Da Ilegalidade do Decreto Paulista nº 56.045/2010 em Relação às Regras Estabelecidas pelo Convênio ICMS nº 36/2010 e pelo Protocolo nº 23/2009

Mara Eugênia Buonanno Caramico

Especialista em Direito Tributário pela USP.

Resumo

Neste trabalho analisaremos a legalidade (ou não) do Decreto nº 56.045/2010, expedido pelo Poder Executivo do Estado de São Paulo para ratificar e incorporar ao ordenamento jurídico paulista as regras do Convênio ICMS nº 36/2010. Referido Convênio foi celebrado para convalidar o Protocolo nº 23/2009, firmado entre os Estados de São Paulo e do Espírito Santo e permitir ao Estado de São Paulo conceder “remissão” de tributo relativamente a operações de importação “por conta e ordem” realizadas por contribuintes paulistas até a data de 20 de março de 2009 e cujo desembaraço aduaneiro tenha ocorrido até o dia 31 de maio do mesmo ano. Para tal fim, verificaremos qual a aplicação dos mencionados diplomas legais e suas respectivas extensões e assim responder o nosso tema proposto.

Palavras-chave: ICMS, destinatário, importação, importação “por conta e ordem” e “por encomenda”; artigo 155 da Constituição Federal; Fundap, Protocolo nº 23/2009, Convênio ICMS nº 36/2010; Decreto nº 56.045/2010.

Abstract

We will analyze herein the legality (or not) of Decree nº 56.045/2010, issued by the Executive Power of the State of São Paulo in order to ratify and insert in its legal system the rules of Accord ICMS nº 36/2010. Such Accord was entered into to validate Protocol nº 23/2009, executed by and between the States of São Paulo and Espírito Santo allowing the State of São Paulo to grant remission of taxes related to import transactions made on behalf and for the account of taxpayers in State of São Paulo until March 20, 2009 and which customs clearance shall have occurred until May 31st of same year. To that end, we will check application and extension of both statutes and therefore answer the proposed issue.

Keywords: ICMS, addressee, importation, import on behalf and for the account of third parties and to order; Section 155 of the Federal Constitution; Fundap (Fund for the Development of Port Activities), Protocol nº 23/2009, Accord ICMS nº 36/2010; Decree nº 56.045/2010.

I - Introdução

Muito se discutiu e se discute sobre quem é o sujeito ativo do ICMS devido sobre as importações, quando o importador jurídico dos bens, aquele que promove o seu desembaraço aduaneiro, age como mero intermediário do negócio jurídico internacional de compra e venda, não sendo ele o real destinatário final desses bens.

Fato é que até hoje nossos Tribunais não decidiram, de maneira definitiva, qual a efetiva e correta interpretação a ser dada ao texto constitucional sobre o termo “destinatário”, empregado no trecho final do parágrafo 2º, IX, “a”, do artigo 155 da CF de 1988, e que é de vital importância para se definir quem é o sujeito ativo do ICMS devido sobre as operações de importação de bens e produtos do exterior.

O assunto está novamente em discussão por força de repercussão geral de pelo menos dois Recursos Extraordinários1 que discutem novamente a questão. Além de ter impacto direto para os Estados, pois diz respeito ao recolhimento do ICMS devido nas importações de bens e mercadorias, a correta interpretação de quem é o sujeito ativo dessa exação acaba por afetar, de maneira reflexa, também a apuração de outros tributos, como é o caso do PIS e da Cofins devidos sobre essas mesmas importações. E isto se agrava quando muitos dos Estados onde as mercadorias são desembaraçadas concedem benefícios fiscais, reduzindo a base de cálculo do ICMS devido nas importações que é utilizado como base de cálculo dessas mesmas contribuições, afetando, portanto, seus valores.

A discussão não é nova, como acima visto, e, para resolver as demandas fiscais existentes sobre a matéria, dois Estados, a saber, São Paulo e Espírito Santo, em meados de 2009, firmaram o Protocolo nº 23 para disciplinar e definitivamente consignar o entendimento desses dois entes políticos sobre quem seria o sujeito ativo do ICMS quando as importações ocorressem em seus respectivos territórios.

Tal entendimento foi relevante principalmente porque o Estado do Espírito Santo, desde a década de 1970, vem concedendo benefícios fiscais aos seus contribuintes importadores quando estes realizam importações através de seus portos e aeroportos (Fundap), o que levou vários contribuintes paulistas a celebrarem com estes importadores contratos de importação sob a modalidade “por conta e ordem” disciplinada pela Medida Provisória nº 2.158-35/2001, e posteriormente pelas IN/SRF nos 225 e 247, ambas de 2002.

Nestes casos, os importadores capixabas, que agiam por conta e ordem dos contribuintes paulistas, destinatários reais das mercadorias importadas, procediam ao desembaraço aduaneiro das referidas mercadorias, porém recolhendo o ICMS devido na importação ao Estado do Espírito Santo e não ao de São Paulo, onde se localizavam os verdadeiros destinatários dos bens importados do exterior.

O Estado de São Paulo, por se sentir prejudicado, e se julgar o legítimo sujeito ativo da exação, procedeu à autuação desses contribuintes paulistas para exigir deles o imposto não recolhido aos cofres paulistas pelos importadores capixabas.

Assim, para pôr fim a essas demandas, e disciplinar as operações de importação entre os dois Estados, foi firmado por eles o Protocolo nº 23/2009.

Nesse protocolo, além da disciplina de como deveriam se operar dali em diante as importações tanto pelos contribuintes paulistas como capixabas, ficou estabelecido que o Estado de São Paulo concederia, através de Convênio a ser celebrado entre os Estados, uma espécie de “remissão” sobre o ICMS devido sobre as operações de importação realizadas até a data de 20 de março de 2009 e cujo desembaraço aduaneiro tenha ocorrido até o dia 31 de maio do mesmo ano, e sob a modalidade “por conta e ordem”, por contribuintes paulistas.

Para tanto, em 2010 foi celebrado o Convênio ICMS nº 36/2010 que disciplinou essa questão e autorizou o Estado de São Paulo a conceder a referida remissão. Mencionado convênio foi recepcionado pela legislação interna paulista através do Decreto nº 56.045/2010, posteriormente regulamentado pela Portaria CAT nº 154/2010.

Neste trabalho analisaremos as regras estabelecidas pelo Convênio ICMS nº 36/2010, pelo Protocolo nº 23/2009 e pelo Decreto nº 56.045/2010 do Executivo Paulista para responder a pergunta que nos propusemos resolver neste trabalho, ou seja: o Decreto nº 56.045/10 foi ou não além dos limites estabelecidos pelo referido Convênio, exorbitando sua competência, e, por conseguinte, tornou-se ilegal?

II - Análise dos Referidos Diplomas Legais

Não é objeto deste trabalho discutir a quem cabe o imposto (ICMS) devido nas importações “por conta e ordem” ou “por encomenda”, nem adentrar nos meandros dos questionamentos sobre quem é o real importador que hoje se encontra em julgamento em nossa Corte Suprema, mas tão somente analisar a questão que nos propusemos a responder.

Feitas as premissas consignadas no introito deste trabalho, passemos a analisar os referidos diplomas legais para responder de maneira crítica ao que nos propusemos analisar, ou seja, a legalidade ou não do Decreto nº 56.045/2010, editado pelo Executivo Paulista.

De acordo com o Protocolo nº 23/2009 e o Convênio nº 36/2010, ambos firmados pelo Estado de São Paulo, foi estabelecida a disciplina que seria dada às importações realizadas “por conta e ordem” ocorridas até a data 20 de março de 2009 e cujo desembaraço aduaneiro tenha ocorrido até o dia 31 de maio do mesmo ano.

Tais importações estariam “protegidas” pelo entendimento de que se comprovado o pagamento do imposto (ICMS) ao Estado do Espírito Santo, a Fazenda de São Paulo não cobraria o imposto devido, abrindo mão de seu eventual crédito tributário, embora tivessem os dois Estados acordado que em tais importações seria de fato o imposto devido para São Paulo e não para o Estado do Espírito Santo.

Para tanto, os contribuintes paulistas que tivessem realizado esse tipo de operação e interessados em se beneficiar de tal situação, deveriam atender aos ditames da regulamentação imposta pelo Estado de São Paulo.

Nesse sentido, foi promulgado o Decreto nº 56.045/2010 bem como a Portaria CAT nº 154/2010 que estabeleceram os procedimentos que os contribuintes paulistas deveriam realizar para fazer jus a tal benefício.

Inicialmente entendemos que o Protocolo nº 23/2009 estabeleceu qual era o entendimento dos Estados de São Paulo e do Espírito Santo sobre o que seria reconhecido como importação “por conta e ordem” e “por encomenda” para esses dois Estados. Além disso, esse mesmo Protocolo consagrou o entendimento entre esses dois específicos Estados de quem seria o sujeito ativo da referida exação quando realizada qualquer importação através dos portos e aeroportos desses entes federados, em cada uma de suas modalidades hoje admitidas: “por conta e ordem” e “por encomenda”.

Em nenhum momento, entretanto, os Estados reconheceram que as operações realizadas “por conta e ordem” no período até 20 de março de 2009 e cujo desembaraço aduaneiro tenha ocorrido até o dia 31 de maio do mesmo ano, e que tivessem como destinatário contribuintes localizados no Estado de São Paulo, teriam como sujeito ativo do ICMS na importação o Estado de São Paulo ou o Estado do Espírito Santo. Apenas se determinou, em função do que os Estados estavam contratando, que o Estado de São Paulo não exigiria o imposto relativamente às operações realizadas pelos contribuintes paulistas até a referida data, e que tivessem sido realizadas em desacordo com o referido entendimento.

Assim, em relação a tais importações, fixou-se apenas uma espécie de “remissão” já que São Paulo estaria abrindo mão, em princípio, de exigir um tributo que lhe seria devido. Por se tratar de uma renúncia fiscal aparente, para que o Estado de São Paulo pudesse legitimamente concedê-la, esta haveria de ser autorizada por Convênio, a ser celebrado posteriormente à assinatura do Protocolo.

É o que expressamente estabelece o Protocolo nº 23/2009 em seu artigo 1º, parágrafo 22.

Justamente para regulamentar o parágrafo 2º do mencionado Protocolo, e, portanto, o recolhimento do ICMS incidente sobre as operações realizadas nesse período (até 20 de março de 2009 e cujo desembaraço aduaneiro tenha ocorrido até o dia 31 de maio de 2009), foi editado o Convênio ICMS nº 36/2010, que determinou a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários relativos às importações efetuadas nesse período estabelecendo que:

a) Seriam reconhecidos pelos Estados como válidos os recolhimentos do ICMS devido pela importação que tenham sido efetuados em desacordo com o disposto no Protocolo ICMS 23, de 3 de junho de 2009, de acordo com o seguinte cronograma:

I - em 1º de junho de 2010, os recolhimentos efetuados até 31 de maio de 2005;

II - em 1º de junho de 2011, os recolhimentos efetuados entre 1º junho de 2005 e 31 de maio de 2006;

III - em 1º de junho de 2012, os recolhimentos efetuados entre 1º junho de 2006 e 31 de maio de 2007;

IV - em 1º de junho de 2013, os recolhimentos efetuados entre 1º junho de 2007 e 31 de maio de 2008;

V - em 1º de junho de 2014, os recolhimentos efetuados entre 1º de junho de 2008 e 31 de maio de 2009, desde que decorrentes de operações contratadas até o dia 20 de março de 2009 e cujo desembaraço aduaneiro tenha ocorrido até 31 de maio de 2009.

Assim sendo, deveria ficar suspensa a exigibilidade dos créditos tributários, constituídos ou não, relativos ao ICMS recolhido pelos contribuintes na ocasião das importações ocorridas nesses períodos, até as datas nele previstas, momento em que atingida aquela data ficariam definitivamente reconhecidos os respectivos recolhimentos, desde que não fosse denunciado nesse ínterim o Protocolo ICMS nº 23, de 3 de junho de 2009.

Porém, para que o contribuinte paulista ou capixaba pudesse fazer jus à suspensão da exigência tributária, as operações não poderiam, segundo a cláusula segunda do referido diploma legal: (a) ser caracterizadas como hipóteses de evasão fiscal, inclusive de simulação das operações ou de falsidade ou omissão no preenchimento dos documentos de importação; (b) ser realizadas em desconformidade com o disposto nas alíneas “d” e “e” do inciso I do artigo 11 da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996 e (c) ser realizadas por contribuinte que deixar de cumprir a disciplina prevista no Protocolo ICMS nº 23, de 3 de junho de 2009.

Como acima se depreende, eram estas as únicas hipóteses possíveis para que o contribuinte pudesse ser excluído do “benefício”, e assim não fazer jus à suspensão da exigibilidade do tributo considerado devido.

Tanto isto é verdade que o Estado do Espírito Santo ao proceder à inclusão em sua legislação do Convênio em questão, apenas reproduziu in totum a redação original do Convênio, em nada lhe inovando.

Porém, o Estado de São Paulo, ao editar o Decreto nº 56.045/2010 para incorporar e ratificar o referido Convênio à sua legislação interna, inovou, e colocou novos limites para a adesão do contribuinte ao referido benefício, indo além do que lhe foi a princípio autorizado pelo Convênio ICMS nº 36/2010.

Isto porque estabeleceu restrições aos contribuintes paulistas que não foram objeto de análise pelos demais Estados quando da edição do referido Convênio.

E isto resta evidente ao se analisar quais são as condições que o contribuinte paulista necessita cumprir para fazer jus à suspensão da exigibilidade do tributo3 previstas no parágrafo 2º do artigo 2º do referido Decreto, especialmente as relativas às suas alíneas “d”, “e” e “f”.

Ora, pelo que se depreende das referidas alíneas (“d”, “e” e “f” do parágrafo 2º do artigo 2º do supramencionado decreto), para fazer jus a qualquer benefício já expressamente reconhecido pelo Convênio e por ele estabelecido, o contribuinte paulista deveria denunciar obrigatoriamente todas as operações de importação “por conta e ordem” que tivesse realizado com outros entes da federação que não fossem relativas ao período mencionado no convênio.

Desta forma, o Estado de São Paulo, para conceder o que o Convênio e o Protocolo autorizavam e expressamente contratavam, exigiu que todas as operações estranhas aos dois Estados envolvidos, ou seja, Espírito Santo e São Paulo e também às próprias partes, fossem não só autodenunciadas, como também fosse recolhido aos cofres do Estado de São Paulo o imposto devido.

Todavia, no Convênio nº 36/2010 nenhuma dessas hipóteses foi avalizada pelos Estados, que expressamente, inclusive, estabeleceram e deixaram claro que aquela decisão acordada apenas entre os Estados de São Paulo e do Espírito Santo, não refletia e não era o entendimento dos demais Estados signatários.

Além disso, as únicas restrições impostas ao reconhecimento da remissão que estava sendo concedida pelo Estado de São Paulo, decorrente da celebração com o Estado do Espírito Santo do Protocolo nº 23/2009, estavam clara e expressamente previstas no próprio Convênio, conforme acima já demonstrado.

Assim, sob pena de se extrapolar os limites que foram estabelecidos pelo próprio Convênio, os Estados de São Paulo e do Espírito Santo poderiam subverter essa ordem, e extrapolar, como de fato fez São Paulo, os limites ali impostos e acordados entre todos os demais Estados?

O benefício tributário que estava sendo autorizado somente poderia ser regulamentado pelos Estados nos exatos e expressos limites do que foi convencionado quando da assinatura do Convênio pelos demais entes federativos, ou os Estados estariam livres para impor suas condições para conceder os referidos benefícios?

Seriam, pois, abusivas e ilegais, muitas das regras, condições e restrições que foram impostas pelo Decreto nº 56.045/2010?

Para responder a essas perguntas, necessitamos voltar um pouco e analisar o referido diploma legal em sua origem.

Note-se, que o Decreto nº 56.045/2010 emana do Poder Executivo, e não do Legislativo, já que não foi aprovado pela Assembleia Legislativa, mas promulgado pelo próprio Governo do Estado paulista.

Ao estabelecer novos limites, totalmente diferentes daqueles impostos pelo Convênio, que tem caráter de Lei Complementar para todos os efeitos, entendemos que o Decreto nº 56.045/2010 foi além do que lhe cabia cumprir, pois este deveria ter a função apenas de introduzir no ordenamento paulista aquilo que ficou estabelecido pela norma que lhe é hierarquicamente superior.

Além disso, tal procedimento de São Paulo criando novas regras sem que estas tivessem sido convencionadas entre ele e o Estado do Espírito Santo, fere a boa-fé que deve reger a relação desses dois Estados quando da celebração do Protocolo nº 23/2009, ratificado pelo Convênio nº 36/2010, já que ao firmá-lo nenhum dos dois Estados fixou qualquer regra para que as operações realizadas até março de 2009 e desembaraçadas até o final de maio do mesmo ano, fossem beneficiadas pela remissão. Ao contrário, expressamente convencionaram que ditas operações seriam regulamentadas por Convênio, deixando a este a regulamentação das regras e dos limites para que o benefício pudesse ser concedido.

E mais, também não fixou regras para as operações posteriores, e isto por um motivo simples, porque todas as operações após esse período seriam tratadas pelos dois Estados na forma estabelecida no próprio Protocolo.

Nenhum dos dois Estados, portanto, exigiu do outro qualquer denúncia espontânea de seus respectivos contribuintes, muito menos o recolhimento ao Estado competente a partir de então, do ICMS devido em relação às operações posteriores à data de 31 de maio de 2009, pois a regra já estava definida. Aquele contribuinte que tivesse recolhido a ente diverso do que deveria tê-lo feito, estaria automaticamente sujeito a uma eventual autuação do Fisco paulista ou capixaba, conforme o caso.

Se é assim, ao Estado de São Paulo vincular a concessão do benefício a que os contribuintes paulistas não só denunciassem as operações que fizeram com o próprio Estado do Espírito Santo depois de 31 de maio de 2009, e mais, que principalmente recolhessem obrigatoriamente o imposto devido sobre estas, acabou por ferir a boa-fé que é pressuposto da assinatura do Convênio e do próprio Protocolo, e que ensejaria, inclusive, a própria denúncia do Protocolo, se assim entendesse o Estado do Espírito Santo.

Mas não é só: a nosso sentir ao Estado de São Paulo exigir que os contribuintes paulistas denunciassem operações que estavam fora do período do próprio Convênio, ou seja, que não fossem pertinentes e nem tivessem ocorrido até 31 de maio de 2009, acabou por tratar matéria que não foi objeto do Convênio, já que este apenas dizia respeito e autorizava o Estado de São Paulo a proceder à suspensão da exigibilidade do tributo devido relativamente a determinadas e específicas operações de importação, não abrangendo nenhuma outra operação nele não consignada.

E isto se pode depreender do fato e, o próprio Convênio ser categórico em seu artigo 4º em afirmar que o entendimento esposado pelos Estados de São Paulo e do Espírito Santo através do Protocolo nº 23/2009 não refletia o entendimento adotado pelos Estados signatários do próprio Convênio.

É bom que se esclareça que, em face do Protocolo nº 23/2009 prever uma espécie de remissão relativa ao imposto devido pelos contribuintes paulistas ao Estado de São Paulo especificamente para um período e operações determinadas, e neste sentido, para que qualquer tipo de remissão, benefício fiscal, isenção, ainda que parcial, pudesse ser legitimamente concedida deveria ser objeto de Convênio, pois somente ele poderia autorizar tal concessão na forma da Lei nº 24/1975, é que foi firmado o Convênio nº 36/2010.

A jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo, depois do advento da EC nº 03/1993, a necessidade de que seja promulgada Lei ordinária pelo ente signatário para dar plena aplicabilidade ao disposto em Convênios ratificados no âmbito do Confaz.

E neste sentido destacamos o voto-vista do Ministro Joaquim Barbosa de “que a simples existência de convênio é insuficiente para a concessão do benefício” (RE nº 539.130, DJ de 5.2.2010). Para ele, não é possível se sustentar que a simples ratificação nacional dos Convênios do ICMS no âmbito do Confaz seria o bastante para sua válida incorporação à legislação interna dos entes signatários, e neste sentido destacamos o seguinte trecho de sua decisão, que embora longo, é mister a sua transcrição por ser muito elucidativo:

“O artigo 155, § 2º, XII, g da Constituição dispõe que cabe à lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. A LC 24, por seu turno, estabelece os parâmetros para a concessão e revogação dos benefícios, de modo que os respectivos termos sejam acordados nos convênios (art. 1º).

(...)

É imprescindível resgatar a função que a regra da legalidade tem no sistema constitucional. Cabe ao Poder Legislativo autorizar a realização de despesas e a instituição de tributos, como expressão da vontade popular. Ainda que a autorização orçamentária para arrecadação de tributos não mais tenha vigência (‘princípio da anualidade’), a regra da legalidade estrita não admite tributação sem representação democrática. Por outro lado, a regra da legalidade é extensível à concessão de benefícios fiscais, nos termos do art. 150, § 6º da Constituição. Trata-se de salvaguarda à atividade legislativa, que poder ser frustrada na hipótese de assunto de grande relevância ser tratado em texto de estatura ostensivamente menos relevante.

(...)

Por mais de uma vez esta Corte decidiu que ‘a outorga de qualquer subsídio, isenção ou crédito presumido, a redução da base de cálculo e a concessão de anistia ou remissão em matéria tributária só podem ser deferidas mediante lei específica, sendo vedado ao Poder Legislativo conferir ao Chefe do Executivo a prerrogativa de dispor, normativamente, sobre tais categorias temáticas, sob pena de ofensa ao postulado nuclear da separação de poderes e de transgressão ao princípio da reserva constitucional de competência legislativa’ (cfe. a ADIn 1.296-PE, Rel. Min. Celso de Mello e a ADI 1247, rel. Min. Celso de Mello).

(...)

Assim, admitir a ratificação tácita dos convênios, elaborados com a participação apenas de representantes do Poder Executivo, supõe ter-se por válida a própria concessão do benefício por ato oriundo apenas do Chefe do Poder Executivo.

(...)

A Constituição vincula a validade do benefício à concessão por lei. Em sentido discrepante, o benefício fiscal foi concedido por decreto legislativo.

Leio a parte final do artigo - 150, § 6º - sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g, de modo aditivo. Quer dizer, a garantia da regra da legalidade não é excluída imediatamente pela regra que busca assegurar harmonia no âmbito da Federação. O Poder Legislativo não pode delegar ao Executivo, por meio direto ou indireto, a escolha final pela concessão ou não do benefício em matéria de ICMS.

(...)

Para tanto, observo que a ritualística constitucional e de normas gerais que rege a concessão de tais benefícios é peculiar. De início, devem os estados federados e o Distrito Federal reunirem-se para aquiescer ou rejeitar a proposta para concessão dos benefícios fiscais. Se houver consenso no âmbito do Confaz, composto pelos Secretários de Fazenda ou equivalente, cabe ao estado-membro ratificar o pronunciamento do órgão. Embora a LC 24 se refira à publicação de decreto pelo Chefe do Poder Executivo, a disposição não pode prejudicar a atividade do Poder Legislativo local. Ratificado o convênio, cabe à legislação tributária de cada ente efetivamente conceder o benefício que foi autorizado nos termos de convênio. (RE nº 539.130)4

Desta forma, com a superveniência da EC nº 03/1993, a mais atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece que, “Ratificado o convênio, cabe à legislação tributária de cada ente efetivamente conceder o benefício que foi autorizado nos termos de convênio.” (Trecho do voto preferido no RE nº 539.130)5

Na doutrina6, encontramos entre outros, autores como Ricardo Lobo Torres que comungam da mesma opinião, senão vejamos:

“A LC 24/75, editada em pleno período de autoritarismo político, dispensou a ratificação pelas Assembleias dos convênios assinados pelos Secretários de Fazenda, atribuindo-a à própria competência aos Governadores. A doutrina, com justa razão, vem denunciando a inconstitucionalidade da medida, por afrontar o princípio da legalidade.”

Portanto, de acordo com a atual posição da jurisprudência, o que acima vimos, o Decreto nº 56.045/2010 sequer seria o veículo normativo próprio e eficaz para tornar válidas as normas disciplinadas pelo Convênio nº 36/2010, tornan­do-as aplicáveis.

Mas admitindo-se a sua validade, apenas para a discussão que aqui nos propusemos a enfrentar, ainda assim referido diploma legal emanado do Poder Executivo poderia ter extrapolado os limites do Convênio ICMS nº 36/2010 que pretendia ratificar?

Poder-se-ia dizer que por se tratar no caso de um “benefício” (em verdade é uma espécie de remissão, a partir do momento em que há renúncia do Estado de São Paulo na cobrança do próprio crédito tributário, e não só de multa e juros) poderia o Estado de São Paulo impor as condições que entendesse necessárias para concedê-lo aos contribuintes paulistas como faz em isenções condicionadas?

III - Conclusão

Por tudo quanto acima expusemos, e caso se admita que uma norma emanada do Poder Executivo, após o advento da Emenda Constitucional nº 03/1993, tenha eficácia para ratificar o Convênio a que se refere, para incorporá-lo à sua legislação interna, entendemos que o Decreto nº 56.045/2010 ao impor aos contribuintes paulistas obrigações não previstas no Convênio ICMS nº 36/2010, impedindo, inclusive, que muitos deles ingressassem com os seus pedidos de suspensão de exigibilidade pois estariam fadados a ter-lhes negada tal concessão e ainda sujeitando-os à autuação pelas operações eventualmente não denunciadas ou não recolhidas ao Estado de São Paulo, é ilegal.

Concluindo, tal veículo legislativo não só não seria o instrumento próprio e juridicamente eficaz para regular o referido Convênio e incorporá-lo à legislação paulista, como também, fere a boa-fé dos Estados signatários do Convênio ICMS nº 36/2010, como acima vimos, e também do próprio Estado do Espírito Santo, ao ir em sentido contrário ao que ficou estabelecido e acordado entre esses dois específicos Estados sobre como seriam tratadas as operações de importação “por conta e ordem” realizadas pelos contribuintes paulistas e capixabas até a data de 20 de março de 2009 cujo desembaraço aduaneiro tivesse ocorrido até 31 de maio do mesmo ano.

E neste sentido, afastando-se a aplicação do Decreto naquilo que demonstramos estar em desacordo com os limites estabelecidos pelo Convênio ICMS nº 36/2010, entendemos que deva ser dado aos contribuintes paulistas que efetuaram operações com o Estado do Espírito Santo nas condições previstas pelo referido Convênio o direito de ter seus créditos tributários suspensos, desde que atendam as condições estabelecidas nos itens I, II, e III da cláusula 2ª do Convênio nº 36/2010.

Entendemos que qualquer Estado da Federação tem sim possibilidade de estabelecer condições para conceder qualquer tipo de isenção, benefício fiscal ou até remissão como é o caso, porém, tais restrições devem dizer respeito única e exclusivamente ao próprio benefício e à condição específica do seu contribuinte.

Melhor elucidando: no caso em discussão, antes da regulamentação trazida pelo Decreto nº 56.045/2010, o Estado de São Paulo firmou com o Estado do Espírito Santo o Protocolo nº 23/2010. Este diploma legal foi a base das negociações entre os dois Estados, e foi, se assim podemos dizer, o “contrato” firmado entre esses dois específicos entes da Federação.

Se assim é, o Protocolo nº 23/2010 deveria estabelecer ab initio todas as circunstâncias e condições que ambos os Estados concordavam em fixar e que seriam impostas aos seus respectivos contribuintes para que estes pudessem gozar da remissão que estava sendo convencionada.

Isto porque estabelecer uma remissão ou um benefício e ao mesmo tempo impor posteriormente condições que não foram previamente acordadas entre os referidos Estados para que os contribuintes de qualquer dos Estados pudessem dos benefícios usufruir seria no mínimo uma questão de má-fé.

Assim, o Protocolo nº 23/2009 firmado equivaleria a uma “letra morta” ou a uma verdadeira “arapuca tributária”, já que para ter um benefício de um lado, o contribuinte estaria obrigado, sem que tivesse sido convencionado entre os dois Estados Contratantes previamente, a efetuar denúncias espontâneas de operações realizadas em período diverso do objeto do benefício e a efetuar pagamentos de impostos de operações estranhas ao período remido.

Na prática, o Protocolo nº 23/2009 poderia com essa situação criada pelo Decreto nº 56.045/2010 perder sua eficácia, já que os contribuintes poderiam não se utilizar do benefício, porque o resultado prático disso seria o mesmo que vestir um santo e desvestir outro, ou seja, ser remido de um lado de algumas operações, e ser obrigado a pagar outras estranhas ao objeto do Protocolo.

Seria o mesmo que fazer um contrato para não valer para uma das partes, aquela que justamente teria que conceder a remissão.

Ou seja, passa a ser um contrato fictício, uma letra morta, uma lei feita para “não pegar”. Ou então uma armadilha para forçar os contribuintes que não quisessem discutir o crédito tributário de um período, a pagar o crédito tributário relativo a outro período sequer objeto de autuação ou discussão pelo Estado.

Somos da opinião de que por ter sido a remissão em questão acordada entre Espírito Santo e São Paulo através de Protocolo que não identificou previamente quais seriam as restrições que cada Estado poderia impor para que seus contribuintes pudessem dela usufruir, não estaria qualquer dos dois Estados autorizado a implementá-las posteriormente à assinatura do referido Protocolo.

Note-se, inclusive, que o alcance do Convênio foi tão somente ratificar e autorizar os Estados de São Paulo e do Espírito Santo a realizarem o que previamente estabeleceram no referido protocolo, e nada mais.

Não foi imposta qualquer restrição para que os Estados pudessem remir o crédito tributário, a não ser as hipóteses que foram estabelecidas no artigo 4º do Convênio nº 36/2010.

Desta forma, concluímos que o Decreto nº 56.045/2010 além de não ser o veículo legislativo próprio para recepcionar o Convênio nº 36/2010, pois este deveria ter sido recepcionado por lei ordinária oriunda do Poder Legislativo do Estado de São Paulo e não por norma promulgada pelo Executivo, ainda que pudesse se admitir a sua eficácia, estaria ele acoimado de ilegalidades, já que entendemos que as exigências previstas no parágrafo 2º do seu artigo 2º, alíneas “d”, “e” e “f” são ilegais pois afrontam e ultrapassam os limites tanto do Protocolo nº 23/2009 como do próprio Convênio nº 36/2010 que o ratificou.

1 Caso Eximbiz - Repercussão Geral em RE nº 635.445 - Espírito Santo - Julgamento em 21.4.2011 - Ministro Dias Toffoli - Caso FMC Química do Brasil - Repercussão Geral no RE nº 665.134 Minas Gerais - Julgamento em 10.2.2012 - Ministro Joaquim Barbosa.

2 “Cláusula primeira: Nas operações de importação de bens ou mercadorias do exterior promovidas por estabelecimentos situados no Estado do Espírito Santo ou de São Paulo, por conta e ordem de adquirentes situados no outro Estado, na forma estabelecida na Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, na Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002 e nas Instruções Normativas SRF nos 225, de 18 de outubro de 2002, e 247, de 21 de novembro de 2002, o recolhimento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS relativo à operação deverá ser efetuado pelo estabelecimento importador em favor do Estado de localização do adquirente. § 1º Para os efeitos deste protocolo considera-se: I - importação por conta e ordem de terceiro qualquer importação em que sejam utilizados recursos do adquirente, inclusive adiantamentos para quaisquer pagamentos relativos a essa operação; II - importador por conta e ordem de terceiros, a pessoa jurídica que promover, em seu nome, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria adquirida por outra, em razão de contrato previamente firmado, que poderá compreender, ainda, a prestação de outros serviços relacionados com a transação comercial, como a realização de cotação de preços e a intermediação comercial; III - adquirente, a pessoa física ou jurídica que contratar empresa para importar por sua conta e ordem. § 2º O recolhimento do imposto incidente sobre as operações de importação por conta e ordem de terceiros, contratadas até o dia 20 de março de 2009 e cujo desembaraço aduaneiro tenha ocorrido até o dia 31 de maio de 2009 será disciplinado em convênio ICMS.

3 “Artigo 2º - O contribuinte paulista que tiver adquirido bens ou mercadorias do exterior, por meio de operações de importação ‘por conta e ordem de terceiros’ promovidas por importadores situados no Estado do Espírito Santo, poderá requerer, até 31 de outubro de 2010, o reconhecimento dos recolhimentos realizados ao Estado do Espírito Santo. § 1º - Cada contribuinte deverá apresentar um único requerimento englobando as importações contratadas até o dia 20 de março de 2009 e cujo desembaraço aduaneiro tenha ocorrido até 31 de maio de 2009. § 2º - O requerimento: 1 - deverá ser dirigido: a) ao Delegado Regional Tributário da situação de sua inscrição estadual; b) ao órgão julgador, na hipótese de o crédito estar sendo exigido em Auto de Infração e Imposição de Multa - AIIM;

2 - deverá conter: a) a relação das Declarações de Importação - DIs, devidamente registradas no Sistema Integrado de Comércio Exterior - Siscomex, que sejam objeto do pedido, bem como a identificação completa do estabelecimento importador; b) a indicação do número do Auto de Infração e Imposição de Multa - AIIM, na hipótese deste já ter sido lavrado; c) o pedido de extinção dos créditos tributários; d) a relação de todas as importações realizadas na modalidade ‘por conta e ordem de terceiros’, promovidas por importadores situados no Estado do Espírito Santo ou em outra unidade da federação, cujo desembaraço aduaneiro tenha ocorrido a partir de 1º de junho de 2009, bem como aquelas contratadas após 20 de março de 2009; e) a declaração de que, em relação às operações relacionadas na forma da alínea d, o contribuinte ou qualquer de seus estabelecimentos situados em território paulista recolheu ao Estado de São Paulo o ICMS devido; f) a relação de todas as importações realizadas na modalidade ‘por conta e ordem de terceiros’, promovidas por importadores situados em qualquer unidade da federação, exceto no Estado do Espírito Santo, cujo desembaraço aduaneiro tenha ocorrido no período de 1º de junho de 2005 até 31 de maio de 2009. § 3º - Na hipótese de o contribuinte ter realizado as importações na modalidade ‘por conta e ordem de terceiros’, nos períodos previstos nas alíneas d e f do item 2 do § 2º, sem recolhimento ao Estado de São Paulo, poderá recolher o imposto devido com os acréscimos legais, no prazo de 15 (quinze) dias, contados da protocolização do requerimento. § 4º A falta de recolhimento devido ao Estado de São Paulo, relativamente à hipótese prevista na alínea d do item 2 do § 2º, impede o reconhecimento dos recolhimentos efetuados em operações de importação na modalidade ‘por conta e ordem de terceiros’ previsto neste decreto.”

4 No mesmo sentido podemos identificar outras decisões, inclusive, monocráticas reclamando a existência de Lei para a válida incorporação de Convênios às legislações dos entes signatários do Convênio: “Decisão Recurso Extraordinário. 1) Constitucional e Tributário. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. Concessão de Benefício Fiscal. Necessidade de Convênio Autorizador Celebrado entre os Estados e o Distrito Federal e de Lei Específica de cada Ente. Precedentes. 2) Processual Civil. Alegação de Contrariedade ao Art. 5º, Inc. LIV e LV, da Constituição: Ofensa Constitucional Indireta. Recurso ao qual se nega Seguimento. Relatório 1. Recurso extraordinário interposto com base no art. 102, inc. III, alínea a, da Constituição da República contra o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte: ‘ICMS. Remissão, mediante decreto do Governador do Estado. Ausência de lei específica. Infringência ao art. 150, § 6º, CF. Nulidade do ato governamental. Efeitos ex tunc. Repercussão da invalidação do ato administrativo. Direito dos Municípios a 25% do produto da arrecadação do ICMS’ (fl. 354). 2. Os Recorrentes afirmam que o Tribunal a quo teria contrariado o § 6º do art. 150 da Constituição da República. Alegam que o convênio previsto no art. 155, § 2º, inc. XII, alínea g, seria instrumento suficiente para a concessão de benefício fiscal relativo ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. O Estado do Rio Grande do Norte sustenta, ainda, a ocorrência de julgamento extra petita, o que afrontaria os arts. 128, 293 e 460 do Código de Processo Civil e o art. 5º, inc. LIV e LV, da Constituição. Analisados os elementos havidos nos autos, decido. 3. Razão jurídica não assiste aos Recorrentes. 4. O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a alegação de afronta ao art. 5º, inc. LIV e LV, da Constituição da República, se dependente do exame da legislação infraconstitucional - na espécie vertente, de normas do Código de Processo Civil -, não viabiliza o recurso extraordinário, pois eventual ofensa constitucional seria indireta. Nesse sentido: ‘Processual Penal. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. Ausência de Prequestionamento. Incidência da Súmula 282 deste Supremo Tribunal. Matéria Infraconstitucional. Ofensa Constitucional Indireta. Precedentes. Agravo Regimental ao qual se nega Provimento. 1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal firmou-se no sentido de que ‘os embargos declaratórios só suprem a falta de prequestionamento quando a decisão embargada tenha sido efetivamente omissa a respeito da questão antes suscitada’. Precedentes. 2. O Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência no sentido de que as alegações de afronta aos princípios da legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependentes de reexame de normas infraconstitucionais, podem configurar apenas ofensa reflexa à Constituição da República. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido’ (AI 580.465-AgR, de minha relatoria, Primeira Turma, DJe 19.9.2008). ‘Recurso. Extraordinário. Inadmissibilidade. Alegação de ofensa ao art. 5º, LV, da Constituição Federal. Ofensa constitucional indireta. Agravo regimental não provido. Alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do devido processo legal, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependentes de reexame prévio de normas inferiores, podem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição’ (RE 547.201-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, DJe 14/11/2008). 5. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou-se no sentido de que a concessão de benefícios fiscais relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços pressupõe não somente a autorização por meio de convênio celebrado entre os Estados e o Distrito Federal, nos termos da LC 24/75, mas também da edição de lei em sentido formal de cada um daqueles entes. Nesse sentido: ‘Direito Constitucional e Tributário. Recurso Extraordinário. Convênio ICMS 91/91. Isenção de ICMS. Regime Aduaneiro Especial de Loja Franca. ‘Free Shops’ nos aeroportos. Promulgação de decreto legislativo. Atendimento ao princípio da legalidade estrita em matéria tributária. 1. Legitimidade, na hipótese, da concessão de isenção de ICMS, cuja autorização foi prevista em convênio, uma vez presentes os elementos legais determinantes para vigência e eficácia do benefício fiscal. 2. Recurso extraordinário conhecido, mas desprovido’ (RE 539.130, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe 5.2.2010 - grifos nossos). ‘Ação Direta de Inconstitucionalidade - Inexistência de Prazo Decadencial - ICMS - Concessão de Isenção e de Outros Benefícios Fiscais, independentemente de Prévia Deliberação dos Demais Estados-membros e do Distrito Federal - Limitações Constitucionais ao Poder do Estado-membro em Tema de ICMS (Cf, Art. 155, § 2º, XII, ‘g’) - Norma Legal que veicula Inadmissível Delegação Legislativa Externa ao Governador do Estado - Precedentes do STF - Medida Cautelar Deferida em Parte. (...) Convênios e Concessão de Isenção, Incentivo e Benefício Fiscal em Tema de ICMS: A celebração dos convênios interestaduais constitui pressuposto essencial a valida concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos ou benefícios fiscais em tema de ICMS. Esses convênios - enquanto instrumentos de exteriorização formal do prévio consenso institucional entre as unidades federadas investidas de competência tributaria em matéria de ICMS - destinam-se a compor os conflitos de interesses que necessariamente resultariam, uma vez ausente essa deliberação intergovernamental, da concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos e benefícios fiscais pertinentes ao imposto em questão. O pacto federativo, sustentando-se na harmonia que deve presidir as relações institucionais entre as comunidades políticas que compõem o Estado Federal, legitima as restrições de ordem constitucional que afetam o exercício, pelos Estados-membros e Distrito Federal, de sua competência normativa em tema de exoneração tributária pertinente ao ICMS. Matéria Tributária e Delegação Legislativa: A outorga de qualquer subsídio, isenção ou crédito presumido, a redução da base de cálculo e a concessão de anistia ou remissão em matéria tributária só podem ser deferidas mediante lei específica, sendo vedado ao Poder Legislativo conferir ao Chefe do Executivo a prerrogativa extraordinária de dispor, normativamente, sobre tais categorias temáticas, sob pena de ofensa ao postulado nuclear da separação de poderes e de transgressão ao princípio da reserva constitucional de competência legislativa. Precedente: ADIn 1.296-PE, Rel. Min. Celso de Mello’ (ADI 1.247-MC, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ 8.9.1995 - grifos nossos). Tem-se no voto condutor do Recurso Extraordinário 539.130: “Note-se, portanto, que o Convênio ICMS 91/91 permitiu que os Estados em geral e o Rio Grande do Sul, em particular, isentassem aquelas operações da incidência do ICMS. No entanto, para que tal autorização se corporificasse, em concreta renúncia fiscal, era necessário ir além, para submeter o Convênio à apreciação da Assembleia Legislativa, como determinam a Constituição daquele Estado (arts. 53, XXIV, e 141) e a lei Estadual de regência (lei 8.820/89, art. 28, § 1º). (...) Como se nota dos autos, o princípio da estrita legalidade consubstanciado no art. 150, § 6º, da Constituição Federal, ao contrário do que afirmado pela parte recorrente, está satisfeito à saciedade. Em primeiro lugar, constato a existência de ratificação do Convênio pelo órgão competente (no caso, o Confaz), em obediência ao previsto na LC 24/75. Em segundo lugar, tem-se presente a Lei Estadual 8.820/89, um ato jurídico-normativo concreto, específico. E, em terceiro lugar, o já referido Decreto Legislativo 6.591/92, norma que consolida e viabiliza a benesse fiscal em discussão’ (grifos nossos). 6. Dessa orientação jurisprudencial não divergiu o julgado recorrido. 7. Pelo exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário (art. 557, caput, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. Brasília, 12 de março de 2010. Ministra Cármen Lúcia.”

5 MARTINS, Leonardo Alfradiques. Incorporação de convênios do ICMS na legislação dos Estados signatários. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI156134,51045Incorporacao+de+convenios+do+ICMS+na+legislacao+dos+Estados>. Acesso em: 29 set. 2012.

6 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12. edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 50. “Esta dispensa tem sido acoimada de inconstitucional como o fizeram, entre outros, COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 290-296; e CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 4. edição. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 253-254; MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 1997, p. 114.; e BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar Tributária. São Paulo: RT/Educação, 1975. p, 173 (com citação da opinião de Geraldo Ataliba no mesmo sentido. Cf. COSTA, Alcides Jorge. Estudos sobre IPI, ICMS e ISS. São Paulo: Dialética, 2009, p. 87.