A não Cumulatividade do PIS-Cofins
Ives Gandra da Silva Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército - Eceme, Superior de Guerra - ESG e da Magistratura do Tribunal Regional Federal - 1ª Região. Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia). Doutor Honoris Causa das Universidades de Craiova (Romênia) e da PUC-Paraná, e Catedrático da Universidade do Minho (Portugal). Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP. Fundador e Presidente Honorário do Centro de Extensão Universitária - CEU/Instituto Internacional de Ciências Sociais - IICS.
Resumo
Trata-se de estudo no qual o autor demonstra que contribuições sociais são tributos em relação aos quais a EC nº 42/2003 introduziu, como faculdade, a não cumulatividade. Demonstra, ainda, que as Leis nos 10.637/2003 e 10.833/2004 criaram uma forma de não cumulatividade correspondente à autêntica subvenção pública, que é forma de política tributária, teoricamente, estimuladora de setores empresariais, mas que contem inconstitucionalidades.
Palavras-chave: não cumulatividade, contribuições sociais, subvenção pública, neutralidade de tributação.
Abstract
This is a study in which the author demonstrates that social contributions are taxes for which the EC nº 42/2003 introduced, as faculty, non-cumulative. It also demonstrates that laws ns. 10.637/2003 and 10.833/2004 created a form of non-cumulative corresponding to the authentic public subsidy, which is the form of tax policy, theoretically, stimulating the business sector, but it contains unconstitutional.
Keywords: non-cumulative, social contributions, public subsidy neutrality of taxation.
Quando das audiências preparatórias dos trabalhos constituintes, que duraram três meses aproximadamente, os constituintes ouviram os seguintes especialistas: Fernando Rezende, Alcides Jorge Costa, Geraldo Ataliba, Carlos Alberto Longo, Pedro Jorge Viana, Hugo Machado, Orlando Caliman, Ives Gandra da Silva Martins, Edvaldo Brito, Souto Maior Borges, Romero Patury Accioly, Nelson Madalena, Luis Alberto Brasil de Souza e Osiris de Azevedo Lopes Filho1.
A Subcomissão de Tributos, presidida por Francisco Dornelles e tendo como relator Francisco Bezerra e vice-presidente Mussa Demis, aceitou a tese por mim defendida de serem cinco as espécies tributárias, a saber: impostos (art. 145, inc. I), taxas (art. 145, inc. II), contribuições de melhoria (art. 145, inc. III), empréstimos compulsórios (art. 148) e contribuições especiais (art. 149), estas divididas em contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e no interesse das categorias2.
As espécies tributárias - uma das três normas gerais constitucionalizadas - o princípio da lei complementar3, estabilizadora do sistema tributário em nível de Federação, e aquele da capacidade contributiva, cujo respeito terminaria por implicar uma explicitação à parte, ou seja, de limitação constitucional ao poder de tributar, ao proibir-se o efeito confisco da tributação4, compuseram a primeira seção do Sistema Tributário, na lei suprema.
A inclusão das contribuições especiais no sistema tributário, entre elas as sociais, permitiu atribuir-se, novamente, o perfil de tributo às contribuições sociais, que passara a lhes ser negado a partir da EC nº 8/1977, quando a jurisprudência da Suprema Corte entendeu que, pelo art. 43 da EC nº 1/1969, os incs. I e X teriam diferenciado o que seriam tributos do que seriam contribuições5.
A mera reinclusão, na seção das normas gerais do capítulo do sistema tributário - nada obstante permanecer a dicção, como ocorre no parágrafo 6º do art. 156, de “tributo ou contribuição” - reintroduziu definitivamente na categoria de tributos todas as contribuições especiais, inclusive as sociais.
Da mesma forma que a exclusiva topografia no texto constitucional anterior retirara das contribuições o perfil de tributo pela EC nº 8/1977, a sua inclusão na seção do sistema tributário devolveu-lhes o “status” anterior, hoje sendo pacífica sua natureza tributária, à luz da CF de 1988.
Na promulgação da Magna Carta de 1988, todavia, não havia expressa menção à técnica não cumulativa, como forma de incidência e cobrança do referido tributo, ou ao princípio da não cumulatividade6. Por “técnica” há de se entender a forma pela qual será adotada a compensação entre os débitos e os créditos de operações anteriores; por “princípio”, a definição constitucional de como o legislador ordinário deverá agir nessa matéria. O uso dos dois termos não são incompatíveis, devendo prevalecer aquele que se aplicar à hipótese concreta examinada.
Nada, todavia, impediria que a não cumulatividade fosse hospedada por legislação ordinária, como técnica de arrecadação, pois a Constituição Federal não proibia sua adoção, como, de resto, já ocorria por lei ordinária, em algumas situações do ISS, muito embora formalmente a eliminação de entradas e saídas de recursos, neste tributo, não fossem consideradas como “não cumulatividade”. Assim, por exemplo, a passagem de recursos pelas agências de publicidade, receptoras de receita de terceiros para inserção de anúncio em jornais e revistas, com a entrada e saída formal de numerários de seus clientes para tais veículos, sempre foi considerada apenas como trânsito de recursos por conta de terceiros. O mesmo na construção civil, para tais efeitos.
O certo é que nada impediria sua adoção, por legislação ordinária, o que seria opção do legislador ordinário, independentemente de alteração constitucional. A não cumulatividade só é obrigatória para o IPI e para o ICMS7.
A EC nº 42/2003, todavia, como faculdade, introduziu a não cumulatividade para as contribuições sociais. Essa matéria até hoje propicia intermináveis polêmicas doutrinárias, administrativas e judiciárias, em face de caótica legislação ordinária regulatória do princípio, com modificações e interpretações, o mais das vezes mais geradoras de dúvidas do que de soluções.
Do que escrevi até agora, pode-se concluir, pela variada forma possível de implantação do princípio, a existência de duas grandes vertentes que lhe são pertinentes, a saber:
a) o princípio da neutralidade de tributação, para permitir que as operações sejam tributadas apenas pelo adicional de carga que carregam;
e
b) o princípio da subvenção pública, quando o direito a crédito não corresponde, necessariamente, à compensação da carga anterior, mas à efetiva desoneração de uma etapa, como forma de estímulo à produção e à circulação de bens e serviços.
Na primeira vertente, própria do IPI e do ICMS, que constitui inclusive princípio perfilado na lei maior (art. 153, parágrafo 3º, inc. I e art. 155, parágrafo 2º, inc. I), o crédito fiscal corresponde a instrumento pelo qual se opera a compensação periódica do montante do imposto recolhido nas entradas de insumos - matérias-primas, bens de ativo fixo - e serviços com o imposto devido pela saída do produto final tributado. Considerando-se que bens de ativo fixo e insumos são necessários à produção do bem final ou do serviço, devem gerar direito a crédito, nos termos das leis complementares.
Busca-se, portanto, na primeira vertente, a neutralidade da tributação8.
Na segunda, de que o PIS e a Cofins são exemplos, adota-se, na linguagem da Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 135, o denominado método subtrativo indireto, em que a metodologia adotada é a concessão de crédito fiscal sobre algumas compras (custos e despesas) definidas em lei, na mesma proporção que grave as vendas (receitas). O método assemelha-se - sem corresponder integralmente - à solução de compensação de base sobre base e não de imposto sobre imposto. Não é idêntico, posto que, se a base da saída pode se assemelhar à base da entrada, é, todavia, composta por elementos diversos (custos e despesas), ou seja, por ingredientes que a alargam.
Assim, o Ministro Palocci, na mensagem ao Presidente da República, refere-se a este método:
“6. A contribuição não-cumulativa que está sendo instituída tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.
7. Por se ter adotado, em relação à não cumulatividade, o método indireto subtrativo, o texto estabelece as situações em que o contribuinte poderá descontar, do valor da contribuição devida, créditos apurados em relação aos bens e serviços adquiridos, custos, despesas e encargos que menciona.” (Destaques meus)
Trata-se, portanto, como se verifica, de técnica absolutamente diversa da adotada pelo princípio constitucional da não cumulatividade para o IPI e para o ICMS9.
O aspecto mais relevante desta técnica reside no fato - ao contrário daquela adotada pelo princípio da não cumulatividade concernente ao IPI e ao ICMS - de seu mecanismo ser de tipo aberto - e não desenhado, como princípio, na Constituição. A concessão do crédito fiscal não impõe nenhuma vinculação com o “quantum” recolhido nas etapas anteriores.
Por esta metodologia de cálculo, é absolutamente irrelevante que o fornecedor esteja sujeito ao regime jurídico do lucro presumido, adote a disciplina legal do simples ou que suas operações sejam isentas10.
As Leis nos 10.637, de 2003, e 10.833, de 2004, conversoras das MPs nos 66 e 135, em verdade criaram uma forma de não cumulatividade correspondente a autêntica subvenção pública, que é forma de atender os reclamos de política tributária estimuladora de setores empresariais, muito embora muitas vezes haja mais estímulo em alíquotas menores, do que alíquotas maiores, com técnicas mais sofisticadas de incentivos11.
O certo, como se lê na exposição de motivos, é que objetivaram, as referidas leis, a expansão da atividade empresarial brasileira, em nível de mercados internos e externos, estando assim redigida, neste particular, a referida exposição de motivos:
“1.1. O principal objetivo das medidas ora propostas é o de estimular a eficiência econômica, gerando condições para um crescimento mais acelerado da economia brasileira nos próximos anos. Neste sentido, a instituição da Cofins não-cumulativa visa corrigir distorções relevantes decorrentes da cobrança cumulativa do tributo, como por exemplo a indução a uma verticalização artificial das empresas, em detrimento da distribuição da produção por um número maior de empresas mais eficientes - em particular empresas de pequeno e médio porte, que usualmente são mais intensivas em mão de obra.”12
Em parecer que me foi cedido por Edison Fernandes, autor de significativas obras no Direito pátrio, principalmente sobre Direito Tributário internacional, encontra-se a seguinte afirmação:
“VI. A concessão de créditos fiscais, portanto, não objetiva garantir retorno do investimento empresarial, mas, antes, garantir a competitividade para as empresas brasileiras, liberando recursos de tributos para se empregado como capital fixo ou capital de giro.
VII. Também a destinação dos créditos fiscais concedidos, por meio da sistemática de não cumulatividade da Contribuição para o PIS e da Cofins, está prevista em lei, uma vez que, regra geral, tais créditos somente podem ser utilizados para compensar débitos a título de Contribuição para o PIS e da Cofins.
VIII. Em resumo, a adoção do Método Subtrativo Indireto atribui ao crédito fiscal referente à Contribuição para o PIS e a Cofins três características que lhe dão a sua natureza, a saber:
a) Transferência de recursos públicos para as empresas privadas;
b) Previsão de finalidade específica;
c) Previsão de destinação dos recursos específica.
IX. Dadas essas características, concluímos que os créditos fiscais da Contribuição para o PIS e da Cofins têm a natureza de subvenção pública.”13
Conclusão que me parece absolutamente correta, visto que a técnica adotada - continuo preferindo o termo a “sistemática”, visto que se trata, efetivamente, de mera técnica de arrecadação, com possibilidade de oferecer desonerações e estímulos - corresponde, no que diz respeito aos estímulos, a uma definitiva transferência de recursos públicos para empresas privadas, em tributo que tem finalidade específica e cuja previsão de destino de recursos é também específica.
São estas algumas considerações que faço para reflexão sobre a matéria.
1 Brasil. Diário da Assembléia Nacional Constituinte, 19 de junho de 1987, p. 139.
2 Na sua redação original, estavam os artigos assim redigidos:
“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.”
“Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:
I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência;
II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, ‘b’.”
“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.”
3 O artigo 146 na sua dicção original, estava assim redigido:
“Art. 146. Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.”
4 O parágrafo 1º do artigo 145 está assim versado e o inc. IV do art. 150, “caput”, e inc. IV:
“Art. 145 - (...)
§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
IV - utilizar tributo com efeito de confisco.”
(...)
5 “Prescrição. Contribuições previdenciárias. Período anterior à Emenda Constitucional n. 8, de 1977.
Firmou-se a jurisprudência no sentido de que as contribuições previdenciárias concernentes a período anterior à vigência da Emenda Constitucional n. 8, de 1977, possuíam caráter tributário e em conseqüência, a prescrição sobre elas incidente é a qüinqüenal.
Decisão: Não conhecido. Unânime. 2ª Turma. 14.10.86.” (RE nº 111.130-5-SP, DJU de 14.10.1986)
6 Ylves José de Miranda Guimarães ensina: “Resulta o valor acrescido de um valor composto dos elementos que integram ou se agregam à mercadoria na sua produção e vêm a corresponder ao valor do produto adquirido pelo consumidor. Não funciona, repetimos, como sua base de cálculo, porquanto, quando da aplicação da sua vera hipótese de incidência pela ocorrência do seu fato gerador, a base imponível aplica-se na operação total de circulação de mercadorias (entrada + saída). Do imposto calculado na saída se deduzirá o imposto pago na entrada, por força do princípio da não cumulatividade. E a base de cálculo na saída não é o valor acrescido, mas o imposto sobre a saída deduzido do imposto sobre entrada.” (Cf. MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). “O fato gerador do ICM”. Caderno de Pesquisas Tributárias 3. São Paulo: Ceeu/Resenha Tributária, 1978, p. 371)
7 Escrevi: “Por ocasião da realização do III Simpósio Nacional de Direito Tributário do Centro de Extensão Universitária, discutiu-se amplamente o princípio da não cumulatividade no direito brasileiro.
Sua origem, de rigor e de forma ampla, principia com a Lei n. 3.402/58, quando o predecessor do IPI (o imposto de consumo) foi por inteiro hospedado por aquele imposto real e de circulação da competência da União.
À época, discutiu-se se estaria ou não consagrado o princípio do valor agregado, no direito brasileiro.
Após ampla discussão, concluiu-se que a teoria da não cumulatividade, adotada pelo legislador brasileiro no imposto de consumo, e, depois, com a Emenda Constitucional n. 18/65 para o IPI e para o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, não correspondia propriamente à do valor agregado, adotado timidamente na França em 1917 até ser plenamente desenvolvido em 1957 e hoje servindo de técnica impositiva comum dos países da comunidade européia.
De rigor, tal técnica pode ser exteriorizada pelo sistema de ‘tax on tax’, pelo de ‘basis on basis’ ou pelo da apuração periódica. No primeiro sistema, compensa-se o imposto pago numa operação pelo devido na outra. Pelo segundo, compensam-se as bases de cálculo.
No terceiro sistema, que é o adotado no Brasil, a apuração se faz, periodicamente, pelos créditos de imposto correspondentes às mercadorias entradas, contra os das mercadorias saídas em determinado período, pouco relevante sendo que a matéria-prima ou produto final entrado, que dá origem ao crédito, tenha sido utilizado ou saído em operação incidida no período.
No Brasil, dois são os impostos cumulativos, ou seja, o ICMS e o IPI, já que tal técnica é uma das três técnicas clássicas de incidência tributária, que são, a saber, a polifásica, a unifásica e a não-cumulativa.
A técnica unifásica, de certa forma, ficou restrita ao IOF sobre o ouro, antes sendo fartamente utilizada nos três denominados impostos únicos.
A técnica polifásica, em relação aos tributos reais, é a dominante exceção feita ao IPI e ao ICMS.” (Cf. BASTOS, Celso; e MARTINS, Ives Gandra da Silva (coords.). Comentários à Constituição do Brasil. T. 1. V. 6. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001, pp. 338/340)
8 Ichihara lembra que: “A não cumulatividade aparece como um verdadeiro princípio constitucional, e a sua agressão importa numa inconstitucionalidade máxima, que nem o legislador ou o agente público pode restringir o alcance ou o conteúdo desta diretriz.
Também, considerando o perfil e o modelo adotado pela nossa Carta Magna, analisando-se as regras e a mecânica adotada para a apuração do imposto a pagar, sem dúvida a não cumulatividade aparece como regra, mecânica e perfil de tais impostos.” (Cf. MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). “O princípio da não cumulatividade”. Pesquisas Tributárias. Nova Série 10. São Paulo: CEU/RT, 2004, p. 304)
9 Carlos da Rocha Guimarães, um dos pais do CTN, esclarece que: “Assim, o valor acrescido, como sistema de cobrança, não integra a essência do fato gerador do ICM; no entanto, faz parte integrante dela o seu correlato aritmético: dos débitos apurados pela aplicação da alíquota sobre o valor das operações (preço da operação ou do mercado) devem ser abatidos os créditos decorrentes das operações anteriores, pagos pelos transmitentes das mercadorias.” (Cf. MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). “O princípio da não cumulatividade”. Pesquisas Tributárias. Nova Série 10. São Paulo: CEU/RT, 2004, p. 38)
10 Ricardo Mariz de Oliveira reconhece, inclusive, haver variados regimes arrecadatórios para a Cofins, ao dizer: “Desta maneira, e neste caso, a referida competência pode ser exercida corretamente se a lei prescrever reduções na base de cálculo, mas estabelecida esta originariamente no montante das receitas, nunca sendo tolerável uma fórmula de quantificação da base de incidência que não tome a receita como parâmetro participante e principal.
É essa competência que acoberta a instituição dos vários regimes através dos quais hoje em dia são calculadas a Cofins e a contribuição ao PIS, os quais são válidos e possíveis por não contrariarem qualquer norma superior em sentido diverso, e por encontrarem embasamento intrínseco no referido parágrafo 9º, cuja validade somente fica condicionada a que a sua instituição para estes ou aqueles contribuintes respeite o requisito expresso no mesmo parágrafo, isto é, que seja destinada a casos de intensa utilização de mão-de-obra ou para determinadas atividades econômicas distintas de outras.
Em outras palavras, contribuições sobre as receitas quantifica das diferentemente, parte como contribuições incidentes sobre o valor bruto das mesmas, e parte como contribuições incidentes sobre o valor bruto delas mas deste deduzidos determinados valores que a lei especificar, representam distintas bases de cálculo de uma mesma espécie tributária, que não fogem do elemento essencial e indissociável exigido pelo próprio fato gerador dessa espécie.” (Cf. OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. “Aspectos relacionados à não cumulatividade da Cofins e da contribuição ao PIS”. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; e FISCHER, Octavio Campos (coords.). PIS-Cofins: questões atuais e polêmicas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 32)
11 Fátima Fernandes Rodrigues de Souza entende de forma idêntica ao dizer: “A primeira observação que cabe fazer é que a não cumulatividade assim instituída não se assemelha à do IPI e do ICMS, ou seja, não se opera pelo método de subtração ‘tributo sobre tributo’.
É que, recaindo, essas contribuições, sobre o evento ‘auferir faturamento e receita’, não comportam o fracionamento de sua incidência em diversas etapas, protagonizadas por agentes diversos.
Diferentemente do que ocorre com o IPI ou com o ICMS, tais contribuições não têm por pressupostos de fato um ciclo econômico representado pelo encadeamento de operações ou negócios jurídicos tendo objeto uma coisa, e sim uma realidade ligada única e exclusivamente à pessoa do contribuinte, ou seja, à percepção de receita e faturamento.
Daí não se afigurar possível conceber a materialidade dessas contribuições como suscetível de submeter-se à incidência plurifásica, que admite atingir-se o efeito da não cumulatividade pela dedução do valor do tributo incidente na etapa anterior sobre insumos, matérias-primas, investimentos etc, como parece dispor a legislação comentada.
Se o pressuposto material fosse, exclusivamente, o faturamento, ainda se poderia entender de forma diversa, sob o fundamento de inexistir diferença essencial entre considerar cada operação que impulsiona um bem no ciclo que vai de sua produção ao consumo, ou considerar o resultado global abrangente de inúmeras operações - embora o Supremo Tribunal Federal tenha considerado que tais realidades são distintas, ao julgar os Recursos Extraordinários 233.807 e 231.922-1.
Todavia a incidência não se dá apenas sobre o faturamento, mas também sobre a receita, nos termos da legislação que define o seu fato gerador como ‘o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica independentemente de sua denominação ou classificação contábil’, esclarecendo que ‘o total das receitas compreende a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica.
Assim, não haveria razoabilidade em se pretender submeter esses tributos à sistemática não-cumulativa, pelo método de subtração ‘tributo sobre tributo’, como se fossem plurifásicos.
E, efetivamente, não é isso o que as leis estabelecem. Esses diplomas apenas tomam o valor de insumos e os bens de ativo que mencionam, como base de cálculo da dedução permitida.” (Cf. MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). “O princípio da não cumulatividade”. Pesquisas Tributárias. Nova Série 10. São Paulo: CEU/RT, 2004, pp. 257-259)
12 Ricardo Lobo Torres depois de agudas críticas ao sistema introduzido: “De modo que as exóticas contribuições sociais tornaram caótico o sistema tributário nacional. Geraram, nos idos de 1990, o maior contencioso fiscal entre os contribuintes e a União já visto na história dos tributos brasileiros.
Nesse marco de falta de sistematicidade, ausência de estofo teórico e isolamento no plano do direito comparado, é que deverá ser analisado o problema aqui posto”, conclui: “Da matéria exposta, tiram-se as seguintes conclusões:
a) não se pode extrapolar a técnica da não cumulatividade do ICMS e do IPI para o PIS e a Cofins, já que estes últimos não incidem sobre fatos e negócios jurídicos relativos à circulação de bens, mas sobre o faturamento e as receitas das empresas;
b) a incidência monofásica do PIS e da Cofins também é destituída do efeito cumulativo que prejudicava a economia do País, mas se submete ao princípio da repercussão obrigatória;
c) os créditos suscetíveis de aproveitamento na compensação com os débitos de PIS/Pasep e Cofins são os créditos físicos, financeiros ou presumidos indicados na legislação, sem qualquer restrição no tocante à sua natureza.” (Cf. TORRES, Ricardo Lobo. “A não cumulatividade no PIS/Cofins”. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; e FISCHER, Octavio Campos (coords.). PIS-Cofins: questões atuais e polêmicas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, pp. 56 e 72)
13 Para se compreender a inteligência do autor sobre as diferenças dos regimes jurídicos não cumulativos leia-se o estudo de FERNANDES, Edison Carlos. Mini reforma tributária comentada: MP 66. São Paulo: Quartier Latin, 2002, p. 43.