O Sistema Brasileiro de Controle de Preços de Transferência à Distância de um Braço

Leonardo de Menezes Curty

Procurador da Fazenda Nacional em São Paulo.

Resumo

O presente artigo tem por objetivo examinar o sistema brasileiro de controle de preços de transferência, especialmente cotejando os métodos de margens fixas existentes na Lei nº 9.430/1996 e o ideal arm’s length, defendido expressamente pela OCDE.

Palavras-chave: preços de transferência, margens fixas, arm’s length, justiça fiscal, razoabilidade comparativa.

Abstract

This paper aims to discuss the brazilian transfer pricing system, specially the predefined profit margins methods and the arm’s length approach, which is clearly adopted by the OECD.

Keywords: transfer pricing, predefined profit margins, arm’s length, tax fairness, comparable reasonableness.

1. Introdução

A adoção de um sistema de controle de preços de transferência tem por objetivo principal assegurar ao Estado que o institui a garantia de que fatos geradores de obrigações tributárias que lhe seriam atribuíveis não escapem ao alcance de seu poder tributante por força da alocação de lucros promovida por contribuintes dotados de projeções empresariais nas diversas partes do globo.

Pensando em um ideal de tributação, o que os Estados pretendem com a positivação de regras sobre preços de transferência é que as operações mercantis realizadas por partes vinculadas tenham uma tributação justa, ou seja, adequada ao atendimento dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva. Na prática, o que se estabelece é que ditas operações sejam tratadas da mesma maneira que transações mercantis usuais. Objetiva-se que a existência de relação entre as partes contratantes tenha resultado nulo diante da tributação eventualmente cabível ao caso.

Para alcançar esta finalidade vários métodos foram elaborados e encontram-se em uso pelos países que adotam o controle dos preços de transferência. Os mais tradicionais se baseiam na comparação entre os valores (dos produtos, das margens, dos custos etc.) vigentes em uma transação em condições de mercado e aqueles praticados entre partes vinculadas.

Eis aí a base do chamado princípio arm’s lenght, que, em tradução literal seria a distância de um braço. Na definição técnica, o princípio “consiste, sinteticamente, em tratar os membros de um grupo multinacional como se eles atuassem como entidades separadas, não como partes inseparáveis de um negócio único. Devendo-se tratá-los como entidades separadas (separate entity approach), a atenção volta-se à natureza dos negócios celebrados entre os membros daquele grupo.”1

Partindo-se desta premissa, a sistemática do controle dos preços de transferência se baseia sempre na comparação entre uma operação em condições normais de mercado e a operação entre partes vinculadas, determinando-se o valor envolvido na operação entre partes vinculadas a partir do que usualmente acontece em situações desprovidas de vinculação.

Não toma muito tempo para que qualquer um que debute na matéria perceba que este discurso comparativo encontra severos obstáculos na prática, especialmente quando se está diante de operações singulares, seja em virtude do bem objeto da operação ou mesmo em decorrência de condições de mercado. Nesses casos não há qualquer parâmetro aceitável.

Ditos percalços não são incomuns, o que leva diversos estudiosos do tema a produzir textos, ensaios, estudos e mesmo obras inteiras para avaliar possíveis soluções para conflitos deste talante.

Bem mais modesto, o objeto deste artigo não é o de propor, peremptoriamente, soluções conclusivas para o problema. O que se pretende é colocar novas luzes sobre o parâmetro comparativo (arm’s length) adotado como norte por quase todos os países que praticam o controle de preços de transferência e mesmo tomado como premissa para a execução do mecanismo pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em suas Guidelines2.

A ideia que permeia esse ensaio é a de estabelecer provocações quanto aos problemas enfrentados pelos sistemas de controle de preços de transferência que adotam a perspectiva arm’s length, especialmente o sistema brasileiro, calcado em uma criticada metodologia de presunções legais, que, em verdade, por se basear em pautas legais, dispensaria o parâmetro comparativo. Neste particular, pretendemos investigar em que termos a metodologia nacional alcança o ideal de tributação justa almejado na adoção de um sistema de controle de preços de transferência.

Apontaremos, sim, as mais recentes propostas para contornar as dificuldades do sistema comparativo, mas fato é que a grande contribuição que se pretende oferecer no presente diz respeito ao que a sistemática tradicional ainda pode fornecer como ferramenta para a preservação das bases tributárias dos Estados. A pesquisa pretende rascunhar balizas a respeito do ideal arm’s length sob a perspectiva brasileira, ombreando seus limites ao ideal de justiça fiscal buscado no controle das operações entre partes vinculadas.

Para tanto, serão avaliados os principais métodos de cálculo dos preços de transferência adotados pelo Brasil na Lei nº 9.430/1996, a partir do grau de comparabilidade existente em suas diretrizes. Neste ponto, o trabalho busca um debate quanto à sistemática brasileira de margens predeterminadas e a diretriz comparativa. Pretende-se ainda estabelecer um diálogo entre o Direito brasileiro positivado e o que se vem discutindo em foros estrangeiros, especialmente acerca do método denominado formulary apportionment, já bem desenvolvido nos Estados Unidos.

2. Preços de Transferência no Brasil: o Sistema de Margens Fixas

Não obstante a sistemática dos preços de transferência datar do início do século XX nos Estados Unidos, nosso País somente incluiu em sua legislação os mecanismos de controle das operações em 1996.

A Lei nº 9.430/1996, na Seção V de seu Capítulo I, contém tópico destinado à regulação das operações realizadas no Brasil entre partes vinculadas que se encontrem, qualquer delas, fora do País.

A lei de 1996 impõe quais são os métodos para cálculo dos preços de transferência (preços-parâmetro) que podem ser utilizados pelo contribuinte. Cabe-lhe, com exceção das transações realizadas com commodities, optar pelo método que melhor lhe aprouver dentre aqueles descritos nos arts. 18 e 19 do diploma em questão.

Tratando mais especificamente das formas de cálculo encetadas na lei, temos que nosso ordenamento prevê desde métodos de comparação simples - Preços Independentes Comparados (PIC), Preço de Venda nas Exportações (PVEx), Preço sob Cotação na Importação (PCI) e Preço sob Cotação na Exportação (PCEx) - até métodos chamados de “margens predeterminadas” - Preço de Revenda menos Lucro (PRL), Custo de Produção mais Lucro (CPL), Preço de Venda por Atacado (PVA), Preço de Venda a Varejo (PVV) e Custo de Aquisição ou de Produção (CAP).

Direcionando-se ao nosso objeto de estudo, cabe sublinhar neste ponto que a principal diferença que se pode observar entre essas duas modalidades de métodos para cálculo dos preços de transferência é que enquanto os métodos comparativos exigem, necessariamente, elementos de operações ocorridas em condições normais de mercado, os modelos de margens predeterminadas são autossuficientes, ou seja, exigem, para a definição da incógnita buscada apenas elementos da própria operação controlada.

No sistema de margens predeterminadas o legislador impõe um coeficiente presumido de lucro, abdicando da possibilidade de sua determinação não ser confirmada na realidade, presunção esta que ganha a anuência do contribuinte quando este faz a adesão ao método em questão. Assim, tal qual na opção pelo regime do recolhimento do Imposto de Renda pelo Lucro Presumido, a autoridade fiscal e o contribuinte renunciam à possibilidade de os percentuais de margem de lucro descritos em lei efetivamente acontecerem na prática.

O sistema, em que pese a simplicidade para sua aplicação, é objeto de diversas críticas. A maior e mais contundente delas diz exatamente com o distanciamento dos valores de margem de lucro apresentados pelo legislador, divorciados, muitas vezes, da realidade. Os métodos PRL e CPL brasileiros são declaradamente inspirados nos modelos internacionais dos chamados Cost Plus Method e Resale Price Method. O que os afasta é justamente o sistema de margens fixas aqui elaborado. Basta uma observação às definições da OCDE para se perceber que os métodos de comparação ali contidos levam em conta as margens efetivamente acontecidas na prática, e não um parâmetro legal como acontece no Brasil3.

No afã de se amenizar distorções oriundas do sistema de presunções foi editada a Portaria nº 222/2008 do Ministério da Fazenda. Dito ato normativo visa permitir que o contribuinte, valendo-se dos elementos ali determinados, deflagre um procedimento administrativo para que lhe seja flexibilizada a margem presumida determinada em lei.

O mecanismo se aproxima dos Advanced Price Agreement (APA) existentes em diversos países que adotam o controle de preços de transferência, no qual o contribuinte, em acordo com a Administração Tributária, compactua uma sistemática própria para suas operações diante de peculiaridades da atividade exercida.

Não obstante a intenção da Portaria MF nº 222/2008, os limites permitidos em seus dispositivos são ainda muito tímidos para que se possa dizer que há uma amenização dos efeitos da presunção contida no sistema de margens predeterminadas4.

Neste ponto, mister destacar que uma das margens mais contestadas pelos contribuintes, qual seja a de 60% no caso do método PRL aplicável aos casos em que há agregação de valor no país, sofreu modificações legislativas recentes, tendo sido reduzida para os percentuais de 20, 30 e 40%, a depender do seguimento econômico tratado.

Antecipamos desde já que não nos parece que a metodologia das margens predeterminadas seja ontologicamente ruim ou, de per si, inconstitucional. A modificação dos percentuais previstos em lei, a nosso ver, dá a exata medida de que o regime em questão trabalha com variáveis econômicas, no que a aproximação entre a regra geral e abstrata e a realidade vivida no mundo fático somente se alcança por meio de um empirismo, guiado por um processo de tentativa e erro.

É indelével que o sistema em voga guarda vantagens e ônus tanto para o Fisco quanto para os contribuintes. Em última ratio, vê-se um nítido reflexo na sistemática do princípio da praticabilidade em matéria de tributação. Não por outro motivo, o sistema de presunção de margens vem ganhando adeptos para além das terras brasileiras tendo já sido copiado por Venezuela5 e Kuwait6.

3. Métodos de Margens Predeterminadas e o Princípio Arm’s Length - a Proposta de Controle de Razoabilidade Comparativa Posterior (Justiça Comparativa)

Avançando para além dos métodos de comparação simples, que dão o tom da ideia de um sistema de controle de preços de transferência, expôs-se alhures que o sistema de margens predeterminadas adotado pelo Brasil abandona o mero cotejamento entre os valores dos bens objeto de operações comerciais como ponto de partida para a obtenção do preço a ser praticado na operação controlada.

A lei estabelece presunções no sentido de que as transações em condições normais de mercado são praticadas com aquelas margens de lucro. Libera-se a comparação entre os valores das mercadorias envolvidas nas operações e passa-se a comparar as margens de lucro praticadas nas transações, com o detalhe que a condição de mercado já é, de antemão, determinada pela lei.

Por essa sistemática, todos os elementos necessários para a obtenção do preço-parâmetro podem ser obtidos na operação controlada, dispensando-se o conhecimento amplo do que se passa em condições normais de mercado. Justamente por essa simplicidade é que se pode imaginar por que o contribuinte brasileiro tende a optar pelos métodos baseados em margens fixas não obstante possa, na maioria dos casos, fazer a opção por qualquer outro.

Valendo-se-nos deste parâmetro de comparabilidade, podemos dizer que os métodos de comparação simples (no Direito brasileiro, PIC, PVEx, PCI e PCEx) são “heterorreferentes”, na medida em que demandam uma base de comparação externa para que, na prática, seja possível a definição do preço-parâmetro aplicável ao caso. Doutro tanto, podemos chamar os métodos de margens predeterminadas (CPL, PVA, PVV e CAP) de “autorreferentes”, eis que se valem exclusivamente de informações contidas na própria operação controlada para a obtenção do valor de transferência.

Poder-se-ia argumentar que pelo fato de não haver uma comparação entre operações estaríamos diante de uma dissonância dos métodos autorreferentes com o princípio arm’s length.

Antes da análise propriamente dita da assertiva, cabe localizar em nosso ordenamento onde se encontra o princípio arm’s length. Logo de saída podemos dizer que a Lei nº 9.430/1996 não contém uma só palavra acerca do princípio em referência. Não obstante, a doutrina pátria tratou de definir os seus contornos, localizando o princípio arm’s length em matéria de preços de transferência nas dobras existentes entre os princípios da capacidade contributiva e da igualdade7.

Cabe assentar ainda, como já exposto alhures, que a OCDE consagra a ideia de arm’s length como um princípio inafastável da sistemática do controle de preços de transferência. Nas orientações da Organização a menção ao princípio remonta diretamente ao artigo 9 do Tratado Modelo de Acordos contra a Dupla Tributação sugerido para adoção pelos países.

No corpo do dispositivo atesta-se a possibilidade de adição à base de cálculo do imposto de renda de valores subtraídos em decorrência de atividades praticadas entre partes relacionadas originárias dos Estados signatários. Não custa lembrar que o Brasil adota em suas avenças a sugestão de dispositivo proposta pela OCDE quanto à matéria8.

Constata-se que nosso País filia-se à corrente de pensamento que enxerga no princípio arm’s length uma baliza para os preços de transferência. O tratamento de uma operação vinculada como se transação de mercado fosse é uma das premissas para o controle das bases tributárias brasileiras.

É necessário, entretanto, bem compreendermos os limites deste dogma para que seja possível a realização do confronto entre o sistema brasileiro de margens predeterminadas e as diretrizes em discussão.

Quanto a isso cabe indagarmos se qualquer método passível de alcançar um valor de operação factível de se efetivar em condições de mercado atende ao primado arm’s length, ainda que o mecanismo, em seu iter, não se valha de variáveis de comparação. Ou se a resposta para essa análise somente pode ser obtida por meio de elementos de justaposição.

Para responder à pergunta, o Professor da Universidade de Michigan, EUA, Reuven S. Avi-Yonah9 qualifica os conceitos atualmente formados sobre o princípio arm’s length em dois grupos: a definição tradicional ou restrita (narrow); e a que ele prefere adotar, batizada de ampla (broader sense). Valendo-nos de suas lições, entendemos que neste último sentido o princípio pode ser usado para se referir ao sistema de preços de transferência como um todo, já que métodos não comparativos (como o sistema de alocação de lucros ou o formulary apponrtionment a que ele se refere) podem resultar na mesma alocação de lucros que seria obtida em uma operação entre partes não relacionadas10.

Exatamente neste ponto é que localizamos o cerne da discussão a se travar no sistema de margens fixas adotado pelo Brasil: temos que a dúvida a ser respondida é se cabe ao aplicador das regras de preços de transferência cotejar o resultado alcançado na aplicação da sistemática da presunção legal com elementos efetivamente havidos na prática.

Fica claro que a força motriz deste artigo reside justamente nas severas dúvidas existentes acerca da autossuficiência dos métodos autorreferentes de cálculo de preços de transferência.

4. Justiça Fiscal - Justiça Comparativa - Métodos Autorreferentes de Controle de Preços de Transferência

Já afirmamos que a adoção de um sistema de controle de preços de transferência se baseia na pretensão dos países de retomar o poder tributante sobre a renda gerada em seus territórios, subtraindo a capacidade detida por sociedades multinacionais de alocar seus lucros tributáveis em localidades desprovidas de tributação ou optantes por regimes de tributação favorecida.

É inegável que o instituto se caracteriza como um escudo à guerra fiscal internacional deflagrada abertamente já há algum tempo e incrementada pela atual conjuntura de recessão econômica e expansão de mercados emergentes.

Quanto a isso é quase imediata a associação entre os sistemas de controle dos preços de transferência e a adoção de um discurso de justiça, mais especificamente, de justiça fiscal. Assim, se entoamos a ideia de que uma operação entre partes vinculadas deve ser onerada com a mesma carga tributária, devida ao mesmo ente tributante, que uma operação em condições de mercado, temos que essa premissa se alia a um ideal que deve ser buscado pelas diversas Administrações Tributárias e mesmo pelos próprios contribuintes e cidadãos em geral.

Nas entranhas deste ideal é que se inserem primados mais consagrados em Direito como a isonomia, a própria capacidade contributiva e, em última instância, a solidariedade social.

Não nos parece nem um pouco fora de propósito a associação apontada na abertura desse tópico, havida entre os sistemas de controle de preços de transferência e a promoção da justiça fiscal.

Se a associação é possível, a consequência imediata desta proposta é que os mesmos dilemas enfrentados para a definição ontológica do que seja uma medida de justiça fiscal e o que não o seja podem ser transplantados para a discussão sobre preços de transferência. De maneira mais ampla, conflitos de filosofia política acerca de uma ideia de justiça são perfeitamente assimiláveis nas soluções a serem dadas para discussões sobre preços de transferência.

Seguindo por essa toada, nos afigura válido avaliarmos sob essas lentes o conflito discorrido nos parágrafos anteriores concernente à pertinência do estabelecimento de um sistema de margens predeterminadas para atender aos objetivos de uma política de controle de preços de transferência, que, em última ratio, representa ideais de justiça fiscal.

Neste ponto, assentamos que o sistema de presunções legais aponta para um resultado bastante em si no que tange ao valor atribuído à operação controlada. Afirmamos que os métodos de margens fixas são autorreferentes porque, a princípio, não demandam qualquer informação comparativa para a obtenção de quaisquer resultados.

Todavia, quando do cotejo deste método com o princípio arm’s length posto no tópico anterior, não nos restou aceitável o divórcio absoluto de qualquer método de definição de preço de transferência com parâmetros de comparação, ainda que esta avaliação somente se opere a posteriori. A ausência de participação de elementos comparativos no percurso para a obtenção do resultado não invalidaria o método.

O que conseguimos perceber é que a matéria objeto deste estudo não comportaria um conceito do que se poderia chamar de justiça fiscal transcendental. Em outras palavras, não nos parece possível a definição em matéria de preços de transferência do que seja o parâmetro justo a ser atribuído a determinada operação entre partes vinculadas de per si. Acreditamos na existência de um fiel comparativo, ainda que aproximado. Ou seja, para a análise que propomos só seria possível falarmos em uma justiça fiscal comparativa.

Na verdade, o que se expõe é pura e simplesmente uma dificuldade imanente ao próprio Direito, representada em menor grau no objeto deste estudo, que é, efetivamente, avaliar a existência de um posicionamento justo por si mesmo, sem qualquer medida de comparação.

O prêmio Nobel de Economia de 1998, Amartya Sen, em obra bem mais afeta aos problemas da Filosofia, estabelece de maneira bastante interessante essa relação contraditória entre a justiça transcendental e a justiça comparativa, no que pedimos licença para transcrever a sua metáfora: “(...) se estamos tentando escolher entre um Picasso e um Dali, de nada adianta invocar um diagnóstico (mesmo que esse diagnóstico transcendental pudesse ser feito) segundo o qual o quadro ideal no mundo é a Mona Lisa11.

A questão que o professor indiano nos põe a refletir é exatamente acerca do objetivo preconizado na resolução do problema em discussão: não se promove a justiça (no nosso caso fiscal) na situação concreta a partir de um resultado desprovido de parâmetros de comparação. Ainda que se saiba, de antemão, que o resultado mais justo que atende à igualdade e à capacidade contributiva seja a atribuição dos lucros do contribuinte ao Estado que faz jus à tributação desses lucros, essa assertiva em nada contribui para a resolução do caso concreto. Na prática, o que se demanda é saber qual seria a tributação mais consentânea com a realidade de mercado. Para tanto, só a comparação pode nos dar a resposta.

Fazendo uma relação com situação mais específica sobre o tema de preços de transferência, um interessante exemplo do que se quer afirmar neste texto pode ser encontrado em um julgamento da justiça dos Estados Unidos, proferido pela Court of Appeals for the 5th Circuit, relatado pelo professor Avi-Yonah12.

Cuidava-se de discussão sobre a aplicação de métodos de cálculo de preços de transferência na qual o contribuinte Lufkin Foundry and Machine Co. em suas relações com sua subsidiária (WHTC) para a prestação de serviços de marketing apresentou elementos no sentido de que os preços praticados nessas operações seriam razoáveis para as condições de mercado, no que obteve provimento favorável junto à Tax Court para a utilização de sua metodologia de cálculo13. Tendo sido apresentado recurso pelo Comissioner, a Court of Appeals reformou a decisão e assentou o entendimento no sentido de que “nenhum montante auto examinável de transações internas do contribuinte por si só torna possível conhecer quais termos ou preços teriam sido cobrados ou recebidos por partes não relacionadas. (...) prova de transações entre empresas não relacionadas à Lufkin devem ser adicionadas para se determinar quais preços teriam sido cobrados para a realização de tais serviços de marketing.

Evidencia-se, em nossa opinião, a exata impotência de métodos de controle de preços de transferência exclusivamente autorreferentes. Exige-se, para qualquer juízo de justiça, o elemento comparativo do resultado para fins de legitimação da sistemática a ser adotada.

Tratando novamente do caso brasileiro, antecipamos em outro tópico o nosso entendimento no sentido de que não vislumbramos, de per si, inconstitucionalidade ou ilegitimidade dos métodos de margens fixas para fins de determinação do preço de transferência. Entretanto para que essa afirmativa soe-nos como verdadeira calha, neste momento, complementá-la com a linha de argumentação defendida até aqui, no sentido de que as metodologias de margens fixas não podem guardar um caráter autorreferente absoluto.

Para que se legitime a opção do contribuinte é imperioso que o resultado da operação na aplicação de um método autorreferente seja condizente com parâmetros existentes, ou próximos, de relações entre partes não vinculadas.

O que se advoga aqui, em favor de um ideal de justiça fiscal, é a materialização em nosso sistema de margens fixas de uma “razoabilidade comparativa posterior”. Dito de outro modo, um sistema de presunções legais não pode ser refratário a um confronto imediato com a realidade. São necessários mecanismos de recall para que a realidade distorcida pela presunção venha a ser retomada em um controle posterior, seja esse controle administrativo ou judicial.

A nosso ver, esta conclusão é a que melhor representa o objetivo da criação de um sistema de controle de preços de transferência por qualquer país.

Cumpre-nos destacar, todavia, que a proposta ora encetada não se resume a uma comparação de margens entre o que está definido em lei e a margem de lucro praticada em um caso concreto, de maneira genérica. A pesquisa a ser realizada pelo aplicador das regras de preços de transferência deve ser bem mais profunda.

Temos que a comparação genérica não leva em consideração elemento fundamental para a aplicação de qualquer regra jurídica, que, no caso, é o objetivo do método de cálculo escolhido.

No sistema brasileiro de preços de transferência, ao contrário do que acontece em outros países, o legislador elegeu como ícone do controle realizado pela Administração Tributária o “preço-parâmetro” do produto ou serviço objeto da operação entre partes vinculadas.

Veja-se que diferentemente de métodos adotados em outras plagas e expressamente reconhecidos pela OCDE (como CPM e TMN), a variável buscada pela Lei nº 9.430/1996, em qualquer dos métodos ali descritos, é sempre o preço-parâmetro. Não se visa determinar a margem de lucro havida na operação em condições normais de mercado ou a margem média do segmento econômico no qual a transação foi realizada e menos ainda qual seria a alocação usual do lucro em condições não relacionadas. O Direito brasileiro só se preocupa com o preço-parâmetro do objeto da operação, seja ele um produto ou um serviço. Este elemento é que dará a medida de eventual ajuste a ser realizado na base tributável do contribuinte parte em uma operação vinculada.

Dessa maneira, quando dizemos que o sistema de margens fixas adotado no Brasil para fins de cálculo dos preços de transferência demanda uma análise de “razoabilidade comparativa posterior”, o que se está a afirmar é que a legitimidade do método demanda uma comparação de resultados. Estes, por força dos contornos da nossa legislação, somente se materializam nos valores encontrados como “preços-parâmetro”.

Em tom mais assertivo, o que se afirma no presente é que o sistema de margens de lucro predeterminadas demanda um cotejo dos resultados obtidos a partir dele com a realidade dos fatos. Não obstante, esse cotejo, pelas características do sistema brasileiro de preços de transferência, baseado exclusivamente no valor do preço-parâmetro do bem ou serviço objeto da operação controlada, somente pode ser executado quanto a esta variável. Assim, não atende à proposta apresentada a simples comparação do percentual da margem de lucro descrita pela lei e aquela calculada na prática. A comparação que se propõe é entre o valor do bem ou serviço objeto da operação controlada (preço-parâmetro) e aquele eventualmente praticado em condições normais de concorrência.

5. Os Riscos da Subjetividade em uma Sistemática de Razoabilidade Comparativa Posterior

Dissemos que a concretização do primado da justiça fiscal comparativa em um regime de controle de preços de transferência calcado em métodos de margens predeterminadas e tendo como corolário o preço-parâmetro da operação demanda um cotejo final entre o valor obtido na aplicação da fórmula de cálculo e um patamar razoável do que acontece em operações normais de mercado.

É inegável, entretanto, que, diuturnamente, arbitrariedades são cometidas em prol de uma pretensa aplicação do princípio da razoabilidade. A fluidez de seus contornos por vezes induz o intérprete a justificar qualquer decisão subjetiva pelas vias da razoabilidade.

Em matéria de preços de transferência a matéria não é inédita. Valendo-nos mais uma vez de casos discutidos em Cortes estadunidenses mencionados pelo professor Avi-Yonah podemos perceber que o exame da questão por aquelas sendas contou com conclusões altamente pendulares: ora tendendo para um amplo controle de razoabilidade dos parâmetros utilizados, ora apontado para a estrita vinculação aos termos das variáveis de comparação apresentadas.

O caso que melhor representa o ponto mais alto do primeiro momento da trajetória pendular remonta a 1962, no caso Frank vs. International Canadian Corporation14. O caso envolvia a venda de produtos químicos da sede americana da empresa para sua subsidiária sediada no Canadá. O litígio se resumia à discussão quanto à fixação dos preços dos produtos objeto destas operações. As partes estipularam o valor a partir de critérios de “preços e lucros razoáveis” (reasonable price and profit) ao passo que a Administração Tributária americana exigia-lhes a apresentação de elementos comparativos, no que promoveu a fixação do pre­ço-parâmetro com as informações de cotejo de que dispunha15. A District Court afirmou em sua decisão que a autoridade fiscal se afastou dos limites da legislação de preços de transferência, eis que teria desbordado de suas atribuições ao fixar propriamente os elementos de comparação para o caso. Interposto o recurso à Court of Appeals for the Ninth Circuit esta concluiu que às Cortes de justiça é permitido o controle dos preços de transferência utilizados pelos contribuintes americanos a partir dos conceitos de full fair value, fair price, including a reasonable profit, method which seems not unreasonable, fair consideration which reflects arm’s length dealing, fair and reasonable, fair and reasonable or fair and fairly arrived at, or judged as to fairness, todos conceitos mencionados pela legislação norte-americana.

Apura-se que o precedente concedeu amplas possibilidades às Cortes de Apelação de se imiscuírem no controle dos parâmetros de preços de transferência utilizados pelos contribuintes americanos, justificando-se tal possibilidade a partir de pressupostos altamente subjetivos.

No outro lado da argumentação podemos fazer referência a precedentes que restringem fortemente os parâmetros comparativos dos preços de transferência utilizados pelo contribuinte. O exemplo mais emblemático desse tipo de decisão nos é fornecido pelo mesmo texto do professor Avi-Yonah. Cuida-se do caso da companhia americana US Steel, que possuía uma subsidiária na Libéria, chamada Navios, cuja única função era transportar o minério de ferro extraído na Venezuela para os Estados Unidos. O problema é que não obstante a Navios praticasse a mesma atividade para outras empresas americanas, a quase totalidade de seu faturamento decorria dos serviços prestados à sua controladora. Na definição do preço-parâmetro das operações entre as partes vinculadas (Navios e US Steel) foram utilizadas as informações relativas aos serviços prestados a partes não vinculadas.

A Administração Tributária americana pretendeu desconsiderar os valores em questão, ao fundamento de que estes não seriam aptos a servirem de base comparativa na medida em que representavam parcela ínfima das atividades da controlada. A Tax Court reconheceu a impertinência da manobra e determinou o ajuste de US$ 52 milhões nos lucros da subsidiária. Em recurso à Court of Appeals for the Second Circuit a Administração restou vencida. Aduziu o Tribunal que não haveria justificativa para o ajuste feito na base tributável do contribuinte eis que o princípio arm’s length seria “um parâmetro objetivo que independe da ausência ou da presença de qualquer intenção do contribuinte em distorcer sua renda”16. Ou seja, o que disse a Corte é que não cabem juízos de valor ou de razoabilidade quanto ao preço obtido em condições de comparação. Parâmetros subjetivos não estão incluídos nos resultados almejados pelo ideal arm’s length.

Pensando a questão no Direito brasileiro, temos que algo parecido com a razoabilidade comparativa posterior apresentada neste artigo começa a se desenhar. Fazemos referência aos recentes julgados do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que admitiram a legitimidade do cálculo do método PRL pela fórmula descrita na Instrução Normativa/SRF nº 243/200217.

Nos casos, questiona-se a metodologia oferecida pela Administração Tributária, que é diferente daquela descrita no art. 18 da Lei nº 9.430/1996.

O argumento adotado pelo Tribunal para reconhecer a legalidade do ato normativo se escora justamente no parâmetro de razoabilidade esquadrinhado no cálculo da Instrução Normativa. Na visão da Corte, a adoção do cálculo descrito pela Lei sem o temperamento da interpretação dada pela Administração resultaria na obtenção de preços-parâmetro completamente desarrazoados. Do acórdão se extrai o controle de razoabilidade realizado pela Corte, ao afirmar que a não consideração do cálculo proporcional poderia resultar em uma “(...) distorção, consubstanciada no aumento abusivo dos custos de produção, com a consequente redução artificial do lucro real, base de cálculo do IRPJ e da base de cálculo da CSLL a patamares inferiores aos que efetivamente seriam apurados, redundar em evasão fiscal”.

No final das contas o que a decisão judicial apresentou para a resolução da demanda foi exatamente um controle posterior do preço-parâmetro obtido no sistema de margens predeterminadas para bem adequá-lo a parâmetros razoáveis de mercado, parâmetros estes definidos no ato normativo impugnado.

Não temos dúvidas de que o acréscimo de um elemento de razoabilidade no sistema comparativo de preços de transferência pode ser extremamente difícil e mesmo arriscado, dando azo a subjetividades, casuísmos e mesmo encontrando obstáculos em primados consagrados na nossa estrutura jurídica, tais como a legalidade e a indisponibilidade do interesse público.

Entretanto, tal qual expusemos no começo deste ensaio, nunca foi nossa pretensão em tão diminuto palco oferecer respostas definitivas para estas questões. Move-nos apenas o interesse em mostrar que a proposta aqui oferecida encontra demanda na prática dos preços de transferência. Ao futuro cabe arregimentar novos elementos para compor a construção.

O que resulta de tudo o que apresentamos até o momento é que o sistema de margens predeterminadas aliado a um elemento de razoabilidade comparativa nos parece atender à ideia inicial de arm’s length, não havendo qualquer mácula às metodologias de cálculo vigentes em nosso País.

Para além das dificuldades oriundas da adição de um elemento subjetivo ao sistema de controle de preços de transferência, a agregação de um viés comparativo a um modelo autorreferente também traz outra consequência indesejável: os percalços relacionados ao caráter comparativo do arquétipo arm’s length são integralmente aplicáveis para o sistema de margens fixas, conforme se passa a expor.

6. Comparando o Incomparável

Já dissemos que o sistema de margens predeterminadas é, sim, compatível com a ideia do princípio arm’s length, que guia a sistemática de preços de transferência adotada em diversos países do mundo, e mesmo sugerida pela OCDE.

A princípio, tratando-se de um regime no qual se dispensa a ocorrência de operação comparável, exigindo-se apenas o texto normativo, poder-se-ia imaginar que o regime de margens predeterminadas teria o condão de suprir um dos maiores desafios dos sistemas de controle de preços de transferência, que é justamente a maneira como devem ser tratados os casos que não contam com um parâmetro de comparação.

Em que pese a assertiva ser factível, tendemos a considerá-la falsa. Isso porque uma conclusão contrária coloca em xeque justamente o que já expusemos anteriormente no que pertine ao controle de razoabilidade comparativa existente no sistema de margens predeterminadas.

Se a metodologia de margens fixas inicialmente tida como autorreferente carece de um parâmetro comparativo ulterior, é indelével que sua característica de autossuficiência cede a um imperativo de razoabilidade posto pela justiça fiscal comparativa, conforme mencionado no tópico precedente.

Neste quadrante, os mesmos problemas encontrados pelos métodos de comparação simples passam a fazer parte do universo das metodologias bastantes em si. Assim, questões ligadas principalmente à avaliação de intangíveis e à comparação entre operações singulares passam a compor o círculo das discussões atinentes aos métodos autorreferentes.

Quanto a tais questões, há um número considerável de autores que propõem a tese de que o princípio arm’s length estaria superado, não sendo capaz de atender às cada vez mais crescentes demandas acerca da comparação de operações providas de elementos cujo valor é praticamente indeterminável18-19.

Aliás, cabe mencionar bem lançada tese de doutorado defendida junto à Université Pantheon-Assas (Paris II) e publicada por Iure Pontes Vieira20 destinada especificamente ao exame de uma definição de “valor” em matéria tributária na qual o autor chega à conclusão de que há um caráter pessoal indissociável no conceito de valor dos bens e serviços que pode se mostrar quase inatingível21.

Para superar estas dificuldades inerentes ao regime comparativo dos preços de transferência muitos autores propõem a adoção de um sistema de fórmulas em que o ideal arm’s length é deixado de lado, cedendo a uma metodologia globalizante das sociedades multinacionais pela qual a verificação do valor a ser oferecido à tributação em determinado país leva em conta a alocação de ativos, vendas e mão de obra naquele Estado22.

O método, que nos Estados Unidos se chama formulary apportionment, é expressamente condenado pela OCDE, que não o enxerga como consectário do princípio arm’s length e, portanto, fora dos propósitos da organização em sua tarefa de fomentar o desenvolvimento da economia mundial. As mais severas críticas desferidas ao método dizem respeito à necessidade de uma convergência de todos os países que possuem sistema de controle de preços de transferência na adoção do método em questão, sob pena de as premissas por ele propostas serem totalmente invalidadas por uma substancial dupla tributação. Além disso, a OCDE aponta ainda que a alternativa peca pela complexidade, na medida em que diversas variáveis econômicas deveriam ser incluídas no cálculo dos preços de transferência para atendimento da proposta aventada pelo sistema de fórmulas.

Quanto a nós e ao objeto desse trabalho, vislumbramos no método de cálculo de preços de transferência por meio de fórmulas de imputação de valores um sistema autorreferente que, por si só, não pode ser visto como afastado da métrica arm’s length, tal qual afirmam a OCDE e os estudiosos do assunto.

A grande bifurcação apontada entre o método baseado em fórmulas e aqueles guiados pela comparação reside no fato de que os formulary apportionment desfazem a ficção da personalidade jurídica existente entre os braços do mesmo grupo multinacional. Ao contrário das premissas arm’s length em que cada unidade do conglomerado econômico deve ser tratada como se uma sociedade autônoma e desvinculada fosse, no sistema de fórmulas a consideração é oposta, ou seja, todas as informações relativas à universalidade de galhos que brotam do mesmo tronco econômico comum devem ser consideradas na atribuição de lucros tributáveis.

Em que pese a dissociação de propostas, não descartamos a possibilidade de compatibilizar o método em questão com o princípio comparativo arm’s length.

Na linha do que defendemos quando da descrição de nossa interpretação do sistema brasileiro de margens predeterminadas, é possível imaginarmos um método de fórmulas em que um controle de razoabilidade comparativa posterior possa ser exercido. Conforme ventilado em diversos trechos desse artigo não acreditamos em qualquer mácula no método diante da sistemática aqui referida.

Nem se diga que a opção proposta afastaria a única vantagem do método de formulary apportionment, que é justamente a independência quanto a parâmetros comparativos. Isso porque mesmo nesta sistemática há situações em que a busca de valor para elementos imprecificáveis se efetiva na prática. Basta lembrar a menção feita pelo professor Yariv Brauner23 ao fato de o método de fórmulas americano levar em conta a alocação de ativos para a definição do preço de transferência, no que a apreciação destes ativos demanda, evidentemente, as mesmas soluções que hoje são pensadas para os métodos comparativos.

Dessa maneira, acreditamos em uma convivência pacífica entre os métodos autorreferentes e heteroreferentes para o controle de preços de transferência. Atendidas as peculiaridades aqui postas, não temos dúvidas em afirmar pela legitimidade de quaisquer dos métodos como etapas para o alcance de uma justiça fiscal no caso concreto.

7. Conclusão

De tudo o que conseguimos expor nos estreitos limites desse ensaio, o que deve ser enfatizado neste tópico de conclusões é justamente a forma de enxergar o sistema de margens predeterminadas para controle de preços de transferência que ora propomos.

Para além de uma ideia crítica no sentido do isolamento brasileiro na adoção de um regime de presunções legais em matéria de preços de transferência, nossa pretensão neste trabalho foi a de lançar olhos sobre uma eventual postura vanguardista de nossa legislação a respeito da questão.

Propomos que o sistema não é ruim em si e, na prática, a adoção de elementos de razoabilidade comparativa tendem a resultados muito próximos do primado da justiça fiscal, objetivo maior na adoção de qualquer regime de controle de preços de transferência.

Em recente visita ao Brasil, o sociólogo italiano Domenico De Masi, mais conhecido por sua obra intitulada “O ócio criativo”, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, lançou a seguinte assertiva: “Depois de copiar o modelo europeu por 450 anos e o modelo americano por 50, agora que ambos estão em crise e ainda não há um novo para substituí-lo, chegou a hora de o Brasil propor um modelo para o mundo.”

Talvez seja justamente este o grande papel reservado para o Brasil neste limiar de século, no que talvez o maior desafio para o exercício desta tarefa seja a construção de uma autoestima capaz de dar suporte às posturas assumidas por nosso País junto aos demais organismos internacionais.

1 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no Direito Tributário brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Dialética, 2006, p. 27.

2 OECD Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2010.

3 OCDE. Ob. cit. (nota 2), p. 65-77.

4 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. “Margens predeterminadas, praticabilidade e capacidade contributiva”. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. Tributos e preços de transferência. V. 3. São Paulo: Dialética, 2009, p. 120-124.

5 Disponível em: <http://www.ipbtax.com/media/publication/111_Transfer_Pricing_in_the_Unit.pdf>. Acesso em: 31 mar. 2013.

6 Disponível em: <http://www.ey.com/Publication/vwLUAssets/2012-worldwide-corporate-tax-guide/$FILE/2012-worldwide-corporate-tax-guide.pdf>. Acesso em: 31 mar. 2013.

7 TORRES, Ricardo Lobo, citado cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Ob. cit., p. 29.

8 Redação do artigo IX no Acordo Brasil/França:

“Quando:

a) uma pessoa de um Estado Contratante participar direta ou indiretamente da direção, controle ou capital de uma empresa do outro Estado Contratante; ou

b) as mesmas pessoas participarem direta ou indiretamente da direção, controle ou capital de uma empresa de um Estado Contratante, e de uma empresa do outro Estado Contratante, e, em ambos os casos, as duas empresas estiverem ligadas, nas suas relações comerciais ou financeiras, por condições aceitas ou impostas que difiram das que seriam estabelecidas entre empresas independentes, os lucros que, sem essas condições, teriam sido obtidos por uma das empresas, mas não foram por causa dessas condições, poderão ser incluídos nos lucros dessa empresa e conseqüentemente tributados.”

9 AVI-YONAH, Reuven S. The rise and fall of arm’s legth: a study in the evolution of US International Taxation. Disponível em: <http://www.law.umich.edu/centersandprograms/olin/papers.htm>. Acesso em: 31 mar. 2013.

10 “Consequently, the words ‘arm’s length’ can be used in two ways to refer to two different possible ranges of solutions to the transfer pricing problem. Under the traditional or narrow definition, ‘arm’s length’ refers to methods of determining transfer prices by using comparables, and encompasses only the CUP, cost plus and resale price methods. On the other hand, ‘arm’s length’ can also be used to refer to any method of determining transfer prices that reaches results (i.e., a profit allocation) that are the same as those that would have been reached between unrelated parties. In this latter, broader sense, ‘arm’s length’ can be used to refer to the entire transfer pricing continuum, because even pure formulary apportionment may result in the same profit allocation as that which unrelated parties would have reached.”

11 SEN, Amartya. A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 128.

12 AVI-YONAH, Reuven S. Ob. cit. (nota 9).

13 Destaque-se nos Estados Unidos, ao contrário do Brasil, é possível o contribuinte apresentar um método de cálculo que melhor se adeque às suas atividades, desde que esse método atenda aos objetivos da legislação. É o que lá se chama fourth method.

14 Ob. cit.

15 O caso se parece com o já mencionado caso Lufkin, sendo que os litígios foram resolvidos de maneira diametralmente opostas. Enquanto o caso Frank data de 1962, o caso Lufkin foi julgado em 1972.

16 “This ‘arm’s length’ standard (…) is meant to be an objective standard that does not depend on the absence or presence of any intent on the part of the taxpayer to distort his income.”

17 AMS nº 00061259020034036100, Des. Federal Mairan Maia, TRF da 3ª Região, Sexta Turma, e-DJF3 Judicial 1 de 1º.9.2011, p. 2.182; e MAS nº 00173813020034036100, Juiz Convocado Rubens Calixto, TRF da 3ª Região, Terceira Turma, e-DJF3 Judicial 1 de 18.2.2011, p. 596.

18 Cf. ANDRADE, André Martins. “Uma crítica e uma proposição alternativa ao regime legal brasileiro do transfer pricing”. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.). Tributos e preços de transferência. V. 2. São Paulo: Dialética, 1999, p. 53.

19 Cf. BRAUNER, Yariv. “O valor segundo o espectador: a avaliação de intangíveis para fins de preços de transferência”. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. Tributos e preços de transferência. V. 3. São Paulo: Dialética, 2009, p. 267.

20 Cf. VIEIRA, Iure Pontes. La valeur en Droit Fiscal e Douanier. Paris: LGDJ lextenso editions, 2012.

21 Cf. VIEIRA, Iure Pontes. Ob. cit. “1900. C’est ainsi qu’il nous a fallu proposer notre definition, qui soit assez large, afin d’être capable d’atteindre tous les biens, services et impôts. La valeur choisie sera celle tournée ver l’homme. Elle sera ainsi personnaliste. D’aprés l’usage et l’échange, la valeur représente l’avantageperçu par l’individu das uns achat ou dansune vente, ou encore dans la prestation d’un service.”

22 Cf. AVI-YONAH, Reuven S. International tax as International Law: an analysis of the international tax regime. Nova York: Cambridge University Press, 2007, p. 122.

23 BRAUNER, Yariv. Ob. cit. (nota 19).