O Conceito de Inovação Tecnológica na Lei do Bem: uma Contextualização na Taxonomia da Inovação

Aristóteles Moreira Filho

Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Doutorando em Direito Tributário pela USP. Advogado.

Resumo

O trabalho analisa a taxonomia básica da inovação na literatura especializada, como contexto técnico para afinal propor a interpretação dos conceitos trazidos pela legislação de incentivos fiscais à inovação no Brasil.

Palavras-chave: inovação, pesquisa, desenvolvimento, taxonomia, incentivo fiscal, Lei nº 11.196/2005.

Abstract

This article discusses the basic innovation taxonomy as developed by scientific literature, as a technical context laid out prior to proposing the interpretation of the concepts brought by Brazilian innovation tax incentives legislation.

Keywords: innovation, research, development, taxonomy, tax incentives, Federal Law n. 11.196/2005.

1. Introdução: Delimitação do Tema Objeto da Análise

O principal marco legal da política de indução à inovação no Brasil, a partir do mercado, está condensado na Lei nº 11.196/2005 e seus textos regulamentadores, nomeadamente o Decreto nº 5.798/2006 e a Instrução Normativa nº 1.187/2011.

Instituindo e regulamentando os incentivos fiscais à inovação, pesquisa e desenvolvimento, este conjunto de normas define as atividades que o Estado brasileiro pretende estimular, atribuindo-lhes a natureza de inovadoras; como também conceitua o resultado a que a política almeja, qual seja, a tecnologia nova que potencialmente será gerada a partir de tais atividades, e que, constituindo a inovação propriamente dita, representam a finalidade ulterior deste marco legal.

Efetivamente, o sistema nacional de incentivos fiscais à inovação vem atender a valores e princípios cuja realização o Estado brasileiro deve, em sua atuação, perseguir e efetivar: promover a autonomia tecnológica, o desenvolvimento científico e tecnológico, e o desenvolvimento nacional, de forma holística; são objetivos que pautam a instituição e a concessão dos incentivos fiscais à inovação.

Neste contexto, a definição taxonômica das atividades inovadoras é aspecto fundamental do marco legal dos incentivos.

A literatura da economia, da administração e da própria inovação como foco autônomo de estudo científico, já contém vasta produção sobre a taxonomia da inovação. Alguns teóricos isoladamente, como também grupos de trabalhos ligados a instituições internacionais, a exemplo da OCDE, já se voltaram ao desenvolvimento de categorias e conceitos representativos das atividades inovadoras, chegando a taxonomias consagradas na ciência, no mercado e nas próprias políticas dos diversos países.

Fato é que, nada obstante a contínua demanda por evolução e adaptação da teoria à dinâmica da realidade empresarial, a gestão da inovação conta, nos âmbitos teórico e prático, com ferramental taxonômico substancialmente consolidado, vis-à-vis as expectativas das organizações.

O marco legal, por sua vez, requer nível adicional de objetividade, segurança e uniformidade de sentido, para que possa lograr seu objetivo, haja vista que tem função própria, que não é meramente de descrever o processo de inovação e estruturar as organizações como protagonistas do processo inovador, mas sim de regular tais atividades, estipulando especificamente consequências legais, positivas e negativas, para a atuação empresarial.

Uma das críticas ao regime de incentivos à inovação no Brasil é justamente a sua complexidade, e a incerteza das empresas quanto aos requisitos e às circunstâncias em que as atividades efetivamente são elegíveis aos benefícios da legislação. Os dados do Ministério da Ciência e Tecnologia1 apontam que, no ano de 2011, apenas 767 empresas usufruíram de benefícios fiscais relativos à Lei do Bem, número bastante reduzido considerando o universo de cerca de 5 milhões de empresas ativas no Brasil.

Decerto que são muitos os fatores que afastam o empresariado da utilização dos benefícios da Lei do Bem, desde a necessidade de ser optante do lucro real, na apuração de IRPJ/CSLL, até o próprio desconhecimento da legislação. Não se pode ignorar, contudo, a complexidade dos conceitos empregados na lei como um dos fatores que demovem o contribuinte de promover inovação, pesquisa e desenvolvimento sob os auspícios da lei incentivadora.

Determinar, não apenas em nível conceitual, mas também de forma aplicada, o alcance de cada categoria que define as atividades inovadoras, nos termos da legislação, é desafio per se vultoso, máxime quando se consideram as especificidades de cada setor da economia em face de cada um dos conceitos legais: inovar na indústria é diferente de inovar no governo, que é diferente de inovar em serviços, por exemplo. O atendimento da demanda por precisão na interpretação dos conceitos é, de forma especial, condição essencial ao êxito da política, na medida em que a insegurança e a divergência nesta seara têm custo imediato para as empresas: interpretação divergente por parte da Receita Federal implica não apenas a glosa dos benefícios apropriados, mas também cobrança de multa e juros em valores que podem comprometer toda a operação de determinado negócio, risco ponderado pelo particular, no momento de decidir ou não pelo investimento estimulado pela legislação.

Daí que nosso escopo no presente trabalho é exatamente de investigar a taxonomia da inovação aplicada pelo legislador brasileiro para determinar as atividades elegíveis aos benefícios de natureza tributária. Para tanto, iremos partir da análise da taxonomia de inovação no âmbito da literatura especializada a partir de seus principais paradigmas, escrutinando seu desenvolvimento ao longo do tempo, até o estágio atual, e conferindo os conteúdos das categorias construídas pelos teóricos na diacronia da ciência. Feito isto, faremos o escrutínio da taxonomia empregada pelo legislador brasileiro, construindo os conceitos utilizados no ordenamento jurídico para instituir os benefícios fiscais, e contextualizando as categorias empregadas na lei com as bases conceituais desenvolvidas pela gestão da inovação e por seu estudo especializado.

Desenvolvendo tal empreitada, esperamos colaborar para o estudo da taxonomia da inovação em geral, e daquela empregada na lei brasileira de incentivos fiscais a pesquisa e desenvolvimento, em particular, contribuindo quiçá para minorar a carência crítica que paira nesta seara tão relevante da atuação empresarial em nosso país.

2. O Conceito de Inovação em Schumpeter: Inovação como Fato Econômico

Joseph Schumpeter desenvolveu, nos anos 1930, uma teoria econômica em cujos fundamentos residem os conceitos que viriam a consubstanciar os primeiros esboços de uma teoria da inovação.

Para Schumpeter, a economia é um sistema fechado que tende sempre ao equilíbrio. Neste contexto, as variáveis que influenciam as transações do sistema econômico, quais sejam, demanda (fatores culturais, inclusive gostos), quantidade e distribuição dos fatores de produção, malgrado tenham em si mesmas uma dinâmica própria, dentro do sistema econômico tenderiam sempre a um equilíbrio estacionário.

Assim é que, abstraída uma dinâmica marginal que possa advir dos fatores internos da economia, os ajustes naturais de produção e preço, de oferta e demanda, implicaria um mercado ideal em que todos utilizariam seus recursos para o consumo dos bens ofertados na economia, numa tendência a um equilíbrio permanente.

A análise de Schumpeter exclui a acumulação de capital como relevante na determinação de desenvolvimentos na economia, na medida em que tal evento, num mercado ideal, tende a ser neutralizado pela própria dinâmica de livre mercado: o excesso de poupança não geraria mais riqueza ou desenvolvimento, mas sim exigiria mais recursos para se promover o mesmo consumo de antes.

Tais conclusões levam o economista austríaco a buscar em outro elemento o fator fundamental no desencadeamento da dinâmica do sistema econômico: o fator que daria causa às crises e impulsos da economia; às depressões e ciclos de desenvolvimento2.

Aí é que a teoria schumpeteriana irá distinguir, em meio aos eventos do sistema econômico, a inovação como um elemento ou fator dotado de relevância própria e conceito específico: a inovação seria o fato econômico fundamental da história da sociedade capitalista, responsável por desencadear a dinâmica evolutiva no sistema econômico, a evolução econômica3.

Para Schumpeter, inovar é fazer as coisas de forma diferente, mas não apenas isso. Inovar é oferecer utilidades ao mercado de forma diferente, seja relativamente à própria utilidade oferecida, ou ao modo como é disponibilizada, e assim galgar, no sistema econômico, uma condição privilegiada de competitividade em meio aos demais concorrentes. A grande contribuição da teoria schumpeteriana foi exatamente a de demarcar, em meio àquilo que é eventualmente diferente, novo, mais moderno, técnica ou cientificamente mais avançado, o que caracteriza especificamente a inovação, de cujo estudo é considerado o grande pioneiro, por vezes alcunhado de patriarca da teoria da inovação4.

A mudança ou diferença que torna determinado agente econômico inovador, expressa Schumpeter, deve ter relevância econômica. Aí a sua teoria diferencia, de forma enfática e pioneira, inovação de invenção.

A premissa utilizada para diferençar invenção de inovação é de que ambas implicam a implementação de uma mudança ou diferença em relação às atividades humanas realizadas no passado, sendo que a invenção tem base técnica, enquanto a inovação tem base econômica. Neste sentido, é irrelevante para caracterizar inovação se há descoberta científica ou não: é perfeitamente possível a inovação sem invenção. Por outro lado, a mera descoberta científica sem a sua concretização como um fato econômico relevante, sob a forma de uma mudança na oferta de utilidades que impacta o mercado, não consubstancia inovação.

A articulação ou implementação, sob a forma de um evento economicamente relevante, de algo novo ou diferente do que se fazia no passado, a conferir o caráter inovador ao produto da criatividade do agente econômico, traz à teoria schumpeteriana a figura do empreendedor, que nela ocupa posição central5. O empreendedor, que é o inovador, não é necessariamente o inventor. Do contrário, estudos apontam que, na maioria das vezes, o empreendedor implementa inovações concebidas ou inventadas por terceiros, auferindo o mérito de moldar o invento ou a ideia numa utilidade que o mercado absorva com êxito, e relativamente à qual o mesmo mercado reconhece, de forma positiva, as suas diferenças como evoluções, remunerando-as como tal. Para alcançar-se a inovação, tão ou mais importante do que a criação ou concepção de novas ideias, é como conferi-las utilidade prática e interesse comercial e econômico6.

O êxito da ideia em convolar-se em inovação se identifica e demonstra na ruptura do equilíbrio estático da economia. De fato, o sistema econômico em equilíbrio opera segundo uma função estável dos fatores de produção, cuja equação mantém uma curva de custos previsível: as perturbações são mínimas e absorvidas segundo a dinâmica estável do sistema, conformando um quadro de estabilidade estacionária ou crescimento orgânico. Na prática, contudo, não é assim que o sistema econômico opera ao longo do tempo: o progresso e a evolução econômica, longe de apresentarem uma dinâmica natural e estável, são desencadeados por eventos pontuais, episódicos, imprevisíveis, que têm a aptidão de subverter a função de equilíbrio do sistema, introduzindo novas funções produtivas que causam perturbações não triviais, que não podem ser absorvidas de forma tranquila e natural, mas sim a custo de tornar o sistema assimétrico. Estes eventos são exatamente as inovações, que, localizadas, ao longo do tempo e da história, em determinadas indústrias, geradas por atores específicos, introduzem assimetrias no mercado e possibilitam a estes agentes econômicos a apropriação de uma mais-valia até então inexistente num cenário de mercado ideal com total paridade de armas entre os players.

Se num sistema econômico em equilíbrio os agentes oferecem, num mercado perfeito, os seus fatores de produção (capital e trabalho) em troca de uma remuneração, os ganhos são marginais e a possibilidade de acúmulo de riqueza, mínimas. A inovação rompe esse ciclo introduzindo um fator que induzirá um desequilíbrio na competição entre os agentes: a inovação aportará ao inovador uma equação nova e mais eficiente na alocação dos fatores de produção, oferecendo ao mercado utilidades que em si os concorrentes não oferecem ou, quando oferecem, de forma diferente e mais eficiente.

Neste sentido, a inovação induz a uma competição desigual, imperfeita, de viés monopolista, que perdura até que o mercado absorva a diferença aportada pelo inovador, via imitação, cópia, ou até que outra inovação se apresente e firme novo paradigma no mercado, desencadeando a evolução que lhe é inerente. O empreendedor, contudo, tudo fará para manter a assimetria que lhe favorece e permite à sua operação auferir uma mais-valia que o mercado não concede aos demais competidores; para tanto, o empreendedor lançará mão de estratégias empresariais como o segredo de negócio, marca, diferenciação dos produtos, marketing, e até mesmo da proteção legal, via patentes7.

Desenhando este paradigma de destruição criativa, pelo qual a inovação induz à evolução por via de um rompimento do equilíbrio do mercado, o autor irá também traçar outra distinção cara ao estudo da inovação nos dias atuais, que é a que se estabelece entre inovação radical e inovação incremental. Enquanto a inovação radical seria apta a criar rupturas fundamentais na estrutura do mercado, a inovação incremental desencadearia a evolução via avanço contínuo no processo de mudança nas atividades produtivas8.

A teoria schumpeteriana não se preocupa em se aprofundar em que vertente de atuação da unidade produtiva a inovação pode se manifestar. Suas referências passam, porém, por (i) uma nova utilidade oferecida no mercado (inovação de produto); (ii) produção das mesmas utilidades de uma forma mais eficiente, com menor emprego dos fatores de produção, via redução de custos (inovação de processo); (iii) uma nova forma de estrutura organizacional (inovação organizacional); e (iv) a criação de um novo mercado (inovação de marketing)9.

Relevante é, para que se configure efetivamente inovação, que essas diferenças, na atividade econômica e produtiva, sejam efetivamente concretizadas no mercado, viabilizando uma nova função/equação produtiva. Essa conceituação da inovação, como uma diferença na atividade produtiva que gera uma nova função produtiva, dá os elementos para uma teoria fundamental da inovação, que é a grande contribuição da teoria schumpeteriana nesta seara.

Suas conclusões firmariam as bases para o estudo da inovação e para a implementação das políticas públicas nesta área, nos tempos que lhe sucederam, sendo de compreensão imprescindível para contextualizar os desenvolvimentos transcorridos em redor da temática.

3. O Conceito de Inovação no Manual Frascatti: Inputs de Inovação

O Manual Frascatti resultou de iniciativa da OCDE no sentido de homogeneizar e padronizar as métricas de aferição das atividades e recursos dispendidos nos diversos países para geração de tecnologia e inovação.

O escopo do Manual Frascatti se centra no rastreamento dos inputs de inovação, ou seja, nas atividades e recursos empregados na realização de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), de modo que um das suas pretensões fundamentais é aportar à análise, teórica e prática, da inovação, conceitos consolidados das atividades que compõem este vasto espectro de ações voltadas à geração da inventividade10.

A exaustividade da pesquisa empreendida, além da legitimidade e do alcance da própria OCDE, que hospeda a pesquisa e a publicação do manual, conferiram ao Manual Frascatti um status de referência internacional, tanto na área acadêmica, como no mercado, quanto ainda no âmbito da formulação de políticas públicas, na área de pesquisa, desenvolvimento e inovação.

A influência do Manual Frascatti como ferramenta institucional de identificação das atividades inovadoras vai, contudo, muito além dos países membros da OCDE, representando paradigma referencial para vasto número de países. No Brasil não é diferente, de modo que, considerando-se ainda a carência de um instrumental taxonômico próprio definido internamente para a atividade inventiva, o Manual Frascatti é referência fundamental na aplicação das políticas públicas de inovação no País, inclusive de incentivos fiscais, o que justifica a relevância de sua análise.

O manual foi concebido originariamente para rastrear os processos de P&D estruturados formalmente nas indústrias primária e secundária, mediante o emprego de métodos das ciências naturais e ciências exatas, a exemplo da biologia, química, física e engenharias em geral11. Editado inicialmente em 1963, a partir de discussões entabuladas em conferência na cidade italiana de Frascatti, e hoje em sua sexta edição, o manual assimilou desde então diversas evoluções na análise das atividades inventivas, desde o surgimento e a consolidação da indústria de tecnologia da informação e comunicações (TIC), nas décadas de 1980 a 2000, até a incorporação do setor de serviços no radar do desenvolvimento da inventividade.

Neste sentido, a sua abrangência é notável, sobretudo numa seara de investigação como é a inovação, em que a dimensão pragmática, pela vivência diária do seu exercício e da sua prática, gera tantos desafios, nos diversos segmentos e vertentes da atividade econômica. Sem embargo, a natural impossibilidade de catalogarem-se todas as hipóteses limite impõe a necessidade de firmarem-se premissas contundentes e conceitos básicos sintéticos e aglutinantes, e o Manual Frascatti os tem.

Uma primeira premissa, indiscutida no manual mas nele considerada, é a de que a atividade de P&D se desenvolve num contexto estruturado deliberadamente para tal; ou seja, quando se fala de pesquisa e desenvolvimento, não se trata de descoberta casual de inovação, mas sim de um processo voltado intencionalmente à realização da atividade inventiva, ainda que não tenha uma estrutura formal de P&D ou se hospede num departamento específico para tal. Efetivamente, quando se trata de identificação e medição de variáveis estatísticas e econômicas; de formulação e acompanhamento de políticas públicas; o foco é específico naquelas atuações dos diversos agentes, sejam as empresas, as universidades, o Estado e instituições sem fins lucrativos, que mobilizam os fatores de produção para protagonizar a atividade inventiva, e não a mera Eureka do inventor casual. A lição de Schumpeter indica, ainda, que mesmo o inventor casual, para alçar sua invenção à condição de inovação, há que mobilizar recursos efetivamente neste sentido, e assim lograr um fato econômico a partir daquele meramente técnico/tecnológico.

Feito tal registro, podemos identificar no manual uma regra básica para identificar as atividades de pesquisa e desenvolvimento, cujo critério é exatamente a finalidade a que se destina determinado projeto ou processo: se o objetivo primordial de determinada atividade é o de criar novos produtos ou processos, ou desenvolver melhorias técnicas a produtos ou processos produtivos, temos atividade de pesquisa e desenvolvimento12. Esta regra, que podemos considerar um princípio da finalidade inventiva da atividade de P&D, permite, por exclusão, definir o que está fora do escopo de P&D: se o produto ou processo está substancialmente definido, e o objetivo primordial é o de desenvolver mercados, realizar planejamento da pré-produção ou fazer ajustes finos no sistema de produção, já não se trata mais de pesquisa e desenvolvimento.

Desde já, é de se ressalvar que a expressão produto, quando empregada, designa, em sentido amplo, a utilidade que o agente econômico oferece no mercado, abrangendo tanto produto em sentido estrito como serviço; tanto tangíveis quanto intangíveis.

Dito isto, o conceito de P&D traçado pelo manual conjuga as duas premissas acima descritas, referentes (i) ao caráter sistemático, não casual, da atividade, e (ii) a finalidade inventiva de tal atividade, para afirmar que “pesquisa e desenvolvimento compreendem trabalho criativo realizado em bases sistemáticas visando o incremento da base de conhecimentos, inclusive conhecimento do homem, da cultura e da sociedade, e do uso dessa base de conhecimentos para o desenvolvimento de novas aplicações”13.

Quanto ao caráter sistemático poucas dúvidas desperta, na medida em que se trata de identificar se, no bojo da atividade de determinada empresa, instituição, entidade de pesquisa ou órgão governamental, o trabalho de P&D integra a pauta de atividades, processos, programas ou projetos.

A finalidade inventiva, por sua vez, não é de fácil discernimento, sobretudo na sua aplicação aos diversos segmentos de atividade e áreas do conhecimento, considerando que as atividades de P&D em tese podem ter como objeto todo o universo de possibilidades que compõem a realidade em que vivemos. O foco passa então para o grau de novidade que a atividade deve almejar para se caracterizar como P&D, no que o manual emprega um critério básico correspondente à pretensão de solução de um desafio tecnológico: a atividade de pesquisa e desenvolvimento deve se propor a superar determinado problema, ou desafio, de natureza científica ou tecnológica, aportando uma solução que, não sendo do domínio de alguém que seja familiar com a base comum de conhecimentos e técnicas da respectiva área, apresente, desta forma, um grau de novidade e reduza a insegurança técnica aí identificada.

A atividade de P&D, como se vê, deve atender ao teste do desafio tecnológico, havendo de se predispor a alçar um patamar acima no estado da técnica. Aqui duas conclusões se aplicam.

A primeira, de que a atividade se caracteriza como P&D pela sua finalidade, e não pelo seu resultado. De fato, numa seara em que o risco elevado é uma constante, torna-se fundamental registrar que nem sempre o processo de P&D atingirá seu objetivo, eis que os desafios tecnológicos são infinitos e muitos deles de notável complexidade. Não será menos P&D determinado projeto de pesquisa porque não logrou êxito no seu propósito.

A segunda, de que o desafio tecnológico objeto da atividade de P&D implica, ou deve implicar, a apresentação de solução que inexiste na base comum de conhecimentos daquela determinada indústria ou área do conhecimento. Neste sentido, a novidade que a atividade de P&D se destine a aportar àquele que a rea­liza deve consubstanciar uma aquisição evolutiva vis-à-vis o nível técnico e científico comumente acessível a todos: não basta fazer diferente do que se fazia, como, por exemplo, a empresa que fazia um determinado produto apenas na cor branca, e passa a fazê-lo na cor amarela; deve-se agregar um atributo de evolução tecnológica, apto a explicar ou endereçar um problema específico de natureza científica ou tecnológica. Exemplificativamente, a atividade de P&D deve: (i) buscar explicar fenômenos, estruturas ou relações antes inexplicadas; (ii) aplicar conhecimentos e técnicas de maneira nova; ou (iii) promover a elevação do estado da técnica, via geração de conhecimento patenteável. Nesta vertente de identificação da atividade de pesquisa e desenvolvimento, o manual usa como critério identificador o elemento de extraordinariedade do resultado almejado com a P&D: numa empresa que manufatura determinado produto, ou presta determinado serviço, a realização da sua produção rotineira, ou seja, exatamente aquela que faz no dia a dia ou com algumas alterações marginais, não pode consubstanciar objetivo de P&D, mas sim desenvolvimentos extraordinários sob a forma de soluções desconhecidas para gaps tecnológicos ou científicos.

A partir do conceito básico de P&D, o Manual Frascatti desenvolve três modalidades principais pelas quais se manifesta: (i) a pesquisa básica; (ii) a pesquisa aplicada; (iii) e o desenvolvimento experimental14.

A pesquisa básica consiste no trabalho experimental ou teórico realizado primordialmente para adquirir novo conhecimento sobre os fundamentos básicos de fenômenos e fatos observáveis, sem ter em vista nenhuma aplicação ou uso em particular.

O que caracteriza a pesquisa básica é exatamente não se propor a ter uma aplicação específica, de modo que o pesquisador, ao iniciar sua pesquisa, não tem como antever quais aplicações práticas o resultado da sua busca poderá ter. Aqui, a liberdade do pesquisador é essencial para que as hipóteses sejam testadas e as possibilidades aferidas: o escopo é a enunciação e demonstração de fórmulas, teorias e leis.

O desafio científico e tecnológico da pesquisa básica não é previamente formulado, sendo direcionado de forma livre pelo pesquisador num contexto mais amplo de desvendar vertentes de pesquisa num amplo espectro de campos investigativos. Esta é razão pela qual em geral a pesquisa básica é realizada em universidades, de forma autônoma ou em parceria com o mercado, em instituições governamentais, isoladamente ou em parcerias internacionais15, ou em empresas de atividades científico-dependentes, a exemplo dos setores químico, petroquímico e de engenharia em geral.

Não destinar-se ao desenvolvimento de uma solução prática específica não dispensa a pesquisa básica de ter uma finalidade inventiva, sob a forma de um desafio tecnológico ou científico a ser enfrentado. Decerto que a pesquisa básica não é um fim em si mesma, mas proverá os pesquisadores e agentes econômicos com o conhecimento a partir do qual outros desenvolvimentos tecnológicos poderão ser alcançados, o que nos conduz às outras duas modalidades de P&D.

A pesquisa aplicada consubstancia investigação realizada visando a geração de conhecimento, que, porém, é almejado já com um ou alguns objetivos e finalidades específicas.

Utilizando conhecimentos desenvolvidos no âmbito da pesquisa básica ou desenvolvendo conhecimento ad hoc, a pesquisa aplicada visa endereçar problemas específicos.

O desafio tecnológico ou científico a ser endereçado pela pesquisa aplicada é predeterminado, encampando uma possibilidade específica e limitada de problemas, operações, métodos, e possíveis produtos ou processos que possam ser inspirados nos resultados da investigação16.

A pesquisa aplicada, contudo, não visa ao desenvolvimento de produtos e processos novos ou aperfeiçoados, mas apenas ao acúmulo de conhecimento voltado para específicos problemas, estes que, por sua vez, irão subsidiar o desenvolvimento de produtos e processos, o que nos conduz à última vertente das atividades de P&D.

Por fim, temos como atividade de pesquisa e desenvolvimento a realização do desenvolvimento experimental, que consubstancia a atividade pela qual, partindo-se do conhecimento acumulado via pesquisa, básica e aplicada, e experiência prática, trabalha-se na concepção de novos materiais, novos produtos e dispositivos, e novos processos, sistemas e serviços; ou no aperfeiçoamento substancial daqueles já existentes ou desenvolvidos.

O desenvolvimento experimental, dessa sorte, representa a ponta final das atividades de pesquisa e desenvolvimento, pela qual todo o conhecimento gerado e acumulado vem, ou pretende-se, efetivamente, resultar no desenvolvimento de soluções específicas, sob a forma de produtos ou processos, novos ou aperfeiçoados, que irão afinal dar corpo à inovação enquanto finalidade ulterior de todo o processo de P&D.

A segregação das atividades de P&D nas três modalidades descritas no Manual Frascatti, malgrado por vezes ocorram na prática indissociadas dentro do processo de P&D em determinada entidade ou empresa, é relevante para efeito das políticas públicas, sua avaliação e sua aplicação. Neste contexto, o manual provê alguns exemplos práticos em setores específicos, identificando as dimensões de cada uma das modalidades de P&D, e dos quais podemos pinçar um exemplo bastante ilustrativo: num estudo sobre a capacidade de absorção de radiação eletromagnética de um cristal, (i) é pesquisa básica o trabalho realizado visando a obtenção de informações sobre a sua estrutura de banda de elétrons; (ii) é pesquisa aplicada o estudo sobre a absorção de radiação eletromagnética pelo material referido sob várias condições de temperatura, pureza, concentração, dentre outras, para identificação das suas propriedades de detecção de radiação, quando à sua sensibilidade, velocidade, dentre outras propriedades; (iii) é desenvolvimento experimental a criação de um dispositivo usando o material referido para obter detectores de radiação com performance superior àqueles já existentes17.

Há diversas atividades marginais às atividades de P&D que devem ser devidamente segregadas por não comporem efetivamente pesquisa e desenvolvimento. São atividades que por vezes se apresentam de forma simultânea à atividade de pesquisa e desenvolvimento propriamente dita, porém já fora da linha demarcatória do escopo de P&D propriamente, daí por que o manual enfatiza a necessidade de sua devida identificação. Por sua vez, a definição precisa dos conceitos, inclusive nesta vertente pragmática, também serve para que, nesta seara limítrofe, as atividades que sejam de fato P&D sejam reconhecidas como tais. O manual consolida em quatro os grupos de atividades acessórias às atividades de P&D que devem ser excluídas do escopo de pesquisa e desenvolvimento: (i) educação e treinamento; (ii) outras atividades científicas e tecnológicas; (iii) atividades administrativas e outras atividades de suporte; e (iv) outras atividades industriais.

As atividades de educação e treinamento em princípio não consubstanciam atividades de P&D. De fato, e assim o é exatamente porque educação e treinamento não são atividades que têm finalidade inventiva, ou seja, não têm como escopo o enfrentamento de um desafio tecnológico ou científico, mas sim a formação de mão de obra. A exceção seria o desenvolvimento de atividades de pesquisa em instituições de ensino superior, notadamente em programas de doutorado ou equivalentes. Estes programas, desde que apresentem elementos de finalidade inventiva, típicos de P&D, com a elaboração e o desenvolvimento de projetos de pesquisa, com a apresentação de resultados correspondentes, são considerados pesquisa e desenvolvimento.

Outras atividades científicas e tecnológicas compreendem atividades diversas, vinculadas à produção de conhecimento técnico ou científico, e sua implementação. Inclui atividades tão diversas quanto a coleta e catalogação de dados em publicações, realização de conferências científicas, estudos de viabilidade, trabalhos de proteção legal e patentária da tecnologia desenvolvida, e o desenvolvimento de softwares e sistemas de informação. Em princípio, as atividades científicas e tecnológicas acessórias às atividades de P&D não consubstanciam atividades de pesquisa e desenvolvimento. A exceção são aquelas atividades essenciais para a realização das atividades de pesquisa e desenvolvimento. Este último é o caso de (i) estudos de viabilidade de projetos de pesquisa; (ii) trabalhos legais necessários à proteção patentária no contexto de projeto de pesquisa específico; (iii) coleta de dados, sejam laboratoriais, sejam socioeconômicos, quando realizada dentro de um projeto de pesquisa específico, e compatível com a finalidade inventiva deste; e (iv) desenvolvimento de softwares ou sistemas de informação que agreguem avanço científico ou tecnológico.

A propósito, merece especial menção a identificação do desenvolvimento de softwares que se considera classificável como P&D, por bastante ilustrativo da principiologia que pauta o manual na identificação da atividade inventiva. Sabe-se que os sistemas de informação são ferramentas poderosas de gestão, com aplicações as mais diversas e não é diferente no âmbito da pesquisa e desenvolvimento, onde por vezes surge como elemento instrumental. Não se inclui, contudo, como P&D o desenvolvimento rotineiro de software, ou seja, a mera extensão ou nova aplicação de um sistema a um determinado propósito ou determinado setor de atividade. O desenvolvimento de software que consubstancia P&D é exclusivamente aquele que, dentro do universo da tecnologia da informação, aporta uma evolução tecnológica, a exemplo de: novos teoremas e algoritmos no âmbito da ciência da computação; desenvolvimento de tecnologia da informação em nível de sistemas operacionais, linguagem de programação, ferramentas de desenvolvimento de software; desenvolvimento de tecnologias da internet e comunicação; desenvolvimento de software que aportam avanços tecnológicos gerais dentro do seu campo de aplicação18.

As atividades administrativas e de suporte são aquelas que fornecem o suporte gerencial, de backoffice e serviços-meio, que são necessárias a qualquer atividade em qualquer organização. São atividades como serviços contábeis, financeiros, de recursos humanos, manutenção, limpeza, logística e armazenamento. Neste campo, o critério definido pelo manual é o de que os custos indiretos, essenciais à realização das atividades de P&D, são considerados pesquisa e desenvolvimento quando tais atividades administrativas são realizadas exclusivamente para atender aos projetos de P&D. Portanto, quando tais serviços são providos por uma central de serviços que atende a processos de P&D e a outros processos dentro da organização ou fora dela, não se consideram pesquisa e desenvolvimento19.

Por fim, quanto às outras atividades industriais, se apresentam em duas vertentes.

A primeira é de atividades relacionadas à produção ou pré-produção, incluindo desde aspectos ligados a suprimentos, desenvolvimento de protótipos, planta-piloto, até pesquisa de mercado. Aqui o critério é tratar-se ou não de atividade voltada primordialmente à implementação de avanços tecnológicos e científicos. Partindo dessa premissa, são tipicamente atividades de P&D o desenvolvimento de protótipos e plantas-piloto, na medida em que tenham como objeto o desenvolvimento e a manufatura do produto criado dentro de uma atividade de P&D, dentro do qual sejam um desdobramento necessário à implementação do conhecimento ou ideia inovadora.

A segunda se relaciona a outras atividades de inovação que não consubstanciam P&D, ou seja, atividades que geram inovação fora do contexto específico de pesquisa e desenvolvimento. Decerto, nem toda atividade de inovação se qualifica como pesquisa e desenvolvimento, sendo esta uma dimensão específica da atividade inventiva correspondente a processos sistemáticos de desenvolvimento de conhecimento técnico e científico. Como pudemos inferir do conceito de inovação em Schumpeter, bastante amplo, queda uma ampla gama de atividades que integra o universo da inventividade, e que está fora do escopo específico de P&D. Essas atividades serão objeto de análise no item subsequente.

4. O Conceito de Inovação no Manual de Oslo: Outputs de Inovação

O Manual de Oslo tem como objetivo estandardizar as métricas para rastreamento das atividades de inovação.

A feitura do manual parte da premissa, consolidada após a elaboração do Manual Frascatti, de que há uma vasta gama de atividades inventivas que passam ao largo da atividade de pesquisa e desenvolvimento propriamente dita.

Decerto, o Manual de Oslo confirma uma transição de paradigma nas políticas de inovação, de políticas input-based para políticas output-based: para aferir o êxito das políticas e a dimensão das atividades inventivas nos países, não é suficiente medir o quanto de recursos se investe neste segmento, havendo de avaliar-se igualmente quanto de inovação efetivamente se produz dentro de um determinado contexto econômico.

Esta premissa implica uma tomada de consciência, da academia e dos formuladores de políticas, de que entre as medidas de estímulo, os recursos investidos, e o desenvolvimento da inovação como resultado da atividade inventiva, existe um ambiente extremamente complexo, em que os fatores de produção e os agentes se interrelacionam de forma não trivial, de modo a não se poder afirmar previsível, ou dedutível, a partir da aplicação dos recursos, a geração efetiva de inovação, que é o resultado almejado.

Daí que a OCDE decidiu complementar seus instrumentos técnicos de análise do ambiente de geração de inovação com a feitura do Manual de Oslo, cuja primeira edição remonta a 1992. Assim é que, ao lado do Manual Frascatti, que se dedica a analisar sistematicamente a atividade de pesquisa e desenvolvimento, que são os inputs de inovação, foi elaborado o Manual de Oslo, voltado à geração de inovação propriamente dita, enquanto resultado das atividades inventivas, ou seja, os outputs de inovação.

Devendo sua paternidade, e seguidas revisões, à OCDE, organização que hospeda sua publicação, o Manual de Oslo goza de prestígio e grau de referência paradigmática semelhante ao Manual Frascatti, sendo adotado de forma reconhecida e generalizada pelo mercado, pelos formuladores de política, pela academia, não apenas nos países membros, mas em toda a comunidade internacional da inovação.

Partindo da premissa da inovação como evento econômico, na linha schumpeteriana, o Manual de Oslo tem como escopo a produção de inovação como um fenômeno de mercado, que impacta a atuação dos players, gerando vantagem competitiva, evolução e crescimento da economia. Daí por que o manual se restringe a analisar a inovação desenvolvida pelas empresas, como protagonistas primordiais da atividade inventiva na economia de mercado20. Também permite, tal premissa, analisar a inovação para além do desafio técnico ou científico puramente, permitindo reconhecer a inovação como todo fruto da engenhosidade criativa do empreendedor que lhe aporta uma vantagem competitiva no mercado.

Mais ainda, o escopo do manual está centrado na identificação da inovação dentro da empresa, como ela ocorre, e em que modalidades, o que lhe possibilita servir de instrumento poderoso na identificação da geração de inovação, as formas pelas quais se apresenta, o grau de novidade, e quando se consideram efetivamente presentes.

Como dito, o grande mote da elaboração do Manual de Oslo é exatamente a constatação de que a inovação não surge apenas da atividade de P&D, enquanto processo sistemático de aquisição e aplicação de conhecimentos técnicos e científicos. De fato, a empresa pode, à parte P&D, realizar inovação através, por exemplo, do desenvolvimento de novos métodos de marketing para comercialização de seus produtos; da reorganização de sua estrutura gerencial e de suas unidades de negócio; da identificação de oportunidades de mercado através do conhecimento por ela adquirido ou absorvido de outros; identificação de novos conceitos de produtos e processos através de emprego de sua expertise em design e desenvolvimento. Todas essas possibilidades criativas visam otimizar o desempenho da empresa no mercado.

Por poder-se apresentar a inovação sob formas tão diversas, o manual condensou as modalidades de inovação em algumas categorias principais.

Antes disso, porém, parte de um conceito básico que pauta toda a pesquisa desenvolvida no manual: inovação é a implementação de um produto (mercadoria ou serviço), ou processo, novo ou significativamente aperfeiçoado, um novo método de marketing, ou um novo método organizacional em praticas de negócio, organização do ambiente de trabalho e relações externas21.

O requisito principal da inovação é exatamente o caráter inovador. No aspecto objetivo, isto significa que o produto, processo, método de marketing ou método organizacional deve ser novo ou significativamente aperfeiçoado, de modo que a atividade inventiva aporte ao produto ou processo, novo ou aperfeiçoado, características, funcionalidades, eficiência, qualidade ou outras propriedades que lhes confiram uma conotação evolutiva frente ao produto ou processo até então desenvolvido pela empresa.

No aspecto subjetivo, implica que a criação deve ser nova ou aperfeiçoada para a empresa que a implementa, de modo que é também inovação a ideia ou técnica que já seja empregada por outra empresa no mercado, quando a empresa que a implementa não houvesse até então dominado sua aplicação.

Outro requisito fundamental é que tenha sido implementada a inovação, mais uma vez premissa fundamental derivada da teoria schumpeteriana. De fato, a bem de realizar-se como fato economicamente relevante, a ideia deve vir a concretizar-se como um produto, processo ou metodologia implementada na atividade produtiva do agente econômico. Apenas assim transmudará de invenção para inovação. Implementar-se a inovação significa, quanto ao produto, ser posto no mercado; quanto aos processos e metodologias, serem efetivamente postos em operação no dia a dia da atividade produtiva da empresa.

Por fim a inovação deve aportar à empresa uma vantagem competitiva no mercado, daí que não basta que se trate de algo novo, ou mesmo que se pretendesse alcançar algo melhor: para que se trate de inovação, deve ter se logrado o resultado da melhoria de performance, aportada ao produto, processo, ou metodologia organizacional ou de marketing. Aqui, diferentemente da identificação das atividades de pesquisa e desenvolvimento, é relevante o resultado sob a forma da obtenção de uma melhoria de performance a partir da nova ideia implementada.

Com isso temos três elementos fundamentais que identificam a inovação: (i) o caráter inovador, nos seus aspectos objetivo e subjetivo; (ii) a implementação da ideia como um fato econômico no mercado; e (iii) o ganho de competitividade como resultado da atividade inventiva.

Consoante se pode inferir do conceito de inovação, acima vertido, o Manual de Oslo divide as modalidades de inovação e quatro grupos: (i) inovações de produto; (ii) inovações de processo; (iii) inovações de marketing; e (iv) inovações organizacionais.

As inovações de produto e inovações de processo seriam as inovações tecnológicas em sentido estrito, que decorreriam de uma atividade tradicional de pesquisa e desenvolvimento. Aportando ao produto ou processo mudanças de caráter científico ou estritamente tecnológico, assumem essa natureza, igualmente.

As inovações de marketing e inovações organizacionais, por sua vez, malgrado inovações tanto quanto as primeiras, estão relacionadas não com aspectos científicos ou estritamente tecnológicos do produto ou do processo de produção, mas sim com a estruturação da organização, os processos de gestão, o modo como a empresa se relaciona com o mercado, focos de onde a empresa extrai evoluções e vantagens competitivas frente aos demais players.

A inovação de produto implica a introdução de uma mercadoria ou serviço que é novo ou significativamente melhorado com relação às suas características e aos seus usos pretendidos, inclusive aperfeiçoamentos significativos nas especificações técnicas, componentes e materiais, software incorporado, facilidade de utilização ou outras características funcionais.

Um produto novo é um produto que difere substancialmente dos demais previamente produzidos pela empresa. É o caso, por exemplo, da empresa que produz celulares, e passa a produzir tablets, no caso de mercadoria; ou, no caso de serviços, de uma empresa que oferece serviços financeiros, e passa a oferecer seguro saúde.

Um produto é dotado de melhorias significativas quando apresente novos componentes, novas matérias-primas, novas funcionalidades e características que otimizem a sua performance, assim elevando a competitividade da empresa que o disponibiliza no mercado. É o caso, por exemplo, de um automóvel que passa a ter sua carroceria produzida a partir de uma liga de alumínio, mais leve, em substituição ao aço; ou do serviço bancário que passa a disponibilizar ao cliente o acesso e movimentação da sua conta via internet, por computador, celular ou tablet.

A inovação de processo consubstancia a implementação de processo produtivo, ou método de fornecimento e entrega, novo ou significativamente melhorado, inclusive via mudanças em técnicas, equipamentos ou softwares empregados.

O foco do processo é o meio pelo qual o produto (mercadoria ou serviço) é gerado e disponibilizado pela empresa, não se alterando as características e funcionalidades do produto em si. Daí por que as inovações de processo se centram na eficiência da produção ou disponibilização: trata-se de incrementar a performance do processo produtivo e de logística, sob a perspectiva de custos, tempo e qualidade.

Exemplos de inovações em processos são a utilização de sistemas informáticos na gestão de processos judiciais em escritórios de advocacia; também a incorporação dos fornecedores dentro da unidade produtiva nas montadoras de automóveis, otimizando a eficiência da produção via formação de sistemistas.

A inovação de marketing consiste na implementação de um método de marketing envolvendo mudanças significativas no design ou embalagem do produto, colocação do produto no mercado, promoção ou precificação.

Aqui, a abordagem do Manual de Oslo já se mostra significativamente mais abrangente do que o Manual Frascatti; por ser a inovação em si um universo muito mais amplo e diverso do que apenas a atividade de pesquisa e desenvolvimento. De fato, na inovação de marketing, não há alteração relevante na funcionalidade, composição, matéria-prima, uso ou características do produto ou do processo, que permanecem o mesmo. Não se deixa, contudo, de identificar o componente inovador, na medida em que se tem uma ideia criativa que, atuando sobre a forma como é comercializado o produto, confere a este e à própria empresa uma vantagem competitiva no mercado, engendrando assim a figura da inovação como fato econômico concebido na teoria schumpeteriana.

A inovação de marketing é endereçada a levar o produto a causar no mercado consumidor um apelo comercial diferenciado, superior, permitindo-o atingir novos mercados ou a ter maior penetração nos mercados onde já atua.

As formas mais óbvias de inovação de marketing são o uso de promoções e estratégias de segmentação do mercado consumidor via fixação de preços e product placement. Uma vertente de grande relevância da inovação de marketing, quanto ao product placement diz respeito ao desenvolvimento de inovações na formação de canais de vendas. Nesta seara, ocorreram grandes inovações nas últimas décadas do século XX, com a propagação das metodologias de franquias e marketing direto, gerando grande diferencial competitivo, e consequentemente êxito comercial e financeiro para as empresas que foram pioneiras na implementação de tais inovações.

Frequente inovação de marketing é o uso do design, tanto do produto em si como da embalagem. Aqui, caracteriza-se como inovação o design quando, pelas características do produto ou do mercado em que está posicionado, é determinante na decisão de compra do consumidor, ou seja, no êxito ou fracasso da mercadoria ou serviço. Nesta hipótese, o design aportará ao produto o diferencial competitivo que é inerente ao resultado da atividade inventiva. É o caso, por exemplo, do design de veículos, que é aspecto fundamental do êxito comercial neste mercado; ou do design de uma embalagem de perfume, em que os formatos e desenhos com características distintivas e ousadas são típicos destes produtos e diferenciam os competidores no mercado.

Por fim, as inovações organizacionais consistem na implementação de um novo método organizacional nas práticas negociais, na organização do ambiente de trabalho e nas relações externas da empresa.

Igualmente às inovações de marketing, as inovações organizacionais não consubstanciam alterações nas características e funcionalidade do produto, mercadoria ou serviço, ou do seu processo de produção, mas sim no modo como a empresa está estruturada, que, aportando um diferencial competitivo, confere-lhe uma posição privilegiada no mercado, dando forma à natureza inovadora da ideia em que se baseia.

As inovações organizacionais denotam a implementação de práticas de gestão novas na empresa, e que lhe aportam maior eficiência na realização do seu negócio. Trata-se de novas estruturas organizacionais, novas rotinas de trabalho, novas estruturas de processo, formas de gerenciamento das pessoas e recursos. São exemplos de inovações organizacionais a estruturação das cadeias de fornecimento com rastreamento das pegadas de carbono; ou o desenvolvimento de uma estrutura de gestão da informação e do conhecimento voltada para o desenvolvimento da inovação na empresa.

Como se vê, o Manual de Oslo aporta volume significativo de informações e conhecimento consolidado, tanto em nível conceitual/semântico, quanto em nível prático/pragmático, na identificação e caracterização da inovação na economia, no mercado e nas empresas.

Daí por que é fundamental a sua contribuição na análise das políticas públicas de inovação, não menos no que se refere à aplicação do regime de incentivos fiscais no Brasil.

Os conceitos utilizados pela lei brasileira, demonstra-se, não são concebidos de forma absolutamente originária, mas se contextualizam no conjunto de referenciais técnicos que o estudo da inovação construiu ao longo dos anos.

5. O Conceito de Inovação na Lei do Bem

O marco normativo instituidor dos benefícios fiscais para a inovação tecnológica no país tem na Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005, seu diploma primordial.

Indo além de induções setoriais, algumas delas preexistentes ao referido diploma legal, a chamada Lei do Bem vem introduzir um regime geral de incentivos pelo qual as atividades inventivas de forma genérica passam a considerar-se elegíveis a benefícios fiscais relativamente à apuração de tributos de competência federal, sem a necessidade de um controle e aprovação prévios à fruição dos incentivos22.

É sintomático que, quando da edição da Lei do Bem, tanto o Manual Frascatti quanto o Manual de Oslo já haviam tido as suas edições mais recentes formatadas e disponibilizadas ao público: o primeiro, editado originariamente em 1962, com sua última edição em 2002; o segundo, editado originariamente em 1999, com sua última edição em 2005.

Tais circunstâncias se refletem nos conceitos adotados na legislação brasileira, densamente permeados pelas concepções introduzidas pelos paradigmas internacionais de identificação e aferição da inovação e das atividades inventivas em geral. Aqui vale ressaltar e, por outro lado, relativizar, o papel desses estudos que compõem o paradigma internacional da análise da atividade inventiva: os manuais são referências técnicas, e não direito positivo, de sorte que o seu valor como tal, absolutamente relevante, transcende avaliações de validade ou aplicabilidade de normas, internas ou internacionais, no ordenamento jurídico brasileiro, que não fazem sentido neste contexto; por outro lado, o legislador brasileiro é livre e soberano para, no exercício da sua competência legislativa, ao instituir o regime de benefícios fiscais, desenhar os conceitos ligados à inventividade com os caracteres que se amoldem à sua vontade, desde que observados os limites constitucionais para tal.

No bojo do sistema tributário nacional, o marco normativo dos incentivos à inovação se estende desde a Lei nº 11.196/2005, instituidora do marco geral do regime, e segue, no curso de sua positivação e regulamentação, deste nível mais abstrato, para, crescendo em concretude, passar pelo Decreto nº 5.798/2006, pela Instrução Normativa nº 1.187/2011, chegando até a Portaria MCTI nº 327/2010, que instituiu o formulário eletrônico a ser enviado anualmente ao órgão federal de ciência e tecnologia, visando reportar as atividades inventivas desenvolvidas pelas pessoas jurídicas beneficiárias dos incentivos fiscais.

É justamente a Lei nº 11.196/2005 que define inovação tecnológica para efeito do regime de incentivos fiscais. Segundo o diploma legal, em seu artigo 17, parágrafo 1º, “considera-se inovação tecnológica a concepção de novo produto ou processo de fabricação, bem como a agregação de novas funcionalidades ou características ao produto ou processo que implique melhorias incrementais e efetivo ganho”.

A lei, quando dispõe sobre o marco normativo dos incentivos fiscais à inovação tecnológica, restringe-se à definição desta expressão, relegando as demais disposições para os diplomas regulamentadores. Neste contexto, o conceito de inovação tecnológica do artigo 17, parágrafo 1º, da Lei nº 11.196/2005 se põe como o conceito fundamental a partir do qual se constrói o regime jurídico de incentivos fiscais às atividades inventivas no Brasil, em âmbito federal.

Observa-se que o conceito de inovação do Manual de Oslo se encontra densamente projetado no conceito da norma brasileira. De fato, os dois elementos fundamentais do conceito do artigo 17, parágrafo 1º, da Lei nº 11.195/2005 já integravam o conceito do referido manual: (i) o caráter inovador, nos seus aspectos objetivo e subjetivo; e o (ii) ganho de competitividade como resultado da atividade inventiva.

Efetivamente, o caráter inovador reside em se tratar a inovação de uma mudança em relação ao estado anterior do fornecimento de determinada utilidade no mercado. O seu sentido objetivo está expresso no enunciado legislativo: trata-se de um produto ou processo totalmente novo, ou aperfeiçoado (parcialmente novo); a mudança no processo ou produto tem o condão de lhe alçar um patamar acima no nível de evolução técnico, em face do estado anterior do produto ou processo. O seu sentido subjetivo implica que o caráter inovador se avalia em face da produção anterior da própria empresa, não sendo necessário que se trate de algo novo para todo o mercado em que atua a empresa, ou para novos terceiros mercados. Malgrado não esteja expresso no texto normativo, essa dimensão subjetiva do caráter inovador se dessume do requisito de ganho de competividade que caracteriza a inovação nos termos da lei: ganho de competividade é sempre um conceito relacional, identificado pelo cotejo da realidade de um player frente aos demais, daí que qualquer evolução de um agente individualmente lhe conferirá um ganho de competitividade no contexto do mercado como um todo, ainda que haja outros competidores que dominem aquela inovação específica ou similar.

Por sua vez, o requisito do ganho de competividade como resultado da atividade inventiva significa que o conceito inovador deve aportar à empresa que o implementa uma condição de concorrência no mercado, vis-à-vis os demais players que com ela competem, que seja superior àquela que a empresa detinha anteriormente.

Dito, isto tem-se que o conceito da lei brasileira apresenta, contudo, uma diferença substancial em face do conceito de inovação do Manual de Oslo. O manual, decerto, traz elemento adicional correspondente à necessidade de implementação da inovação: enquanto o Manual de Oslo considera inovação apenas a ideia inovadora que venha a ser efetivamente implementada na rotina produtiva da empresa, em seus produtos ou processos, a lei brasileira reputa inovação a mera concepção do novo produto ou processo, ou de seu aperfeiçoamento.

A presença de um requisito adicional para a identificação, acréscimo de conotação ao conceito, em princípio restringe a sua aplicação. De fato, sob o Manual de Oslo, a ideia inovadora que não é implementada no mercado não consubstancia inovação, restringindo, portanto, o espectro de incidência do conceito; nos termos do regime de benefícios fiscais da lei brasileira, por sua vez, não é necessária a implementação da ideia para que se configure a elegibilidade dos benefícios, sendo suficiente o desenvolvimento do projeto da ideia inovadora que irá potencialmente agregar, ao produto ou processo, maior competitividade no ambiente de mercado.

O raciocínio, em princípio restritivo, enseja uma compensação, de modo que a restrição inicial gera uma expansão ulterior, como via de mão dupla. Ao exigir a implementação como condição para a caracterização da inovação, o Manual de Oslo inclui no espectro denotativo da inovação atividades realizadas nesta dimensão estritamente mercadológica da atividade inventiva, na qual o inventor mobiliza seus recursos na consolidação da invenção como um empreendimento posto no mercado, de forma efetiva. Desta forma, a principiologia do manual permite incluir-se no escopo das atividades inventivas o desenvolvimento de formas de disponibilização do produto no mercado, de comunicação com o consumidor ou cliente, via estruturas de canais de venda e estratégias de marketing, por exemplo, o que a lei brasileira não considera como inovação elegível aos benefícios fiscais que instituiu.

Decerto, para a legislação brasileira, só se considera inovação para efeito de apropriação de benefícios fiscais, nos termos do artigo 17, parágrafo 1º, da Lei nº 11.196/2005, como encerra o próprio título do Capítulo inaugurado pelo dispositivo referido23, a inovação tecnológica, ou seja, a inovação de produto ou de processo. Não se consideram inovação tecnológica para efeito da Lei do Bem as inovações de marketing ou as inovações organizacionais, ambas abrigadas sob o conceito de inovação do Manual de Oslo.

Essa constatação traz repercussões substanciais na apuração dos benefícios da Lei do Bem, na medida em que apenas serão considerados elegíveis os projetos que contenham em seu escopo o desenvolvimento de inovações que importem um ganho nas características funcionais e técnicas do produto ou processo. Neste contexto, é relevante hipótese limite a do projeto que visa desenvolver novo design para determinado produto ou sua embalagem: neste caso, a mera mudança estética, ainda que implique maior apelo comercial, ou implementação de ferramenta de marketing inovadora, quando não aporta em si um ganho funcional ou técnico àquele produto, não se pode considerar projeto elegível para os incentivos fiscais da Lei nº 11.196/200524. De fato, mera alteração de design, sem repercutir na funcionalidade, não cria produto novo. A melhoria incremental, por sua vez, para resultar do desenvolvimento de um novo design de um determinado produto ou sua embalagem, e assim se configurar como uma inovação tecnológica, deve aportar uma nova funcionalidade à própria embalagem ou ao produto, e não apenas uma alteração meramente estética.

Cabe registrar ainda que o conceito legal, quando se refere a produto, denota mercadorias e também serviços, ou seja, utilidades oferecidas em mercado no bojo de uma atividade econômica. De fato, conforme demonstrado nas análises taxonômicas já referidas ao longo deste trabalho, é esse o sentido que o vocábulo adquire no contexto em que se aplica, que é técnico, de identificação e desenvolvimento das atividades inovadoras, e da formulação e aplicação de políticas públicas para o setor. Quisera o legislador brasileiro restringir o conceito de produtos para significar apenas mercadorias, teria feito expresso registro neste sentido. Do contrário, os próprios atos normativos que compõem o regime de incentivos se referem a serviços, por exemplo, no artigo 2º, II, “c” do Decreto nº 5798/2006, e no próprio Formulário MCTI (item 4.3).

Firmado o conceito de inovação tecnológica na Lei do Bem, a legislação segue demarcando o conceito de pesquisa tecnológica, que representam exatamente as atividades inventivas, desenvolvidas pelas empresas com o objetivo de desenvolver a inovação tecnológica.

Aqui é relevante registrar, como já discorrido acima, acerca da complementaridade entre o Manual de Oslo e o Manual Frascatti, que os conceitos de inovação tecnológica e de pesquisa tecnológica são absolutamente interdependentes, inclusive e especialmente na legislação fiscal: os incentivos são concedidos em face dos dispêndios realizados com pesquisa e desenvolvimento (inputs de inovação), mas estes se definem não apenas pelos aspectos das atividades que lhes são próprias, mas também e especialmente pelos objetivos que almejam, que são exatamente a geração de inovação tecnológica (outputs de inovação). A elegibilidade dos benefícios reside na realização (i) de pesquisa tecnológica e desenvolvimento tecnológico visando (ii) a geração de inovação tecnológica: a afirmação, em princípio redundante, deixa de sê-lo quando consideramos que ambos os conceitos têm definição própria e não trivial na lei e na própria taxonomia da inovação, como demonstramos ao longo do trabalho.

É já no próprio Decreto nº 5.798/2006, artigo 2º, II25, que a legislação define pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica (P&D para efeitos fiscais). O ato regulamentar segrega P&D em cinco modalidades: (i) pesquisa básica dirigida; (ii) pesquisa aplicada; (iii) desenvolvimento experimental; (iv) tecnologia industrial básica; e (v) serviço de apoio técnico.

A pesquisa básica dirigida é conceituada como os trabalhos executados com o objetivo de adquirir conhecimentos quanto à compreensão de novos fenômenos, com vistas ao desenvolvimento de produtos, processos e sistemas inovadores. A definição da lei projeta visível influência daquela do Manual Frascatti, que, como vimos, trata de P&D. De fato, o conteúdo ou materialidade que caracteriza a pesquisa básica, na lei brasileira, é, a par de uma sutil peculiaridade comentada a seguir, virtualmente idêntico àquele do manual, que corresponde à realização de trabalho visando adquirir novo conhecimento quanto fenômenos e fatos observáveis.

A particularidade introduzida na lei brasileira é exatamente quanto à finalidade da pesquisa: o conceito da nossa legislação articula uma finalidade mais específica, consistente na aplicação dos conhecimentos adquiridos no desenvolvimento de produtos, processos ou sistemas inovadores, o que se reflete inclusive na nomenclatura, definida como pesquisa básica dirigida. Essa diferença trazida pela legislação brasileira pode ser compreendida em vista da função que cada uma das linguagens exerce. Enquanto o Manual Frascatti visa descrever, com viés científico, uma dimensão relevante da realização da ciência e da técnica nos países, a legislação brasileira tem a função específica de induzir os agentes econômicos internos a alavancarem a sua competitividade no mercado através da inovação. Em outras palavras, a legislação brasileira não considera elegível a benefícios fiscais a realização de pesquisa absolutamente livre, que não tenha como objetivo o desenvolvimento de um produto ou processo novo, um objetivo, portanto, de ganho de competitividade no mercado, que é aspecto fundamental do conceito de inovação adotado em nosso regime de incentivos fiscais. Podemos afirmar, de qualquer sorte, que a restrição não traz grande repercussão prática, na medida em que, diferentemente das universidades, por exemplo, as empresas não realizam pesquisa por mero altruísmo: como entidades que visam o lucro, as empresas por princípio não realizam atividades, quaisquer que sejam, que não tenham como finalidade instrumentalizar, direta ou indiretamente, o seu negócio, ou seja, a venda de mercadorias ou serviços no mercado. Neste sentido, torna-se relevante que, no projeto em que a pesquisa se está desenvolvendo, os conhecimentos prospectados estejam articulados com uma aplicação em determinado produto ou processo, novo, que a empresa almeje oferecer ao mercado.

A pesquisa aplicada, por sua vez, é conceituada como os trabalhos executados com o objetivo de adquirir novos conhecimentos com vistas ao desenvolvimento ou aprimoramento de produtos, processos e sistemas. Como se vê, a restrição que a norma brasileira aplica à pesquisa básica, tornando-a dirigida, faz com que pesquisa básica e pesquisa aplicada virtualmente coincidam26.

Ambas, pesquisa básica dirigida e pesquisa aplicada, caracterizam-se por trabalhar pela aquisição de conhecimentos, e não na geração da inovação propriamente. Os conhecimentos gerados pela pesquisa deverão instrumentalizar o desenvolvimento de novos, ou aperfeiçoados, produtos ou processos, que, porém, na fase de pesquisa, ainda não existem. Malgrado não desenvolvam em si a inovação, a pesquisa tecnológica, seja básica dirigida ou aplicada, deve ter necessariamente a inovação tecnológica como finalidade, reiterando a interdependência entre os conceitos já comentados acima.

Observando atentamente os enunciados, contudo, nota-se sutil diferença que os enunciados normativos trazem entre os dois conceitos: a pesquisa básica dirigida deve ter como objetivo apenas gerar produto novo, e não à mera melhoria de produto já existentes, na medida em que visa apenas ao desenvolvimento de novos produtos e processos, ao passo que a pesquisa aplicada visa ao desenvolvimento e também ao aprimoramento de produtos e processos. Na prática, porém, a distinção não tem relevância, na medida em que, como a materialidade de ambos coincide, caso não possa ser enquadrado como pesquisa básica dirigida, por tratar-se de melhoria incremental, um projeto poderá se qualificar como pesquisa aplicada.

O desenvolvimento experimental é conceituado na norma regulamentar como os trabalhos sistemáticos delineados a partir de conhecimentos preexistentes, visando a comprovação ou demonstração da viabilidade técnica ou funcional de novos produtos, processos, sistemas e serviços, ou, ainda, um evidente aperfeiçoamento dos já produzidos ou estabelecidos. O conceito de desenvolvimento experimental da legislação brasileira é virtualmente idêntico ao do Manual Frascatti, podendo-se afirmar que foi de lá extraído.

O que caracteriza o desenvolvimento experimental é exatamente finalidade da geração da própria inovação em si, ou seja, o produto, processo, sistema ou serviço inovador tem a sua concepção desenvolvida a partir de conhecimentos previamente adquiridos, seja via pesquisa, básica ou aplicada, seja via experiência (conhecimento tácito ou implícito).

O conceito da legislação brasileira tem, mais uma vez, uma sutil diferenciação em relação ao conceito do manual. A norma brasileira se refere ao desenvolvimento como comprovação ou demonstração de viabilidade técnica ou funcional do produto ou processo inovador; o Manual Frascatti, por sua vez, traz conceito mais abrangente quanto às condições de comercialização do conceito inovador desenvolvido, referindo-se ao desenvolvimento já como produção do produto inovador, e instalação do processo inovador. Essa distinção tem coerência com a premissa traçada pelo regime de incentivos, desde o conceito de inovação tecnológica da Lei nº 11.196/2005, que é de excluir do conceito geral de inovação e de atividades inventivas a dimensão da implementação da inovação, sob a forma das atividades desenvolvidas pela empresa visando à colocação da ideia inovadora como algo gerador de mais-valia no mercado. Assim é que atividades como a preparação ou estratégias de marketing para lançar o produto inovador, adaptação da linha produtiva para manufaturar o produto inovador, e mesmo o cumprimento de exigências regulatórias para a oferta do produto no mercado, não se incluem sob desenvolvimento experimental nos termos da legislação brasileira. Podem, contudo, gerar benefícios sob a próxima modalidade de pesquisa tecnológica, como veremos.

O decreto regulamentar inclui ainda como modalidade específica de P&D para efeito de apropriação dos benefícios fiscais o que chama de tecnologia industrial básica, cujo conceito corresponde às atividades tais como a aferição e calibração de máquinas e equipamentos, o projeto e a confecção de instrumentos de medida específicos, a certificação de conformidade, inclusive os ensaios correspondentes, a normalização ou a documentação técnica gerada e o patenteamento do produto desenvolvido. Como se percebe, o legislador brasileiro preferiu excluir do conceito de desenvolvimento experimental a fase de implementação da inovação, incluindo algumas atividades que compõem essa dimensão prática de colocação da inovação no mercado sob uma denominação específica. Essa postura poderia em princípio demonstrar uma imprecisão técnica, dado que, vimos, estas atividades são inerentes ao desenvolvimento de produtos inovadores, dado que, desde Schumpeter, sabe-se que a inovação se caracteriza exatamente por aportar suas evoluções ao contexto econômico de mercado, daí por que o desenvolvimento experimental deve, do ponto de vista técnico, englobar os desenvolvimentos necessários à comercialização do produto ou implantação do processo. A segregação de tais atividades sob uma categoria própria pode se explicar pela postura restritiva e conservadora que o ente tributante por vezes costuma adotar na concessão de benefício fiscal: optou por especificar algumas específicas atividades relativas à implementação da inovação como elegíveis aos benefícios fiscais, ao invés de permitir que essa dimensão fosse incluída, de forma geral e ampla, no contexto de atividades inventivas elegíveis aos incentivos tributários, e assim abrir a oportunidade para uma desoneração mais ampla, e até mesmo abusos por parte dos contribuintes. Assim, dentre as atividades realizadas na implementação da inovação se incluem apenas aquelas (i) de caráter industrial, como a realização de testes, ajustes e calibração de máquinas e equipamentos produtivos, (ii) de caráter regulatório, como ensaios, certificações, normalização e documentação técnica; e (iii) de proteção legal, a exemplo do patenteamento da invenção. Outras atividades referentes à implementação da inovação, como relacionadas a marketing, canais de venda, lançamento, product placement, dentre outras, não são elegíveis aos benefícios da Lei do Bem, por não se enquadrarem, seja sob desenvolvimento experimental, seja sob tecnologia industrial básica.

Merece destaque a circunstância de que a enunciação das atividades que se incluem como tecnologia industrial básica não é exaustiva, ou seja, não são apenas aquelas que estão ali especificamente listadas, podendo também ser enquadradas no conceito outras atividades de perfil semelhante. Esta constatação, do caráter exemplificativo do rol de atividades, deriva da expressão “tais como”, em que a norma expressa, em enunciação, que também outras atividades semelhantes têm mesmo tratamento legal. O dispositivo não traz um conceito geral de tecnologia industrial básica, mas podemos inferir, por indução, os conceitos indicados sob essa nomenclatura, a partir das atividades ali arroladas. Dessa forma, outras atividades realizadas na implementação da inovação que sejam de i) de caráter industrial, (ii) de caráter regulatório, e (iii) de proteção legal, são considerados igualmente tecnologia industrial básica e são elegíveis aos incentivos do regime indutor da atividade inventiva.

Por fim, o decreto inclui também como última e quinta modalidade de pesquisa e desenvolvimento tecnológico os serviços de apoio técnico, definidos como aqueles que sejam indispensáveis à implantação e à manutenção das instalações ou dos equipamentos destinados, exclusivamente, à execução de projetos de pesquisa, desenvolvimento ou inovação tecnológica, bem como à capacitação dos recursos humanos a elas dedicados.

Nesta categoria, a legislação brasileira contempla atividades preparatórias à própria realização das atividades inventivas. Sob a perspectiva técnica, como aponta o Manual Frascatti27, as atividades acessórias a P&D, inclusive aquelas preparatórias, como educação e treinamento de pessoal, aquisição de bens de capital, aquisição de tecnologia de terceiros, como as atividade de suporte, como serviços de backoffice e suporte indireto, em princípio não constituem pesquisa e desenvolvimento. Aqui, portanto, a legislação brasileira foi mais abrangente do que a referência técnica, o que indica que a norma veio aportar um benefício fiscal no sentido mais teleológico da expressão, ao dilargar um conceito técnico visando atender à finalidade do regime legal, que é promover a desoneração fiscal e assim incentivar este conjunto de atividades amalgamadas sob o conceito básico de inovação.

Observamos que as atividades definidas como de apoio técnico, elegíveis aos benefícios do regime, se agrupam basicamente em dois grupos: (i) os serviços de manutenção e implantação das instalações e equipamentos de P&D; e (ii) os serviços de capacitação dos recursos humanos a eles dedicados.

Os serviços de capacitação dos recursos humanos não despertam grande complexidade, constituindo os treinamentos, aperfeiçoamentos, cursos diversos, e nos diversos níveis, compatíveis com o perfil de pesquisadores de P&D e com esta atividade.

Os serviços de manutenção e implantação são exclusivamente os serviços técnicos que têm como objeto as instalações e equipamentos empregados exclusivamente nas atividades de P&D. Dessa forma, serviços outros de suporte, como de backoffice, serviços administrativos, de limpeza, segurança, dentre outros, estão excluídos do escopo de tais atividades englobadas sob a nomenclatura de serviços de apoio técnico.

Os conceitos utilizados pela lei brasileira, com as ressalvas efetuadas acima em cada modalidade de atividade inventiva, são claramente permeados dos conceitos dos manuais técnicos internacionais, de onde extrai parte substancial do seu conteúdo. Dessa forma, toda a casuística, bastante vasta, com exemplos práticos de inúmeros setores de atividade, apresentada tanto no Manual Frascatti quanto no Manual de Oslo, consubstanciam instrumental fundamental para auxiliar a aplicação do regime brasileiro de incentivos fiscais à inovação.

6. Conclusões

O estudo da inovação tecnológica remonta há quase um século, com vultosas contribuições para a análise do fenômeno inventivo como um todo.

Desde Schumpeter, patriarca do estudo da inovação, até os desenvolvimentos afinal consolidados no Manual Frascatti e no Manual de Oslo, o estudo da inovação desenvolveu vasta e consolidada taxonomia para identificar, mensurar e classificar as atividades inventivas (inputs de inovação) e o seu resultado útil, que é o desenvolvimento e a implementação de ideias inovadoras no mercado (outputs de inovação). Esses referenciais técnicos consolidaram-se como paradigmas na análise da inovação, seja no mercado, na academia e entre os formuladores de políticas públicas para o setor, nos diversos países.

No caso do Brasil não é diferente, de modo que, como se vê e se conclui, a legislação brasileira se mostra densamente permeada pelos conceitos dos manuais de referência técnica, deles extraindo parte substancial de seus conceitos.

Assim é que a interpretação e a construção dos conceitos utilizados pela legislação brasileira para definir inovação tecnológica e atividades inventivas, para efeito de aplicação do regime de benefícios da Lei do Bem, não pode se dar sem a devida contextualização na taxonomia da inovação, cuja contribuição, seja nos seus conceitos gerais, seja na sua vasta casuística setorial, é fundamental para a devida compreensão, e diária aplicação, do marco normativo de benefícios fiscais à inovação tecnológica no Brasil.

1 MCTI. “Relatório anual da utilização dos incentivos fiscais: ano-base 2011”. Brasil, 2012.

2 Cf. SCHUMPETER, Joseph. Business cycles: a theoretical, historical and statistical analysis of the capitalist process. Nova York: McGraw-Hill, 1939, p. 79.

3 Cf. SCHUMPETER, Joseph, 1939. Ob. cit., p. 83.

4 Cf. TIDD, Joe; BESSANT, John. Managing innovation: integrating technological, market and organizational change. 4ª ed. West Sussex: John wiley & sons, 2009, p. 866; OCDE. Oslo manual: guidelines for collecting and interpreting innovation data. 6ª ed. Paris: OECD Publications, 2005, p. 26.

5 Cf. SWEEZY, Paul. “Professor Schumpeter’s theory of innovation”. The Review of Economics and Statistics. V. 25, nº 1. Cambridge: MIT Press, fevereiro de 1943, p. 93.

6 Cf. TIDD, Joe; e BESSANT, John. 2009. Ob. cit., p. 26

7 Cf. SCHUMPETER, 1939. Ob. cit., p. 105.

8 Cf. OCDE. Oslo manual: guidelines for collecting and interpreting innovation data. 6ª ed. Paris: OECD Publications, 2005, p. 29.

9 Cf. SCHUMPETER, 1939. Ob. cit., p. 80.

10 Neste sentido, o Manual Frascatti se diferencia do Manual de Oslo, também desenvolvido pela OCDE, a ser tratado em item subsequente deste trabalho. O Manual de Oslo é voltado aos outputs das atividades inovadoras, ou seja, à geração da inovação propriamente dita, como resultado a ação inventiva.

11 Cf. OCDE. Frascatti manual: proposed standards for surveys on research and experimental development. 6ª ed. Paris: OECD Publications, 2002, p. 46.

12 Esta diretriz da OCDE se baseia em uma norma básica enunciada pela US Science Foundation (OCDE, 2002. Ob. cit., p. 42).

13 Cf. OCDE, 2002. Ob. cit., p. 30.

14 Cf. OCDE, 2002. Ob. cit., p. 30.

15 Exemplos bem sucedidos de parcerias internacionais em pesquisa básica são, na biogenética, os programas de decodificação de material genético e, na física, os empreendimentos internacionais de aceleração de partículas.

16 Cf. OCDE, 2002. Ob. cit., p. 78.

17 Cf. OCDE, 2002. Ob. cit., p. 80.

18 Cf. OCDE, 2002. Ob. cit., p. 47.

19 Cf. OCDE, 2002. Ob. cit., p. 45.

20 Cf. OCDE. Oslo manual: guidelines for collecting and interpreting innovation data. 6ª ed. Paris: OECD Publications, 2005, p. 16.

21 Cf. OCDE, 2005. Ob. cit., p. 46.

22 Anteriormente à edição da Lei do Bem, a Lei nº 8.661/1993 previa a concessão de incentivos fiscais para projetos de desenvolvimento de tecnologia nas áreas industrial (PDTI) e agrícola (PDTA), mediante requerimento e aprovação prévia, com abrangência, portanto, muito mais limitada do que o regime atual.

23 Capítulo III: dos Incentivos à Inovação Tecnológica.

24 Essa intepretação coincide com recomendação constante do Formulário MCTI, que, no item 4.1 consigna que não se incluem entre inovações as “mudanças puramente estéticas ou de estilo”.

25 “Art. 2º Para efeitos deste Decreto, considera-se:

II - pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica, as atividades de:

a) pesquisa básica dirigida: os trabalhos executados com o objetivo de adquirir conhecimentos quanto à compreensão de novos fenômenos, com vistas ao desenvolvimento de produtos, processos ou sistemas inovadores;

b) pesquisa aplicada: os trabalhos executados com o objetivo de adquirir novos conhecimentos, com vistas ao desenvolvimento ou aprimoramento de produtos, processos e sistemas;

c) desenvolvimento experimental: os trabalhos sistemáticos delineados a partir de conhecimentos pré-existentes, visando a comprovação ou demonstração da viabilidade técnica ou funcional de novos produtos, processos, sistemas e serviços ou, ainda, um evidente aperfeiçoamento dos já produzidos ou estabelecidos;

d) tecnologia industrial básica: aquelas tais como a aferição e calibração de máquinas e equipamentos, o projeto e a confecção de instrumentos de medida específicos, a certificação de conformidade, inclusive os ensaios correspondentes, a normalização ou a documentação técnica gerada e o patenteamento do produto ou processo desenvolvido; e

e) serviços de apoio técnico: aqueles que sejam indispensáveis à implantação e à manutenção das instalações ou dos equipamentos destinados, exclusivamente, à execução de projetos de pesquisa, desenvolvimento ou inovação tecnológica, bem como à capacitação dos recursos humanos a eles dedicados.”

26 Neste sentido é bastante ilustrativa a observação feita no Manual Frascatti sobre a diferença que a pesquisa aplicada tem em relação à pesquisa básica: “a pesquisa aplicada é também [como a pesquisa básica] investigação original realizada para adquirir conhecimentos novos. Ela é, contudo, dirigida primordialmente a um objetivo prático específico” (OCDE, 2002. Ob. cit., p. 30. Tradução livre do autor.). Portanto, se a pesquisa básica passa a ser dirigida a um objetivo (pesquisa básica dirigida), ela se torna pesquisa aplicada.

27 OCDE, 2002. Ob. cit., pp. 30 e 33.