Consequência da Concomitância na Incidência de Normas Jurídicas - Elementos de Lógica e de Subsunção - O Caso das Despesas Financeiras Contraídas no Exterior

Ricardo Mariz de Oliveira

Advogado. Professor de Direito Tributário em Diversas Entidades (EAESP/GV; Centro de Extensão Universitária - CEU; e Outras). Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Tributário.

Resumo

A legislação brasileira desde os anos 90 do século passado vem adotando medidas restritivas à dedução fiscal de despesas financeiras internacionais. Com a Lei n. 12.715, em 2012, essas limitações à liberdade voltaram a chamar a atenção geral, inclusive pelo fato de que mais de uma norma pode ser aplicável ao mesmo tempo sobre uma mesma despesa. Este artigo dedica-se a tratar de como resolver esta múltipla incidência.

Palavras-chave: interpretação, norma geral, norma especial, despesa financeira, dedução para efeitos fiscais.

Abstract

The Brazilian law since the 90 years of the last century has created new rules in order to reduce the possibilities of deducting for tax purposes the international financial expenses. Due to Law n. 12.715, enacted in 2012, such limitations to the liberty called everybody’s attention, because more than just one rule may be simultaneously applicable on one singular and same expense. This article seeks to determine how to solve such a multiple incidence.

Keywords: interpretation, geral rule, special rule, financial expense, deduction for tax purposes.

No segundo semestre do ano de 2012 foi promulgada a Lei n. 12.715, contendo várias alterações na legislação tributária federal, dentre as quais assumiram grande importância as disposições relativas ao controle de preços de transferência.

Uma dessas modificações foi no art. 22 da Lei n. 9.430, pertinente a juros devidos pela pessoa jurídica a credor no exterior em decorrência de operações sujeitas a controle, bem como aos juros a que essa pessoa tenha direito em mútuos concedidos a devedor no exterior e também submetidos a controle.1

Não é objeto deste estudo a análise particular do art. 22, mas, sim, o impacto do mesmo, com suas alterações, nas obrigações tributárias pertinentes ao imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ) e à contribuição social sobre o lucro (CSL), tendo em vista outras normas legais, igualmente vigentes, que também tratam da dedutibilidade das referidas despesas.

Portanto, para os fins deste trabalho, basta dizer que o art. 22, já com as alterações introduzidas pela posterior Lei n. 12.766, determina que os juros pagos ou creditados a pessoa vinculada, ou residente ou domiciliada em paraíso fiscal, somente serão dedutíveis das bases de cálculo daqueles tributos até o montante que não exceda o valor calculado com base em taxa determinada nos termos do artigo, acrescida de margem a título de “spread”, a ser fixada pelo Ministro da Fazenda, devendo aquela taxa corresponder à média de mercado e ser proporcionalizada em função do período a que se referirem os juros.

Em suma, quando se tratar de operação financeira passiva sujeita a controle, há limite para dedução fiscal dos juros, de tal modo que, se a despesa exceder esse limite, o excesso não será dedutível.

Pois bem, ao lado das questões específicas relacionadas ao próprio art. 22, alguns setores levantaram dúvidas sobre como aplicá-lo, tendo em vista que outros dispositivos legais também podem incidir sobre as mesmas despesas.

Estes outros são os seguintes:

- a norma do art. 47 da Lei n. 4.506, refletida no art. 299 do RIR/1999, que define as despesas operacionais consideradas necessárias e dedutíveis do lucro real;2

- as normas dos arts. 24 e 25 da Lei n. 12.249, que tratam da indedutibilidade, total ou parcial, de despesas financeiras em razão do nível de endividamento da pessoa jurídica, ou seja, são normas que dizem respeito à chamada “subcapitalização” (“thin capitalization”).

Na verdade, há ainda outro dispositivo legal que trata de despesas financeiras, que é o art. 17 do Decreto-lei n. 1.598, o qual será abordado adiante. Porém, a questão que alguns setores colocaram diz respeito às normas acima elencadas.

Quanto aos arts. 24 e 25 da Lei n. 12.249, para os fins desta análise também basta dizer o seguinte:

- ambos os artigos estabelecem limites para dedução fiscal dos juros, mas declaram expressamente que o fazem sem prejuízo do disposto no art. 22 da Lei n. 9.430;

- a limitação que eles estabelecem refere-se às dívidas passivas perante as mesmas pessoas cujos créditos são sujeitos ao limite do art. 22;

- as hipóteses de incidência dos dois artigos levam em conta o valor do endividamento da pessoa jurídica devedora em relação ao respectivo patrimônio líquido;

- os dois artigos dizem expressamente que somente serão dedutíveis as despesas por eles regidas quando se constituírem em despesas necessárias à atividade, conforme o art. 47 da Lei n. 4.506, significando isto que, se houver excesso de endividamento, as despesas serão consideradas não necessárias;

- nos dois casos, admite-se a dedução na proporção do limite de endividamento tolerado pelas respectivas normas, e o excesso deve ser acrescido às bases de cálculo do IRPJ e da CSL.

As dúvidas levantadas pelos setores acima referidos, surgidas a partir da Lei n. 12.715, na verdade já poderiam ter se manifestado antes dela, porque desde a Lei n. 12.249 havia concomitância dos seus arts. 24 e 25 com o art. 22 da Lei n. 9.430 e, ademais, o art. 47 da Lei n. 4.506 obviamente também já estava em vigor. E a simples alteração do critério de limitação dos juros no regime de preços de transferência, contido no referido art. 22, não tem qualquer relevância para a problemática da aplicação dessas leis.

A única diferença entre o art. 22 da Lei n. 9.249, com sua nova redação dada pelas Leis ns. 12.715 e 12.766, e os mencionados arts. 24 e 25 da Lei n. 12.249, reside em que ele não ressalva, como estes o fazem, a aplicação das demais normas, e também é silente sobre o art. 47. Porém, também esta diferença é de nenhuma significação para a problemática colocada.

Seja como for, atualmente há possibilidade de concomitante incidência desses dispositivos legais, tal como estão hoje redigidos.

E, a partir da alteração do art. 22 pela Lei n. 12.715, começou-se a aventar soluções para o suposto impasse legislativo decorrente da existência de pluralidade de normas aplicáveis à mesma matéria, chegando-se a propor várias interpretações para elas, tais como:

- os arts. 22 da Lei n. 9.430 e 24 e 25 da Lei n. 12.249 seriam independentes, devendo ser aplicados separadamente e, quando houvesse excesso aos dois regimes (preços de transferência do art. 22 e subcapitalização dos arts. 24 e 25), ambos os excessos deveriam ser oferecidos à tributação;

- as despesas indedutíveis segundo o art. 24 ou 25 determinariam uma exclusão proporcional da base quantitativa de aplicação do art. 22, ou seja, este deveria ser aplicado apenas sobre os juros correspondentes ao principal dos débitos dedutíveis segundo aqueles.

Outras ideias alternativas ou variantes vieram a público, mas aqui é suficiente a referência a essas duas, pois já permitem o desenvolvimento da questão jurídica que este artigo pretende enfrentar.

Na verdade, a solução do suposto problema é simples, processando-se segundo o método de subsunção dedutiva dos fatos às normas em vigor, atendendo-se às respectivas hipóteses de incidência e aos comandos consequentes a cada uma delas.

Não obstante, tal subsunção não pode ser feita de maneira irracional, que conduza concretamente (ou que em tese possa conduzir) a resultado absurdo, o que o ordenamento jurídico não tolera.3

Também não pode a interpretação ser realizada mecanicamente apenas segundo a literalidade dos dispositivos legais, sem a devida atenção à teleologia das normas que eles veiculam e que possam incidir sobre o fato.

Por fim, a exegese legal deve ser feita nos estritos limites das normas postas no ordenamento jurídico, sem alteração, redução ou acréscimo, ainda que a pretexto de interpretar racionalmente. Realmente, o intérprete, que tem função ativa na determinação da norma a ser aplicada concretamente a determinado fato, não pode, no exercício dessa função, transformar-se em legislador, inserindo requisitos ou consequências não contidas na norma abstrata da lei.

A partir destas três premissas básicas da exegese jurídica, já se percebe que a primeira solução acima aventada (soma das parcelas não dedutíveis segundo cada norma) não se sustenta, quer porque pode resultar em despesa indedutível maior do que o total da própria despesa efetivamente existente (portanto, resultado absurdo, porque, por exemplo, a soma das parcelas indedutíveis poderia ser 120, mas a despesa de apenas 100), quer porque seria produto de interpretação literal e mecânica, não atenta a que haveria multiplicação de indedutibilidades sobre uma só e única despesa.

Igualmente por este processo de interpretação, conclui-se que a segunda solução aventada (cálculo da indedutibilidade do art. 22 por um critério proporcional e após a consideração da indedutibilidade do art. 24 ou 25), choca-se frontalmente com a premissa de que a interpretação racional não significa a atribuição de poder ao intérprete para dizer coisas que não se encontram na lei, mesmo implicitamente, coisas estas pertinentes ao antecedente (hipótese de incidência) da norma aplicável ou ao seu consequente (comando dispositivo).

Com efeito, a chamada “carga construtiva da interpretação”, visão avançada sobre a atividade de exegese jurídica, preconiza que o intérprete constrói a norma concreta a ser aplicada à determinada situação, mas o faz com base nas normas abstratas que estão no ordenamento, sem pretender alterar a lei, inclusive através da sub-reptícia introdução de ideias nela não encontradas.

A este propósito, contra tal pretensão, Carlos Maximiliano chegou à advertência extremamente crítica, na sua monumental obra Hermenêutica e aplicação do Direito:

“Cumpre evitar não só o demasiado apego à letra dos dispositivos, como também o excesso contrário, o de forçar a exegese e deste modo encaixar na regra escrita, graças à fantasia do hermeneuta, as teses pelas quais se apaixonou, de sorte que vislumbra no texto ideias apenas existentes no próprio cérebro, ou no sentir individual, desvairado por ojerizas e pendores, entusiasmos e preconceitos.”4

Mesmo que qualquer das interpretações acima não mereça crítica tão acerbada quanto a contida nas palavras de Maximiliano, não se deve olvidar que

“se é certo que toda interpretação traz em si carga construtiva, não menos correta exsurge a vinculação à ordem jurídico-constitucional em vigor. O fenômeno ocorre a partir das normas em vigor, variando de acordo com a formação profissional e humanística do intérprete. No exercício gratificante da arte de interpretar, descabe ‘inserir na regra de direito o próprio juízo - por mais sensato que seja - sobre a finalidade que ‘conviria’ fosse por ela perseguida’ - Celso Antonio Bandeira de Mello - em parecer inédito.”5

Ainda a este propósito, soa pertinente a ressalva final de Marco Aurélio Greco no seguinte trecho, em que afirma:

“Em outras palavras, as considerações até aqui feitas levam à conclusão de que o intérprete tem papel positivo na construção do significado da lei (não é mero espectador), sua função é mais ampla. Mas, este papel positivo e o poder de que está investido não é absoluto e ilimitado, pois, se o fosse, cairíamos num subjetivismo puro, incompatível com o mínimo de previsibilidade das consequências legais, desnaturando a lei que deixaria de ser uma pauta de conduta, para ser um simples pretexto para a tomada de certa decisão e imposição de certo significado.”6

Realmente, inúmeras objeções levantam-se àquela segunda visão das normas em cogitação, tais como:

- não existe no ordenamento a determinação de se aplicar primeiro os arts. 24 e 25, e depois o art. 22, adotando-se qualquer critério de proporcionalização das despesas;

- os arts. 24 e 25 não têm preferência para aplicação antes do art. 22, nem vice-versa;

- quer dizer, o critério de seleção da norma a ser aplicada primeiramente - poderia ser qualquer uma delas - não tem suporte em qualquer dessas normas, assim como não tem em nenhuma outra, sendo produto da escolha do intérprete, variável de intérprete para intérprete, e possivelmente de caso para caso;

- a aplicação prioritária de uma dessas normas, qualquer que tenha sido a escolha pessoal do intérprete, representaria detrimento para a aplicação integral das demais, que acabariam sendo aplicadas apenas parcialmente, porque a sua hipótese de incidência não seria considerada em seu todo, assim como não o seria a sua disposição normativa (os juros em determinada situação nela descrita seriam considerados apenas em parte, acarretando consequência diferente da que deveria decorrer da norma).

Ao contrário das referidas proposições, a interpretação da norma, que leve em consideração os preceitos mais completos de hermenêutica jurídica, conduz ao seguinte resultado:

- todas as três normas (art. 47 da Lei n. 4.506, art. 22 da Lei n. 9.430, e arts. 24 e 25 da Lei n. 12.249) têm hipóteses de incidência que podem abarcar o pagamento de juros de dívidas passivas contraídas no exterior;

- todas as três normas têm disposições normativas sobre os juros, ou parcela deles, a que se referem as respectivas hipóteses de incidência;

- logo, elas podem incidir concomitantemente; e

- quando isto ocorre, as três normas têm que ser aplicadas como estão no ordenamento jurídico, ou seja, tomando-se a totalidade dos juros para construir a conclusão de que são, total ou parcialmente, indedutíveis do lucro tributável pelo IRPJ e pela CSL.

O processo intelectivo, acima desenvolvido de modo simples, tem acentuada feição de lógica geral aplicada à lógica jurídica, porque, afinal, o processo de interpretação jurídica é um processo mental lógico dedutivo, no qual, invertendo-se a ordem com que as premissas são geralmente apresentadas nos exercícios de lógica, havendo o fato (premissa menor), tal como descrito na hipótese de incidência (premissa maior), incide a norma (dá-se o consequente normativo próprio para o antecedente da norma).7

Em lógica, onde se demonstra a validade ou invalidade de qualquer conclusão, todo raciocínio deve ser construído através de um silogismo formado por duas premissas (premissa maior e premissa menor) que, se verdadeiras8 e coerentes (logicamente coordenadas e consistentes para a formação do raciocínio), ao serem associadas entre si acarretam a verdade de uma conclusão.9

A coerência entre a premissa maior e a menor significa deverem elas ser logicamente consistentes para a conclusão do raciocínio, o que se explica porque este procura determinar uma conclusão afirmativa ou negativa, a qual somente pode decorrer se houver a referida coordenação e consistência, porque a conclusão será no sentido de que a premissa menor se enquadra ou não na premissa maior.10

O que pode ser dito de outra maneira: a incidência da norma, para ser correta segundo o ordenamento jurídico a que ela pertence, depende do trabalho do aplicador da lei, consistente em ele constatar e provar a ocorrência de um fato real, com segurança e certeza (é o correspondente à premissa menor), compará-lo com uma dada hipótese descrita abstratamente na norma, esta devidamente entendida e corretamente interpretada (é o correspondente à premissa maior), e assim declarar (e praticar) o consequente normativo da norma (que corresponde à conclusão correta).

A esta altura da presente exposição, conquanto sucinta, já se pode perceber que o raciocínio lógico, em termos de exegese jurídica, nada mais representa do que a subsunção do fato à norma, ou, em palavras mais diretas, verificar se o fato concreto corresponde à hipótese eventual de incidência da norma.11

É o que diz com todas as letras Hamilton Rangel Junior:12

“A partir da compatibilização já promovida entre a análise do fato (premissa maior) e hermenêutica (premissa maior) - subsunção é o nome que se dá a essa compatibilização fato/hermenêutica - a coerência disso resultante irá apontar a solução da questão, do conflito apresentado ao jurista. Eis a conclusão do processo lógico-jurídico.”

Aliás, o art. 114 do CTN diz com toda propriedade que o “fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”.

Daí a necessidade de a premissa maior ser uma proposição ou afirmação verdadeira, segundo a norma legal, porque é desta que ela é extraída, ou, por outra, nada mais é do que a repetição do que a norma legal afirma, ainda que esta derive da conjugação de mais de um dispositivo legal. Mas, para a validade da relação jurídica decorrente, a premissa maior precisa estar devidamente entendida, tal e qual, e somente tal e qual, esteja na lei.

Daí, também, por consequência, a premissa menor não poder ser outra proposição legal, porque elas, à toda evidência, são incomparáveis entre si. Por isso, a premissa menor, no silogismo jurídico, é sempre um fato.13

Como, também, para haver subsunção, não se pode colocar como premissa menor um fato que não seja aquele previsto na norma declarada como premissa maior. Isto é assim porque o raciocínio dedutivo de confrontação do fato com a norma legal deve conduzir à afirmação de subsunção do fato a essa norma, jamais à outra norma que não se refira a esse fato. Quando há incompatibilidade entre o fato e a hipótese da norma, o resultado é a não subsunção.

Outrossim, como a premissa menor é o fato, e como qualquer premissa de um silogismo válido deve ser verdadeira, o fato a ser declarado na premissa menor deve ser o fato cuja verdade material foi devidamente constatada mediante os meios de prova admitidos.

Pensadores jurídicos de nossos tempos afirmam com razão que o conhecimento da lógica não é suficiente para determinar a solução de casos concretos, pois a atividade do jurista não se reduz a formalizar um silogismo correto, cabendo-lhe uma atitude de interpretação ativa.14

Neste sentido, também se afirma que o exegeta não desenvolve um trabalho passivo, pois que se espera dele uma atuação positiva na construção da norma concreta aplicável a determinado fato, em virtude do que se percebe a inserção daquela carga construtiva na interpretação, já referida anteriormente.

Isto se deve a que a correta aplicação da lei ao fato - função do intérprete enquanto aplicador da lei - pressupõe a existência de dois pré-requisitos distintos e logicamente subsequentes, quais sejam:

- primeiramente, a noção exata do conteúdo normativo da norma jurídica considerada, seja na exata delimitação do fato previsto no seu antecedente, seja na compreensão do sentido normativo por ela dado ao fato em seu consequente;

- ao depois, a apreensão correta do fato15 a ser ou não subsumido à disposição normativa previamente determinada por interpretação adequada, sendo esta segunda atividade aquela que persegue a usualmente denominada “verdade material”.

Maximiliano já explicita este mecanismo de atuação nas primeiras páginas da sua clássica e já referida obra, cujo título - Hermenêutica e aplicação do Direito - por si só já permite denotar a decomposição da atuação do jurista. Diz ele na respectiva Introdução:16

“A Hermenêutica Jurídica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direto.

(...)

A Aplicação do Direito consiste no enquadrar um caso concreto em a norma jurídica adequada. Submete às prescrições da lei uma relação da vida real; procura e indica o dispositivo adaptável a um fato determinado.”

Ou seja, segundo esta nomenclatura, a hermenêutica se dá em torno da premissa maior, e a aplicação em relação à premissa menor.

Neste quadro, percebe-se que a prática da lógica no Direito, realmente, não é meramente mecânica, porque não se reduz à comodidade de dispor de duas premissas previamente declaradas como verdades, pois, ao contrário disso, apresenta suas complexidades consistentes na exigência de previamente construir a verdade das premissas, o que exige a correta exegese da norma e a adequada prova do fato.

Porém, a partir do estabelecimento dos pressupostos verdadeiros, a aplicação ou não da lei devidamente interpretada (premissa maior17) ao fato (premissa menor18) passa a ser um simples (e único) procedimento dedutivo, cuja conclusão será afirmativa ou negativa, e será correta ou incorreta dependendo do respeito ou não aos critérios lógicos.19

A coerência entre a lógica pura e formal e a lógica jurídica - este processo lógico dedutivo que estamos abordando - está denotada no art. 142 do CTN, se devidamente decomposto, eis que a autoridade lançadora deve verificar a ocorrência do fato (premissa menor) e, vinculando-se à norma possivelmente aplicável (premissa maior), concluir pela ocorrência, ou não, do fato gerador (conclusão).

Esta correlação ainda pode ser conferida quando, levando em consideração os preceitos acima expostos, percebe-se claramente que a verdade da conclusão (interpretação correta20), portanto, a validade da interpretação, pressupõe irrestrita justaposição do fato à norma, vale dizer inteira consideração das duas premissas da conclusão, sem alterá-las ou muito menos criá-las.

Realmente, o fato (premissa menor) tem que ter verdadeiramente ocorrido, e a hipótese de incidência à qual ele se subsume somente pode ser o antecedente da norma tal como descrito em sua inteireza pelo ordenamento jurídico.

Em outras palavras, bem mais claras pela reunião dos conceitos acima, e observadas as limitações impostas pelo regime jurídico, tal como proclamadas pela doutrina e pela jurisprudência, a construção que o intérprete faz ao interpretar a norma, é a construção da conclusão (resultado da interpretação) sem que ele crie ou modifique as premissas de direito e de fato das quais ele deve se servir, mas sendo absolutamente fiel à norma, tal como ela é, e ao fato, tal como ele é.

O menor desvio, seja da norma, seja do fato, acarreta conclusão imprópria e inaceitável. Em suma, quanto à norma, o jurista que a interpreta e aplica não a cria, mas a conhece e a põe na concreta condução da relação jurídica pertinente ao fato verdadeiro e atestado.

Semelhantemente, no mundo fenomênico, o construtor de uma obra civil não cria os elementos materiais da coisa, mas, mediante seu intelecto (sua participação ativa, e não meramente passiva), reúne os elementos que estão disponíveis para a obtenção do seu desiderato, que deve ser a coisa final em seu melhor estado possível (resultado).

Novamente voltando à coerência entre a lógica pura e formal e a lógica jurídica, e outra vez considerado o art. 142 do CTN, pode-se constatar que a exigência de inteira submissão à premissa maior (norma, com seus dois elementos) está presente na declaração do parágrafo único de que o lançamento é atividade vinculada.

Quer dizer, o lançamento somente será válido (logicamente verdadeiro, juridicamente correto) se refletir a disposição da norma legal, o que somente é possível nos limites desta, sem qualquer novidade, sem qualquer acréscimo, sem qualquer redução.

Em outras palavras, para que o crédito tributário possa ser constituído e exigido corretamente, o agente lançador não faz a lei, mas se serve obrigatoriamente da lei, tal como está posta. Do mesmo modo, em qualquer interpretação da lei o intérprete - e também o lançador, que é primeiramente intérprete, depois aplicador da lei - circunscreve-se ao que nela encontra.

Portanto, no caso dos dispositivos legais que tratam de juros passivos relativos a dívidas contraídas no exterior, sua interpretação minimamente razoável requer a adoção destes critérios, e não de outros que precisem recorrer a previsões de circunstâncias antecedentes não encontradas nas normas, porque, neste caso, haverá conclusões consequentes incorretas.

Neste passo, é válido (até pela distância desde que foi mencionada atrás) repetir que a solução da questão colocada em virtude da concomitância da incidência de mais de uma norma a um único fato, pressupõe e permite concluir, ainda que em princípio, que:

- todas as três normas (art. 47 da Lei n. 4.506, art. 22 da Lei n. 9.430, e arts. 24 e 25 da Lei n. 12.249) têm hipóteses de incidência que podem abarcar o pagamento de juros de dívidas passivas contraídas no exterior;

- todas as três normas têm disposições normativas sobre os juros, ou parcela deles, a que se referem as respectivas hipóteses de incidência;

- logo, como todas as três normas podem incidir sobre um único fato, elas têm que ser aplicadas como estão no ordenamento jurídico, ou seja, tomando-se a totalidade dos juros para construir a conclusão de que são, total ou parcialmente, indedutíveis do lucro tributável pelo IRPJ e pela CSL.

E o resultado final deste processo desdobra-se em mais de uma conclusão, o que não significa estar sendo proposta mais de uma interpretação possível (aceitável, razoável), pois a multiplicidade de conclusões decorre de uma única interpretação, a qual, a depender das circunstâncias, pode resultar em diferentes resultados.

Realmente, numa mesma intelecção das normas (mesmo processo interpretativo atento às exigências retrocolocadas), conclusões diferentes vão decorrer das variáveis que a premissa menor (fatos) comporta ter, ou seja, o fato da necessidade da despesa (perante a premissa maior do art. 47), o fato de a operação ser controlada no regime de preços de transferência e exceder o respectivo limite de juros (perante a premissa maior do art. 22) e o fato de o endividamento exceder o limite tolerado pela regra de subcapitalização (perante a premissa maior dos arts. 24 e 25).

Do mesmo modo, o resultado deste processo de interpretação poderá ser o de dedutibilidade total ou parcial, o que não significa a adoção de diferentes critérios de interpretação, ou de mais de uma interpretação tida como razoável. O resultado pode, inclusive, ser de dedutibilidade integral, caso os juros sejam necessários e não sejam extravasados todos os limites condicionantes da sua dedutibilidade, previstos nas Leis ns. 9.430 e 12.249.

Pode-se sentir, pelo conteúdo do parágrafo precedente, como está delineada a solução para o problema colocado, que apresenta as seguintes conclusões finais:

- se de alguma norma resultar dedutibilidade, a indedutibilidade pode decorrer de outra;

- a dedutibilidade decorrente de uma norma não assegura dedutibilidade perante as outras, ainda que a dedutibilidade seja parcial, caso em que não seria possível excluir a parte considerada dedutível pela primeira norma (primeira na ordem aqui referida, mas não necessariamente na cronologia de ambas) quando da aplicação das outras;

- se de mais de uma norma decorrer indedutibilidade, caso o valor indedutível segundo cada norma seja igual ao da outra, ou das outras (o que será mero acidente circunstancial), apenas este valor deverá ser indedutível, e não a soma dos dois (ou dos três);

- se de mais de uma norma decorrer indedutibilidade, caso o valor indedutível segundo uma delas seja diferente do valor indedutível segundo o da outra, ou outras, será indedutível o maior valor obtido, e não a soma dos dois (ou dos três).

As duas primeiras afirmações conclusivas acima explicam-se porque, além de todas as considerações de ordem geral já feitas, o seguinte elemento específico precisa ser levado em conta: as normas em questão não visam declarar a dedutibilidade de alguma despesa, mas todas elas visam vedar ou limitar a dedutibilidade.21

Deste modo, a não incidência de uma delas, ou a incidência com resultado de parcial indedutibilidade, não significa “passar pelo teste da dedutibilidade”, cuja consequência seria a garantia da dedução total ou parcial perante as demais.

Pelo contrário, o sistema legislativo referente às bases de cálculo do IRPJ e da CSL não é o de relacionar dedutibilidades, pois parte do pressuposto de que todas as despesas sejam dedutíveis, e dispõe expressamente apenas quanto às exceções, das quais as principais são a que considera determinada despesa indedutível, a que condiciona a dedução de determinada despesa a determinado requisito e a que limita a dedução de determinada despesa a valor determinado ou determinável.

Nem mesmo se deve supor que o art. 47 seja uma norma declaratória da dedutibilidade das despesas necessárias, cuja suposição poderia decorrer da redação adotada pelo legislador.

Porém, na verdade, essa norma, chamada comumente “cláusula geral”, poderia não existir no ordenamento positivo, pois tem natureza elucidativa de que a dedução em geral depende de haver vínculo (correlação) entre a despesa e as atividades da empresa da pessoa jurídica, ou a manutenção da respectiva fonte produtora de lucros. Mas o que pode decorrer desta regra geral, que se complementa com alguns critérios não exaustivos para aferição da necessidade, é a não admissão da dedução da despesa que não seja necessária.

Seu significado, portanto, em termos de aplicação concreta, é negativo da dedução, tanto que o ponto de partida para a determinação da base de cálculo é o lucro líquido apurado contabilmente, e não requer a constatação e comprovação, uma a uma, das despesas, do seu caráter de necessidade. Como se sabe, no tocante às despesas, o lucro líquido somente vai receber, para a composição da base de cálculo, os acréscimos daquelas que não sejam necessárias, ou sejam indedutíveis, total ou parcialmente, por alguma norma especificamente aplicável.

Estas observações, referentes ao art. 47 da Lei n. 4.506, também nos levam a perceber a fraqueza dos raciocínios que foram descritos inicialmente, pois, ao cabo de tudo, o art. 47 não precisa ser considerado em conjunto com o art. 22 da Lei n. 9.430, nem com os arts. 24 e 25 da Lei n. 12.249, porque, na verdade, quando ele atua concretamente em determinada situação fática, exclui qualquer consideração daqueles outros dispositivos legais.

Com efeito, aqueles dispositivos, como tantos outros, são normas especialmente dirigidas a determinado tipo de despesa (no caso, juros) em determinadas circunstâncias. Assim, quando qualquer deles incidir (assim como qualquer outra determinada norma especial) para decretar a indedutibilidade integral de uma despesa, não cabe ao intérprete ou aplicador da lei tentar defender sua dedutibilidade com base na norma geral da necessidade.22

Por outro lado, se a norma especial incidir para limitar da dedução da despesa (em razão de valor ou outro requisito nela previsto), há uma pressuposição implícita de que tal despesa seja dedutível, na sua parte não alcançada pela regra de indedutibilidade, mas não porque a norma especial seria positivamente garantidora da dedução (que não é o seu objeto finalístico), e, sim, porque, a despesa não incorre na norma do art. 47 da Lei n. 4.506, dado que, se se tratar de despesa não relacionada às atividades da empresa ou à sua fonte produtora, a princípio, já pela regra geral explicitada no art. 47 e incidente no caso, ela não pode ser deduzida “in totum”, o que dispensa qualquer outra verificação de atendimento de requisitos impostos pela norma especial, assim como dispensa qualquer cálculo de limite de dedutibilidade determinado por esta.

Por exemplo, o art. 17 do Decreto-lei n. 1.598 simplesmente prevê a dedução das despesas financeiras em geral (portanto, este também seria outro dispositivo legal a entrar em cogitação no questionamento surgido após a Lei n. 12.715), o que aparenta ser uma norma declaratória da permissão da dedução. Contudo, bem vista a sua disposição, verifica-se que ele na verdade visa classificar a despesa financeira como parte do lucro operacional, independentemente do objeto empresarial da pessoa jurídica (que em geral acarreta a classificação dos resultados como operacionais ou não), classificação esta que tem consequências efetivas, como, por exemplo, no cálculo do lucro da exploração. Além disso, no art. 17 também está definido o período-base competente para a dedução.

De qualquer modo, é inequívoco que o art. 17 prevê, embora com as referidas razões para ele existir, a dedução fiscal dos juros, mas isto não lhes assegura a dedutibilidade, porque sua previsão depende de os juros serem necessários às atividades do contribuinte ou à sua fonte de produção.

Realmente, o simples incorrimento na despesa, ou mesmo o pagamento dos juros, não assegura a sua dedução fiscal, a despeito do art. 17 do Decreto-lei n. 1.598, caso os recursos sobre os quais eles incidem não sejam aplicados nas atividades empresariais da pessoa jurídica contribuinte, pois, neste caso, haverá despesa não necessária segundo a definição do art. 47 da Lei n. 4.506.

Portanto, o art. 17, do mesmo modo que ocorre com todas as demais normas especiais que tratam de determinados tipos de despesa, depende do art. 47, ou melhor, depende de que as despesas a que eles se referem sejam relacionadas à atividade empresarial, porque, em caso contrário, “ab initio” já não há possibilidade de dedução.

É curioso que as normas especiais prevalecem sobre as gerais, afastando-as quanto às situações particulares que nelas se inserirem, o que poderia levar a se dizer que, havendo norma especial sobre uma determinada despesa, ficaria afastada a norma geral da necessidade. A afirmação inicial é verdadeira, mas também é verdade que as normas especiais não revogam as particulares, e vice-versa (parágrafo 2º do art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), o que significa que, a depender da regulação normativa contida na norma especial e na norma geral, esta, que continua em vigor, pode assumir o lugar da norma especial, ou melhor, pode passar a ser aplicável numa dada situação, invertendo a ordem preferencial derivada da especialidade.

Embora possam ser raras as situações em que a norma geral afasta a especial, a riqueza do Direito, aliada à variabilidade complexa da realidade, não afasta esta possibilidade, quando se constata que não existe uma incompatibilidade entre as normas geral e especial, mas complementaridade ou possibilidade de incidência concomitante sobre um só fato.

Tendo isto por base, antes de prosseguir, podemos desde já afastar o art. 47 da Lei n. 4.506 da problemática colocada no início deste trabalho, eis que ele, na sua natureza e na sua posição condicionante da dedutibilidade de toda e qualquer despesa, impõe-se aos arts. 22 da Lei n. 9.430 e 24 e 25 da Lei n. 12.249, no sentido de que, se os juros não forem necessários, porque os recursos a que se referem não foram aplicados nas atividades do contribuinte, não há mais (não é preciso) indagar se eles teriam sido dedutíveis ou indedutíveis segundo uma ou todas aquelas outras regras especiais.

Ninguém pensará em cometer o desatino de calcular o valor indedutível segundo, por exemplo, o art. 22, e pretender somá-lo à indedutibilidade integral já derivada do art. 47, resultado maximamente absurdo.

“Mutatis mutandis”, ninguém deve pensar em deduzir a parte dos juros que ficasse dentro dos limites do art. 22, afastando a indedutibilidade integral derivada do art. 47, porque isto importaria em negar aplicação ao art. 47, e atribuir efeitos positivos (e não negativos) ao art. 22, contrariamente ao seu escopo.

Do mesmo modo, ninguém vai cometer outro desatino23 de defender a dedução integral derivada do fato de que os juros decorrem de empréstimo necessário à empresa, deixando de aplicar as limitações, ou indedutibilidades, que derivarem do art. 22 (ou dos arts. 24 e 25).

Isto põe à calva que, qualquer solução diferente da preconizada acima - aplicação total das normas à totalidade dos juros, e indedutibilidade do maior valor que for apurado -, requereria a aplicação apenas parcial do direito vigente, utilizando-se uma norma em detrimento de outra ou de outras.

Não se pense que tal afirmação somente pode ser adotada em relação aos arts. 24 e 25 da Lei n. 12.249 em virtude de que apenas eles expressamente ressalvam que suas normas não prejudicam o art. 22, ou porque suas normas visam definir o limite da necessidade da despesa, disposições estas não contidas no art. 22 da Lei n. 9.430.

O que ocorre com a redação dos referidos arts. 24 e 25 é a adoção de uma técnica legislativa extremamente cuidadosa, de fazer a ressalva da sua aplicação concomitante com a do art. 22, quando couber, e de querer dizer que, se a despesa não satisfizer os seus requisitos de valor, será considerada não necessária (o que pode não corresponder à realidade).

Porém, tais disposições expressas seriam dispensáveis, sendo derivadas do cuidado do legislador em evitar controvérsias, tendo verdadeiramente a conotação de disposições esclarecedoras e explicitadoras, apresentando aquela natureza comumente reconhecida como norma didática.

Inclusive, a vinculação feita na parte final dos dois artigos com o art. 47 da Lei n. 4.506, pode acarretar uma falsidade da realidade, porque o empréstimo gerador dos juros pode ter sido empregado no empreendimento do contribuinte, ou seja, os juros podem ter sido necessários. Destarte, essa parte final somente pode ser entendida como uma equiparação, para efeito de tratamento tributário, daquilo que não for dedutível segundo os arts. 24 e 25, às despesas que não são dedutíveis segundo o art. 47, embora, segundo os critérios deste, haja necessidade real.

Seja como for, se não houvesse tal equiparação, a despesa indedutível segundo os arts. 24 e 25 sê-lo-iam independentemente do art. 47 e de serem necessárias, assim como, se não houvesse a ressalva inicial, contida naqueles dois artigos, ao art. 22, este não poderia deixar de ser aplicado a toda e qualquer situação subsumida a ele, mesmo que também subsumida a algum daqueles outros.

Portanto, podemos dizer que, para redação dos seus arts. 24 e 25, o legislador da Lei n.12.249 adotou uma técnica legislativa que pode ser elogiada, mas isto não impede a adoção de outras técnicas quando da redação de outros dispositivos, como, por exemplo, em qualquer um deles, omitir ressalva correspondente à que existe no art. 22, ou a não equiparação ao que dispõe o art. 47.

Principalmente, a técnica legislativa adotada pelo legislador das Leis ns. 12.715 e 12.766, para alterar o art. 22 da Lei n. 9.430 (neste ponto igual à desta lei24), também não altera o fenômeno de incidência da totalidade do ordenamento jurídico, de cuja incidência total emerge a norma concreta em cada caso.25

Aliás, o próprio legislador da Lei n. 12.249 nos desafia com a técnica legislativa que empregou no art. 26. Vejamos:

“Art. 26 - Sem prejuízo das normas do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ, não são dedutíveis, na determinação do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, as importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou remetidas a qualquer título, direta ou indiretamente, a pessoas físicas ou jurídicas residentes ou constituídas no exterior e submetidas a um tratamento de país ou dependência com tributação favorecida ou sob regime fiscal privilegiado, na forma dos arts. 24 e 24-A da Lei n. 9.430, de 27 de dezembro de 1996, salvo se houver, cumulativamente: (...)”

Comparemos o art. 26 com os arts. 24 e 25:

“Art. 24 - Sem prejuízo do disposto no art. 22 da Lei n. 9.430, de 27 de dezembro de 1996, os juros pagos ou creditados por fonte situada no Brasil à pessoa física ou jurídica, vinculada nos termos do art. 23 da Lei n. 9.430, de 27 de dezembro de 1996, residente ou domiciliada no exterior, não constituída em país ou dependência com tributação favorecida ou sob regime fiscal privilegiado, somente serão dedutíveis, para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, quando se verifique constituírem despesa necessária à atividade, conforme definido pelo art. 47 da Lei n. 4.506, de 30 de novembro de 1964, no período de apuração, atendendo aos seguintes requisitos: (...)

Art. 25 - Sem prejuízo do disposto no art. 22 da Lei n. 9.430, de 27 de dezembro de 1996, os juros pagos ou creditados por fonte situada no Brasil à pessoa física ou jurídica residente, domiciliada ou constituída no exterior, em país ou dependência com tributação favorecida ou sob regime fiscal privilegiado, nos termos dos arts. 24 e 24-A da Lei n. 9.430, de 27 de dezembro de 1996, somente serão dedutíveis, para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, quando se verifique constituírem despesa necessária à atividade, conforme definido pelo art. 47 da Lei n. 4.506, de 30 de novembro de 1964, no período de apuração, atendendo cumulativamente ao requisito de que o valor total do somatório dos endividamentos com todas as entidades situadas em país ou dependência com tributação favorecida ou sob regime fiscal privilegiado não seja superior a 30% (trinta por cento) do valor do patrimônio líquido da pessoa jurídica residente no Brasil.”

Nota-se nitidamente, já à primeira leitura, que a parte inicial do art. 26 faz ressalva geral quanto a toda e qualquer norma pertinente ao IRPJ e à CSL, e não a ressalva limitada ao art. 22 da Lei n. 9.430, constante nos artigos que o precedem. Como também não se encontra nele a equiparação das despesas que vier a abranger àquelas não necessárias segundo o art. 47 da Lei n. 4.506.

Não obstante, a interpretação e a aplicação do art. 26 deverá ser feita rigorosamente sob os mesmos princípios preconizados para as demais disposições que tenham sido escritas por maneiras diferentes, ou que sejam mais ou menos precisas ou detalhadas.

Também se pode observar que os juros pagos a pessoas residentes ou constituídas no exterior, e submetidas a um tratamento favorecido, estão abarcados pelo art. 26 (tanto quanto os juros devidos à pessoa vinculada em localização abrangida pelos arts. 24 e 24-A da Lei n. 9.430 estão contidos nos arts. 24 e 25 da Lei n. 12.249), de modo que o problema, recentemente colocado quanto aos arts. 24 e 25 da Lei n. 12.249 perante o art. 22 da Lei n. 9.430, na verdade já existiria dentro da própria Lei n. 12.249, na qual, contudo, afastada a possibilidade de múltiplas e cumulativas indedutibilidades, ou de aplicação parcial ou proporcional de qualquer dos seus artigos, a solução se dá pela regra da especialidade.

Importante, portanto, com a lembrança ao art. 26, é não se olvidar a existência de diferentes modos de legislar (melhor dizendo, de escrever a lei), que não afetam o ordenamento em sua totalidade e a respectiva interpretação.

E é desta incidência total do ordenamento que promanam as conclusões retroapresentadas como finais, e que agora convém serem repetidas.

Mas, para esta repetição, já tendo presente que, afinal de contas, a discussão não se trava propriamente em torno do art. 47 da Lei n. 4.506, mas, sim, em torno dos arts. 22 da Lei n. 9.430 e 24 ou 25 da Lei n. 12.249, passa-se às mesmas conclusões tão somente em relação à situação de concomitante incidência dos arts. 22 e 24 ou à de concomitante incidência dos arts. 22 e 25 (dado que, entre os arts. 24 e 25, prevalecerá o mais especial).

Tais conclusões são:

- se de alguma norma resultar dedutibilidade, a indedutibilidade pode decorrer da outra;

- a dedutibilidade decorrente de uma norma não assegura dedutibilidade perante a outra, ainda que a dedutibilidade seja parcial, caso em que não seria possível excluir a parte considerada dedutível pela primeira norma (primeira na ordem aqui referida, mas não na cronologia de ambas) quando da aplicação da outra;

- se das duas normas decorrer indedutibilidade, caso o valor indedutível segundo cada norma seja igual ao da outra (o que será mero acidente circunstancial), apenas este valor deverá ser indedutível, e não a soma dos dois;

- se das duas normas decorrer indedutibilidade, caso o valor indedutível segundo uma delas seja diferente do valor indedutível segundo a outra, será indedutível o maior valor obtido, e não a soma dos dois.

Já foram comentadas as duas primeiras afirmações conclusivas, com base em considerações teóricas que as precederam, mas também se lhes aplicando as que foram apresentadas depois.

Quanto às duas últimas, cabem mais algumas explicações que as justificam.

Talvez a principal delas seja a de que os débitos (o principal de cada dívida) de que se originam os juros são indecomponíveis, e também a remuneração do capital não pode ser decomposta para uma parte delas ser sujeita a uma norma e outra parte a outra norma.

Isto representaria aplicar uma delas (a segunda na ordem adotada pelo intérprete) sobre apenas parte da despesa.

Ademais, a indecomponibilidade decorre de que a despesa tem origem na totalidade do principal da dívida, não havendo uma parte dela que seja atribuível a uma determinada parte do principal, tanto quanto não há uma parte que seja referente ao nível de endividamento ou a qualquer outro referencial.

Ao contrário, toda a dívida compõe o endividamento total da pessoa jurídica, assim como toda ela é devida a um credor vinculado ou situado em paraíso fiscal.

De fato, a dívida geradora dos juros é uma só, e a despesa também é una, toda ela sujeita a todos os dispositivos legais que tratem de despesas de juros, não se livrando de qualquer um porque já “passou pelo crivo” de outro, do mesmo modo que a totalidade do principal tem que ser considerada para fins de verificação do nível de endividamento, não podendo qualquer parte do principal ser retirada desta verificação ao argumento de que ele já foi submetido ao crivo da regra de preços de transferência e sob este se livrou da indedutibilidade ou teve indedutibilidade parcial, neste caso tão somente porque o intérprete, até mesmo por uma interpretação mecânica que tenha considerado que os próprios arts. 24 e 25 determinam a ressalva da aplicação do art. 22, preferiu começar pelo art. 22 da Lei n. 9.430, ao invés de partir dos arts. 24 e 25, como pode querer outro intérprete.

Com relação a essas possíveis preferências, quaisquer que sejam, é preciso dizer ainda que nenhuma delas se sustém perante o fenômeno da incidência das normas, dado que a incidência de uma ou de outra, ou de mais de uma, se dá instantaneamente no momento em que o fato hipotético ocorrer na realidade (Becker), ou em que se completar o ciclo temporal ou material de fatos complexos que correspondem ao fato hipotético, ou seja, no exato momento em que a hipótese de incidência se transforma em fato imponível (Ataliba) ou fato tributário (Schoueri).

Não há possibilidade de qualquer aplicação preferencial por primeiro, pois não há espaço temporal, mesmo de caráter meramente lógico, para aplicar uma norma e deixar outra em suspenso, dado que a incidência desta também já se dá juntamente com a daquela outra que contempla o mesmo fato, ambas no mesmo momento em que a hipótese legal se materializa em fato atual.

Isto é, as hipóteses de incidência de todas as normas (no nosso caso, a do art. 22 com a do art. 24 ou 25) incidem concomitante e simultaneamente, produzindo mandamentos consequentes e simultâneos.

Para não ser assim, deveria haver uma ordem de prioridade ou de exclusão expressa na lei, a exemplo do que se constata no art. 163 do CTN para regular a imputação, ou nos parágrafos 16 e 9º dos arts. 18 e 19, respectivamente, da Lei n. 12.715, quanto aos métodos PCI e Pecex nas importações e exportações de “commodities” cotadas em bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas.

Assim sendo, não havendo entre as normas que ora abordamos qualquer disposição expressa (ou que se possa deduzir como implícita) em sentido igual ou semelhante aos das normas referidas no parágrafo precedente, cada centavo da dívida e da despesa compõe o seu total, e cada centavo participa da incidência das normas em questão, seja para verificação do nível de endividamento, seja para cálculo de limites de não dedução.

E a resultante da interpretação legal, quando aplicada em cada caso, é a da indedutibilidade do maior valor apurado pela concomitante aplicação das duas normas, o que se dá pela simples razão de que, sendo uma só despesa mas duas normas que a regulam, aquilo que for indedutível segundo a norma condutora ao maior valor absorve a parcela da mesma despesa que também seria indedutível segundo a outra norma.

Esta é uma imposição da incidência da totalidade do ordenamento jurídico, da indecomponibilidade da obrigação de direito privado e da unicidade da respectiva despesa.26

Qualquer outra interpretação que conduza a conclusões diferentes corre o risco de ter incorrido no equívoco de não aplicar a norma jurídica, ou de aplicá-la apenas parcialmente, ou de aplicá-la com acréscimos ou reduções.

1 As operações sujeitas a controle são as realizadas com pessoas vinculadas à pessoa jurídica sediada no Brasil, ou com pessoas residentes ou domiciliadas nos chamados “paraísos fiscais”, tudo conforme definições contidas na mesma Lei n. 9.430.

2 Este trabalho não adentrará na questão da inaplicabilidade do referido art. 299 à base de cálculo da CSL.

3 Este é um preceito proclamado por doutrina e jurisprudência, bem como pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Veja-se, por exemplo: Ministro Marco Aurélio, votando no Recurso Extraordinário n. 150.764-1/PE, julgado em 16.12.1992 pelo Supremo Tribunal Federal, Pleno, e também na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.348-9/DF, em 6.12.2000; Ministro Moreira Alves, no Recurso Extraordinário n. 94.462-1/ES, julgado pelo Plenário em 30.6.1981; Câmara Superior de Recursos Fiscais, Acórdão n. CSRF/01-0667, de 20.6.1986; Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, Parecer PGFN n. 279/1991, ns. 40, 41 e 63, “g” e “e”. Leia-se mais: “Deve o Direito ser Interpretado Inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter à conclusões inconsistentes ou impossíveis.” (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 3ª ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1941, p. 204) “Uma das propriedades do legislador racional é não se utilizar de palavras inúteis.” (GRECO, Marco Aurélio. “Cofins na venda de Imóveis”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 51. São Paulo: Dialética, 1999, p. 119, trecho da p. 133).

4 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Ob. cit., p. 133.

5 Recurso Extraordinário n. 166.772-9/RS, julgado pelo Supremo Tribunal Federal - Pleno em 12.5.1994 (no mesmo sentido há inúmeros outros acórdãos, como recurso extraordinário n. 153.777-9/MG, julgado em 30.6.1994 pela 2ª Turma).

6 GRECO, Marco Aurélio. “Cofins na venda de imóveis”. Revista Dialética de Direito Tributário n. 51. São Paulo: Dialética, 1999, p. 119, trecho na p. 125.

7 Neste sentido, em lógica jurídica, Hamilton Rangel Junior inverte a ordem da formulação do silogismo, colocando a premissa menor antes da maior, sem prejuízo da obtenção de conclusão igual a que seria obtida na ordem tradicionalmente empregada na lógica pura e formal. Diz ele: “No entanto, o silogismo jurídico apresenta a seguinte sutileza: o fato, premissa menor do jurista, sempre, é o primeiro elemento a ser analisado; na sequência, a título de premissa maior, segue a interpretação do ordenamento acerca do fato; finalmente, da coerência, entre as premissas menor e maior, vem a conclusão, que se manifesta na forma de decisão.” (Manual de lógica jurídica aplicada. São Paulo: Atlas, 2009, p. 25)

8 A exigência de a verdade estar contida nas duas premissas é praticamente intuitiva, mas afirmada pelos compêndios de lógica. Veja-se KANT, Immanuel. Manual dos Cursos de Lógica Geral. 2ª ed. Tradução de CASTILHO, Fausto. Campinas: Editora Unicamp, 2006, p. 241. Veja-se, também, WALTON, Douglas N. Lógica informal. Tradução de FRANCO, Ana Lúcia R; e SALUM, Carlos A. L., com revisão de tradução de SANTOS, Fernando. São Paulo: Martins Fontes, 2006, que é expressivo: “Num argumento dedutivamente válido, se as premissas são verdadeiras, a conclusão tem que ser verdadeira. A validade dedutiva é um padrão muito rigoroso. Se um argumento é dedutivamente válido, é impossível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão, falsa.” (p. 277)

9 Sobre a estrutura do raciocínio lógico: KANT, Immanuel. Ob. cit., p. 239; ALVES, Alaôr Caffé. Lógica - Pensamento Formal e Argumentação. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2002, p. 264.

10 KANT, Immanuel. Ob. cit.: segundo a tradução de Fausto Castilho, “uma ilação da razão (silogismo) é o conhecimento da necessidade de uma proposição pela subsunção de sua condição sob uma regra universal dada” (p. 239); a correlação das premissas também deriva de que da verdade das premissas se chega à correção da consequência, que é a conclusão (p. 241); veja-se, também, as regras de formação das “ilações da razão categóricas” na p. 247. Sobre a coerência das premissas, vide RANGEL JUNIOR, Hamilton. Ob. cit., p. 16, sendo que esse autor repete esse termo e também alude à “compatibilização (...) entre a análise do fato (premissa menor) e hermenêutica (premissa maior)” na p. 61, em passagem transcrita logo adiante. Laurence Goldstein, Andrew Brennan, Max Deutsch, e Joe Y. F. Lau, referem-se a “consequência lógica” e “seguir-se logicamente” (Lógica - Conceitos-chave em Filosofia. Tradução de LEVY, Lia. São Paulo: Artmed, 2007, p. 45). Reflete a condição de “dispositivo adaptável a um fato”, como diz Maximiliano na Introdução da sua obra, conforme trechos transcritos adiante (pp. 11 e 19).

11 Conforme já afirmado e visto em KANT, Immanuel. Ob. cit., p. 123.

12 RANGEL JUNIOR, Hamilton. Ob. cit., p. 61.

13 RANGEL JUNIOR, Hamilton. Ob. cit., p. 16.

14 CASTRO JR., Torquato. A pragmática das nulidades e a teoria do ato jurídico inexistente. São Paulo: Noeses, 2009, p. 200.

15 O mais perfeitamente possível, perante a realidade natural que é limitadora da capacidade humana de apreendimento e comprovação das ocorrências factuais. Neste sentido, é a verdade suficientemente comprovada, hábil a obter uma sentença que nela se baseie.

16 MAXIMILIANO, Carlos. Ob. cit., pp. 11 e 19.

17 Atento a isto, Hamilton Rangel Junior refere-se à premissa maior como “hermenêutica” (ob. cit., p. 61, conforme transcrição retro).

18 No caso do pressuposto relativo ao fato, a verdade segundo a prova.

19 “A lógica dá embasamento às normas - padrões de correção - do raciocínio certo, de modo que podemos dizer que alguém está errado quando as desrespeita.” (GOLDSTEIN, Laurence; BRENNAN, Andrew; DEUTSCH, Max; e LAU, Joe Y. F. Ob. cit., p. 20) Em nota, o tradutor transcreve o original como sendo o seguinte: “(...) the laws of logic are (...) the most general laws, which prescribe universally the way in which one ought to think if one is to think at all”.

20 O Professor Luís Eduardo Schoueri e outros juristas sustentam que não existe uma única interpretação correta, dizendo que pode haver mais de uma que seja razoável. Não obstante, nenhuma delas poderá ser aceita e considerada razoável se não estiver lastreada no processo de intelecção e de aplicação da norma, ora dissecado.

21 Finalidade esta que é comum a todas as normas específicas sobre estas ou aquelas despesas.

22 Isto segundo a lei ordinária, “de lege lata”, portanto, sem adentrar em questões de constitucionalidade geral ou particular, que não é o escopo deste artigo.

23 “De lege lata”, sem adentrar em aspectos constitucionais.

24 Em cuja data ainda não havia a Lei n. 12.249, mas já havia a Lei n. 4.506.

25 Segundo a inolvidável doutrina de Alfredo Augusto Becker, em sua clássica Teoria Geral do Direito Tributário. 4ª ed. São Paulo: Noeses, 2007, p. 121.

26 Vale recordar que situação semelhante existiu no passado, quando a lei limitava a dedução da remuneração dos administradores das pessoas jurídicas. A última disciplina legal do assunto constava do art. 29 do Decreto-lei n. 2.341, e estatuía um limite individual mensal de remuneração dedutível, um limite colegial mensal de remuneração dedutível, e um limite total em proporção ao lucro real. Mesmo não havendo disposição expressa sobre como aplicar três limites sobre uma só despesa, sempre se entendeu e praticou que, dos três, devia ser oferecido à tributação o maior deles. Nunca se pensou em somar os limites, quando mais de um tivesse sido excedido, ou se eliminar parte da remuneração que estivesse dentro do limite para efeito de cálculo dos demais limites. Diferentemente das hipóteses legais que estamos abordando, que estão em leis diferentes, lá o comando legal estava contido num único artigo, mas, tanto quanto aqui, havia uma pluralidade de normas e de critérios incidindo sobre um mesmo fato. Outro exemplo, este do presente, é a possibilidade de um mesmo negócio situar-se ao mesmo tempo nas normas relativas à distribuição disfarçada de lucros e nas pertinentes a preços de transferência, cujo aparente conflito resolve-se pela especialidade daquelas.