PIS/Cofins - Conceito de Insumos e a Questão dos “Insumos dos Insumos” - Proposta de Interpretação Teleológica e Uso de Argumento Econômico - Estudo de Caso do Setor Sucroalcooleiro

Jorge Luiz de Brito Junior

Pós-graduado em Direito Tributário Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Mestrando em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Membro do IBDT. Advogado em São Paulo.

Resumo

Esse artigo se debruça sobre a controversa questão envolvendo o conceito de “insumos” para fins da legislação do PIS e da Cofins. Porém, dirigimos nosso foco a um grupo específico de casos envolvendo esta temática, nos quais um determinado insumo é produzido internamente pelas empresas (i.e., “verticalização”). É o que acontece, em larga escada, por exemplo, nos setores extrativistas e na agroindústria. Para os propósitos desse artigo, defendemos uma abordagem econômica, considerando que o legislador do PIS e da Cofins, em suas modalidades não cumulativas, havia expressamente assumido, na exposição de motivos, que um dos objetivos da legislação seria evitar uma “verticalização artificial” de empresas. Dessa forma, o artigo pretende propor a concretização de tal conceito de “verticalização artificial” por meio de uma abordagem baseada na Nova Economia Institucional. Com esses aportes, seguimos com um estudo de caso do setor sucroalcooleiro. Após, analisamos um importante precedente do Carf sobre a matéria. Finalmente, apresentamos nossas conclusões.

Palavras-chave: PIS/Cofins, conceito de insumos”, verticalização artificial, abordagem baseada na nova economia institucional, setor sucroalcooleiro.

Abstract

This paper addresses the hard issue regarding the concept of “inputs” for the purposes of the Social Contributions’ legislation (PIS and Cofins). More specifically, we drive our focus towards a group of cases in which a given input is yielded internally by the companies (i.e., “verticalization”) - as it largely occurs, for example, within the extractive, agribusiness industries. For the purposes of this paper, we advocate an economics approach, since the lawmakers of PIS/Cofins’s legislation had stated expressly, at time of its enacting, that one of its main goals was to avoid an “artificial verticalization” of companies. Thus, the paper intends to grasp such concept of “artificial verticalization” by means of a neo-institutional economics approach. After, we pursue to a case of study from the sugar-alcohol industry. Then, we assess a very important precedent on the subject, which has been issued by the Brazilian Highest Administrative Court on Tax Matters (Carf). Finally, we point out our conclusions.

Keywords: PIS and Cofins, concept of inputs”, artificial veriticalization, neo-institutional economics approach, sugar-alcohol industry.

I. Introdução

Desde o advento da forma não cumulativa da Contribuição Social ao PIS e da Cofins, introduzida por meio das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, questão que tem despertado um variado número de interpretações é aquela concernente ao conceito de “insumo” para fins de reconhecimento de direito a créditos das referidas contribuições.

Uma situação específica tem provocado perplexidade por parte dos agentes fiscais: trata-se dos casos em que os bens ou serviços sob análise não são empregados diretamente na produção - mas sim, na obtenção do insumo essencial de determinada atividade econômica. Podemos nos referir a esta situação como casos em que o bem ou serviço em questão consiste no “insumo do insumo”. À guisa de exemplos, têm-se a atividade de detonação e extração de minérios quanto à atividade de beneficiamento (v.g., para fins de produção de fertilizantes), o plantio de cana-de-açúcar quanto à usinagem de açúcar e álcool, entre outros.

Em tais casos, a Fiscalização vem entendendo que as atividades econômicas devem ser segregadas. Nos exemplos acima citados, isso implica concluir que haveria uma atividade extrativa separada da atividade industrial, ou uma atividade agrícola separada da industrial. Ao aplicar tal raciocínio, a RFB tem denegado direito a créditos de PIS e Cofins sobre dispêndios suportados na fase de obtenção do insumo.

No presente artigo, nos deteremos na questão do assim chamado problema do “insumo do insumo”.

Propositalmente, avançaremos, aqui, um argumento teleológico de natureza econômica - o que não significa, em absoluto, a exclusão de outros argumentos jurídicos, sobre os quais não nos debruçaremos aqui, por uma mera questão de espaço e de escopo do presente trabalho.

II. Breves Comentários sobre Metodologia e Hermenêutica

Como adiantado, nosso propósito, neste artigo, é analisar a temática do “insumo do insumo” sob uma perspectiva teleológica e econômica.

Nossa escolha deliberada visa buscar uma concretização para um dos objetivos do legislador do PIS e da Cofins, expressamente declarado na Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 135/2003, que originou a Lei nº 10.833/2003 (Regime não Cumulativo da Cofins). O referido texto estabelece como um dos objetivos do regime da não cumulatividade “estimular a eficiência econômica” bem como “corrigir distorções relevantes decorrentes da cobrança cumulativa do tributo, como por exemplo a indução a uma verticalização artificial das empresas, em detrimento da distribuição da produção por um número maior de empresas mais eficientes - em particular empresas de pequeno e médio porte, que usualmente são mais intensivas em mão de obra”.

Tendo em vista que a própria exposição de motivos do regime não cumulativo enumera objetivos econômicos bem claros - empregando terminologia claramente oriunda da Ciência Econômica (verticalização, eficiência) - passa a ser justificável o nosso interesse científico em uma proposta hermenêutica que concretize tais objetivos, bem como a pesquisa de conceitos econômicos que foram expressamente recepcionados pelo texto legal.

Antes de prosseguirmos na análise, é necessário ressaltar que, do ponto de vista metodológico, optamos por um positivismo exclusivo - o que, ao contrário de um senso comum equivocado, não implica, em absoluto, afastar-se a importância dos princípios no Direito1.

Por “positivismo exclusivo”, queremos referir a um necessário “teste de pedigree”, pelo qual, em razão do Princípio do Estado Democrático de Direito, todas as decisões administrativas e judiciais devem conter fundamento último no texto legal. Refutamos, assim, concepções jusnaturalistas, ou pretensos “princípios” - ou “meta-princípios”, “meta-valores” (“supernormas”)2 - que não sejam expressamente reconhecidos em nosso ordenamento jurídico.

O uso que fazemos da Economia neste trabalho é, claramente, argumentativo3, pois o fundamento último da interpretação proposta está na lei - a saber, no texto da exposição de motivos da MPv nº 135/2003, que, expressamente, remete a objetivos econômicos. O nosso objetivo mediato, aliás, é propor uma maior reflexão sobre este aspecto político da legislação - claramente pressuposto pelo legislador, porém, frequentemente ignorado pelos intérpretes qualificados da legislação tributária.

Interpretar, pois, é um ato de construção, e não de declaração de sentidos preconcebidos do texto normativo4.

Outro esclarecimento importante é que não nos valeremos de uma concepção essencialista dos textos normativos ou da própria ciência econômica5. Esse ponto é realmente crucial, pois a existência de um mainstream na ciência econômica não indica que ela seja monolítica, e - tampouco - que o mero recurso a argumentos advindos de uma ciência exata venha a conferir à determinada intepretação uma pretensa pecha de “neutralidade”, ou o status de “infalibilidade” e certeza de suas predições.

A economia é uma linguagem, e, desse modo, um argumento econômico pode conter - e, via de regra, contém - por trás de si, um viés ideológico.

Não nos filiamos, assim, à chamada Escola de Chicago de Law and Economics - de Richard Posner e Robert Bork - que foi quem primeiro defendeu a aplicação de argumentos econômicos para fundamentação de decisões judiciais.

O movimento do law and economics, que ganhou grande força - inclusive política - nos Estados Unidos, a partir da década de 1970, parte, em geral, de pressupostos diferentes dos nossos, pois a referida escola se vale de um consequencialismo forte6, que - segundo defendem os adeptos dessa escola - deveria vincular a interpretação do juiz.

Dito de outra forma: o juiz estaria obrigado a sempre buscar a interpretação que importasse em maximização da eficiência econômica. Essa pauta, por sinal, estava claramente comprometida com os ideais do Partido Republicano nos Estados Unidos.

Não é nosso objetivo descrever, de forma detalhada, as características e variadas vertentes dessa escola de pensamento jurídico, mas apenas ter em conta as suas características mais marcantes: o consequencialismo forte, bem como a elevação da eficiência econômica ao grau de “meta-valor”, ou “meta-princípio” - o que rejeitamos, dada a nossa premissa de apego ao texto legal como fundamento último de decisões.

Vale ressaltar a ampla influência do law and economics, inclusive, no Brasil, onde, em período recente, importantes trabalhos acadêmicos têm se dedicado à “importação” dos pressupostos desta escola de pensamento, e sua extensão à realidade brasileira - o que desperta algumas preocupações quanto a um necessário e salutar embate epistemológico (leia-se: verificação de aplicabilidade de tais pressupostos ao ordenamento jurídico brasileiro, e sua realidade econômica e social)7.

Um outro esclarecimento prévio importante é que o law and economics oriundo da Escola de Chicago nada tem a ver com a Consideração Econômica da Norma, cuja origem remonta à Alemanha do período entre guerras. Tal escola de pensamento chegou a gozar de prestígio no Brasil, tendo sido acolhida por autores que participaram, ativamente, das discussões que marcaram o advento do CTN8. Porém, acabou sendo, de certa forma, estigmatizada - e, com poucas exceções, rejeitada - pela desconsideração de negócios jurídicos, bem como por sua identificação com o nazismo9.

Tendo em conta esses esclarecimentos de ordem metodológica, e, apesar de nossas advertências em relação a um abuso de argumentos econômicos - que pode redundar em um reducionismo do Direito à Economia - prosseguimos com nossa análise, com as premissas de que: (i) o uso de argumentos econômicos, no caso específico do tema proposto neste trabalho, é oportuno, em vista da expressa remissão do texto legal; e (ii) é necessário contextualizar os conceitos empregados pela legislação (verticalização, eficiência), para que os objetivos declarados da lei possam ser perseguidos e alcançados.

III. Verticalização Artificial de Empresas?

O termo “verticalização” foi consagrado pela Nova Economia Institucional (NEI), principalmente, a partir do trabalho de R. Coase (The nature of the firm - A natureza da firma). Estes estudos procuraram compreender o mercado a partir de suas instituições, principalmente, a partir de sua figura mais atomística (isto é, a empresa).

A análise de Coase parte da questão fundamental sobre por que uma empresa internaliza atividades (isto é, “verticaliza”), as quais poderia obter (ao menos teoricamente) a um custo inferior no mercado, supondo a existência de ganhos de eficiência provenientes da divisão do trabalho.

Em resposta a esta pergunta, a NEI consagrou o conceito de custos de transação. Em linhas muito gerais, sempre que os custos de integralizar a produção (i.e., “verticalizar”) forem inferiores aos custos de adquirir o bem no mercado, ha­verá um incentivo econômico para a verticalização.

A legislação do PIS/Cofins, como já dito, visa, expressamente, mitigar a verticalização de empresas - porém, não se combate toda e qualquer verticalização, mas tão somente aquelas verticalizações que se afigurem “artificiais”, ou, ainda, aquelas que se verifiquem ineficientes.

Na terminologia da Nova Economia Institucional, as verticalizações que não encontrem nenhuma justificativa em termos de ganho de eficiência econômica se caracterizam como um comportamento oportunista de agentes econômicos. Essa verticalização que não produz eficiência econômica pode ser enxergada como tendo objetivos escusos, anticoncorrenciais, interferindo no funcionamento normal do mercado - sendo, portanto, sob este ponto de vista, artificiais.

Para introduzir a temática do “insumo do insumo”, nos valemos, inicialmente, de dois exemplos: a atividade de mineração (que envolve duas “fases”: extração do minério e beneficiamento), e a atividade da agroindústria de cana-de-açúcar (que envolve uma fase “rural”, de obtenção da cana, e uma fase industrial, de usinagem, para produção de açúcar, de álcool etc.).

No caso destes dois exemplos, verdadeiramente, existe uma verticalização, pois há produção interna de bens (isto é, integralização da produção de bens pela própria empresa, em lugar em que poderiam ser adquiridos no mercado).

A pergunta que resta é: seria esta uma verticalização contrária aos interesses da não cumulatividade do PIS e da Cofins? Em nossa opinião - antecipamos - a resposta é negativa para os dois exemplos levantados. Porém, a resposta a esta pergunta não pode ser generalizada, pois demanda, a nosso ver, um exame acurado da estrutura de cada mercado, e do comportamento dos agentes econômicos.

Há que se examinar, no caso concreto, se, dadas as características do mercado, se estaria ou não diante de uma verticalização artificial, que, realmente, se caracterizaria como uma distorção dos mecanismos normais de mercado.

IV. Análise de Caso do Setor Sucroalcooleiro

Para ilustrar melhor o raciocínio até aqui tecido, escolheremos um dentre os dois exemplos acima citados, para buscar melhor compreender porque a verticalização ocorre neste mercado, e se há, ou não, um abuso (artificialidade).

Escolheremos o caso do setor sucroalcooleiro, porque há, nesta cadeia produtiva, um sem-número de itens cujos créditos vêm sendo questionados pela Fiscalização, como gastos com o plantio e colheita da própria cana-de-açúcar; gastos com produção interna de energia elétrica “limpa”, a partir do subproduto (bagaço) da cana, dentre outros.

A partir da desregulamentação do setor agropecuário, sobretudo no início da década de 1990, e com a abertura do mercado e superação da política de substituição de importações, o setor agropecuário brasileiro sofreu um processo de modernização, para fins de atender aos novos parâmetros de competitividade então insurgentes.

Tal processo de modernização resultou em uma subordinação do setor agrícola ao industrial, sobretudo, pautada na demanda por crescente aprimoramento tecnológico e por parâmetros rígidos de qualidade, exigências sanitárias, qualidade e homogeneidade da matéria-prima e, ainda, regularidade de sua entrega, impõe um perfil tecnológico à produção que deve ser seguido pelos agricultores10.

Nesse contexto, surge o complexo agroindustrial (CAI), o qual se caracteriza por ser “uma unidade de análise na qual a agricultura se vincula com a indústria de uma dupla maneira: com a indústria de bem de capital e intermediária, e com a indústria processadora de matérias-primas agrícolas - indústria ‘para a agricultura’ e indústria ‘da agricultura’”11.

Nota-se, assim, que a produção sucroalcooleira se caracteriza como um todo, um complexo agroindustrial, não podendo a RFB desconsiderar esta realidade econômica e produtiva para fins de glosar créditos de PIS e de Cofins, apenas com base em uma distinção que não reflete a realidade.

Por outro lado, a desintegração total da produção do insumo essencial do setor sucroalcooleiro (cana-de-açúcar) - o qual, por sinal, se caracteriza como um ativo altamente específico, não passível de substituições - seria totalmente inviável do ponto de vista econômico.

Primeiramente, por uma limitação física, da produção, pois a produção de álcool e açúcar, normalmente, demanda enormes quantidades de cana-de-açúcar, e, por consequente, enormes extensões de terra. Considere-se o exemplo de uma usina que chega a moer 600.000 toneladas de cana-de-açúcar por ano12. Considerando que a produtividade média é de 90 toneladas por hectare, seria necessária uma área mínima de, aproximadamente, 7.000 hectares (70 quilômetros quadrados) para atender tal demanda13.

Ainda que a aquisição, no mercado, de todo o fornecimento de cana-de-açúcar necessário fosse remotamente possível, as usinas se tornariam totalmente vulneráveis às sazonalidades e frequentes flutuações dos preços de cana-de-açúcar - o que ameaçaria o atendimento às suas demandas.

Como já dito, a cana-de-açúcar, para as empresas do setor, é, sem dúvida, um ativo de alta especificidade, não comportando substituições. Assim, é não apenas racional, do ponto de vista microeconômico, como também indispensável, a integração de produção desta matéria-prima, para fins de garantia de seu fornecimento, imunidade contra as flutuações de preço e sazonalidades, e manutenção de sua atividade produtiva14.

Diante das características intrínsecas do processo produtivo e do mercado em análise, tem-se que os gastos com o cultivo de cana-de-açúcar se afiguram como necessários à manutenção da fonte produtiva no que se refere ao setor sucroalcooleiro15.

Em suma: a integralização do insumo não se mostra como artificial ou ineficiente no caso deste setor - muito pelo contrário.

V. Da Jurisprudência do Carf

Sem recorrer a uma argumentação de natureza econômica - tal como propusemos neste trabalho - porém, deslocando o cerne da análise para o contexto assumido pelos dispêndios, consideradas a natureza e peculiaridades do processo produtivo - fato é que o Carf já reconheceu o direito a créditos de PIS e de Cofins sobre gastos com corte de cana-de-açúcar suportados por empresa do setor sucroalcooleiro (usinagem de álcool e açúcar).

Veja-se, a esse respeito, o julgamento proferido pela 4ª Câmara da 3ª Turma Ordinária da 3ª Seção de Julgamento, datado de 6 de outubro de 2011. Do voto proferido pelo Conselheiro Relator naquela ocasião, Ivan Allegretti, extrai-se as seguintes passagens:

“entendo que assiste razão ao contribuinte quando alega que os combustíveis e lubrificantes, bem como o transporte dos funcionários para o local da extração da cana-de-açúcar, devem ser tratados como insumo, enquanto necessários e integrantes do processo produtivo. (...)

O processo produtivo detalhado pelo contribuinte deixa claro que o transporte de funcionários até o local do corte da cana-de-açúcar é uma medida necessária e indispensável do processo produtivo, configurando a contratação de um serviço que traduz um dos insumos necessários para a produção da cana-de-açúcar.

E também quanto aos combustíveis e lubrificantes, consta que são utilizados no maquinário utilizado para o corte, carregamento e transporte da cana-de-açúcar.

(...) a análise do direito ao crédito deve guardar pertinência com as características da atividade produtiva desempenhada concretamente pelo contribuinte. No presente caso, fica claro que o transporte dos funcionários não é apenas uma despesa de uma empresa qualquer que deseja fornecer transporte aos seus empregados, mas da viabilização da atividade de plantação e colheita da cana de açúcar, devidamente qualificada no processo produtivo.”

Veja-se que, no caso acima, o Carf estendeu o direito aos créditos de PIS e de Cofins até mesmo sobre os serviços com transporte de pessoas até o local de corte de cana-de-açúcar, por entender que o processo industrial de açúcar e álcool compreende, inclusive, a fase, relacionada ao cultivo do insumo - ao contrário do que vêm entendendo os agentes fiscais da RFB.

VI. Conclusões

A análise microeconômica realizada neste trabalho apenas reforça as conclusões já alcançadas pelo Carf no precedente citado no item anterior, no que se refere à possibilidade, para as usinas de açúcar e álcool, de aproveitamento de créditos de PIS e de Cofins sobre gastos com o cultivo integralizado/verticalizado de cana-de-açúcar.

Conforme proposta hermenêutica defendida neste trabalho, a temática do “insumo do insumo” poderia ser abordada sob uma nova perspectiva, levando-se em conta argumentos microeconômicos na busca de alcançar os objetivos declarados do legislador do PIS e da Cofins, de afastar a verticalização artificial de empresas, em prejuízo da eficiência econômica (exposição de motivos da MPv nº 135/2003)16. A esse respeito, são de particular interesse os aportes da Nova Economia Institucional. Esta perspectiva segue uma tendência já presente no Carf, de deslocar o cerne da análise para o contexto do processo produtivo e do mercado em exame.

Reforçamos que a proposta de hermenêutica aqui apresentada não pretende - e nem poderia - excluir outros argumentos jurídicos, que foram aqui preteridos por questão da temática escolhida. Também é importante salientar que o uso de argumentos econômicos se deu nos estritos marcos teóricos de nossas premissas metodológicas expostas no item II, acima.

1 Cf. DIMOULIS, Dimitri; e LUNARDI, Soraya Gasparetto. “O positivismo jurídico diante da principiologia”. In: DIMOULIS, Dimitri; e DUARTE, Écio Oto (coords.). Teoria do Direito neoconstitucional: superação ou reconstrução do positivismo jurídico? São Paulo: Método, 2008, p. 179.

2 “(...) os positivistas não consideram que os princípios são superiores em relação aos demais elementos normativos, em razão de sua fundamentalidade e importância axiológica. Tal pensamento que apresenta os princípios como ‘supernormas’ carece de fundamento jurídico, pelo menos no Brasil, onde não há previsão de hierarquização dos dispositivos constitucionais com base em sua fundamentalidade, ‘abertura’ ou importância. Por essa razão, a opção interpretativa que privilegia os princípios em relação às regras (concretas) não possui embasamento no sistema vigente para resolver antinomias entre normas.” (Cf. DIMOULIS, Dimitri; e LUNARDI, Soraya Gasparetto. Ob. cit., p. 190)

3 “(....) é possível pensar na teleologia da ordem econômica brasileira e reconhecer a política econômica positiva e vinculante, apesar de todos os percalços para sua aplicação. Esse tipo de argumentação não deve ser confundido com a perspectiva consequencialista, que seria propor um objetivo à frente e acima dos demais. Em primeiro lugar, pois muitos dos consequencialismos hodiernos têm como metarregra ou sobrevalor algo não positivado (é o caso do law and economics clássico, ao defender a eficiência econômica como crescimento econômico) ou moralismos universais e procedimentais, que buscam reforços em discursos ou sobreprincípios gerais (algo como a proporcionalidade em um de seus testes, o de adequação entre fins e meios). No caso da pesquisa teleológica, ao menos naquela aqui defendida, há apreço pelo texto positivado (ainda que se procure o afastamento de perspectivas essencialistas, de que o conteúdo já estaria contido nos textos) e respeito pelo sistemático; a teoria predileta não busca substituir o texto posto, ainda que sua concretização demande sempre decisões jurídicas constitutivas. (...) Será mediante esse uso cada vez mais técnico, transparente (inclusive quanto ao alcance preditivo limitado) e cada vez mais divulgado quanto a seus pressupostos, que a microeconomia contribuirá para o fortalecimento do positivismo jurídico e para a segurança jurídica, e não ao contrário, para a sua insegurança (...).” (Cf. ANDRADE, José Maria Arruda de. Economização do Direito concorrencial e positivismo jurídico: entre teoria da decisão e das provas. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2012, p. 175. Originalmente apresentada como Tese de Livre Docência, FDUSP)

4 Tal como defende MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do Direito. 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2009. No Brasil, Paulo de Barros Carvalho sempre advogou essa visão em suas importantes contribuições ao estudo do Direito Tributário, cf. recentemente, CARVALHO, Paulo de Barros. “Breves considerações sobre a função descritiva da ciência do Direito Tributário”. Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-out-01/paulo-barros-breves-consideracoes-funcao-descritiva-ciencia-direito-tributario. Acesso em 1º de outubro de 2013.

5 Cf. ANDRADE, José Maria Arruda de. Interpretação da norma tributária. São Paulo: MP, 2006; e, novamente, em sua Tese de Livre Docência. Ob. cit., p. 129.

6 Cf. ANDRADE, José Maria Arruda de. Interpretação da norma tributária. São Paulo: MP, 2006.

7 Cf. CARVALHO, Cristiano. Teoria da decisão tributária. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2010. Originalmente apresentada como Tese de Livre Docência, Faculdade de Direito da USP.

8 Entre eles, FALCÃO, Amílcar de Araújo. “Interpretação e integração da lei tributária”. In: NOVELLI, Flávio Bauer. Introdução ao Direito Tributário. 4ª ed., atual. Rio de Janeiro: Forense, 1993, pp. 61-84; e NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Da interpretação e da aplicação das leis tributárias. 2ª ed. São Paulo: RT, 1965.

9 Cf. ANDRADE, José Maria Arruda de. Ob. cit., p. 272.

10 Cf. DELGADO, 1985, apud, MARGARIDO, Mário Antônio. Transmissão de preços internacionais de suco de laranja para preços ao nível de produtor de laranja no Estado de São Paulo. São Paulo: FGV, 1994. Originalmente apresentada como Tese de Mestrado, da Fundação Getulio Vargas.

11 Cf. MULLER, 1981, apud, MARGARIDO, Mário Antônio, Ob. cit.

12 Disponível em http://www.usinaguariroba.com.br/usguariroba.html. Acesso em 12 de março de 2013.

13 Cf. PICOLI, Michele Cristina Araújo. Estimativa da produtividade agrícola da cana-de-açúcar utilizando agregados de redes neurais artificiais: estudo de caso Usina Catanduva. Dissertação de Mestrado. Disponível em http://mtc-m17.sid.inpe.br/col/sid.inpe.br/MTC-m13%4080/2006/11.22.12.24/doc/publicacao.pdf. Acesso em 12 de março de 2013.

14 “a integração para trás, como as outras espécies de diversificação, é impulsionada pelo desejo de evitar o risco das flutuações e de dar uma base sólida à empresa frente à incerteza” (cf. PENROSE, Edith, apud, GUEDES, Sebastião Neto Ribeiro. Verticalização da agroindústria canavieira e a regulação fundiária no Brasil: uma comparação internacional e um estudo de caso. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia, 2000). Originalmente apresentada como Tese de Doutoramento, Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia.

15 Não ignoramos, aqui, as mazelas sociais e econômicas que o modelo de produção agrícola baseado em grandes propriedades de terra tem acarretado, historicamente, para a sociedade brasileira. Entretanto, seria a simples glosa de créditos de PIS e de Cofins o meio hábil para corrigir tais distorções? Quer nos parecer que a resposta é negativa. A lógica de produção agrícola em grandes propriedades está arraigada em fundamentos econômicos mais profundos. Partindo também de uma análise microeconômica baseada nos aportes da Nova Economia Institucional, Sebastião Neto Ribeiro Guedes analisa a fundo tais fatores, concluindo que a integração vertical da produção canavieira é racional a considerar o quadro institucional brasileiro. O Autor faz um estudo comparativo com o caso australiano. Naquele país, a lógica de integralização foi revertida por meio de controles bastante rígidos sobre o uso e negociação do fator terra - o que alterou o quadro institucional do mercado de cana-de-açúcar naquele país, prevenindo a verticalização e fazendo com que as empresas aplicassem seus capitais de maneira mais intensa em uma esfera na qual se beneficiem da especialização. O resultado - segundo conclui o Autor - “pode ser visto nos indicadores de produtividade industrial, caracterizado por elevados rendimentos” (cf. GUEDES, Sebastião Neto Ribeiro. Verticalização da agroindústria canavieira e a regulação fundiária no Brasil: uma comparação internacional e um estudo de caso. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia, 2000. Originalmente apresentada como Tese de Doutoramento, Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia).

16 Os conselheiros do Carf não apenas aparentam estar plenamente capacitados como também dispostos a empreender uma tal análise interdisciplinar, considerando a alta qualidade que temos observado nas últimas decisões do órgão. Tampouco o uso de argumentos econômicos seria uma novidade em matéria de decisões do Carf. Apenas a título de exemplo, vide o brilhante voto do Conselheiro Leonardo Mussi da Silva, no julgamento do Recurso Voluntário nº 1.111.121 (Processo nº 11080.008337/2005-51), o qual, na busca de um conceito de insumos para o PIS/Cofins, faz referência à famosa obra sobre Microeconomia dos professores Robert S. Pindyck e Daniel L. Rubinfield, professores, respectivamente, da Massachussetts Institute of Technology - MIT e da Universidade da Califórnia.