O Direito Tributário e a Interdisciplinaridade com Outros Ramos do Saber
Elidie Palma Bifano
Mestra e Doutora em Direito Tributário pela PUC/SP. Professora nos Cursos de Pós-graduação da Escola de Direito de São Paulo - FGV, da Faculdade de Direito - USP, da Faculdade de Direito - PUC, do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - Ibet e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário - IBDT. Advogada em São Paulo.
Resumo
O presente artigo trata da interdisciplinaridade do Direito Tributário com outras ciências e com outras áreas do Direito. Examina-se o inter-relacionamento das várias áreas do saber com a matéria tributária e como ele pode colaborar para o aperfeiçoamento do Direito Tributário.
Palavras-chave: Direito, tributos, interpretação, interdisciplinaridade, contabilidade.
Abstract
This article deals with the relationship between Tax Law and other sciences and other areas of law. The interrelationship of various areas of knowledge with tax matters is analyzed and how it can contribute to the improvement of the Tax Law.
Keywords: Law, tax, interpretation, interdisciplinarity, accounting.
1. Apresentação do Tema
O tributo é uma das mais relevantes manifestações de soberania do Estado, assim entendida como a autoridade de exigir certo comportamento, no caso a arrecadação, de seus cidadãos. A arrecadação sustenta-se na riqueza gerada pelos particulares que, apropriada pelo Poder Público, será objeto de redistribuição entre todos os integrantes da sociedade em atendimento a metas e finalidades de comum acordo propostas. O fenômeno tributário pode ser considerado sob duas diferentes perspectivas: (i) política, representada pelo exercício de poder do Estado e (ii) econômica, representada pela apropriação de parcela da riqueza gerada pelo cidadão, dito contribuinte, pelo Estado. Dada sua relevância social, o poder de tributar e sua abrangência são colhidos pelo Direito, estando expressos no ordenamento jurídico de cada país.
A história do tributo demonstra que, de simples confisco de bens do particular, ele passa a ser um instrumento indutor de condutas na medida em que se presta a incentivar certos comportamentos1. Apesar de o tributo ser, na essência, um fenômeno político-econômico colhido pelo Direito, sua instituição, interpretação e aplicação exigem a convergência de conhecimentos diversos, no campo do Direito propriamente, como de outras ciências que com ele convivem e nas quais necessita apoiar-se uma vez que o tributo decorre da prática ou da ocorrência de atos também objeto de estudo dessas ciências.
O Direito Tributário, ramo do Direito para fins didáticos, tem o tributo como instituto, talvez único que lhe seja próprio, regulando dessa forma as relações e decorrências que dele advêm para o Estado e para o contribuinte. Nesse sentido, supondo-se que o Direito Tributário tivesse apenas o tributo como instituto próprio, é de suma importância na análise da matéria determinar como se processa o encontro dessa área e de seu único instituto com outros ramos do Direito e seus diversos institutos que, sabidamente, interferem no fenômeno tributário.
Além das questões atinentes à possibilidade ou não de segregação de áreas do Direito, a matéria fática que enseja a tributação, não raramente, envereda por interessantes caminhos que exigem diligências e digressões por diversos ramos do saber como a Economia, a Contabilidade, a Informática, a Mecânica, a Biologia, a Medicina, a Matemática dentre outros. A tarefa que se propõe, nesta análise, é o exame do inter-relacionamento das várias áreas do saber com a matéria tributária e como ele pode colaborar para o aperfeiçoamento do Direito Tributário no que tange à melhor qualidade tanto na introdução da norma e formulação do Direito, quanto em sua interpretação e subsequente aplicação.
2. O Tributo, a Informação e a Interdisciplinaridade
2.1. O fenômeno tributo
O tributo apropria-se de parte da riqueza da sociedade sempre que alguém pratica ato definido em lei como suscetível de gerar a obrigação de arrecadar, mediante subtração de uma quota da riqueza (alíquota) gerada na operação. Os objetivos da tributação modificaram-se substancialmente ao longo dos tempos: nascido como reparação de guerra, hoje é objeto de importantes estudos que se desenvolvem tendo em vista atender os princípios que se impõem a qualquer sistema tributário: neutralidade, eficiência e justiça. A sociedade evolui, inclusive, modificando comportamentos e o Estado acompanha e regula esses comportamentos a partir do momento em que se mostram valores sociais relevantes. O tributo acompanha a sociedade, suas complexidades, manifestações e valores em busca de novos objetos de tributação.
Tradicionalmente o Estado, através do legislador tributário, capta a possibilidade de gravar os comportamentos sociais, pelos tributos, com os seguintes focos: (i) tributar parcela de riqueza, para prover os cofres públicos; (ii) evitar movimentos ou danos no contexto social; e (iii) induzir comportamentos. A imposição tributária exige, portanto, exame e estudo dos comportamentos sociais e de seus reflexos, por parte do Poder Público, e essa matéria é das mais interessantes, como se verá.
2.2. O fenômeno informação
O maior desafio do mundo moderno, certamente, é a informação e sob diversos aspectos: (i) necessidade do cidadão, o homem que vive em sociedade, de comunicar-se e conhecer/compreender o que os demais cidadãos pensam, fazem e produzem, sob pena de isolar-se; (ii) necessidade do cidadão de elucidar dúvidas de seu cotidiano; e (iii) necessidade do cidadão de crescer, intelectualmente, inclusive no que respeita ao exercício de suas atividades profissionais. Para atender a essas necessidades, o homem busca o contato com outras áreas do saber e com outros homens, a ponto de Manuel Castells observando esse fato2, ter designado, com muita propriedade, a sociedade moderna como a sociedade em rede, na qual as pessoas estão conectadas gerando conhecimento, processando informações e comunicando símbolos.
As trocas constantes entre os homens, nascidas da globalização do conhecimento, influenciaram na consolidação de uma área do conhecimento humano que a cada dia prospera mais e hoje responde por grandes avanços científicos: a interdisciplinaridade.
2.3. O fenômeno da interdisciplinaridade
Tradicionalmente, e apenas para efeitos didáticos, as ciências são classificadas em grupos segundo a finalidade de seus objetos ou de seus instrumentos de pesquisa, sendo que a mais antiga classificação talvez seja aquela que divide as ciências em culturais e naturais, com algumas variações. Essa segregação de ciências em decorrência de seus objetos e métodos de pesquisa consolidou a figura da disciplinaridade científica, em que cada suposto ramo do saber tem conteúdo e método próprios não se confundindo com quaisquer outros. O progresso de certos estudos evidenciou que, muitas vezes, é necessário envolver e trabalhar com mais de uma ciência, ao mesmo tempo, o que conformou a multidisciplinaridade, ou seja, o recurso a duas diferentes disciplinas sem que elas sejam alteradas em seus objetos e métodos. Por essa razão, atualmente, considera-se que a divisão entre as ciências é apenas um instrumento prático, uma vez que os progressos científicos observados decorrem de problemas nascidos nos limites de setores que, até então, eram tratados isoladamente3.
Consoante se aprende com Ivani Catarina Arantes Fazenda, interdisciplinaridade pode ser definida como a colaboração existente entre disciplinas diversas em setores heterogêneos de uma mesma ciência, implicando um regime de copropriedade de conhecimento, que possibilita o diálogo entre interessados, razão pela qual interdisciplinaridade seria, antes de tudo, atitude. Dessa forma, através da mudança comportamental consistente em substituir a visão fragmentária de um fato por uma visão unitária, em matéria de pesquisa, estudo e ensino é que se poderia fortalecer o conhecimento4.
A atitude dos juristas, por muitos anos, foi de considerar como inaplicáveis ao Direito as pesquisas interdisciplinares. Muito interessantes, nesse sentido, são os comentários produzidos por Christophe Jamin5, ao tratar do tema da análise econômica do Direito Tributário, na França. Afirma esse autor que sob o argumento de que o Direito deveria basear-se na norma posta pelo Estado, viam os juristas no estudo dos textos a essência mesma da arte jurídica. Por essa razão o positivismo tem sido visto como um forte obstáculo para o desenvolvimento da interdisciplinaridade uma vez que define e delimita, de forma científica, o objeto que deve ser estudado, como o faz Kelsen em sua Teoria Pura do Direito ao tratar do sistema jurídico como que encerrado em si mesmo sem abri-lo, pelo que se observa, para um compartilhamento com outras ciências. Confirmando essa percepção, Kelsen assim se expressa “a ciência jurídica procura apreender o seu objeto ‘juridicamente’, isto é, do ponto de vista do Direito. Apreender algo, juridicamente, não pode significar senão apreender algo com o Direito, o que quer dizer: como norma jurídica ou conteúdo de uma norma jurídica”. Em nota de rodapé esclarece que essa é a posição da Teoria Pura do Direito em face da teoria “egológica” do Direito que afirma ser o objetivo da ciência jurídica constituído não pelas normas, mas pela conduta humana do Direito, e em face da teoria marxista que considera o Direito um agregado de relações econômicas6. De forma inversa, Miguel Reale descreve com muita precisão o processo que desenvolveu para construir a teoria tridimensional do Direito: fato, valor e norma. Inicia questionando a posição de Kelsen (para Kelsen, “Direito é norma jurídica e não é nada mais do que norma”.) sob a afirmativa: “não, a norma jurídica é a indicação de um caminho, porém, para percorrer um caminho, devo partir de determinado ponto e ser guiado por certa direção: o ponto de partida da norma é o fato, rumo a determinado valor”7.
Essa visão do Direito, encerrado em si mesmo, vem sendo abandonada, a partir das mais recentes constatações de que o estudo da norma jurídica não deve ser feito sem que se examine sua inserção no mundo social bem como no conjunto ordenado de normas em suas diversas conexões. O fato mais relevante para se concluir que a interdisciplinaridade se impõe, também, para o Direito é a constatação de que ele se nutre do fato social relevante que, na sua origem, envolveu a convivência de conhecimentos e soluções muito diferentes.
No que tange ao Direito Tributário, em especial, a interação entre os vários ramos do saber é essencial, desde a elaboração da norma, pelo Poder Público, passando por sua aplicação e interpretação. Não são raras as circunstâncias em que o legislador atribui certo encargo/regime a uma situação concreta em decorrência de suas especiais características como é o caso do tratamento tributário dispensado a certos bens ou produtos desde que eles de fato se qualifiquem no modelo desenhado pelo legislador. Observe-se que nessa circunstância o processo de atribuição do encargo/regime exigiu: (i) do legislador, o entendimento das características do valor social que se examina, assim como do bem que se está incluindo sob o novo tratamento legal, tarefa por ele desempenhada, certamente, com o auxílio de especialistas; (ii) do contribuinte destinatário, a confirmação de que se inclui no âmbito da norma, tarefa que também exige o socorro ao especialista, e (iii) do juiz, a convicção de que a norma atende os pressupostos do sistema e que o contribuinte dela pode se valer. Efetivamente, instituir, aplicar e interpretar uma norma tributária exigem muito mais do que apenas o conhecimento do Direito.
O sistema jurídico, de sua vez, não pode ser tido como monolítico e insuscetível de alterações uma vez que o homem e o mundo se modificam. Miguel Reale aborda a hipótese de mudança do conteúdo valorativo de uma norma jurídica, em decorrência da mudança dos valores sociais, sem que a norma tivesse sua redação alterada ou perdesse a vigência. A justificativa desse fenômeno reside no fato de estar a norma
“imersa no mundo da vida, ou seja, na nossa vivência cotidiana, no nosso ordinário modo de ver e apreciar as coisas. Ora, o mundo da vida muda. Então acontece uma coisa que é muito importante e surpreendente: uma norma jurídica, sem sofrer qualquer mudança gráfica, uma norma do Código Civil ou do Código Comercial, sem ter alteração alguma de uma vírgula, passa a significar outra coisa (...).”8
A complexidade das relações sociais, nos dias de hoje, não permite que o Direito deixe de interconectar-se com outros setores do saber, tidos como jurídicos ou não. Esses elementos e aspectos têm, individual ou coletivamente considerados, relevante importância na matéria que adiante se examina: a eleição do valor social que se sujeitará à incidência tributária e o processo para se fazer essa eleição e inseri-la no ordenamento jurídico.
3. O Direito Tributário e suas Interações com os demais Ramos do Direito
3.1. Afinal, o que é objeto de tributação?
Ao dispor sobre os impostos, uma das espécies de tributo, a Constituição Federal - CF, art.145, determina que sempre que possível eles
“terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte” (destaque nosso).
Dentre outras disposições, portanto, determina a CF, em matéria de impostos, que eles terão como suporte fático situações, portanto negócios jurídicos, de natureza econômica. Negócios jurídicos implicam, necessariamente, em acordo de vontades e, sendo de natureza econômica, são regidos pelos princípios da Ciência da Economia como: relação fornecedor e consumidor, oferta e procura de bens e serviços, recursos e sua escassez, produção e rendimento, capital e trabalho, capacidade econômica e outros.
Hugo de Brito Machado afirma que na relação jurídica tributária há subjacente, sempre, uma relação econômica, sendo o tributo, também, uma realidade econômica9. É interessante observar que a tributação, desde sempre e inclusive nos padrões atuais, está calcada na riqueza econômica de que o cidadão contribuinte dispõe, seja ela tomada como riqueza acrescida em certo período, riqueza patrimonial que se acresceu em períodos anteriores, riqueza consumida, riqueza patrimonial utilizada para adquirir bens e serviços, envolvendo verdadeira substituição de riquezas. A disposição constitucional atinente aos impostos, como se observa, não permite que outro referencial, que não a realidade econômica, seja tomado para instituir impostos sendo patrimônio e rendimentos também fenômenos econômicos.
De forma diversa, no que tange às contribuições de melhoria e às sociais e de intervenção, têm elas referenciais próprios (finalidade de aplicação) dos quais o legislador não pode se afastar (arts. 145, III, e 149); as taxas, de seu lado, são contrapartida de serviço prestado pelo Poder Público (art. 145, II). Dessa maneira, a leitura do texto constitucional evidencia e delimita o que no Brasil pode ser objeto de tributação.
O temário voltado à introdução de fontes de arrecadação de tributos, no País, tangencia e tangenciará, necessariamente, pelo exame dos dispositivos constitucionais sobre o que pode ser objeto de tributação: a formulação do tributo exige, portanto, do legislador a observância do texto constitucional associada a uma forte interação com outras áreas do saber.
3.2. A formulação e a interpretação da norma tributária: primeiras interações
A CF relaciona em seu art. 150 quais são os limites que o legislador deve observar ao tratar de matéria tributária: são as limitações constitucionais ao poder de tributar, garantia do contribuinte de que nenhuma exação lhe será imposta sem que antes tenham sido observadas, rigorosamente, as condições para que tal exigência prevaleça. Dessa forma, esses preceitos só existem e operam para e pelo contribuinte, não representando qualquer garantia para o Poder Público, senão que obrigação a ser, plenamente, cumprida.
Observa-se, na instituição de tributo, uma vinculação profunda e de impossível afastamento do legislador tributário com as determinações constitucionais, sendo que sua inobservância implica a inconstitucionalidade da correspondente lei ou dispositivo. Esta é a primeira interação que surge do Direito Tributário com o Direito Constitucional que, no sistema jurídico brasileiro, é de tal relevância a ponto de ter ensejado a subespécie científica designada como Direito Constitucional Tributário10. Esse inter-relacionamento exige do legislador uma incursão pelos domínios e princípios que orientam a matéria constitucional, sua aplicação e sua interpretação sem que, contudo, perca ele de vista os princípios e os métodos que orientam a matéria tributária a cuja formulação está submetido.
3.3. A incidência tributária e suas interações
Uma vez instituída a incidência tributária, pelo poder competente, fica aquele que praticar o ato descrito em lei como suficiente para gerar a obrigação de pagar o tributo, obrigado ao seu pagamento: é o sujeito passivo da obrigação tributária. O sujeito passivo interpreta e aplica a lei à sua situação concreta, fato do mundo, em que se envolve e que gera reflexos tributários. Interpretar, consoante Carlos Maximiliano, é a atividade de determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito, acrescentado que a arte da interpretação possui técnica própria que lhe permite atingir os fins pretendidos11. Assim atua o cidadão para definir se é ou não o destinatário do comando legal: busca o sentido e o alcance da norma. Nessa busca deverá examinar o negócio jurídico que praticou, em se tratando de um imposto, sua causa jurídica e seus reflexos. A tarefa de verificar a natureza do negócio jurídico praticado e sua submissão a certa incidência tributária exige, também, do suposto contribuinte uma incursão pelo: (i) Direito Civil e seus institutos como os contratos, os direitos reais, a posse e a propriedade, a família e outros; (ii) Direito Comercial e seus institutos como a falência e a recuperação judicial, os títulos de crédito, o registro de comércio; e (iii) Direito Societário e seus institutos como os tipos de sociedades, os títulos e valores mobiliários, a atuação bolsística e outros. Se o tributo é uma contribuição social vinculada à folha de pagamento, o suposto contribuinte buscará apoio no Direito Trabalhista e Previdenciário.
Observe-se, ainda, que o intérprete da matéria tributária deve orientar-se em consonância com o disposto no Código Tributário Nacional - CTN, arts. 107 a 112, que tratam da interpretação e integração da norma tributária. O enquadramento na hipótese de incidência tributária obriga o sujeito passivo a examiná-la, atenta e profundamente, bem como o fato que se desenvolve ou se desenvolveu, e esse exame exige uma interação não só com as áreas do Direito, acima descritas, como a interação com outras áreas do conhecimento.
Situação típica que envolve o conhecimento técnico e o conhecimento jurídico observa-se na classificação de produtos para fins de incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, na forma do Decreto 7.212/2010, Regulamento do IPI - Ripi, que regula a Lei 4.502/1964, legislação básica desse tributo. A tarefa de classificação de um produto pelo contribuinte deve iniciar-se a partir de seu entendimento da natureza desse produto, fundado na tecnologia e na técnica12 que determinaram sua produção e destinação ao uso. De posse dessas informações, o contribuinte deverá percorrer as disposições de lei que o orientam quanto ao enquadramento, ou não, desse produto para fins de tributação pelo IPI. O primeiro passo é a consulta aos arts. 15 a 17 do Ripi, que dispõem sobre a forma pela qual se devem aplicar as regras de enquadramento dos produtos na Tabela do IPI - Tipi. Esgotados esses passos e se ainda houver dúvidas quanto ao enquadramento do produto, pode o contribuinte formular, a partir dos elementos técnicos e tecnológicos de que dispõe, consulta às autoridades para que se determine a melhor classificação e se, definitivamente, o bem estiver submetido a essa incidência.
Os passos do processo de interpretação da norma e do enquadramento do fato jurídico eleito como hipótese de incidência tributária e a necessária inteiração de diversas áreas do conhecimento, além do Direito, podem ser facilmente comprovados, especialmente no campo do IPI. É interessante observar que por conta dessas dificuldades muitos produtos que parecem assemelhar-se têm, no mercado, classificações diferentes, dependendo de seus produtores e fornecedores, como ocorre com um item hoje considerado essencial no deslocamento de pessoas, pela facilitação e certeza que traz: o equipamento conhecido, de forma genérica, como GPS - Global Positioning System.
O GPS, traduzido como “sistema de posicionamento global”, é definido como um conjunto de satélites que ficam na órbita da Terra possibilitando que as pessoas, dotadas de receptores terrestres, localizem com precisão sua posição geográfica. O receptor GPS apresenta um computador que triangula sua própria posição por meio de marcações obtidas através dos satélites, sendo o resultado apresentado na forma de marcação geográfica, longitude e latitude, no espaço de 100 metros para a maioria dos receptores. Se o receptor estiver equipado com um monitor, que exiba um mapa, a posição pode ser mostrada no mapa. O GPS, conjunto de satélites, é de propriedade do governo norte-americano, mas o uso da tecnologia é franqueado mundialmente, sem qualquer custo13.
No mercado, esse produto é tratado de diversas formas, dependendo do que o fornecedor pretenda enfatizar/vender: computador, equipamento de rádio, equipamento multimídia, localizador, facilitador da comunicação telefônica e por aí afora. O GPS vem em suas especificações técnicas, de forma genérica e resumida, descrito como navegador ou processador, dotado de tela de alta resolução, slot de memória, bateria recarregável, antena interna, receptor GPS, memória interna, alto falante integrado, porta USB e conector de fone de ouvido. Ao lançar o produto no mercado, o empresário responsável, contribuinte do IPI, já deve ter desenvolvido a tarefa de examinar, à luz da técnica e da tecnologia aplicadas ao GPS que produz, a adequada classificação fiscal a fim de evitar transtornos e problemas com as autoridades. Vejamos como esse processo segue junto ao Fisco.
3.4. Exigência do tributo e interações de natureza procedimental e processual
Verificada a hipótese de incidência, o contribuinte procede à declaração do fato gerador e ao recolhimento do correspondente tributo, consoante a melhor interpretação que faz da norma legal. Na hipótese de não haver, por parte do contribuinte, o adequado enquadramento da operação ou na ausência de qualquer procedimento espontâneo que identifique o fato gerador, pode a autoridade fazendária fazer o lançamento, observadas as disposições legais aplicáveis. Observe-se que a tarefa da autoridade não é diversa daquela desenvolvida pelo contribuinte, no sentido de identificar o fato, qualificá-lo do ponto de vista jurídico e enquadrá-lo na hipótese de incidência descrita em lei. Convergem nessa ação da autoridade, pelo menos, dois diversos ramos do Direito, o Tributário e o Administrativo. De fato, insere-se agora elemento novo, o procedimento administrativo de lançamento, ato típico de administração regido pelo Direito Administrativo e que culmina com a lavratura do auto de infração com a exigência do tributo e a imposição de multa. Na hipótese de o contribuinte não concordar com o lançamento, cabem a impugnação e os correspondentes recursos, após a decisão das autoridades.
O Acórdão 6.607/2004, da 1ª Turma da Delegacia da Receita Federal/SP, examinou questão voltada à classificação do equipamento GPS, em situação em que o contribuinte foi autuado por indevida classificação fiscal e correspondente recolhimento a menor do IPI. A decisão não nos permite saber, ao certo, qual foi o enquadramento adotado pelo autuado, mas permite entender que sua classificação não foi adequada e ensejou lançamento confirmado pela Turma de julgamento da Delegacia da Receita Federal. O exame da autoridade envolveu o GPS e outros itens, como se observa:
“1. ‘Máquina móvel para sistema de controle e acesso dos serviços móveis de processamento de texto e posicionamento de veículos, constituído por antena móvel de pro transmissão e recepção de satélite, de sistema de posicionamento GPS, unidade de controle receptor GPS, acionador de veículo com tela de cristal líquido’ designado comercialmente como MCT - Terminal Móvel de Comunicação e que se caracteriza como hardware transmissor com receptor incorporado, digital, de telecomunicação por satélite, em banda C, o qual é integrante do Sistema OmniSAT e faz uso do sistema GPS, classifica-se no código NCM 8526.91.00. 2. ‘Placas analógicas e digitais para demodulação’ - que se prestam somente para demodulação de sinal, classificam-se no código NCM 8517.50.10. 3. ‘Bateria de lítio’, recarregável classifica-se na posição NCM 8507.80.00. 4. ‘Antenas de transmissão e recepção por satélite’ classificam-se no código NCM 8529.10.10. 5. ‘Amplificadores de radiofreqüência’ classificam-se no código NCM 8543.89.19.” (Decisão de 23.4.2004. www.receitafazenda.gov.br - destaques nossos)
Observe-se que os itens acima mencionados, além do GPS, podem ou não acompanhá-lo, mas com ele, certamente, não se confundem: placas para demodulação de sinal, bateria de lítio, antena de transmissão e amplificador de radiofrequência. Além disso, ressalte-se que: (i) o Capítulo 85 da Tabela de IPI abrange máquinas, aparelhos e materiais elétricos, e suas partes; aparelhos de gravação ou de reprodução de som, aparelhos de gravação ou de reprodução de imagens e de som em televisão, e suas partes e acessórios; e (ii) a posição 85.26 abrange aparelhos de radiodetecção e de radiossondagem (radar), aparelhos de radionavegação e a subposição 85.26.91.00 abrange aparelhos de radionavegação. A definição pelo Código 85.26.91.00 exigiu das autoridades envolvidas o recurso ao conhecimento científico especializado para que se pudesse definir o que seria o vulgarmente denominado GPS e se desse o adequado tratamento tributário, distinguindo-o de outros itens que o acompanhavam, possivelmente. É o fato do mundo examinado de forma interativa por diversos ramos do saber, para fins de incidência tributária.
O conteúdo da decisão formulada no acórdão, aqui referido, foi referendado, por parte das autoridades fiscais, no Ato Declaratório Interpretativo 22/2004, da Secretaria da Receita Federal, nos seguintes termos:
“Art. 1º Aparelhos receptores GPS (Global Positioning System - Sistema de Posicionamento Global), que desempenham a função de autolocalização em coordenadas de altitude, latitude e longitude, por meio de sinais de rádio emitidos por uma constelação de satélites (radionavegação), para quaisquer usos, classificam-se no código 8526.91.00 da Nomenclatura Comum do Mercosul.
Art. 2º Fica Revogado o Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 14, de 2 de setembro de 2003.”
O dispositivo revogado, mencionado no art. 2º do Ato Normativo sob exame, definia o GPS nos seguintes termos: “Os aparelhos e equipamentos que fazem uso do Sistema de Posicionamento Global (Global Positioning System - GPS), desempenhando a função de autolocalização em coordenadas de altitude, latitude e longitude, classificam-se como aparelhos de radionavegação no código 8526.91.00 da Nomenclatura Comum do Mercosul.” Como se pode depreender, alguns novos conceitos científicos especializados foram introduzidos e deram maior precisão para fins de identificação e enquadramento do produto.
Por fim, e de grande importância, é que a matéria decidida no acórdão envolveu autuação por incorreta classificação, portanto o dado mais relevante é que o conhecimento em profundidade da norma jurídico-tributária implica reconhecer a essencialidade do recurso a outros ramos do conhecimento. Encerrado o processo administrativo sem que o contribuinte logre êxito, pode ele dirigir-se ao Poder Judiciário e neste momento, novamente, o Direito Tributário entrecruza com outro ramo do Direito, o Direito Processual Civil que orienta a discussão da matéria nos tribunais. Não raramente o julgador solicita, em matéria de fato, o auxílio do especialista em certas áreas do conhecimento para, através de diligências e perícias, determinar a natureza de certos fatos e aspectos sob discussão. Consoante o Código de Processo Civil, art. 420 e seguintes que tratam da prova pericial, ela será indeferida se, dentre outras hipóteses, não depender de conhecimento especial de técnico. Observa-se nessa disposição a consagração do conhecimento técnico como elemento essencial na decisão do juiz, ainda mais que o art. 431-B dispõe que se tratando de perícia complexa, que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, pode o juiz nomear, também, mais de um perito. A interdisciplinaridade, portanto, se faz presente para dirimir controvérsias.
4. Interdisciplinaridade do Direito Tributário com a Economia e a Contabilidade
Dentre os vários ramos do saber é inegável que há duas especiais ciências que convivem, diuturnamente, com o Direito Tributário: a Economia e a Contabilidade. Essa convivência, necessária, decorre do fato de ser o tributo, como já dito, fenômeno econômico por excelência uma vez que decorre da prática da atividade econômica, sendo medido e exigido à vista de certos eventos econômicos inclusive prestando-se, também, a ser regulador da atividade econômica. No que tange à Contabilidade, ela se aplica a reconhecer, mensurar e evidenciar as atividades econômicas, de uma dada entidade, sendo resultado de um amplo conjunto de forças econômicas, sociais, institucionais e políticas14.
A partir de agora, o tema que se pretende abordar é a interdisciplinaridade necessária entre Economia, Contabilidade e Direito e seus reflexos na apuração do tributo. O último tópico desenvolvido versará sobre o efeito prático gerado pela adoção de novas práticas de escrituração, orientadas pelo contexto econômico, no cenário contábil brasileiro e sua repercussão tributária, assim enfeixando a total interatividade entre esses ramos do saber.
4.1. Interação entre Economia e Direito Tributário
O Código Civil, art. 966, define o empresário como aquele que exerce, profissionalmente, atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços sendo que a atividade econômica é objeto de tributação, consoante recomendado pela CF, art. 145, já comentado. A atividade econômica é orientada pelas regras da Economia, a ciência que trata do estudo das leis que regem a produção, distribuição e consumo de bens, em sentido amplo. O adequado entendimento do fato econômico, portanto, é relevante para o exame da aplicabilidade da norma tributária.
Consoante Richard Posner15, um dos fundadores da escola Direito & Economia que analisa o Direito do ponto de vista econômico, a Economia é a ciência da escolha ou eleição racional em um mundo onde os recursos são limitados em relação às necessidades humanas. A partir do conceito de que o homem busca maximizar racionalmente seus objetivos (interesse próprio) derivam os três fundamentos da Economia: (i) relação inversa entre o preço cobrado e a quantidade demandada; (ii) custo do bem uma vez que um vendedor racional não vende seus bens por preço inferior ao custo; e (iii) uso dos recursos para suas finalidades mais valiosas, em um mercado livre. Além disso, pondera esse autor, há alguns conceitos fundamentais na ciência econômica como valor (econômico) de algo, que corresponde àquilo que se está disposto a pagar por um bem; utilidade, vinculada a risco, envolvendo o custo e a fruição ou não de certo bem e eficiência ou forma de realizar as coisas consoante o previsto, de maneira a maximizar valor (eficácia) com o menor custo possível. Como se depreende, a Economia colhe seus fundamentos da experiência social passada e estabelece regras e padrões para a vida social futura; o Direito colhe os valores sociais consagrados (passado) e os projeta como norma a ser observada, no futuro: é a cristalização do valor social.
As práticas econômicas observam princípios e padrões científicos testados à luz da experiência e do comportamento humanos. Essas práticas econômicas consagradas como valor social é que serão, como determinado pelo legislador constitucional, objeto de acolhimento pelo sistema, por ocasião da instituição da norma tributária. A norma tributária não pode, portanto, deixar de acolher, também, os fundamentos econômicos das atividades que são objeto de imposição tributária. A tributação da atividade empresarial tem como fundamento a prática de negócios jurídicos de natureza econômica e a riqueza colhida para efeitos de arrecadação é a riqueza, em geral, reconhecida no chamado regime econômico e que prescinde da realização financeira (recebimento do correspondente valor em recursos monetários ou caixa).
O uso do fenômeno econômico como indicador de riqueza não é privilégio do Direito Tributário, utilizado que é pelo Direito Societário para remunerar os sócios de empresas (dividendo ou lucro) sendo também irrelevante, para tanto, o recebimento dos correspondentes recursos. Como exemplo, a tributação pelo imposto sobre a renda alcança o acréscimo patrimonial representado por fatos econômicos, o que exige que tais fatos sejam interpretados, necessariamente, à luz dos correspondentes fenômenos econômicos que os gerara.
4.2. Contabilidade e Direito Tributário
A tradição brasileira, no que tange à apuração do imposto sobre a renda das pessoas jurídicas, sempre foi utilizar as demonstrações financeiras, na forma determinada pela lei societária. Assim, até 31 de dezembro de 2007, as pessoas jurídicas tributadas pelo imposto sobre a renda, com base no lucro real, determinavam sua base tributável a partir do lucro líquido apurado na escrituração comercial (art. 6º do DL 1.598/1977 e alterações). Os tributos ditos indiretos, em algumas circunstâncias, também eram apurados a partir dos registros contábeis de faturamento e dos correspondentes custos que podem ser usados como créditos.
Em dezembro de 2007, profundas alterações foram introduzidas na lei societária, Lei 6.404/1976, pela Lei 11.638/2007, incorporando, se não de forma plena, ao menos substancial, os padrões contábeis internacionalmente adotados, o chamado IFRS16. A própria lei determinou que a Comissão de Valores Mobiliários, ao fixar regras contábeis para as companhias abertas, também o fizesse em consonância com esses mesmos padrões internacionais. As principais alterações introduzidas na lei societária dizem respeito à elaboração das demonstrações financeiras, no Brasil, contidas nos arts. 176 a 205 que passam a observar, essencialmente, os moldes propostos pelos padrões internacionalmente adotados, sendo de obrigatória observância por todas as entidades17 submetidas à obrigação de elaborar demonstrações financeiras. Como reflexo dessas mudanças colhe-se que consoante o IFRS, no que foi aceito pela lei brasileira, processam-se: (i) a apuração de lucros e dividendos; (ii) os negócios efetivados com base no patrimônio líquido das entidades; (iii) o patrimônio incluído em falência e recuperação judicial; (iv) os negócios de crédito; (v) as exigências trabalhistas; e (vi) as questões envolvendo todo tipo de responsabilidade, inclusive de exercício profissional18.
Consoante Alexsandro Broedel e Roberto Quiroga Mosquera19, o novo ordenamento contábil brasileiro difere do anterior pela adoção de normas e critérios contábeis distintos, prezando o novo modelo a essência contábil e não a jurídica. A mensuração dos fatos que se fazia pelo custo de aquisição (histórico) ou consoante as regras fiscais, passou a ser feita pelo valor justo e pela vida útil econômica. Observe-se que para fins contábeis o fenômeno econômico ganhou dimensão muito maior do que o fenômeno jurídico, razão pela qual não basta a simples declaração de vontade, válida no sistema jurídico, para consubstanciar a operação para fins contábeis; é necessário perquirir e atingir a vontade das partes, o que elas de fato pretenderam, do ponto de vista econômico, independentemente do modelo contratual eleito para firmar o negócio.
Como se observa, há, na atualidade, uma total integração do fenômeno econômico com o fenômeno contábil, colhendo-se as negociações da mesma forma que são praticados em uma relação entre terceiros. Dessa forma, é possível representar o patrimônio social por seu valor econômico e não por outro vinculado a diferente contexto socioeconômico, como ocorreria com a manutenção do custo de aquisição.
Esse dado de aplicação da essência econômica em detrimento da forma jurídica, pela Ciência Contábil, é de extrema relevância para fins tributários, pois podem ensejar o reconhecimento de uma base tributável colhida em elementos que não tiveram sua realização efetiva. Por essa razão, para fins tributários a Lei 11.941/2009 determinou que as novas práticas contábeis fossem neutras, mantendo-se os princípios e critérios contábeis aplicados em 31 de dezembro de 2007. Em decorrência dessa determinação a apuração dos tributos, atualmente, deixou de lado a tradição de sustentar-se nos elementos que compõem as demonstrações financeiras para pautar-se em elementos estranhos ao lucro líquido contábil, única verdadeira riqueza, suscetível de acrescer o patrimônio social. A segunda importante conclusão é que a apuração dos impostos, ao afastar-se da prática contábil atual, afastou-se, também, da determinação constitucional que recomenda que elementos voltados à atividade econômica sejam utilizados na instituição e apuração desses tributos.
4.3. O injustificável divórcio entre Direito Tributário, Contabilidade e Economia
A análise do RTT, neste momento, evidencia que esse instituto, justificável por ocasião da introdução dos novos padrões contábeis, parece não mais encontrar fundamentos de subsistência por razões variadas: (i) distanciamento do elemento empresarial, única riqueza tributável, exceto se os conceitos constitucionais de renda forem abandonados e se adotar um critério de renda presumida, renda legal, não sustentada em fatos econômicos, o que é vedado constitucionalmente; (ii) adoção de critérios diversos de apuração de lucro contábil e de lucro tributável, instrumento de ineficácia na determinação da base tributável; e (iii) consagração da ineficiência tributária na medida em que ao estabelecer elementos de apuração do tributo diversos dos registros contábeis dificulta sua apuração e fiscalização.
Esse injustificável divórcio do Direito Tributário e da Contabilidade também determina um afastamento do fato econômico, hoje privilegiado pela Ciência Contábil. Olvidar o fato econômico é olvidar que o tributo é, de per si, fato econômico, por excelência, criado e justificado pelas relações econômicas desenvolvidas pela sociedade. As dificuldades que hoje se constatam na apuração dos tributos suportados na Contabilidade, após a introdução do RTT, estão obrigando as entidades ao uso de meras presunções sem qualquer vínculo com a realidade econômica de seus negócios. Dessa natureza são as infindáveis discussões que hoje se processam sobre adotar o balanço fiscal ou o societário para calcular: (i) dividendos isentos, como se eles pudessem ter outra base que o lucro societário; (ii) preços de transferência, como se eles não fossem, apenas e exclusivamente, um ajuste ao preço praticado e registrado na contabilidade; e (iii) juros sobre o capital, como se eles pudessem ter outra base que o patrimônio líquido da sociedade, com os ajustes de lei.
Nossa análise considerou apenas o RTT, entretanto, de há muito certas práticas aplicadas aos tributos indiretos também demonstram uma total desconformidade com o fato econômico, o preço praticado e registrado na Contabilidade e as disposições constitucionais sobre a matéria. Esse é o caso da substituição tributária, calculada por critério de presunção que se afasta, totalmente, da natureza e das condições econômicas do negócio jurídico praticado e que deveria ser submetido à incidência tributária. A prática de tributar o faturamento ou a receita, no critério cumulativo sem, portanto, conceder ao contribuinte o direito de crédito sobre custos necessariamente incorridos para a geração de tais receitas, critério econômico essencial para se determinar a base tributável, é outra situação que, notoriamente, contraria as disposições constitucionais sobre a tributação da riqueza.
Esses fatos dentre muitos outros que se podem apresentar e comentar demonstram que urge se promova a reconciliação entre o Direito Tributário, a Contabilidade e, por consequência, a Economia, cuja interação e interdisciplinaridade são incontroversas.
1 Sobre o tema veja cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
2 Cf. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: a era da informação: economia, sociedade e cultura, vol. 1, 4ª ed. Tradução de Roneide Venâncio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 35.
3 Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 4ª ed. Tradução de Alfredo Bosi, revisão de Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 141.
4 FAZENDA, Ivani. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia? São Paulo: Loyola, 1992, pp. 25-57.
5 ALLAND, Denis; e RIALS, Stéphane. Dictionnaire de la culture juridique. Paris: Quadrige/Lamy-PUF, Presses Universitaires de France, 2003, p. 580.
6 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 3ª ed. Tradução de João Baptista Machado, revisão para a edição brasileira de Silvana Vieira. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 79.
7 REALE, Miguel. Teoria tridimensional do Direito. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 118-119.
8 REALE, Miguel. Teoria tridimensional do Direito. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 124.
9 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 26ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 124.
10 Esta é a posição de Roque Carrazza, que assim denominou uma de suas mais importantes obras, cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. Até a Emenda Constitucional nº 44/2004.
11 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, pp. 1-17.
12 Técnica não se confunde com tecnologia: técnica é o conjunto de procedimentos ligados a uma arte ou ciência, envolvendo destreza, habilidade e perícia; tecnologia é a teoria que envolve o conjunto de técnicas voltadas a certo mister; na origem, dissertação sobre uma arte ou exposição de suas técnicas. Cf. HOUAISS, Antônio; e VILLAR, Mauro Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa S/C Ltda. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 2.683.
13 THING, Lowell (ed.). Dicionário de tecnologia whatis.com: a mais completa fonte de consulta sobre tecnologia da informação, ciência da computação, comunicação e aplicações web. Tradução Bazán Tecnologia e Linguística e Texto Digital. São Paulo: Futura, 2003, pp. 365-366.
14 LOPES, Alexsandro Broedel. “A ‘política de balanço’ e o novo ordenamento contábil brasileiro das companhias abertas”. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; e LOPES, Alexsandro Broedel (coords.). Controvérsias jurídico-contábeis: aproximações e distanciamentos. Vol. 2. São Paulo: Dialética, 2011, p. 12.
15 POSNER, Richard. El análisis econômico del derecho. Tradução de Eduardo L. Suárez. México: Fondo de Cultura Económica, 1998, pp. 11-19.
16 IFRS: International Financial Report Standards.
17 Neste estudo a palavra “entidade” é utilizada para designar o sujeito da obrigação de fazer a escrituração contábil e elaborar demonstrações financeiras, sendo irrelevante sua natureza societária e seu objeto social. Para fins contábeis, entidade “que reporta é aquela para a qual existem usuários que se apoiam em suas demonstrações contábeis como fonte principal de informações patrimoniais e financeiras sobre a entidade.” (Pronunciamento Conceitual Básico CPC, item 8).
18 Sobre o tema já tivemos oportunidade de nos manifestar, cf. BIFANO, Elidie Palma. “Aspectos contábeis da Lei 11.638/07: reflexos legais”. In: ROCHA, Sergio André (coord.). Direito Tributário, Societário e a reforma da lei das S/A - inovações da Lei 11.638. São Paulo: Quartier Latin, 2008, pp. 43-74; cf. BIFANO, Elidie Palma. “O Direito Contábil: da Lei 11.638/07 à Lei 11.941/09”. In: ROCHA, Sergio André (coord.). Direito Tributário, Societário e a reforma da lei das S/A - alterações das Leis nº 11.638/07 e nº 11.941/09. São Paulo: Quartier Latin, 2010, pp. 17-204; cf. BIFANO, Elidie Palma. “Contabilidade e Direito: a nova relação”. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; e LOPES, Alexsandro Broedel (coords.) Controvérsias jurídico-contábeis: aproximações e distanciamentos. São Paulo: Dialética, 2010, pp. 116-137; cf. BIFANO, Elidie Palma. “As novas normas de convergência contábil e seus reflexos para os Contribuintes”. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; e LOPES, Alexsandro Broedel (coords.). Controvérsias jurídico-contábeis: aproximações e distanciamentos. Vol. 2. São Paulo: Dialética, 2011, pp. 51-68.
19 Cf. LOPES, Alexsandro Broedel; e MOSQUERA, Roberto Quiroga. “O Direito Contábil: fundamentos conceituais, aspectos da experiência brasileira e implicações”. In: LOPES, Alexsandro Broedel; e MOSQUERA, Roberto Quiroga (coords.). Controvérsias jurídico-contábeis: aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010, p. 72.