Função da Ciência do Direito Tributário: do Formalismo Epistemológico ao Estruturalismo Argumentativo
Humberto Ávila
Professor Titular de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Resumo
Este artigo tem a finalidade de determinar se a Ciência do Direito usa apenas proposições descritivas ou, em vez disso, uma fusão entre proposições descritivas e normativas. Depois de expor as diferentes atividades e teorias da interpretação, este artigo demonstra que a interpretação jurídica sempre envolve a escolha entre alternativas de significado e a reconstrução de significados. Ele conclui no sentido de que a tese de que a Ciência do Direito envolve apenas ou fundamentalmente proposições descritivas pressupõe uma escolha limitada entre diferentes tipos de interpretação (interpretação descritiva), de teorias da interpretação (interpretação cognitiva) e de tipos de conhecimento (conhecimento como juízo abstrato de captação de uma realidade), sendo, por isso, falsa e obsoleta. Em vez disso, sustenta-se que a Ciência do Direito utiliza, pode e deve utilizar uma fusão entre proposições descritivas e normativas que precisam ser guiadas por uma teoria da interpretação que combine uma teoria dos sistemas, uma teoria das normas e uma teoria jurídica da argumentação. Esta teoria pode ser denominada de “estruturalismo argumentativo”.
Palavras-chave: Ciência do Direito Tributário, função descritiva da Ciência do Direito, formalismo epistemológico, função adscritiva e criativa da Ciência do Direito, estruturalismo argumentativo.
Abstract
This article aims at determining if the Science of Law uses only descriptive propositions or instead a fusion of descriptive and normative propositions through descriptive, optative and creative activities. After exposing the different activities and theories of interpretation, this article demonstrates that legal interpretation always entails a choice between alternative meanings and a reconstruction of meanings. It concludes that the thesis that the Science of Law entails only or mainly descriptive propositions presupposes a limited choice between different types of interpretation (descriptive interpretation), theories of interpretation (cognitive interpretation) and types of knowledge (knowledge as an abstract judgement of capturing entities) and therefore is false and obsolete. Instead of that, it is argued that the Science of Law uses, can and should use a fusion of descriptive and normative propositions that should be governed by a structured theory of interpretation that combines a theory of legal systems, a theory of legal norms and a juridical theory of arguments. This theory can be called ‘argumentative structuralism’.
Keywords: Science of Tax Law, descriptive function of the Science of Law, epistemological formalism, ascriptive and creative functions of the Science of Law, argumentative structuralism.
Introdução
O propósito deste ensaio é descobrir se a função da Ciência do Direito é a de - exclusiva ou fundamentalmente - descrever, de modo neutro e avalorativo, o conteúdo das normas jurídicas, sem nele interferir ou, em vez disso, se a sua função é a de descrever, adscrever e criar significados normativos.
A concepção de que o discurso científico deve ser meramente descritivo foi forjada com base no paradigma científico empirista desenvolvido pelo chamado “Círculo de Viena”.1 De acordo com ele, o discurso, para ser elevado à categoria de Ciência, deveria limitar-se à descrição, com objetividade e exatidão, do positivo, do dado, do apreensível, com exclusão de qualquer tipo de consideração metafísica, resultante de convencimento pessoal, mas não de conhecimento.2
Hans Kelsen desenvolveu sua teoria pura do Direito com base nesses critérios. Para ele, a função da Ciência do Direito não deveria ser a de desenvolver, mas apenas a de conhecer o Direito, buscando aproximar-se, tanto quanto possível, dos ideais de toda a Ciência: objetividade e exatidão.3 Em razão disso, a Ciência do Direito deveria ser uma Ciência meramente descritiva (“nur beschreibende Rechtswissenschaft”).4 Nenhum enunciado científico poderia ser emitido sem uma base empírica.5 O fundamental seria afastar o cientista do mundo da vontade para circunscrevê-lo ao do conhecimento: “Ciência nunca é veleidade” (“Wissenschaft ist nie Wollenschaft”); “Ciência é sempre apenas intelectualidade” (“Wissenschaft ist stets nur Intellektualität”).6
Esse específico paradigma empírico de Ciência foi recebido no âmbito da Teoria do Direito no Brasil pela obra de Lourival Vilanova. Para ele, “cientificamente, o que cabe é descrever e explicar o dado, não julgá-lo pelo mérito ou desqualificá-lo pelo demérito”.7 Com relação ao modo como o cientista deveria examinar a ordem jurídica, o autor afirma que o “seu propósito é conhecer, não exaltar ou rebaixar a ordem dada, mas descrever objetivamente essa ordem”.8 Em razão disso, as “proposições científicas limitam-se a ser declarativas do objeto, não estimativas do valor que a esse objeto esteja aderido”.9
Essa mesma concepção migrou da Teoria do Direito para a Ciência do Direito Tributário primeiro pela obra de Alfredo Augusto Becker.10 Mais tarde, a referida noção foi difundida pela obra de Paulo de Barros Carvalho, para quem à “Ciência do Direito cabe descrever esse enredo normativo, ordenando-o, declarando sua hierarquia, exibindo as formas lógicas que governam o entrelaçamento das várias unidades do sistema e oferecendo seus conteúdos de significação”.11 Segundo o autor:
“Tal discurso, eminentemente descritivo, fala de seu objeto - o direito positivo - que, por sua vez, também se apresenta com um extrato de linguagem, porém de cunho prescritivo. Reside aqui uma diferença substancial: o direito posto é uma linguagem prescritiva (prescreve comportamentos), enquanto a Ciência do Direito é um discurso descritivo (descreve normas jurídicas).”12
As considerações anteriores demonstram que, para esse específico paradigma científico empirista, a função da Ciência do Direito seria a de descrever o conteúdo do Direito, sem interferir no seu desenvolvimento. Esse conteúdo, de acordo com o referido paradigma, seria objetivo, pré-constituído e suscetível de conhecimento pelo cientista, a quem caberia descrevê-lo ou declará-lo.13
É precisamente essa específica concepção empirista de Ciência que este ensaio investiga, em duas partes: na primeira, são analisados os seus pressupostos; na segunda, os obstáculos à sua adoção. Por meio desse exame, pretende-se, de um lado, demonstrar que a Ciência do Direito não apenas descreve, mas também adscreve e cria significados; de outro, que a sua função não é fundamentalmente descritiva, mas adscritiva e criativa, embora sempre limitada e suscetível de controle intersubjetivo.
1. Pressupostos da Tese Descritivista da Ciência Direito
1.1. Considerações iniciais
A concepção de que a função da Ciência é descrever o Direito, aqui denominada de “tese descritivista da Ciência do Direito”, pressupõe tanto que a atividade do intérprete se resuma a identificar o significado da norma, quanto que esse significado seja unívoco (ou referente a critérios unívocos), pré-constituído e suscetível de conhecimento.14
Em outras palavras, a referida concepção pressupõe determinado tipo de interpretação e determinada teoria da interpretação. O tipo de interpretação identifica a atividade desempenhada pelo intérprete (se descrição, decisão ou criação) e a teoria da interpretação esclarece o estatuto lógico da referida atividade (se conhecimento, vontade ou ambos).
Desse modo, somente o exame dos tipos de interpretação e das teorias da interpretação permitirá saber qual é o tipo de interpretação e qual é a teoria da interpretação que a “tese descritivista da Ciência do Direito” pressupõe. É o que se passa a investigar.
1.2. Tipos de interpretação
A interpretação é um fenômeno complexo. Como ela pode ser analisada por meio de múltiplas perspectivas e com diversos propósitos, qualquer classificação das suas espécies envolve algum grau de simplificação. Daí a necessidade de utilizar uma classificação dessa natureza apenas como ponto de partida heurístico para o exame crítico da interpretação.
Nesse sentido, Guastini, num grande esforço didático, distingue três espécies centrais de interpretação: a cognitiva, a decisória e a criativa.15
A interpretação cognitiva é aquela por meio da qual o intérprete identifica os significados (S) dos dispositivos legais (D), seja apontando qual é o significado de determinado dispositivo, na hipótese de só haver um (D = S1), seja indicando quais são os seus vários significados, no caso de existirem mais de um (S1 e S2), mas sem escolher nenhum (D = S1 ou S2). Nesse tipo de interpretação, o intérprete apenas reconhece quais são os usos linguísticos ideais ou efetivos de determinada linguagem, sem decidir qual deles é o correto. A interpretação cognitiva envolve, portanto, uma atividade meramente descritiva de significados.16
A interpretação decisória é a interpretação mediante a qual o intérprete escolhe um significado, dentre os vários existentes, descartando os demais (D = S1; não, S2). Nessa espécie de interpretação, o intérprete não apenas identifica as alternativas de significado de um dispositivo; ele também decide qual delas é a correta. A interpretação decisória, por conseguinte, não envolve uma atividade simplesmente descritiva, mas adscritiva de significados.17
A interpretação criativa é a interpretação por meio da qual o intérprete, diante de um dispositivo que admite, em razão da sua ambiguidade, mais de um significado (S1 e S2), introduz um novo significado (S3) e atribui esse significado ao dispositivo (D = S3). Nesse tipo de interpretação, o intérprete não apenas identifica as alternativas de significado do dispositivo, mas cria uma nova, não respaldada pelos significados mínimos de seus termos. Desse modo, a interpretação criativa não envolve uma atividade descritiva ou adscritiva, mas introdutora de significados.18
O exame dos tipos fundamentais de interpretação permite demonstrar que a “tese descritivista da Ciência do Direito” pressupõe que o intérprete faça ou possa fazer apenas interpretações cognitivas (identificar um ou mais significados de um dispositivo legal), mas não faça ou não possa fazer nem interpretações decisórias (escolher um significado dentre os vários admitidos por um dispositivo legal), nem interpretações criativas (introduzir um novo significado não respaldado pelos sentidos possíveis de um dispositivo legal).
Em outras palavras, a “tese descritivista da Ciência do Direito”, de acordo com a espécie de interpretação que ela inevitavelmente pressupõe, implica a tese de que o intérprete só faça ou só possa fazer interpretações cognitivas, mas que não faça ou possa fazer interpretações decisórias e/ou criativas.
1.3. Teorias da interpretação
Seguindo o mesmo esforço didático, podem ser idealizadas três grandes teorias da interpretação: a cognitivista, a cética e a eclética.19
Segundo a teoria cognitivista, a interpretação compreenderia apenas atos de conhecimento, em sentido estrito, nunca de vontade: a interpretação não envolveria a escolha, mas o mero juízo teórico de apreender um significado objetivo e pré-constituído. Essa teoria, na sua versão mais radical, pressupõe a existência de um significado unívoco, criado pela autoridade instituidora da norma e suscetível de conhecimento por parte do intérprete.20 Como só haveria um significado, apenas uma interpretação seria verdadeira. E os enunciados do discurso descritivo, quando confrontados com o referido significado, seriam verdadeiros ou falsos, conforme correspondessem, ou não, a ele. De acordo com essa teoria, a atividade do intérprete seria sempre descritiva; nunca, adscritiva ou construtiva.
Conforme a teoria cética, a interpretação envolveria atos de vontade e/ou conhecimento, de modo que o Direito seria (re)criado pelo intérprete e não (apenas) pela autoridade que o instituiu. Essa teoria admite duas vertentes, conforme a existência de atos de conhecimento, de vontade ou de ambos.21
A teoria cética moderada seria aquela em que a interpretação mesclaria atos de conhecimento e de vontade e abrangeria a escolha de um significado dentre os vários admitidos por um texto. De acordo com essa vertente da teoria cética da interpretação, a atividade do intérprete seria tanto descritiva quanto adscritiva: descritiva, por identificar os vários significados possíveis de um dispositivo legal; e adscritiva, por escolher um deles como sendo o correto.
De acordo com a teoria cética radical, a interpretação envolveria apenas atos de vontade e a atribuição de algum significado a determinados dispositivos, na medida em que eles admitiriam qualquer um. Conforme essa conotação da teoria cética da interpretação, a atividade do intérprete seria sempre adscritiva, por escolher qualquer significado como sendo o correto.
Segundo a teoria eclética (também denominada de teoria cognitivista moderada), a interpretação compreenderia atos de conhecimento ou atos de vontade, conforme a origem da abertura à participação do intérprete. Para alguns, o estatuto lógico da interpretação dependeria do caso: a interpretação envolveria atos de conhecimento diante de casos fáceis, assim entendidos aqueles imediatamente enquadráveis na hipótese normativa, mas atos de decisão frente a casos difíceis, assim compreendidos aqueles cujo enquadramento legal é duvidoso. Para outros, a natureza da interpretação dependeria da formulação linguística: a interpretação abrangeria atos de conhecimento diante de textos claros, assim entendidos aqueles cujo significado é imediatamente apreensível, mas atos de decisão diante de textos cujo significado é equívoco, assim compreendidos aqueles textos que admitem mais de um significado.22
Independentemente das críticas que poderiam ser opostas a cada uma dessas teorias, especialmente quanto à sua simplificação, o importante, para os estritos propósitos deste estudo, é demonstrar, com a utilização heurística dessas teorias dos tipos fundamentais de interpretação, que a “tese descritivista da Ciência do Direito”, na vertente que defende que o intérprete só deve descrever um significado, pressupõe a adoção da teoria cognitivista da interpretação, de acordo com a qual só existe um significado verdadeiro, cabendo ao intérprete declará-lo; e na versão que alega que o intérprete deve indicar os significados possíveis de um dispositivo, sem indicar qualquer deles, a mencionada tese pressupõe ou a adoção de uma concepção restrita da teoria cética moderada, segundo a qual os dispositivos admitiriam mais de um significado, devendo o intérprete tão somente descrevê-los, sem escolher um deles, ou a adoção de uma concepção restrita da teoria eclética da interpretação, de acordo com a qual caberia ao intérprete descrever o significado dos textos claros ou o âmbito de aplicação da norma nos casos fáceis, nunca construir o sentido dos textos obscuros ou delimitar o âmbito de aplicação da norma nos casos difíceis.
A referida tese, portanto, não admite nem a adoção de uma teoria cética moderada que autoriza o intérprete a escolher o significado correto dentre os existentes, nem a adoção de uma teoria eclética da interpretação que habilita o intérprete a investigar textos de significado equívoco ou delimitar o âmbito de aplicação das normas diante de casos difíceis. Em outras palavras, a “tese descritivista da Ciência do Direito”, de acordo com a teoria da interpretação que ela inevitavelmente pressupõe, implica a adoção da teoria cognitivista da interpretação ou versões restritas das teorias cética e eclética da interpretação.
Diante desse quadro, para descobrir se a Ciência do Direito só descreve ou pode descrever o conteúdo das normas jurídicas é preciso, de um lado, saber se o Direito, pelo modo como os seus dispositivos são formulados ou pela forma como as normas são estruturadas, permite que o intérprete se limite a identificar um ou mais significados possíveis de um dispositivo legal, sem ter de escolher qualquer deles ou de introduzir um novo. De outro lado, é necessário saber se os dispositivos têm um significado unívoco para todos os casos ou somente quando o texto é claro ou o caso é fácil.
Dizendo de outro modo, verificar se a Ciência do Direito é ou deve ser meramente descritiva do Direito significa o mesmo que saber, de um lado, se o Direito permite que o intérprete só precise ou possa fazer interpretações cognitivas, mas não precise nem possa fazer interpretações decisórias ou criativas; de outro, significa descobrir se os significados preexistem à atividade de interpretação ou dependem dela para serem criados ou coerentemente desenvolvidos. É o que se passa a responder.
2. Obstáculos à Tese Descritivista da Ciência do Direito
2.1. Considerações iniciais
A “tese descritivista da Ciência do Direito”, ao defender que cabe à Ciência descrever o significado do Direito, pressupõe a existência de um ou mais significados suscetíveis de conhecimento. O caráter descritivo da Ciência do Direito depende, portanto, da concorrência dos seguintes elementos: (1) significação estritamente textual; (2) univocidade ou plurivocidade de sentido; e (3) suscetibilidade de conhecimento. Cada um desses elementos responde a diferentes questionamentos.
O problema da significação estritamente textual enfrenta a questão de saber se a Ciência do Direito deve interpretar apenas textos, por meio de elementos puramente linguísticos (função gramatical e lógica dos vocábulos e estrutura sintática das disposições), ou também outros objetos, tais como fatos, atos, costumes, finalidades e efeitos, mediante o exame de outros elementos e de outras relações. Essa investigação pressupõe a análise da variedade de objetos da interpretação no Direito.
O problema da univocidade ou plurivocidade de significados compreende a questão de saber se há um único significado verdadeiro ou vários significados facilmente apreensíveis. Esse exame pressupõe a análise da equivocidade dos textos normativos e da indeterminação das normas.
E o problema da suscetibilidade de conhecimento abrange a questão de descobrir se o significado pode ser apreendido ou escolhido diretamente, sem a intermediação de instrumentos discursivos, tais como métodos, argumentos e teorias. Esse estudo engloba o exame da função e dos tipos de métodos, de argumentos e de teorias no raciocínio jurídico.
Como se pretende deixar claro ao final, a Ciência do Direito não apenas descreve, mas também adscreve e cria significados, nunca diretamente, mas sempre por meio da intermediação de diversos processos discursivos. Por essa razão, a função da Ciência do Direito não é - nem pode ser - apenas a de descrever ou declarar significados suscetíveis de conhecimento. É o que se passa a demonstrar.
2.2. O problema da significação textual
A atividade da Ciência do Direito envolve a análise de textos normativos, mediante a identificação da função gramatical e lógica dos vocábulos e da estrutura sintática das disposições legais (interpretação sensu stricto). A interpretação jurídica, contudo, não se exaure nem na interpretação de textos, nem na investigação de elementos linguísticos. Ela também abrange a interpretação de comportamentos humanos em determinado contexto histórico, cultural e social (interpretação sensu largo) e a interpretação de qualquer evento, situação ou processo (interpretação sensu largissimo).23
Para o propósito deste estudo, importa apenas dizer que a interpretação no Direito demanda, além de textos, o exame de outros elementos, dentre os quais estão fatos, atos, costumes, finalidades e efeitos. É verdade que a atividade doutrinária se circunscreve à interpretação de textos, tendo em vista que os fatos, os atos, os costumes, as finalidades e os efeitos, além de deverem ser vertidos em linguagem, somente em concreto podem diretamente ser interpretados. Mesmo assim, o intérprete pode ser - e continuamente o é - confrontado com dispositivos que fazem referência a - ou pressupõem o entendimento de - fatos, atos, costumes, finalidades e efeitos, sem cujo exame eles simplesmente não podem ser interpretados. Nessas situações, o intérprete a rigor não interpreta fatos, atos, costumes, finalidades e efeitos, mas textos normativos que fazem referência a eles ou pressupõem a sua delimitação para serem interpretados. Independente disso, porém, tal constatação quer dizer que a interpretação, mesmo em abstrato, demanda a delimitação de elementos extratextuais, com base no exame de casos paradigmáticos reais ou ideais, de decisões judiciais e de tantos outros fatores. Em outras palavras, a interpretação doutrinária não envolve apenas textos, mas outros elementos pressupostos ou referidos pelos textos e sem cujo exame o sentido do texto sequer pode ser desenvolvido.
A interpretação de fatos, ao contrário da de textos, envolve conjecturas e ilações a respeito de causas e efeitos de eventos.24 Essa interpretação não é feita apenas em concreto, pelo aplicador, mas também em abstrato, pelo cientista, ainda que indiretamente, quando ele é confrontado com determinadas normas que preveem ou pressupõem fatos ou estados de coisas, como é o caso, no âmbito do Direito Tributário, de regras que preveem fatos geradores de tributos (exemplo: regra de competência para instituir o imposto sobre a renda, que pressupõe a ocorrência de acréscimo patrimonial) ou de princípios que exigem a promoção de estados ideais (exemplo: princípio da moralidade, que exige a promoção de um estado de confiança e de lealdade entre o Estado e os contribuintes).
A interpretação de atos exige a investigação de intenções de agentes, a subsunção de atos numa classe de atos ou a qualificação de atos sob o ponto de vista de determinada norma.25 Essa interpretação não é feita somente em concreto, pelo aplicador, quando ele precisa efetivamente interpretar atos ou negócios jurídicos praticados pelos contribuintes; ela também é feita em abstrato, pelo cientista, ainda que indiretamente por intermédio de textos normativos, quando ele precisa interpretar dispositivos que pressupõem o exame de intenções ou o enquadramento de um ato numa classe de atos, como é o caso, no âmbito do Direito Tributário, de dispositivos que pressupõem a atribuição de efeitos a determinadas intenções ou propósitos (exemplo: o dispositivo que permite desconsiderar negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador ou o dispositivo que estabelece multa agravada para atos praticados com o intuito de fraude).
A interpretação de costumes, diferentemente da de textos, exige a atribuição de sentido a determinada prática social.26 Essa interpretação também precisa ser feita pelo cientista em abstrato, quando ele se encarrega de interpretar dispositivos que mencionam o costume (exemplo: dispositivo que afasta a imposição de penalidades, quando o contribuinte baseia sua conduta na prática reiterada da administração tributária) ou dispositivos que fazem referência a determinadas práticas administrativas (exemplo: dispositivo que impede a eficácia retroativa, quando há mudança de entendimento da administração na interpretação da legislação tributária).
A interpretação de finalidades e de efeitos, diferentemente da análise de textos, exige a atribuição de sentido a determinados dispositivos ou a delimitação do âmbito de aplicação de normas que mencionam ou pressupõem a promoção de estados de coisas e a investigação da relação entre normas e condutas.27 Essa interpretação também tem de ser feita abstratamente pelo cientista, quando ele precisa interpretar um dispositivo ou delimitar o âmbito de aplicação de uma norma que menciona finalidades (exemplo: princípio que protege a liberdade de exercício de atividade econômica, cujo âmbito de aplicação pressupõe a indicação das circunstâncias que impedem a proteção mínima da liberdade, como são os casos de impedimento de abertura do estabelecimento ou de negativa de autorização para a emissão de notas fiscais) ou que pressupõe a indução do comportamento de determinados contribuintes como meio para atingir finalidades públicas (exemplo: regras que fazem menção a finalidades extrafiscais, cujo âmbito de aplicação pressupõe a indicação dos fins buscados e dos efeitos presumidos). Essas finalidades e efeitos são postos ou pressupostos pelo próprio ordenamento, cabendo ao intérprete a sua interpretação, de acordo com critérios coerentes com esse mesmo ordenamento jurídico, o que nada tem a ver com uma interpretação econômica do Direito, baseada em critérios econômicos e não jurídicos.28
Em todas as hipóteses acima mencionadas, a interpretação não pode ser feita por meio da mera identificação da função gramatical e lógica dos vocábulos ou da estrutura sintática das disposições legais. São necessárias conjecturas a respeito da relação entre as normas e as intenções, os efeitos, os fins e os bens jurídicos a que elas fazem referência. O importante é que esses elementos extratextuais não podem ser interpretados por meio de uma mera declaração de significado. O intérprete precisa desenvolver relações, baseadas em raciocínios probabilísticos, conjecturais e de verossimilhança, escolhendo ou construindo o significado normativo em face dos elementos pressupostos pelos dispositivos ou delimitando o âmbito de aplicação em razão de estados de coisas e bens jurídicos pressupostos pelas normas.
É preciso dizer, ainda, que as expressões linguísticas utilizadas pelo legislador podem fazer referência a fatos e condutas ou a estados de coisas, com maior ou menor indeterminação. Dependendo disso, as referidas expressões serão ponto de partida para a reconstrução de espécies normativas diversas, cada qual exigindo diferentes exames por parte do intérprete: correspondência entre reconstruções normativas e fáticas, com base em finalidades, no caso das regras; correlação entre efeitos de condutas e promoção de finalidades, no caso dos princípios.29
Pois bem, as considerações anteriores demonstram que em todas as hipóteses mencionadas o intérprete não se limita a fazer interpretações cognitivas; ele faz e precisa fazer também interpretações decisórias ou criativas, adscrevendo ou construindo significados em face de elementos textuais e também extratextuais. Daí se dizer que o cientista, no âmbito do Direito, não se ocupa, nem pode se ocupar apenas de problemas de interpretação; ele necessariamente tem de enfrentar problemas de relevância, de qualificação, de valoração e de prova.30 Portanto, sustentar que a atividade do intérprete é meramente descritiva de conteúdo é simplesmente ignorar que o Direito exige atividades adscritivas e criativas. Resta saber se a atividade do intérprete, embora não meramente descritiva, pode ser considerada fundamentalmente descritiva. Para começar a responder a essa indagação, é preciso examinar os vários problemas inerentes ao Direito que demandam decisões do intérprete.
2.3. O problema da equivocidade dos textos e da indeterminação das normas
A interpretação no Direito pode exigir a análise de dispositivos legais que tenham aparentemente um único significado para uma dada situação. A mencionada interpretação, entretanto, não se esgota no exame desses dispositivos. Ela demanda igualmente a análise de dispositivos que possuem mais de um significado e que, por isso, criam os seguintes problemas.
O problema da ambiguidade, assim entendido aquele que surge quando um dispositivo admite a construção de duas normas diferentes e excludentes, exigindo que o intérprete aponte qual delas é a correta (D = N1 ou N2?).31 Tal situação ocorre no Direito Tributário nos casos em que os elementos textuais são insuficientes para indicar um significado (exemplo: o dispositivo que prevê a responsabilidade tributária por infração à lei pode ser interpretado no sentido de incluir ou excluir a falta de pagamento no conceito de infração à lei).
O problema da complexidade, assim compreendido aquele que sucede quando um dispositivo enseja a construção de duas normas diferentes e conjuntas, demandando que o intérprete indique quais são elas (D = N1 e N2).32 Tal situação surge no Direito Tributário na interpretação de dispositivos a partir dos quais são construídas várias normas (exemplo: dispositivo que exige lei para a instituição de tributos, em razão do qual são geradas várias normas, como a regra de reserva legal, a regra proibitiva de regulamentos autônomos, o princípio da legalidade e a metanorma que proíbe o uso de analogia).
O problema da implicação, que surge quando um dispositivo enseja a construção de uma norma, mas essa implica outra (D = N1 e N1 Õ N2).33 Tal situação ocorre no Direito Tributário na interpretação de dispositivos a partir dos quais são construídas normas com elevado grau de generalidade que contêm comandos implícitos (exemplo: o dispositivo a partir do qual é construído o princípio da segurança jurídica que, por sua vez, implica a proibição de retroatividade e a proibição de surpresa).
O problema da defectibilidade, que ocorre quando o dispositivo enseja a construção de uma norma, mas essa admite exceções implícitas decorrentes de experiências recalcitrantes (N = “se A, então B, salvo se X”).34 Tal problema ocorre no Direito Tributário quando há normas concebidas a partir de situações típicas que precisam ser aplicadas para situações atípicas (exemplo: a aplicabilidade da regra que prevê o prazo de 20 dias para a apresentação de informações para casos em que as informações requeridas são tão extensas que não podem ser apresentados dentro do referido prazo).
Esses problemas relativos à equivocidade das formulações legislativas, aos quais outros poderiam ser somados, demonstram que os dispositivos não têm um único significado que possa ser declarado pelo intérprete, nem vários significados que possam ser por ele facilmente apreendidos. Isso sem mencionar que, muitas vezes, para construir uma só norma, é necessária a conjugação de vários dispositivos. Em todos esses casos, a interpretação do Direito não pode ser feita exclusivamente por meio de estruturas linguísticas, nem demanda do intérprete uma simples descrição de significado. O intérprete, em razão da equivocidade, precisa adscrever e introduzir significados. Em outras palavras, a equivocidade das formulações legislativas impede que o intérprete faça somente interpretações cognitivas, exigindo que ele também proceda a interpretações decisórias ou criativas, adscrevendo ou construindo significados em face da pluralidade de significados.35
Mas, mesmo depois de ultrapassado o problema da equivocidade dos textos e reconstruídas as normas por meio da interpretação, surge inevitavelmente o problema da vagueza: embora saiba o conteúdo da norma, o intérprete pode não saber exatamente quais fatos recaem no seu âmbito de aplicação, dado não existirem apenas casos fáceis, mas também casos difíceis.36
Essa vagueza, potencial para qualquer norma, pela incapacidade de a linguagem confinar o futuro em modelos concebidos no passado, pode ser provocada ou aumentada, intencional ou gratuitamente, pelo Poder Legislativo, por meio da instituição de normas com diferentes tipos de indeterminação, como princípios jurídicos ou regras contendo cláusulas gerais. No caso dos princípios, por causa da sua particular forma de indeterminação e da falta tanto de âmbitos determinados de aplicação, quanto de soluções unívocas, o intérprete terá necessariamente de examinar a relação entre efeitos de condutas e a promoção de estados de coisas, construindo princípios implícitos ou criando regras de concretização. E no caso das regras contendo cláusulas gerais, o intérprete terá de fazer valorações com mais intensidade, pela escolha da consequência a ser atribuída em razão da sua violação.
O essencial, para este estudo, é que o referido problema da vagueza não surge apenas para o aplicador, mas também para o cientista: para delimitar o campo de aplicação de uma norma, o intérprete precisa examinar casos paradigmáticos já julgados pelo Poder Judiciário ou mesmo conceber hipóteses ideais de aplicação, sem os quais não poderá minimamente antecipar qual a funcionalidade da norma cujo conteúdo ele pretende reconstruir.
Os problemas relativos à indeterminação das normas e do próprio Direito comprovam que as normas não têm um único conteúdo, não proporcionam uma única solução, nem têm um predeterminado âmbito de aplicação. Em razão disso, a interpretação não tem como ser feita exclusivamente por meio de estruturas linguísticas, nem admite uma simples descrição de significados. O intérprete, em razão da indeterminação, precisa construir normas a partir de dispositivos e definir âmbitos de aplicação por meio do enquadramento de fatos ou atos numa classe de fatos ou atos, mesmo em nível abstrato, pela consideração de casos paradigmáticos reais ou ideais. Dizendo de outro modo, a indeterminação impede que o intérprete faça somente interpretações cognitivas, demandando que ele também faça interpretações decisórias e criativas, construindo normas e delimitando âmbitos de aplicação. Como afirma Guastini: “(...) a equivocidade e a indeterminação do significado exigem uma escolha, cuja origem só pode ser a valoração”.37
2.4. O problema da suscetibilidade do conhecimento
Conforme dito, a “tese descritivista da Ciência do Direito” defende que a função da Ciência é descrever o conteúdo do Direito. Essa concepção pressupõe um objeto diretamente suscetível de conhecimento por parte do intérprete. Isso, no entanto, não ocorre, porque toda interpretação envolve a intermediação discursiva ou o condicionamento de métodos, argumentos e teorias.
No que se refere aos métodos, a interpretação no Direito envolve o raciocínio por dedução, por meio do qual o intérprete infere conclusões partindo do geral para o particular. Porém, tal método, que supostamente envolve uma atividade meramente cognitiva, não esgota o raciocínio jurídico, na medida em que este também abrange a indução, por meio da qual o intérprete tira conclusões partindo do particular para o geral, como ocorre nas situações em que ele obtém, a partir de casos previstos, conclusões para casos não previstos (exemplo: raciocínio por analogia ou argumentação a contrário senso) e nas hipóteses em que ele constrói normas implícitas a partir de normas expressas (exemplo: construção de princípios implícitos a partir de princípios expressos ou de regras implícitas a partir de princípios expressos). O raciocínio por indução, na medida em que alarga o objeto da interpretação para além de meros dispositivos legais, não envolve uma interpretação meramente cognitiva, mas decisória e criativa.
Independente do método utilizado, no entanto, a interpretação só é possível por meio de métodos ou estruturas de raciocínio que organizam o material bruto a ser utilizado pelo intérprete e condicionam a interpretação. Nesse sentido, não se pode simplesmente afirmar que o conteúdo do Direito seja suscetível de conhecimento no sentido de ser imediata e diretamente apreensível pelo intérprete, sem a interposição de estruturas metódicas.
A interpretação no Direito também envolve argumentação, assim entendido o conjunto de razões utilizado pelo intérprete para suportar uma dada interpretação.38 Vários são os tipos de argumentos utilizados na interpretação.39
Cabe, neste ponto, mencionar somente alguns: argumento linguístico, baseado no significado das palavras, de acordo com o qual o significado a ser escolhido deve ser aquele vinculado ao sentido dos termos utilizados nos dispositivos (exemplo: o dispositivo referente à responsabilidade tributária por sucessão deve ser interpretado como abrangendo somente os tributos, e não as multas, porque o legislador mencionou só aqueles sem fazer menção a essas); argumento histórico evolutivo, fundado na avaliação do momento em que a fonte foi editada e na mutação do seu sentido ao longo do tempo, segundo o qual o significado a ser escolhido deve evoluir juntamente com a evolução da sociedade (exemplo: o dispositivo de acordo com o qual as mercadorias são bens móveis deve ser interpretado como envolvendo qualquer bem, inclusive intangível); argumento genético, baseado nos trabalhos preparatórios, por meio do qual o significado a ser adscrito deve ser aquele suportado pelo projeto de lei e pelas discussões parlamentares (exemplo: o dispositivo que prevê a incidência do imposto sobre serviços de comunicação deve ser interpretado de modo a não abranger a publicidade na Internet, porque essa hipótese teria sido afastada pelas discussões parlamentares); argumento finalístico, fundado na finalidade normativa, segundo o qual a hipótese normativa deve ser ampliada ou restringida em razão da finalidade que lhe é subjacente (exemplo: a regra da imunidade dos livros deveria abranger também os livros eletrônicos, porque a sua finalidade é a de favorecer a cultura e a informação, e esses objetivos também são promovidos pela publicação dos referidos livros); argumento sistemático, baseado no conjunto normativo, de acordo com o qual o significado a ser escolhido deve ser aquele amparado pelo sistema ou o âmbito de aplicação da norma deve conter casos suportados pelo sistema (exemplo: a regra que autoriza a desconsideração de negócios jurídicos celebrados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador deve abranger apenas negócios praticados com abuso de forma, mas não aqueles praticados com a finalidade de diminuir a carga tributária, por ter a Constituição adotado um sistema de previsibilidade preservador da livre-iniciativa).
O exame panorâmico de parte dos argumentos utilizados para suportar uma dada interpretação demonstra que toda interpretação, do dispositivo mais simples ao mais complexo, envolve uma decisão de interpretação baseada num argumento. Normalmente se sustenta que diante de textos claros ou de casos fáceis não haveria nem interpretação, nem argumentação. É sabido, porém, que a qualificação de um texto como claro ou de um caso como fácil é resultado da interpretação e não impeditivo dela.40 A interpretação é sempre necessária. Assim também a argumentação. Em razão da equivocidade dos dispositivos e da indeterminação das normas, é sempre necessário fazer uma escolha. Como essa escolha precisa ser justificada para não ser arbitrária, toda interpretação envolve uma decisão baseada em razões que suportam a decisão interpretativa. Daí se poder afirmar, diante disso, que toda interpretação envolve uma decisão interpretativa estruturada por um ou mais métodos e baseada em um ou mais argumentos.
Sendo assim, porém, não se pode simplesmente afirmar que o conteúdo do Direito seja suscetível de conhecimento no sentido de ser imediata e diretamente apreensível pelo intérprete, sem a intermediação de processos discursivos. Toda interpretação envolve uma escolha estruturada por métodos e suportada por argumentos. Daí ter razão Mazzarese quando afirma: “A elocução de um enunciado que exprime uma norma jurídica não é, portanto, um dado unívoco e, além disso, não é nem mesmo um dado preexistente ao, nem independente do, processo interpretativo, mas, contrariamente, é o resultado, o produto de tal processo”.41
Contrariamente ao que se acaba de afirmar, poder-se-ia sustentar que aqueles dispositivos, cujo conteúdo preliminar parece ser suficiente para solucionar eventual conflito interpretativo, poderiam ser interpretados sem o concurso de métodos ou de argumentos. Essa impressão se desfaz quando se constata que mesmo esse tipo de interpretação pressupõe, por exemplo, a escolha de um argumento no lugar de outros (um argumento linguístico, em vez de um argumento finalístico ou sistemático), a escolha de uma doutrina interpretativa no lugar de outras (a doutrina objetivista da interpretação, que defende a fundamentação literal e estática, em detrimento da doutrina subjetivista, que defende a fundamentação intencional e dinâmica) e a escolha de uma forma de justiça no lugar de outra (a justiça geral, baseada na legalidade, em vez da justiça particular, fundada na equidade). O que pode suceder é algo diverso: embora sempre se tenha que utilizar argumentos na interpretação (no sentido de atividade, não de resultado nem de discurso justificador), nem sempre se expõe uma argumentação interpretativa (no sentido de exibição de cada argumento que justificou determinado resultado interpretativo), por ser o resultado óbvio ou pacífico.42 Os argumentos e os métodos estão presentes, embora não revelados.
A constatação de que toda interpretação envolve inevitavelmente uma escolha estruturada por métodos, baseada em argumentos e fundada em teorias, impede a defesa de que cabe à Ciência do Direito apenas descrever significados suscetíveis de conhecimento.43 Diante de qualquer dispositivo e frente a qualquer caso, será sempre necessária a escolha de um significado por meio da utilização de métodos, de argumentos e de doutrinas. Isso significa que o intérprete não apenas tem de escolher um significado, mas que ele também não tem como deixar de escolher um método, um argumento e uma doutrina que irão condicionar a opção por esse significado. Em suma, a interpretação no Direito não é conhecimento de significados; é decisão de significados estruturada por métodos, argumentos e doutrinas.
A verificação de que a Ciência do Direito, por uma exigência do seu próprio objeto, não deve apenas descrever, mas também adscrever e criar significados não quer dizer que a sua atividade não enfrente limites, nem possa perseguir o ideal de objetividade.
Embora o intérprete tome decisões interpretativas diante da equivocidade dos textos e da indeterminação das normas, essas decisões enfrentam vários limites decorrentes dos significados admitidos pelos usos linguísticos, dos métodos de interpretação geralmente aceitos, das teorias dogmáticas existentes, dos precedentes com força formal ou material, e assim por diante.44 Além disso, a decisão interpretativa sempre depende de critérios de legitimação e de regras materiais e procedimentais.45
E conquanto o intérprete, nas situações em que precise fazer interpretações decisórias e criativas, não possa perseguir a objetividade semântica, ele certamente pode - e deve - buscar a objetividade discursiva, tanto mais presente, quanto mais racional, coerente e consistente for o uso dos métodos, dos argumentos e das doutrinas que condicionam a sua interpretação.46 A doutrina pode fazer sentido mesmo se a razão proporcionar formas argumentativas, pretensões de coerência e lugares-comuns, mas não normas precisas.47 E seus enunciados podem ser considerados científicos se forem intersubjetivamente controláveis, isto é, se forem estruturados sistematicamente, consistentes, seguirem a força dos argumentos e forem abertos à crítica, bem como respeitarem as condições de racionalidade lógica e do discurso, mesmo que não sejam objetivos, neutros e avalorativos.48
Esses limites e essa objetividade, se de um lado pressupõem a existência de interpretações decisórias e criativas que eles visam limitar e organizar, de outro lado impedem que o intérprete atribua qualquer significado aos dispositivos ou defina qualquer âmbito de aplicação às normas. Com isso e indiretamente, eles impedem que o intérprete, a pretexto de fazer Ciência do Direito, ignore os significados mínimos dos dispositivos que pretende interpretar e as estruturas argumentativas, pressupostas por esses dispositivos e pelos seus significados mínimos, que atribuem racionalidade aos argumentos que utiliza para suportar as suas decisões interpretativas.49
O que não se pode é, a pretexto de garantir segurança por meio do discurso científico, fingir que a Ciência do Direito exerce exclusivamente atividades meramente cognitivas quando também exerce atividades adscritivas e criativas; como se a insegurança decorrente dessas atividades deixasse de surgir pela sua mera ocultação, tal como um sujeito endividado que ingenuamente acredita estar eliminando as suas dívidas ao deixar de abrir as correspondências contendo as contas que deve pagar. Mostrar um problema não equivale a criá-lo, nem ocultá-lo significa eliminá-lo. Assim, ao se demonstrar que as atividades de adscrição e criação fazem parte da Ciência do Direito não se cria nova fonte de insegurança; apenas se constata uma fonte já existente, permitindo a criação de critérios intersubjetivos para o seu controle.
A tese de que a Ciência do Direito apenas descreve ou deve descrever o conteúdo de normas não tem, portanto, como prosperar - além de seu discurso incluir enunciados interpretativos cognitivos que descrevem diversos significados possíveis de textos normativos, também abrange enunciados interpretativos decisórios que adscrevem significados e formulações normativas que exteriorizam normas implícitas.50
Poder-se-ia dizer que, além desses enunciados, o discurso da Ciência do Direito também conteria enunciados descritivos de normas, ou do conteúdo de normas, ao descrever as interpretações decisórias da doutrina e dos tribunais e as normas em vigor. Tal compreensão, todavia, confunde descrição de normas com descrição de fatos relativos a normas: quando o cientista simplesmente descreve que uma norma está em vigor, ele não está descrevendo uma norma, mas descrevendo o fato de que uma norma está em vigor, desde que pressuponha o conceito fático de validade, verificável pela experiência, e não o conceito sistemático de validade, dependente de um juízo de valor a respeito da pertinência de uma norma a um conjunto de normas; e quando o cientista descreve que a doutrina ou os tribunais adotaram determinada interpretação, não está descrevendo uma norma ou o seu conteúdo, mas o fato de que determinados sujeitos ou órgãos adotaram uma dada interpretação. Nessas hipóteses, o objeto da descrição não são normas, mas fatos concernentes a normas, o que é algo totalmente diverso.51 Como lembra Hart, uma descrição não deixa de ser uma descrição quando tem por objeto uma valoração.52
As considerações anteriores comprovam que a Ciência do Direito não apenas descreve, mas também adscreve e cria significados. A compreensão de que a função da Ciência do Direito é meramente descrever significados envolve, pois, uma espécie de formalismo epistemológico, na medida em que pressupõe um conceito muito restrito de conhecimento (conhecimento como juízo teórico de captação de uma realidade e não como juízo prático destinado a direcionar um estado de coisas) e um rol muito limitado de atividades (descritivas, mas não adscritivas e criativas). Tal solução, contudo, é errônea, na medida em que a interpretação jurídica nunca se reduz ao simples conhecimento de um significado anterior - seja ele verdadeiro ou próprio, pouco importa.53
Resta saber agora se a atividade descritiva é a atividade fundamental da Ciência do Direito. Para responder a essa indagação, é preciso saber, de um lado, se a atividade descritiva é direta ou intermediada por processos discursivos que envolvem atividades decisórias e criativas; de outro, mesmo que a interpretação abranja uma parcela de atividades diretamente descritivas, é necessário descobrir se essas atividades são as mais representativas dentre aquelas exercidas pelo intérprete.
Em atenção ao primeiro aspecto (saber se a atividade descritiva é direta), cumpre destacar que a interpretação é sempre intermediada por teorias que demandam escolhas.
Primeiro, existem atividades preparatórias à interpretação, como a qualificação de determinado objeto como um documento normativo e a identificação de determinados artigos como pertinentes ao assunto que se pretende resolver.54 Tais atividades pressupõem teorias e demandam escolhas: para qualificar determinado objeto como um documento normativo é preciso dispor de uma teoria das fontes normativas e, com base nos seus critérios, decidir quais dispositivos são normativos e quais não são; e para identificar os artigos como pertinentes é necessário ter uma noção prévia da teoria dos sistemas normativos e, de acordo com seus parâmetros, decidir quais artigos são pertinentes e quais não são e como eles se relacionam no conjunto normativo.
Segundo, há fatores que condicionam a interpretação, como a qualificação das normas como regras ou princípios, como normas gerais ou excepcionais, imperativas ou dispositivas, formais ou materiais, e assim por diante.55 Tais atividades também pressupõem teorias e demandam escolhas: para qualificar determinada norma como uma regra ou um princípio, por exemplo, é imprescindível dispor de uma teoria das normas e, com base nos seus critérios, decidir pelo enquadramento de determinada norma numa ou noutra categoria.
Terceiro, existem elementos que influem na interpretação, como a estrutura, o contexto linguístico específico e o intertexto das disposições.56 Tais elementos também pressupõem teorias e demandam escolhas: para qualificar determinado elemento como teleológico, por exemplo, é necessário possuir uma teoria das finalidades e, com base nos seus requisitos, optar pelo enquadramento de determinado elemento como pertencente à finalidade normativa.
Quarto, há argumentos que participam da justificação da interpretação, como é o caso dos argumentos linguísticos, sistemáticos, finalísticos, genéticos, históricos e consequencialistas.57 A justificação da interpretação com base em argumentos também pressupõe teorias e demanda escolhas: para justificar a escolha de um argumento em detrimento de outro, por exemplo, é preciso dispor de uma teoria da argumentação e, com base nos seus pressupostos, classificar e valorar os argumentos utilizados na interpretação.
A importância das observações anteriores está na constatação de que a interpretação é sempre intermediada por processos discursivos que envolvem atividades decisórias e criativas. O significado, em vez de anteceder aos processos discursivos, resulta deles.58 Somente depois - não antes - de superados esses processos discursivos é que se pode falar em significado. Sendo assim, não é correto qualificar a interpretação textual como uma atividade descritiva de significados, que envolve apenas juízos teóricos sem qualquer interferência subjetiva. Toda e qualquer interpretação envolve escolhas estruturadas por métodos e guiadas por teorias, ainda mais no caso da interpretação textual no âmbito do Direito, que é uma atividade de natureza prática, conotada por momentos de valoração e decisão.59
O que foi dito até aqui não significa que a interpretação não enfrente limites exteriores e não envolva atividades descritivas. Significados incorporados ao uso comum da linguagem e interpretações fornecidas pela doutrina, pelo Poder Judiciário ou pelo Poder Executivo a respeito de determinados dispositivos legais, para citar apenas alguns exemplos, podem ser objeto de descrição por parte do intérprete. Nesse caso, contudo, o intérprete, a rigor, não está fazendo interpretação textual, mas descrevendo interpretações e valorações já feitas, o que é algo diverso. Mesmo nesses casos, os fatos interpretativos precisam ser juridicamente contextualizados e incorporados a uma estrutura argumentativa amparada em métodos e guiada por teorias.
Desse modo, com referência ao segundo aspecto da indagação inicial (saber se a descrição é a atividade mais representativa da Ciência do Direito), é inevitável concluir em sentido contrário: no processo de interpretação textual, permeado por processos discursivos que pressupõem teorias e demandam escolhas, a descrição de fatos interpretativos, além de também ser condicionada por atividades decisórias e criativas, sequer pode ser qualificada como sendo a atividade fundamental desempenhada pela Ciência do Direito. As atividades fundamentais, em vez disso, são as adscritivas e as criativas: as atividades prévias à interpretação (qualificação de objetos como normativos e pertinentes), pressupostas pela interpretação (qualificação das espécies normativas e dos tipos de normas) e integrantes da interpretação (classificação e valoração dos argumentos), bem como os principais problemas inerentes aos textos normativos (ambiguidade, complexidade, implicação e defectibilidade) e ao próprio fenômeno normativo (indeterminação do Direito e das suas normas) fazem com que as atividades adscritivas e criativas sejam as mais representativas. Daí se dizer que a Ciência do Direito é descritiva e normativa ao mesmo tempo, em razão de não apenas descrever, mas também recomendar interpretações.60
A constatação de que a atividade descritiva também é intermediada por processos discursivos permeados por escolhas tem levado a doutrina a superar a dicotomia entre proposições “descritivas” e “normativas” em favor de uma fusão (não combinação) entre ambas: não haveria uma dicotomia extrema entre proposições “descritivas” e “normativas”, mas um entrelaçamento mais ou menos firme entre ambas.61
É por todas essas razões que não se pode afirmar que a atividade do cientista é descrever significados normativos - mera ou fundamentalmente, pouco importa. A tese de que a função da Ciência do Direito é fundamentalmente descritiva também envolve um formalismo epistemológico. É também por isso que não se pode afirmar que o intérprete simplesmente constrói significados, sem quaisquer limitações exteriores e anteriores, mas reconstrói significados, dentro de vários limites linguísticos, metodológicos, práticos, entre outros.62 Nesse contexto, cresce em importância o exame dos limites e do controle da interpretação por meio de processos de legitimação, determinação, argumentação e fundamentação.63 Em outras palavras, a admissão de que a interpretação envolve atividades decisórias e criativas aumenta a importância de critérios intersubjetivamente controláveis para a interpretação.64 Soluções simplistas, que apelem a um fundamento geral explicativo de toda a atividade interpretativa, sem a conjunta indicação de critérios intersubjetivamente controláveis e de limites minimamente claros e operacionais para a interpretação, são obviamente insatisfatórias para dar conta da inevitável complexidade do fenômeno normativo. Situam-se nessa categoria tanto o mero apelo ao plano pragmático da interpretação quanto a simples defesa de que o Direito é linguagem, integridade ou objeto cultural. Além de envolver um elevado grau de simplismo, truísmo e trivialidade, essas concepções, em nome do conhecimento e do controle, na verdade terminam por abrir as portas para o voluntarismo e a arbitrariedade.65
Conclusões
Ao fim e ao cabo, resta a conclusão de que a “tese descritivista da Ciência do Direito” nada mais é do que uma tese normativa e reducionista da função da Ciência do Direito.
Normativa, porque não descreve simplesmente o que o intérprete do Direito faz, mas determina o que ele deve fazer para ter seu discurso supostamente elevado à categoria de Ciência, ao pressupor determinados critérios que devem ser atendidos - discurso descritivo, neutro e avalorativo de significados preexistentes suscetíveis de conhecimento.
Esses critérios científicos, no entanto, excluem a maior parte das atividades reclamadas pelo próprio Direito. Daí ser a “tese descritivista da Ciência do Direito”, além de normativa, também reducionista. Como pressupõe um conceito muito estrito de conhecimento (como juízo teórico de captação da realidade e não como juízo prático destinado a direcionar um estado de coisas) e um espectro muito restrito de atividades interpretativas (interpretação cognitiva, mas não adscritiva e criativa), ela não apenas afasta a interpretação de atos, fatos, costumes, finalidades e efeitos da atividade da Ciência do Direito, como também exclui do seu âmbito a interpretação de qualquer dispositivo cujo significado seja equívoco ou a aplicação de qualquer norma cujo âmbito de aplicação seja indeterminado, já que, nesses casos, o intérprete terá necessariamente de adotar outros tipos de interpretação (interpretação decisória e criativa).
Mais do que isso, a adoção da referida tese também provoca uma série de limitações com relação ao tipo de interpretação, ao tipo de método e ao tipo de relação que será objeto de desenvolvimento pelo intérprete.
No que se refere ao tipo de interpretação, a mencionada tese, por circunscrever a atividade do intérprete à descrição, limita a sua atividade à interpretação objetiva, acontextual e originária, excluindo do seu âmbito a interpretação subjetiva, contextual e evolutiva.
No tocante ao método, a referida tese, precisamente por apregoar o afastamento de qualquer tipo de interferências subjetivas, limita a atividade do cientista à utilização do método dedutivo, como se sua atividade também não demandasse o uso de outros métodos, nem a opção por argumentos ou doutrinas. Impede-o, assim, de raciocinar por meio da indução, necessária para a construção de normas implícitas e para a interpretação de dispositivos cujo significado é equívoco.
E no que diz respeito às relações entre as normas, a dita tese, por não tolerar qualquer tipo de construção que não possa ser corroborada mediante mero cotejo com o ordenamento jurídico, limita a atividade do intérprete ao exame das relações formais e lógicas, excluindo da sua atividade a construção de hierarquias materiais graduais, baseadas na coerência substancial, e axiológicas, fundadas em concepções valorativas.66
As considerações anteriores demonstram que o reducionismo provocado pela tese descritivista, se levado às últimas consequências, não apenas deixa a Ciência do Direito com um objeto muito restrito (textos e algumas espécies de regras) e uma atividade muito limitada (interpretação cognitiva), como faz com que ela perca quase totalmente o seu sentido prático. Como, se adotado o paradigma empirista, cabe à Ciência apenas constatar o problema da equivocidade dos textos e da indeterminação das normas, sem, porém, resolvê-los por meio da escolha de significados e a delimitação de âmbitos de aplicação, os enunciados do discurso científico terminam por não possuir capacidade orientadora alguma. Buscam a verdade, mas ignoram a realidade.
Essa constatação explica por que a parte da Ciência do Direito Tributário, que segue esse paradigma obsoleto, limita-se ao estudo de regras descritivas de âmbitos de poder, por meio do exame da função gramatical e lógica dos vocábulos e da estrutura sintática das disposições (exemplo: aspectos de regras de competência), sem atenção a normas cujo exame pressupõe a investigação de finalidades, efeitos e bens jurídicos (exemplo: regras de competência para instituir tributos com finalidade indutora, princípios de liberdade e de propriedade). Isso ocorre porque o paradigma de Ciência permite a análise de alguns fenômenos, mas não todos, precisamente porque um paradigma nada mais é do que um critério de escolha de problemas. Como afirma Kuhn, “aqueles [fenômenos] que não se encaixam no modelo geralmente não são sequer vistos”.67 Vale dizer: a tese descritivista não apenas diminui a extensão normativa do Direito, como sequer percebe essa diminuição.
Todas essas considerações terminam por comprovar que a “tese descritivista da Ciência do Direito” partiu de um modelo de Ciência criado para outros mundos, mas não para o mundo do Direito. O ideal dos empiristas, de criar um único método para todas as ciências, surgiu inicialmente para as ciências naturais, alastrando-se mais tarde para todas as ciências, inclusive a do Direito. Ocorre que as ciências naturais consistem em discursos que têm por objeto uma entidade física, capaz, em tese, de ser descrita, como é o caso da Ciência Astronômica, que tem por objeto o movimento dos planetas, descrito pelos astrônomos. Já a Ciência do Direito envolve um discurso que não tem por objeto uma entidade física, mas uma realidade discursiva, incapaz de ser descrita como supostamente o é uma entidade física, pela singela e boa razão de que não está pronta sem a participação do intérprete. Por isso está correto Guastini que, depois de fazer a diferenciação acima referida, afirma: “A linguagem dos juristas não ‘verte sobre’ a linguagem do Direito: ao contrário, os juristas modelam e enriquecem continuamente o seu objeto de estudo, como um violinista que inserisse notas apócrifas na partitura que está executando”.68
Na verdade, por meio do modelo empirista, adequou-se o Direito ao modelo de Ciência, em vez de se adaptar o modelo de Ciência ao Direito. Construiu-se o “Direito da Ciência” no lugar da “Ciência do Direito”. Fez-se, com o Direito, o mesmo que Procusto fazia com os viajantes que dormiam na sua cama até que eles se encaixassem perfeitamente no seu tamanho: se eram menores do que ela, eram esticados; se eram maiores, tinham partes do corpo amputadas. Por isso assiste total razão a Aarnio, quando afirma que:
“Não se pode começar perguntando o que é ciência. No caso do estudo doutrinário do Direito, isso significaria que este é enquadrado na cama de Procusto, onde ou os braços ou as pernas são cortados. A cama é, obviamente, do tamanho correto se, e somente se, o paciente é medido para se ajustar à cama. O único problema é que, quando o estudo doutrinário do Direito é medido de acordo com esse tipo de cama, ele não é mais um estudo doutrinário do Direito.”69
A conclusão inevitável é a de que a “tese descritivista da Ciência do Direito” nada mais faz do que partir e pregar o continuísmo de pressupostos equivocados. Primeiro, o pressuposto de que o Direito é um objeto pronto e acabado, capaz de ser apreendido tal como encontrado, o que não é verdadeiro: o Direito não é nem um objeto previamente dado, cujo conteúdo dependa, exclusivamente, de atividades cognoscitivas reveladoras de sentidos predeterminados, nem uma atividade cuja realização deriva, unicamente, de estruturas argumentativas a serem reveladas apenas no posterior processo decisional, mas, sim, uma composição entre atividades semânticas e argumentativas.70 Segundo, o pressuposto de que os significados preexistem à atividade interpretativa, o que também não procede: a interpretação não descreve significados preexistentes, mas reconstrói significações a partir de significados mínimos de dispositivos.71 Nesse sentido, correta a avaliação feita por Mazzarese das teses relativas à função descritiva da Ciência do Direito:
“A problematicidade de tais teses concorre, obviamente, para pôr em dúvida a plausibilidade mesma de uma noção de ‘enunciado descritivo de uma norma’, e, por consequência, concorre para destituir de fundamento teórico o seu eventual emprego com a finalidade de caracterizar a ciência jurídica e/ou a dogmática jurídica, ou a fim de justificar uma lógica de normas pela via dos enunciados que as descrevem.”72
Conclui-se, pois, que a “tese descritivista da Ciência do Direito” é produto de um paradigma de Ciência do Direito criado à revelia do próprio Direito e, por essa razão, inapropriado para compreendê-lo em toda a sua extensão e em todas as suas manifestações. Por isso merece transcrição a advertência de Raz:
“O estudo do Direito deve ser ajustado ao seu objeto. Se ele não puder ser estudado ‘cientificamente’, então seu estudo não deveria esforçar-se para ser científico. Pela natureza de um objeto pode-se aprender como ele deveria ser investigado, mas não se pode postular que o objeto tenha certos atributos porque se deseja estudá-lo de certo modo.”73
Diante dessa conclusão, apresentam-se algumas alternativas para a Ciência do Direito Tributário.
Primeiro, ela pode ignorar que o Direito reclama a adscrição e a reconstrução de significados - e, portanto, a valoração. Esse caminho, contudo, importa aceitar um papel limitado e uma importância diminuta, dado que ao intérprete caberá apenas constatar a equivocidade dos textos normativos e a indeterminação do Direito, sem que ele possa indicar qual é o significado mais fortemente suportado pelo ordenamento jurídico e quais são os critérios de qualificação dos fatos concernentes a esse significado.
Segundo, a Ciência do Direito pode exercer as tarefas de adscrever e reconstruir significados, mas sem assumir que isso é feito. Tal alternativa provoca uma contradição performática, na medida em que o intérprete prega uma atividade meramente cognitiva, mas pratica uma atividade também adscritiva e criativa. É a chamada tensão entre o que é dito e o que é feito, como lembra Peczenik a respeito da dicotomia entre descrição e valoração:
“Essa terminologia revela uma tensão na doutrina jurídica entre o fazer e o dizer. Os estudiosos fazem tanto descrição quanto valoração; eles falam na maioria das vezes sobre descrição e ficam quase envergonhados de fazer valoração. Na verdade, o trabalho da doutrina é normalmente vinculado a valores.”74
Essa mesma alternativa também implica uma falsa propaganda científica, já que o intérprete sustenta um modelo científico que, na verdade, não é executado. Mas, ao não assumir que isso é feito, a Ciência do Direito deixa de fornecer critérios intersubjetivamente controláveis para a adscrição e a criação de significados. Propugna abstratamente cognitivismo, mas semeia concretamente voluntarismo.
Terceiro, a Ciência do Direito pode exercer as atividades de adscrever e reconstruir significados, aceitando abertamente que isso é feito, mas assumindo que essa atividade não é científica. Embora plausível, essa alternativa é incompleta, na medida em que ela deixa sem critérios de controle o exercício daquelas atividades.
E, por fim, a Ciência do Direito pode exercer as atividades de adscrever e reconstruir significados, mantendo uma base empírica, mas mudando os critérios que o discurso deve preencher para ser considerado científico, no sentido de sério, racional e controlável. Um dos caminhos é a substituição dos critérios de objetividade semântica e de verdade por correspondência, inadequados para o Direito, pelos critérios de objetividade discursiva e de verdade por coerência, a serem conjugados com outros, na luta contra o obscurantismo interpretativo.75
É nesse contexto que se propõe um “estruturalismo argumentativo”, baseado em três alicerces.
Primeiro, na teoria dos sistemas, por meio da qual se propõe uma mudança do critério fundamental de sistematização (da hierarquia formal para a coerência substancial) bem como um alargamento do seu objeto (não apenas elementos linguísticos, como função gramatical e lógica dos vocábulos e estrutura sintática das disposições, mas também elementos extratextuais pressupostos pelas normas, como fatos, atos, costumes, finalidades e efeitos).76
Segundo, na teoria das normas, mediante a qual se sustenta uma alteração dos critérios fundamentais de distinção entre as espécies normativas (do caráter fundante ou do modo de aplicação e colisão para a natureza da descrição normativa, da justificação e da contribuição para a decisão) assim como uma ampliação das próprias espécies (não apenas regras e princípios, mas também postulados hermenêuticos e aplicativos).77
Terceiro, na teoria jurídica da argumentação, por via da qual se defende uma alteração dos critérios fundamentais de controle argumentativo (de critérios estritamente racionais ou retóricos para critérios fundados no próprio ordenamento jurídico) e uma alteração da sua própria funcionalidade (não apenas demonstrar que a interpretação envolve decisões de sentido baseadas em argumentos, mas propor uma classificação dos argumentos e um conjunto de parâmetros discursivos destinados a relacioná-los e valorá-los com base em princípios democráticos e republicanos).78
Tal solução incorpora a assertiva de que a interpretação jurídica é um processo discursivo baseado em argumentos, estruturado por métodos e guiado por teorias, que envolve um entrelaçamento de atividades descritivas, adscritivas e criativas, cuja legitimidade depende do reconhecimento de limitações exteriores e da observância de critérios intersubjetivamente controláveis. Uma solução que permite a construção da “Ciência do Direito” no lugar do “Direito da Ciência”.
1 Cf. STADLER, Friedrich. The Viena circle - Studies in the origins, development, and influence of logical empiricism. Viena/Nova Iorque: Springer, 2001, p. 11 e ss.
2 Cf. WALTER, Robert. “Der Positivismus der Reiner Rechtslehre”. In: JOBLONER, Clemens; e STADLER, Friedrich (orgs.). Logischer Empirismus und Reine Rechtslehre. Beziehungen zwischen dem Wiener Kreis und der Hans Kelsen-Schule. Viena: Springer, 2001, p. 3.
3 Cf. KELSEN, Hans. Reine Rechtslehre. Viena: Deuticke, 1934, p. 3.
4 Cf. KELSEN, Hans. Reine Rechtslehre. 2. ed. Viena: Deuticke, 1960, p. 8.
5 Cf. KELSEN, Hans. “Über Grenzen zwischen juristischer und soziologischer Methode”. Tübingen: Mohr Siebeck, 1911. In: Die Wiener rechtsteheoretische Schule V. 1. KLECATSKY et alii (orgs.). Viena: Fritz Steiner, 2010, p. 4 a 6.
6 Cf. KELSEN, Hans. “Die Rechtswissenschaft als Norm - oder als Kulturwissenschaft”. Schmöllers Jahrbuch für Gesetzgebung, 1911, p. 1.181-1.239. In: KLECATSKY et alii (orgs.). Die Wiener rechtsteheoretische Schule. V. 1, Viena: Fritz Steiner, 2010, p. 32 e 33.
7 Cf. VILANOVA, Lourival. “O problema do objeto da Teoria Geral do Estado”. Escritos jurídicos e filosóficos. V. 1. São Paulo: Axis Mundi/IBET, 2003, p. 198.
8 Cf. Ibidem, p. 189.
9 Cf. Ibidem, p. 219.
10 Cf. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário. 4ª ed. São Paulo: Noeses, 2007.
11 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 34.
12 Cf. Ibidem, p. 35. Vide igualmente: p. 36, 173 e 175.
13 Cf. GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 9 e 220, nota 27.
14 Cf. MAZZARESE, Tecla. “‘Enunciato descrittivo d’una norma’: osservazione su una nozione imbarazzante”. Studi in memoria di Giovanni Tarello. V. 2. Milão: Giuffrè, 1993, p. 270.
15 Cf. GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 27 e ss.
16 Cf. Ibidem, p. 28.
17 Cf. Ibidem, p. 29.
18 Cf. Ibidem, p. 30.
19 Cf. GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 409 e ss. Similar: DICIOTTI, Enrico. Verità e certezza nell’interpretazione della legge. Turim: Giappichelli, 1999, p. 78 e ss.
20 Cf. GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 409.
21 Cf. Ibidem, p. 412 e ss.
22 Cf. GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 415 e ss.
23 Cf. WRÓBLEWSKI, Jerzi. “Statutory Interpretation in Poland”. In: MACCORMICK, Neil; e SUMMERS, Robert (orgs.). Interpreting Statutes. A comparative Study. Dartmouth: Aldershot, 1991, p. 260.
24 Cf. GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 9.
25 Cf. Ibidem, p. 5.
26 Cf. Ibidem, p. 10.
27 Cf. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 78 e ss.
28 Cf. FOLLONI, André. Ciência do Direito Tributário no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 58, 398 e 399.
29 Cf. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 78 e ss.
30 Cf. MACCORMICK, Neil. Rhetoric and The rule of Law. Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 43.
31 Cf. GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 40.
32 Cf. GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 41.
33 Cf. Ibidem, p. 42.
34 Cf. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 120 e ss.
35 Cf. GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 411. MAZZARESE, Tecla. “‘Enunciato descrittivo d’una norma’: osservazione su una nozione imbarazzante”. Studi in memoria di Giovanni Tarello. V. 2. Milão: Giuffrè, 1993, p. 270.
36 Cf. GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 52 e ss.
37 Cf. GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 411, nota 13.
38 Cf. GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 14, 267. DICIOTTI, Enrico. Verità e certezza nell’interpretazione della legge. Turim: Giappichelli, 1999. p. 62.
39 Cf. ÁVILA, Humberto. “Teoria giuridica dell’argomentazione”. In: GUASTINI, Riccardo; e COMANDUCCI, Paolo (orgs.). Analisi e Diritto 2012. Madri: Marcial Pons, 2012, p. 11-40. DICIOTTI, Enrico. Verità e certezza nell’interpretazione della legge. Turim: Giappichelli, 1999, p. 63 e ss.
40 Cf. GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 426. CHIASSONI, Pierluigi. Tecnica dell’interpretazione giuridica. Bolonha: Mulino, 2007, p. 62.
41 Cf. MAZZARESE, Tecla. “‘Enunciato descrittivo d’una norma’: osservazione su una nozione imbarazzante”. Studi in memoria di Giovanni Tarello. V. 2. Milão: Giuffrè, 1993, p. 279.
42 Cf. DICIOTTI, Enrico. Verità e certezza nell’interpretazione della legge. Turim: Giappichelli, 1999, p. 67.
43 Cf. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 31 e ss.
44 Cf. GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 426.
45 Cf. ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 259 e ss.
46 Cf. ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 30 e ss.
47 Cf. PECZENIK, Aleksander. Scientia Juris - Legal Doctrine as Knowledge of Law and as a Source of Law. Springer: Dordrecht, 2005, p. 76.
48 Cf. AARNIO, Aulis. Essays on the Doctrinal Study of Law. Springer: Dordrecht, 2011, p. 76. Idem. The Rational as Reasonable. Kluwer: Dordrecht, 1987, p. 185-229.
49 Cf. ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 284.
50 Cf. BARBERIS, Mauro. Filsofia del Diritto. 3. ed. Turim: Giappichelli, 2008, p. 79 e ss. PECZENIK, Aleksander. Scientia Juris - Legal Doctrine as Knowledge of Law and as a Source of Law. Springer: Dordrecht, 2005, p. 4.
51 Cf. MAZZARESE, Tecla. “‘Enunciato descrittivo d’una norma’: osservazione su una nozione imbarazzante”. Studi in memoria di Giovanni Tarello. V. 2. Milão: Giuffrè, 1993, p. 267, 274, 282, 283.
52 Cf. HART, Herbert. The concept of law. 3. ed. Oxford: OUP, 2012, p. 244.
53 Cf. CHIASSONI, Pierluigi. Tecnica dell’interpretazione giuridica. Bolonha: Mulino, 2007, p. 147.
54 Cf. CHIASSONI, Pierluigi. Tecnica dell’interpretazione giuridica. Bolonha: Mulino, 2007, p. 63.
55 Cf. Idem.
56 Cf. Ibidem, p. 59.
57 Cf. ÁVILA, Humberto. “Teoria giuridica dell’argomentazione”. In: GUASTINI, Riccardo; e COMANDUCCI, Paolo (orgs). Analisi e Diritto 2012. Madri: Marcial Pons, 2012, p. 11-40.
58 Cf. TARELLO, Giovanni. L’interpretazione della legge. Milão: Giuffrè, 1980, p. 64.
59 Cf. CHIASSONI, Pierluigi. Tecnica dell’interpretazione giuridica. Bolonha: Mulino, 2007, p. 51.
60 Cf. PECZENIK, Aleksander. Scientia Juris - Legal doctrine as knowledge of law and as a source of law. Springer: Dordrecht, 2005, p. 5.
61 Cf. ENG, Svein. “Fusion of Descriptive and Normative Propositions. The Concepts of ‘Descriptive Proposition’ and ‘Normative Proposition’ as Concepts of Degree”. Ratio Juris Vol. 13, nº 13, setembro/2000, p. 237.
62 Cf. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 34 e ss. GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 426. CHIASSONI, Pierluigi. Tecnica dell’interpretazione giuridica. Bolonha: Mulino, 2007, p. 53.
63 Cf. ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 333 e ss.
64 Cf. ÁVILA, Humberto. Teoria giuridica dell’argomentazione. In: GUASTINI, Riccardo; e COMANDUCCI, Paolo (orgs). Analisi e Diritto 2012. Madri: Marcial Pons, 2012, p. 40.
65 Cf. ÁVILA, Humberto. “A doutrina e o Direito Tributário”. In: ÁVILA, Humberto (org.). Fundamentos do Direito Tributário. Madri: Marcial Pons, 2012, p. 221-45.
66 Cf. ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 84.
67 Cf. KUHN, Thomas. The structure of scientific revolutions. Chicago: The University of Chicago Press, 1970, p. 24.
68 Cf. GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 225.
69 Cf. AARNIO, Aulis. Essays on the doctrinal study of law. Springer: Dordrecht, 2011, p. 79.
70 Cf. ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 674.
71 Cf. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 31 e ss.
72 Cf. MAZZARESE, Tecla. “‘Enunciato descrittivo d’una norma’: osservazione su una nozione imbarazzante”. Studi in memoria di Giovanni Tarello. V. 2. Milão: Giuffrè, 1993, p. 279.
73 Cf. RAZ, Joseph. “The purity of the pure theory”. In: PAULSON, Stanley; e PAULSON, Bonnie L. (orgs.). Normativity and Norms. Oxford: Clarendon, 1998, p. 241.
74 Cf. PECZENIK, Aleksander. Scientia Juris - Legal doctrine as knowledge of law and as a source of law. Springer: Dordrecht, 2005, p. 4.
75 Cf. ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional Tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 27 e ss. e 575. Idem. Segurança jurídica. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 666 e 675.
76 Cf. ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 84.
77 Cf. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 70 e ss.
78 Cf. ÁVILA, Humberto. “Teoria giuridica dell’argomentazione”. In: GUASTINI, Riccardo; e COMANDUCCI, Paolo (orgs.). Analisi e Diritto 2012. Madri: Marcial Pons, 2012, p. 11-40.