da execução fiscal.
O debate chegou ao Supremo Tribunal Federal. Todavia, a Corte Excelsa firmou a orientação de que o tema é de natureza exclusivamente infraconstitucional porquanto a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está alicerçada na interpretação acerca do alcance do art. 655-A do CPC. Eventual ofensa à Constituição da República, segundo as reiteradas decisões da Suprema Corte, seria apenas de modo reflexo9.
O estado de permanente insegurança ao contribuinte gerado pelo posicionamento do STJ (agravado pela negativa de discussão da matéria pelo STF) reclama a revisitação da atual jurisprudência sob a égide do princípio constitucional da segurança jurídica, no seu efeito de proteger a expectativa de confiança na estabilidade e na funcionalidade do sistema constitucional tributário voltado para o equilíbrio entre o interesse do Estado na arrecadação e a concretização de direitos e liberdades fundamentais.
No presente ensaio, inicialmente deveremos perquirir se o axioma invocado pela decisão (“dever fundamental de pagar tributo”) é coerente com o sistema tributário positivado na Constituição Brasileira. Num segundo momento, passaremos ao exame sobre a invalidade das conclusões expostas no REsp nº 1.184.765/PA em face do princípio da segurança jurídica, na sua feição material, especialmente diante do imperativo de se harmonizarem com a orientação pacificada pela jurisprudência do STF de que toda ação do poder público em sede de tributação não poderá restringir excessivamente o direito de propriedade e o livre exercício da atividade econômica10.
2. A Incompatibilidade do Axioma do “Dever Fundamental de pagar Tributos” em Face do Modelo do Estado Democrático de Direito na Constituição de 1988. Posição Consagrada na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
O professor Hugo de Brigo Machado anota que “O Direito é um sistema de limitações ao poder, fruto e instrumento da racionalidade humana, que busca a realizações de valores fundamentais da humanidade, entre os quais merecem especial destaque a segurança e a justiça”11.
De fato, a história revela que nas sociedades modernas os regimes jurídicos assumiram, ao longo dos tempos, características diferentes segundo a prevalência de concepções filosóficas e políticas construídas em face da necessidade de controle ao exercício do poder.
A teoria de Hobbes proclamava a concentração do poder na figura do soberano, como reação à anarquia provada pelas guerras de religião, favorecidas pela dispersão das fontes de produção normativas, que marcaram o período feudal12. Este poder absoluto assumiria feições de dogma e justificaria, para promover a segurança jurídica, a vinculação dos juízes à vontade do “príncipe” expressa na lei13.
Exsurge, então, ao longo dos séculos XVI e XVII, a doutrina dos “fins” do Estado, pela qual o direito dos indivíduos deveria ceder a um “interesse geral” ou “bem comum”, definidos pelo próprio soberano através das leis que editava14.
O modelo absolutista, também conhecido como “Estado de Polícia”, possuía características extremamente intervencionistas. Os seus “fins” justificavam todos os meios de medidas estatais - inclusive o tributo - para dirigir a economia e limitar a esfera de direitos dos “súditos”15, conforme a ideia de bem comum decretada pelo principado16. A reação às arbitrariedades do legislador (corporificado no soberano) fomentou os ideais, construídos com base nas doutrinas do direito natural, de proteção à liberdade e à propriedade do indivíduo contra os excessos do Estado17. Iniciava-se a consolidação do Estado de Direito, concebido para conter a força incontrolável do poder18.
O Estado de Direito foi originariamente concebido como limite ao exercício do poder soberano, mediante o expediente da separação dos poderes e da representatividade. A lei é vista como um instituto racional emanado do povo, através de técnicas de representação, e, por isso, instrumento de defesa da propriedade e da liberdade dos indivíduos. Passa-se da onipotência do principado para a onipotência do legislador representante do povo19.
Mas ainda nessa acepção legalista - não obstante as diferenças marcantes com o sistema absolutista - os “fins” do Estado continuam a ser determinados, hegemonicamente, pelo ente legiferante. A segurança jurídica assume o sentido precípuo de certeza formal quanto ao conteúdo da lei e da proteção de situações subjetivas consolidadas no tempo (ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada). Por conseguinte, caberia exclusivamente ao Parlamento especificar os “interesses públicos” aos quais estariam Juízes e indivíduos estritamente vinculados.
Nesse modelo, o “bem comum” (ou “fins” do Estado) continua a ser uma realidade pré-jurídica (econômica, social ou política), racionalmente20 retratada pelo Parlamento através da lei, cuja decisão, onipotente, não se sujeita ao controle judiciário de constitucionalidade21.
Contudo, a experiência mostrou que o Estado de Direito não foi suficiente para conter os abusos do poder, agora sob a roupagem da soberania popular. A evocação do “dever fundamental de pagar tributo” ou “supremacia do interesse público na arrecadação” bastaria para legitimar qualquer ingerência fiscal sobre a esfera das liberdades e da propriedade dos indivíduos22. Percebemos, pois, o alto grau de insegurança jurídica a que fica exposto o cidadão nesse modelo.
Em superação a esse sistema sobreveio o Estado Constitucional de Direito. Nessa acepção, inspirada na teoria de Hans Kelsen, o Estado é uma realidade jurídica, surgida da Constituição, nela modelado e por ela dirigido23. Desaparecem os “fins” transcendentais do Poder Público para dar lugar aos fins institucionalizados na Constituição, de sorte a estabelecer o primado do controle jurisdicional de constitucionalidade da lei.
Como ensina o professor Heleno Taveira Tôrres, no “plano do Estado Democrático de Direito[24], este caracteriza-se, adicionalmente, pela proteção à dignidade da pessoa humana e aos direitos e liberdades fundamentais”25. Averba o mestre que neste novo modelo não há espaço para justificar a ação estatal no campo tributário com base em critérios externos ao sistema jurídico, a exemplo do conceito fluido de “bem comum”26.
O Sistema Constitucional Tributário Brasileiro, ao lado da designação das competências para a instituição de tributos, contempla garantias constitucionais em favor do contribuinte e da justiça tributária27. O exame do Título VI, Capítulo I, do texto da Constituição de 1988 evidencia, de plano, a sua densidade protetiva do contribuinte, especialmente garantidora do respeito pelo exercício dos seus direitos fundamentais28.
Assim, em nosso regime jurídico a cidadania tributária, antes de qualquer “dever”, consagra o direito de todos pagarem seus tributos segundo os critérios previstos na Constituição em normas de competência, exercidas em absoluta sintonia com a concretização de direitos e garantias fundamentais29.
Nesse sentido, o professor Heleno Taveira Tôrres enfatiza que “ao tempo em que todo o poder de tributar é poder limitado segundo competências, a própria legalidade vê-se demarcada em augustos limites, mormente pelos direitos fundamentais e, sendo assim, ou bem está-se diante de uma redundância falar em dever fundamental de pagar tributos, por ser efeito necessário da legalidade, ou bem este não existe enquanto categoria jurídica autônoma do constitucionalismo tributário”30.
Desse modo, a decisão do STJ fundada no axioma do “dever fundamental de pagar tributo” para justificar um privilégio do crédito tributário e, por conseguinte, a preferência do bloqueio on line na execução fiscal, parece-nos um retorno à superada doutrina dos “fins” do Estado, arraigada à tradição do Direito Administrativo europeu, que encontrava na figura da “supremacia do interesse público sobre o particular” o seu elemento fundamental31.
Essa postura hermenêutica, que coloca o interesse público acima do cidadão, não encontra supedâneo em nosso direito positivado, pois, como lembra Marco Aurélio Greco, na Constituição Democrática de 1988 o “interesse arrecadatório e os poderes da fiscalização é um interesse secundário, dependente do interesse primário consistente na busca do atingimento dos objetivos constitucionais”32, entre os quais figura a concretização dos direitos fundamentais do cidadão-contribuinte.
Com efeito, a fiscalidade não pode redundar na destruição da atividade econômica do contribuinte, sob o manto do “dever fundamental de pagar tributo”. Não é esse o sentido da Constituição, a qual reconhece na proteção da iniciativa privada instrumento indispensável - ao lado da tributação - para a distribuição da renda e a realização dos objetivos expressos no seu art. 3º33.
O Supremo Tribunal Federal consagrou essa tese. A jurisprudência da Corte Excelsa pacificou a posição de que é inconstitucional “qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes”34.
Por outro lado, na ADI nº 2.551-1, de relatoria do Ministro Celso de Mello, o Supremo enunciou que o postulado da proporcionalidade traduz limitação material à ação normativa do Poder Público na seara tributária, cujo instrumento constitucional deve, em todas as situações, ser aplicado para o controle de eventuais excessos que possam comprometer o exercício da atividade profissional lícita35.
Do estudo das decisões da Suprema Corte, importa ressaltar o reconhecimento de que nenhuma medida estatal pode: (a) proibir o exercício de um direito fundamental, prejudicando-o substancialmente, independentemente do motivo dessa medida; e (b) restringir em excesso o livre exercício da atividade econômica - a qual pressupõe a propriedade privada -, ainda que a medida não inviabilize por completo a atividade empresarial36.
A jurisprudência firmada pela Corte Suprema revela o amadurecimento jurídico no Brasil sobre o sentido e o alcance das normas protetivas do contribuinte, num processo gradativo de concretização da Constituição a cada conflito solucionado. Por conseguinte, ao mesmo tempo em que orienta os limites do exercício das competências dos órgãos do Estado, gera confiança e previsibilidade aos indivíduos sobre o modo como as normas que instituem e regulam a cobrança de tributos devem interagir com os direitos e garantias do cidadão.
Por conseguinte, a interpretação defendida no voto do ilustre Ministro Luiz Fux no REsp nº 1.184.765/PA causa um estado de insegurança na aplicação do sistema constitucional tributário: de um lado a jurisprudência do STJ, cujas decisões propiciam, na prática, a extinção da empresa em nome da maior celeridade e economia processual na cobrança do crédito tributário37; de outro, a jurisprudência do STF em sentido diametralmente oposto, exigindo o teste da proporcionalidade para o equilíbrio entre o interesse arrecadatório e o objetivo de preservação da atividade econômica.
Esse paradoxo contraria os ideais de estabilidade e de confiabilidade do sistema, reclamando a análise do problema à luz do princípio da segurança jurídica material, como nos esforçaremos para mostrar nas linhas seguintes.
3. O Princípio da Segurança Jurídica como Proteção da Confiança na Efetivação dos Direitos e Garantias Fundamentais. Inconstitucionalidade da Decisão do STJ
A reflexão acerca da evolução do Estado é importante instrumento para aclarar a ideia de que na Constituição Democrática de 1988 o contribuinte passou ao centro do Direito Tributário, vale dizer, o interesse da arrecadação não é mais o fim último do sistema. “A sua finalidade (do direito tributário) é fazer da arrecadação um ato de justiça social, com limites, com proteções ao contribuinte diante da força e da voracidade do Estado.”38
“Por conseguinte, a segurança jurídica deixa de ser aquela exclusivamente formal de outrora, pautada pela certeza e irretroatividade das normas, para ser a previsibilidade da concretização de direitos e liberdades fundamentais.”39
No atual sistema constitucional tributário brasileiro, o princípio da segurança jurídica sintetiza a ideia de que nem o Estado está acima do cidadão, nem o cidadão acima do Estado40. Deve haver, em cada ato do poder público, o exercício da ponderação para o equilíbrio entre os objetivos da arrecadação legitimados na Constituição, e a esfera de liberdade e valores fundamentais do indivíduo, protegidos pela mesma Constituição.
Por essa razão não se afigura consentâneo com os parâmetros do ordenamento jurídico a decisão judicial que adota o “interesse público” (em sua infinitude de possibilidades argumentativas) como critério fundamental para a solução dos conflitos tributários em favor da Fazenda. “É negar, de plano, a possibilidade de ponderação de valores no caso concreto, da qual pode também resultar a prevalência do interesse individual ou o coletivo da sociedade civil.”41
Ademais, como acentuado no tópico anterior, o Supremo Tribunal Federal consagrou a moderna doutrina de que a nossa Constituição Democrática é voltada para a proteção e concretização dos direitos e garantias fundamentais do contribuinte, que assumem o papel de vetores axiológicos do sistema jurídico tributário.
Desse modo, o atual Sistema Tributário Nacional apresenta aos seus destinatários42 o seguinte quadro: (a) uma Constituição explicitamente voltada à limitação do “poder de tributar” através de garantias asseguradas aos contribuintes, especialmente para a proteção da propriedade e da livre iniciativa, (b) interpretada por uma dogmática segura e uníssona, que incessantemente reafirma a relevância dos direitos fundamentais na relação tributária”43, e (c) a jurisprudência pacificada pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive em sede de ação direta de inconstitucionalidade, no sentido de que os interesses da arrecadação não são absolutos, mas se sujeita ao teste da proporcionalidade com vistas à preservação da atividade econômica.
Essa convergência de texto constitucional, dogmática jurídica e jurisprudência do STF conferem ao contribuinte a previsibilidade de que em matéria tributária qualquer órgão do Poder Público não poderá adotar - sob o manto do interesse da arrecadação - medidas desproporcionais que conduzam à inviabilização da atividade econômica. Essa expectativa de confiança na estabilidade e na funcionalidade do ordenamento é protegida pelo princípio da segurança jurídica44, definido pelo professor Heleno Taveira Tôrres “como princípio-garantia constitucional que tem por finalidade proteger expectativas de confiança legítima nos atos de criação ou de aplicação de normas, mediante certeza jurídica, estabilidade do ordenamento e confiabilidade na efetividade de direitos e liberdades, assegurada como direito público fundamental”45.
Sob o aspecto material da segurança jurídica, a construção jurisprudencial do STF - ainda que pelo controle difuso de constitucionalidade - estabelece vetores para a compreensão dos significados das normas constitucionais, exigindo coerência dos demais órgãos do poder público, inclusive do Judiciário, para que seja alcançada a inteligibilidade46 e a estabilidade do sistema47.
Na análise da questão é preciso ter em mente que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é o resultado da evolução concreta dos direitos fundamentais, assimilada ao longo de décadas de vivência jurídica. O seu principal efeito foi instalar no seio da sociedade civil a confiança de que os órgãos do Estado serão coerentes com esse amadurecimento jurídico (proibição de retrocesso)48 no campo dos limites para a intervenção legítima do Fisco sobre a esfera privada.
A decisão do STJ no REsp nº 1.184.765/PA, como tratamos no tópico anterior, parece haver resgatado a ultrapassada teoria dos “fins” do Estado para justificar a penhora on line com base no axioma do “dever fundamental de pagar tributos”. Essa linha argumentativa está em evidente conflito com o princípio da segurança jurídica material, pois, ademais de representarem um retrocesso na positivação das garantias aos direitos fundamentais, frustram as expectativas do contribuinte alicerçada na jurisprudência do STF solidificada, gradativamente, caso a caso, ao longo da experiência com a Constituição Democrática de 1988.
Assim, verificado que os fundamentos utilizados pelo E. STJ no REsp nº 1.184.765 não se coaduna com o princípio da segurança jurídica, em sua acepção material, mister reconstruir o debate acerca da (in)aplicabilidade dos arts. 655 e 655-A do CPC na execução fiscal, o que implicará o seu enfoque à luz do postulado normativo da proporcionalidade49, na esteira da jurisprudência do STF50.
O exame merece, antes, breve ponderação sobre as peculiaridades da relação jurídica tributária que a diferencia das relações obrigacionais reguladas pelo Direito Civil. James Marins, com muita precisão averba que o “Estado Fiscal é o único credor nos quadrantes do Direito que é simultaneamente, per se, criador, executor e julgador da relação obrigacional e - logo - o contribuinte é o único devedor no ordenamento jurídico cujo credor exerce tríplice função na relação obrigacional. A partir deste ponto de vista é possível visualizar o quão vulnerável é o devedor tributário diante de seu credor onipotente.”51
Diante desta característica, é marcante a suscetibilidade do cidadão na relação fiscal sob todos os aspectos (material52 e formal53), com destaque para a sua vulnerabilidade administrativa, onde se encontra o cerne de todo o problema no âmbito da cobrança do crédito tributário: o Estado possui a prerrogativa de constituir, unilateralmente, o próprio titulo executivo. Essa singularidade é indispensável quando da interpretação das normas processuais que disciplinam a execução fiscal54.
O exemplo referido na parte introdutória deste estudo evidencia este estado de vulnerabilidade do cidadão, observado com bastante frequência na prática. A empresa executada foi incluída no polo passivo da demanda como responsável pelo crédito, pelo simples motivo de figurar no quadro societário da devedora contribuinte55. Sem nenhuma alternativa56, sofreu o bloqueio do seu capital de giro, comprometendo a continuidade de suas atividades.
Com efeito, a constituição unilateral do título executivo que poderá resultar na penhora on line representa ato gravoso de intervenção do Poder Público sobre a atividade econômica do cidadão, exigindo, pois, o teste da proporcionalidade “para verificar se inexiste um equilíbrio entre a finalidade buscada[57] e a intensidade das restrições a direitos fundamentais que foram causadas pelo meio escolhido”58, nos seus três aspectos: (a) adequação, (b) necessidade, e (c) proporcionalidade em sentido estrito.
Quanto à adequação, parece não haver dúvida de que a imediata aplicação do art. 655-A na execução fiscal promove o fim perseguido pela Fazenda Pública - a eficiência e praticabilidade da cobrança. Em relação ao requisito da necessidade, no sentido adotado pelo professor Virgílio Afonso da Silva59, não se poderia pensar numa medida com a mesma eficiência para a cobrança forçada do crédito, e, ao mesmo tempo, com menor intensidade sobre o direito de propriedade.
Por fim, o exame da proporcionalidade em sentido estrito. Essa terceira etapa consiste no sopesamento pelo julgador entre os direitos e interesses envolvidos, com a finalidade de evitar que uma medida do Estado, apesar de adequada e necessária, possa restringir o direito fundamental “além daquilo que a realização do objetivo perseguido seja capaz de justificar”60.
Como constatado neste estudo, a exegese do STJ no sentido da aplicação do art. 655-A do CPC no âmbito da execução fiscal assume a consequência de fomentar, e muito, o grau de vulnerabilidade do contribuinte. Mesmo o mais cauto poderá ser surpreendido por uma exigência infundada da Fazenda Pública, e ter comprometida a sua atividade em razão da penhora on line, mesmo que ele prove ulteriormente, por meio de embargos, a improcedência da execução.
Assim, não obstante a relevância de munir de eficiência a execução do crédito tributário, o meio adotado (preferência da penhora on line) conduz a resultados não permitidos pela Constituição, à luz da interpretação pacificada pelo seu guardião, o STF, no sentido de que nenhuma atividade estatal no campo da fiscalidade poderá proibir o exercício de um direito fundamental ou restringir em excesso o livre exercício da atividade econômica.
Desse modo, sob o ângulo do princípio da segurança jurídica material, a primeira parte do art. 185-A do CTN deve ser aplicado na sua literalidade - diversamente da interpretação dada pelo STJ -, pois é o resultado da ponderação efetuada pelo legislador complementar em sintonia com a jurisprudência do STF, equilibrando a eficiência na cobrança do crédito tributário com o imperativo de preservação da atividade econômica do contribuinte61.
Ademais, pensamos que merecem conhecimento os recursos extraordinários interpostos com fundamento no princípio da segurança jurídica para a revisão do posicionamento fixado pelo STJ. Mais do que a ofensa direta a um dispositivo da Carta Magna, a interpretação fixada no REsp nº 1.184.765/PA afronta a confiabilidade na estabilidade e na funcionalidade do Sistema Constitucional Tributário. O art. 102, inciso III, “a” da CR reclama a intervenção do STF para reafirmar a sua própria jurisprudência, afastar o estado de insegurança, e impedir o retrocesso na concretização dos direitos fundamentais conquistada pela Excelsa Corte ao longo de sua experiência na vigência da Constituição de 1988.
4. Conclusões
O Superior Tribunal de Justiça, como se depreende do acórdão prolatado pela Primeira Seção no REsp nº 1.184.765/PA, firmou a posição de que a penhora on line instituída pelo art. 655-A do CPC é aplicada na execução fiscal. Para a fundamentação da decisão atribuiu ao postulado do “dever fundamental de pagar tributo” relevância axiomática, como se fosse o “fim” do Estado fiscal a que todas as categorias normativas do sistema tributário devessem se conformar. A consequência imediata dessa proposição foi a exclusão do interesse da arrecadação do dever de sopesamento com os demais valores institucionalizados na Constituição Democrática, precipuamente os direitos e liberdades fundamentais do contribuinte.
Os contribuintes levaram o debate ao Supremo Tribunal Federal. Todavia, a Corte Excelsa firmou a orientação de que o tema é de natureza exclusivamente infraconstitucional porquanto a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está alicerçada na interpretação acerca do alcance do art. 655-A do CPC. Eventual ofensa à Constituição da República seria apenas indireta.
O axioma do “dever fundamental de pagar tributo” está radicado na doutrina do “fins” do Estado, inspiradora da tradição do Direito Administrativo europeu. A figura da “supremacia do interesse público sobre o particular” como justificativa da tributação foi afastada pela jurisprudência pacificada do Supremo Tribunal Federal, ao estabelecer que nenhuma medida estatal pode: (a) proibir o exercício de um direito fundamental, prejudicando-o substancialmente, independentemente do motivo dessa medida, e (b) restringir em excesso o livre exercício da atividade econômica, ainda que a medida não inviabilize por completo a atividade empresarial.
Por conseguinte, a interpretação defendida no REsp nº 1.184.765/PA causa um estado de insegurança na aplicação do sistema constitucional tributário: de um lado a jurisprudência do STJ, cujas decisões propiciam, na prática, a extinção da empresa em nome da maior celeridade e economia processual na cobrança do crédito tributário; de outro, a jurisprudência do STF em sentido diametralmente oposto, exigindo o teste da proporcionalidade para o equilíbrio entre o interesse arrecadatório e o objetivo de preservação da atividade econômica.
Esse estado de permanente insegurança ao contribuinte gerado pelo posicionamento do STJ reclama a reforma de sua atual jurisprudência, por força do princípio constitucional da segurança jurídica, no seu efeito de proteger a expectativa de confiança na estabilidade e na funcionalidade do sistema tributário voltado para o equilíbrio entre o exercício das competências tributárias e a concretização dos direitos e liberdades fundamentais do indivíduo.
Sob o ângulo do princípio da segurança jurídica material, a primeira parte do art. 185-A do CTN deve ser aplicada na sua literalidade - diversamente da interpretação dada pelo STJ -, pois ele denota o resultado da ponderação efetuada pelo legislador complementar em sintonia com a jurisprudência sedimentada do STF, equilibrando a eficiência e praticabilidade da execução fiscal com o imperativo de preservação da atividade econômica do contribuinte.
Por fim, merecem conhecimento os recursos extraordinários interpostos com fundamento no princípio da segurança jurídica para a revisão do posicionamento fixado pelo STJ. Mais do que a ofensa direta a um dispositivo da Carta Magna, a interpretação fixada no REsp nº 1.184.765/PA afronta a confiabilidade na estabilidade e na funcionalidade do Sistema Constitucional Tributário. O art. 102, inciso III, “a”, da CR reclama a intervenção do STF para reafirmar a sua própria jurisprudência, afastar o estado de insegurança, e impedir o retrocesso na concretização dos direitos fundamentais conquistada pela Excelsa Corte ao longo de sua experiência na vigência da Constituição de 1988.
1 “Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem os registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.”
2 Que já havia sido consolidada sob a interpretação do art. 620 do Código de Processo Civil.
3 “Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação financeira; (...)
Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo do mesmo ato determinar a indisponibilidade, até o valor indicado na execução.”
4 Brasil, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1.184.765/PA, Matéria Tributária, Relator Min. Luiz Fux, Brasília/DF, 24.11.2010.
5 V.g.: Brasil, Superior Tribunal de Justiça, Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.245.206/MG, Matéria Tributária, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Brasília/DF, 8.5.2012.
6 Aplicada originariamente no Direito brasileiro para preservar a coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil. Malgrado a relevância do tema, a pertinência da utilização da “Teoria do Diálogo das Fontes” para a solução da antinomia entre o art. 185-A do CTN e as novas disposições do CPC não constitui o enfoque deste breve artigo. A respeito das críticas a esse posicionamento, merece destaque o percuciente estudo, cf. MARINS, James. Defesa e vulnerabilidade do contribuinte. São Paulo: Dialética, 2009, p. 129-133.
7 Conforme definição exposta no voto do douto Ministro Luiz Fux.
8 Sobre a doutrina dos “fins” do Estado para a justificativa da tributação, será abordada no tópico seguinte deste texto.
9 V.g.: Brasil, Supremo Tribunal Federal, Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 642.119/DF, Matéria Tributária, Relatora Min. Carmem Lúcia, Brasília/DF, 28.2.2012.
10 Brasil, Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.551-1/MG, Matéria Tributária, Relator Min. Celso de Mello, Brasília/DF, 2.4.2003. Esse ponto será retomado ao longo deste artigo.
Não podemos deixar de destacar o recente artigo do doutor Caio Augusto Takano, in Revista Direito Tributário Atual nº 28, São Paulo: Dialética, sob o título “A penhora eletrônica nas execuções fiscais à luz da teoria dos direitos fundamentais”, p. 7-23. O profundo estudo do autor põe a efetividade dos direitos fundamentais do contribuinte no centro do Sistema Tributário Nacional. A proposta de um suporte fático amplo na determinação do âmbito de incidência dessas normas principiológicas também foi por nós defendida na mesma Revista, páginas 72-85. No presente ensaio essas ideias deverão ser retomadas, mas sob o enfoque do princípio da segurança jurídica, cuja consequência normativa faz do suporte fático amplo não apenas um modelo teórico ao gosto do intérprete, mas uma técnica que deve integrar a regra da proporcionalidade para a garantia da máxima efetividade dos direitos fundamentais consagrados na Constituição.
11 Cf. MACHADO, Hugo de Brito. Direitos fundamentais do contribuinte e a efetividade da jurisdição. São Paulo: Atlas, 2009, p. 11.
12 Cf. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico. Lições de filosofia do Direito. São Paulo: Icone, 1995, p. 37.
13 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Tributário e segurança jurídica. São Paulo: RT, 2011, p. 130-131.
14 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Ob. cit. (nota 13), p. 135.
15 Expressão comumente utilizada para se referir ao indivíduo sujeito ao regime da época.
16 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 22.
17 Cf. BOBBIO, Norberto. Ob. cit. (nota 12), p. 38-44.
18 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Ob. cit. (nota 13), p. 135.
19 Cf. BOBBIO, Norberto. Ob. cit. (nota 12), p. 39.
20 Ou ao menos se confiava na racionalidade do legislador, que se presumia atuar sempre no sentido de proteger os direitos naturais da liberdade e da propriedade.
21 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Ob. cit. (nota 13), p. 145.
22 Bastando serem respeitadas as garantias formais de certeza jurídica (procedimento legislativo, direito adquirido, coisa julgada e ato jurídico perfeito).
23 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Ob. cit. (nota 13), p. 145.
24 Na sua concepção adquirida no período pós-segunda guerra mundial.
25 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Ob. cit. (nota 13), p. 171.
26 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Ob. cit. (nota 13), p. 172.
27 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Ob. cit. (nota 13), p. 329.
28 Cf. ÀVILA, Humberto. Segurança jurídica. Entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 679.
29 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Ob. cit. (nota 13), p. 332.
30 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Ob. cit. (nota 13), p. 331-332.
31 Cf. GRECO, Marco Aurélio. “Do poder à função tributária”. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e limites da tributação 2. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 170.
32 Cf. GRECO, Marco Aurélio. Ob. cit. (nota 31), p. 175.
33 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Ob. cit., p. 37-30.
34 Brasil, Supremo Tribunal Federal, Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade, Matéria Tributária, Relator Min. Celso Mello, Brasília/DF, 17.6.1998, DJ de 24.11.2006.
35 Brasil, Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.551-1/MG, Matéria Tributária, Relator Min. Celso de Mello, Brasília/DF, 2.4.2003.
36 Cf. ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 341.
37 As decisões do Superior Tribunal de Justiça dão preferência à penhora on line em qualquer circunstância, mesmo na presença de meios alternativos menos gravosos à continuidade da empresa, e aptos para a garantia da execução.
38 Cf. BECHO, Renato Lopes. Filosofia do Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 342.
39 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Ob. cit. (nota 13), p. 148.
40 Essa frase foi cunhada pelo ilustre José Delgado, na conclusão de sua palestra sobre o tema “sanções tributárias”, proferida no dia 31 de agosto de 2012 no Congresso Brasileiro de Direito Tributário Atual, realizado na Faculdade de Direito da USP, organização IBDT/AJUFE/DEF-FDUSP.
41 Cf. GRECO, Marco Aurélio. Ob. cit. (nota 31), p. 170.
42 Órgãos do Estado e Contribuintes.
43 Apenas para esclarecer nosso posicionamento, não pretendemos ver na doutrina fonte de direitos, mas reconhecer a sua importância ao aplicador do Direito e aos destinatários do ordenamento para a compreensão dos significados das normas, de suas interações e conexões axiológicas. O Direito é um dado da realidade cultural, que imprescinde da ciência (dogmática jurídica) para ser apreendido nas suas possibilidades e aplicado.
44 Desse modo, constitui direito subjetivo público do contribuinte.
45 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Ob. cit. (nota 13), p. 186-187.
46 Cf. ÀVILA, Humberto. Segurança jurídica. Entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 676.
47 Heleno Taveira Tôrres averba que a coerência entre os órgãos do Estado, segundo regras de competência na Constituição, é uma das facetas indispensáveis da estabilidade do sistema (ob. cit. [nota 13], p. 206). A estabilidade, vista sob este aspecto conduz à permanência. Porém, sabemos que o caráter prospectivo é qualidade inerente às normas jurídicas. Para nos explicar essa convivência entre permanência e continuidade, Humberto Ávila escreve que “a segurança jurídica segue uma concepção de Direito que intermedeia as concepções objetivistas e argumentativas: o Direito não é bem um objeto previamente dado, cujo conteúdo dependa, exclusivamente, de atividades cognoscitivas reveladoras de sentidos predeterminados, nem uma atividade cuja realização deriva, unicamente, de estruturas argumentativas a serem reveladas apenas no posterior processo decisional, mas sim uma composição entre atividades semânticas e argumentativas - a atividade do operador do Direito parte de reconstruções de significados normativos por meio de regras de argumentação, porém tem a sua aplicação dependente de postulados hermenêuticos e aplicativos reveladores de elementos normativos e fáticos, de modo que a segurança jurídica deixa de ser uma mera exigência de predeterminação para consubstanciar um dever de controlabilidade racional e argumentativa.” (Cf. ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica. Entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 683)
48 Considerando que o fim do princípio da segurança jurídica é a efetivação dos direitos e garantias fundamentais, não é aceitável que, em nome da liberdade de pensamento ou da independência do juiz, o aplicador do Direito simplesmente ignore a evolução conquistada pela experiência jurisprudencial da maior Corte do País. É preciso, ao lado das aludidas liberdade e independência, ater-se ao postulado da coerência para o efeito de estabilidade. Não se prega, com isso, a cristalização do Direito, mas o emprego, para aquele que estabelece a divergência, do ônus argumentativo segundo regras de controlabilidade intersubjetiva na reconstrução do sentido das normas.
49 Usamos o termo “postulado”, colhido das lições do professor Humberto Ávila, mas sem o compromisso de um estudo mais detido sobre a divergência doutrinária acerca do conceito da proporcionalidade (princípio, regra ou postulado normativo aplicativo). O objetivo, para este trabalho, é traduzir a ideia de que a sua aplicação pelo julgador é obrigatória.
50 V.g.: Brasil, Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.551-1/MG, Matéria Tributária, Relator Min. Celso de Mello, Brasília/DF, 2.4.2003.
51 Cf. MARINS, James. Defesa e vulnerabilidade do contribuinte. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 25.
52 Cf. MARINS, James. Ob. cit. (nota 51), p. 26. “O fato que não pode ser recusado é o de que o vínculo material tributário não se esgota tão-somente na norma jurídica, pois obedece a poderosos fatores políticos e econômicos (que, reputados simplisticamente como pré-jurídicos e pós-jurídicos, foram descartados). Queiramos ou não, a norma tributária ingressa no ordenamento profundamente influenciada por esse fato político-legislativo (primeira função do Estado) e, subsequentemente, sua função arrecadatória assume relevo político-econômico.
53 Apesar da segurança almejada pela hipertrofia do Direito Tributário Material, remanesceram no atuar administrativo, justamente na dinâmica da fiscalização, formalização e cobrança, campos vazios de Direito, potencializadores da vulnerabilidade do contribuinte diante da Administração tributária. (MARINS, James. Ob. cit., p. 38)
54 Cf. MARINS, James. Ob. cit. (nota 51), p. 45.
55 Prática, infelizmente, corriqueira na atuação da Administração Tributária.
56 A demonstração da improcedência da execução pelo responsável, conforme a própria jurisprudência pacificada do STJ, deve ocorrer nos embargos à execução, pressupondo, pois, a realização da penhora.
57 Pela aplicação do art. 655 c/c o art. 655-A do CPC: a eficiência e praticabilidade da execução fiscal.
58 Cf. TAKANO, Caio Augusto. “A penhora eletrônica nas execuções fiscais à luz da teoria dos direitos fundamentais”. Revista Direito Tributário Atual nº 28. São Paulo: Dialética, 2012, p. 20.
59 Cf. SILVA, Virgílio Afonso. Direitos fundamentais. Conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 171. Para o autor, o decisivo para o critério da necessidade é verificar a eficiência da medida. O grau de restrição ao direito fundamental é objeto do terceiro passo no exame da proporcionalidade, a proporcionalidade em sentido estrito.
60 Cf. SILVA, Virgílio Afonso. Ob. cit. (nota 59), p. 175.
61 Importante o registro de que o ilustre Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (substituto do relator originário no processo, o Ministro Luiz Fux, nomeado à cadeira no STF) no mesmo Resp nº 1.184.765, ao julgar embargos de declaração opostos pelo contribuinte averbou o seu ponto de vista de que “a norma do art. 185-A do CTN não foi afetada pela Lei 11.382/2006, por ser (a do CTN) de hierarquia complementar a esta (que introduziu o art. 655-A do CPC) de hierarquia ordinária; ademais, o CTN deve ser entendido como o conjunto de garantias do contribuinte executado pela Fazenda Nacional, e as suas disposições, ainda que referentes à indisponibilidade de bens, deve ser estendidas aos casos de penhora eletrônica, ante a regra do art. 620 do CPC, que prevê a execução pelo modo menos gravoso para o devedor”. Ao ver no art. 170 do CTN a síntese do legislador complementar de garantias do contribuinte, parece-nos manter certa proximidade com o estudo ora realizado.