O Mito do Federalismo Fiscal: a Existência de Bitributação na Cobrança Simultânea da CFEM e da TFRM

Thaís Louzada de Sousa

Pós-graduada em Direito Tributário Internacional pela Universitat de Barcelona. Especializada em Direito Minerário e Ambiental pelo IAED.

Mariane de Sousa Assis Resende

Mestranda em Direito Público com ênfase em Direito Tributário pela PUC/Minas. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/MG. Advogada.

Resumo

A partir da análise comparativa da natureza jurídica da Contribuição Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais - CFEM e da Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários - TRFM, o presente trabalho identifica que ambas as cobranças tratam-se de royalties minerários. Por essa razão, demonstra-se que a exação da TFRM fere o federalismo fiscal, acarretando em uma bitributação do setor.

Palavras-chave: CFEM - Contribuição Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais, Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários - TFRM, royalties, federalismo fiscal.

Abstract

From the comparative analysis of the legal nature of the Contribution by the Financial Exploitation of Mineral Resources - CFEM and the Rate Control, Monitoring and Supervision of Mining Exploration, Mining Exploitation and Utilization of Mineral Resources - TFRM, this study identifies both these are collections of mineral royalties. For this reason, it is demonstrated that the exaction of TFRM hurts fiscal federalism, resulting in a double taxation.

Keywords: CFEM - Contribution by the Financial Exploitation of Mineral Resources, Rate Control, Monitoring and Supervision of Mining Exploration, Mining Exploitation and Utilization of Mineral Resources - TFRM, royalties, mining, fiscal federalism.

1 - Introdução

Atualmente, a extração dos recursos minerais no País implica o pagamento de CFEM - Contribuição Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais. Apesar da enorme controvérsia instaurada em torno da natureza jurídica dessa cobrança, e o Supremo Tribunal Federal ter enquadrado a CFEM como preço público, entende-se não ser a melhor classificação frente às disposições de Direito Tributário e Financeiro vigentes.

O alinhamento quanto à definição do instituto não possui consequências meramente acadêmicas. A incerteza deixa suspeitas tanto quanto à legalidade do procedimento de cobrança da CFEM quanto à existência de bitributação1. Esta última realidade remete à análise sobre a criação da TFRM - Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários.

A TFRM foi instituída pela Lei Estadual nº 19.976/2011, oriunda de um Projeto de Lei de iniciativa do Governador do Estado de Minas Gerais e, apesar das dúvidas quanto à sua legalidade, vem sendo cobrada desde 26 de março de 2012.

O presente artigo busca identificar se ambas as exações configuram a cobrança de royalties minerais e, em caso positivo, demonstrar a existência da bitributação na coexistência das exações.

2 - Breve Histórico dos Royalties da Mineração no Brasil

A mineração é um setor de enorme representatividade na economia brasileira. A atividade movimenta de forma significativa a produção e comercialização de diversos produtos, fomenta grandes investimentos externos e gera milhares de empregos.

Desde o Brasil-Colônia, os empreendimentos minerários sempre foram objeto de regulamentação por parte do Estado. A atenção, por óbvio, advém da alta lucratividade proporcionada pela atividade e da cobiça e ansiedade dos governantes em garantir suas participações diretas no resultado.

A palavra royalty significa “regalia” e sua etimologia remete àquilo que é de propriedade da realeza.

Frederico Munia Machado, em seu trabalho “A evolução histórica da legislação sobre os royalties da mineração brasileira” faz uma sinopse interessante sobre o desdobramento dessa cobrança ao longo da história do País.

De acordo com o autor, o tributo sempre existiu, a justificativa para a imposição do encargo que sofreu alterações durante os anos. Machado explica que no período colonial vigorava o “sistema regaliano, pelo qual o rei concordava com a exploração das jazidas de sua propriedade, desde que mediante retribuição (royalty)”2 e, partindo dessa exposição, percorre as diversas compilações jurídicas da época analisando o procedimento e, principalmente, as fundamentações que motivavam a exigência:

- Ordenações Afonsinas (1446): cobrada pela coroa portuguesa pela extração de ouro, prata e metais preciosos. A disposição legal não deixava claro o porquê da interferência da Coroa na exploração mineral.

- Ordenações Manoelinas (1514): acrescentavam às ordenações anteriores o reconhecimento do domínio real sobre as riquezas minerais. Tanto as Afonsinas quanto as Manoelinas vigoraram juntas no Brasil por pouco mais de um século.

- Ordenações Filipinas (1603): nascidas no período áureo na mineração colonial brasileira estas ordenações mantinham a imposição das cobranças anteriores (regalium minero e propriedade pública das jazidas), contudo, extinguiram a participação do superficiário nos resultados, criaram as “datas minerais” (lotes de exploração) e o quinto.

Machado3 explica que a exploração de diamantes era monopolizada pela coroa portuguesa e o aproveitamento do ouro realizado por particulares, sendo que estes representavam os contribuintes do quinto. Inicialmente, referida cobrança correspondia a 20% ou um quinto dos resultados obtidos, logo foi ajustada para 30 arrobas de ouro a cada ano e, por fim, para 100 arrobas ao ano. Caso a cota não fosse atingida, ocorreria a derrama (exigência da diferença faltante para completar as 100 arrobas).

A prática da cobrança desencadeou várias revoltas, que despertaram o espírito de libertação da coroa portuguesa.

Após a independência e com a promulgação da Constituição Imperial, os recursos minerais deixaram de ser propriedade do rei e passaram a ser do Governo Imperial, vigorando no Brasil o chamado “sistema dominial, em que ‘(...) o Estado reservava para si a dominialização, o direito das minas sendo mais liberal em revide à cupidez tirânica da Coroa”4.

De acordo com Gustavo Kaercher Loureiro5, citado no trabalho de Munia Machado, a Carta Magna Imperial previa basicamente dois tipos de cobrança, uma fixa relativa a cada “data mineral” e outra variável, de acordo com o rendimento da mina.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1891, o sistema dominial foi substituído pelo sistema de acessão “em que o proprietário da superfície passaria a ser também o proprietário do subsolo”6, situação esta que isentou o particular de continuar a pagar os royalties. Com a publicação da Lei Simões Lopes (Decreto nº 15.211/1921), ficou determinado que apenas as atividades de lavra e pesquisa desenvolvidas em propriedade de domínio público seriam tributadas. A norma deixou claro, portanto, que as cobranças estavam conectadas à dominialidade da jazida, sendo, portanto um royalty.

A Constituição de 1934 e o Código de Minas do mesmo ano instituíram o regime jurídico que vigora até os dias de hoje: autorização e concessão. O sistema separou definitivamente a superfície do subsolo, mantendo, contudo, o direito adquirido dos particulares (minas manifestadas).

É importante destacar que até esse momento da história, os royalties sempre estiveram vinculados à titularidade da propriedade, contudo, com a promulgação do Código de Minas de 1934, Decreto nº 24.642/1934 em seu artigo 42, que fixou os encargos também para as minas privadas, a cobrança dos royalties, que estava vinculada ao direito de propriedade, passou a ser lastreada pela possibilidade de exploração do recurso mineral. Assim, o Código exigia do minerador o pagamento de uma contribuição ao Tesouro Nacional limitado a um máximo pelos três entes da Federação:

A Constituição Federal de 1946, em seu art. 15, inciso III, instituiu o Imposto Único sobre Minerais - IUM, que seria legislado e cobrado exclusivamente pela União e, posteriormente, repassado aos demais entes federativos.

Em 1989, com a promulgação de uma nova Constituição Federal, o IUM foi substituído pela CFEM - Contribuição Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais, determinando que os recursos minerais, inclusive os do subsolo seriam considerados bens da União.

Em que pese ser denominada “compensação”, a CFEM é representada pela participação do Estado na exploração mineral, conforme será demonstrado adiante. Nítido, portanto, o peso das considerações históricas realizadas na identificação da natureza jurídica desse instituto.

3 - Análise da Natureza Jurídica da CFEM e da TFRM

3.1 - CFEM - receita pública originária

Para que o questionamento realizado nesse trabalho seja devidamente respondido, será necessário definir a natureza jurídica da CFEM e da TFRM. Por essa razão, são imprescindíveis os comentários que se seguem:

A previsão do parágrafo 1º c/c o inciso IX do art. 20 da Constituição da República de 1989, complementado pela disposição do art. 176, não deixam dúvidas de que os recursos minerais são bens da União e a CFEM é um encargo pago pelo minerador decorrente da exploração desses bens.

De acordo com Direito Financeiro, as receitas públicas podem ser classificadas, dentre outras, em receitas “originárias” e “derivadas”. A primeira advém da exploração dos bens/serviços públicos, sendo subdividida ainda conforme a atividade Estatal que lhe deu origem (receitas de permissão, receitas imobiliárias, receitas patrimoniais etc.). A segunda decorre do poder impositivo do governo, representada pelos tributos e penalidades aplicadas pela Administração Pública.

Neste mesmo sentido é o posicionamento do ilustre doutrinador Aliomar Baleeiro “(...) as receitas derivadas distinguem-se das originárias, porque, em contraste com estas, são exigidas compulsoriamente”7. É importante clarificar que a referida obrigatoriedade não está no pagamento e sim na utilização do bem ou serviço, ou seja, nas receitas originárias, o uso do bem/serviço é livre, contudo, caso haja a utilização destes elementos, o administrado é obrigado a realizar o pagamento. Diversamente, quando se trata de receitas derivadas, o administrado não tem a opção de usufruir ou não de um bem/serviço, o pagamento é compulsório, por força de lei.

Em função da exploração não compulsória de um patrimônio da União, a CFEM é enquadrada, portanto em uma receita originária, pois o cidadão somente será sujeito passivo deste encargo se iniciar a exploração mineral.

3.1.1 - Críticas à doutrina contrária

Existem alguns posicionamentos que divergem da classificação disposta, comparando a CFEM às indenizações ou até mesmo a receitas derivadas como os tributos. Em que pese as explicações anteriores serem suficientemente claras, é interessante a realização de outros apontamentos.

Ao final de seu trabalho anteriormente citado, Frederico Munia Machado elenca alguns doutrinadores que discordam do entendimento de que a CFEM é uma receita originária, enquadrando-a como uma verba indenizatória, por exemplo.

Regina Helena Costa, após analisar a distribuição da CFEM, conclui ser este um pagamento de natureza indenizatória e esclarece que o objetivo da Constituição ao criar a cobrança seria resguardar a pessoa em cujo território ocorrer a exploração dos prejuízos causados8.

Este pensamento não deve prevalecer pelos seguintes motivos: a indenização decorre de um ato ilícito e é utilizada para medir a extensão do dano causado. A cobrança da CFEM deriva da exploração mineral, ato lícito e previsto constitucionalmente, ademais, a extração e o beneficiamento implicam a valorização econômica dos recursos naturais e não na depreciação dos mesmos, não havendo, portanto, qualquer prejuízo. Frisa-se ainda, que caso fosse classificada como verba indenizatória, a distribuição da CFEM entre os entes federados seria indevida. Os recursos minerais são bens exclusivos da União, assim, qualquer suposto dano, a eles cometido, deveria ser compensado à União e não a outro ente. Desta forma, a distribuição da CFEM entre os Estados, os Municípios e os órgãos da Administração indireta, conforme previsão vigente seria ilegal.

Adriano Daeffe e Alberto Xavier9-10 erroneamente guiados pelas terminologias utilizadas na legislação regulamentar, como “fato gerador” e “base de cálculo”, acreditam que a CFEM teria a natureza de tributo. Seguindo esse raciocínio, toda receita pública que não decorresse de ato ilícito seria invariavelmente espécie de tributo, afirmação esta falsa.

Estudando as espécies tributárias é possível verificar que a CFEM não é imposto, pois como bem dispõe o art. 17 do Código Tributário Nacional, impostos são exclusivamente aquelas previstas no Código.

Tanto o CTN quanto a Constituição são taxativos no rol dos impostos e a CFEM não se encontra dentre eles. De mais a mais, o art. 16 do CTN determina que o fato gerador do imposto independe de qualquer atuação estatal específica. Ocorre que a contrapartida pelo pagamento da CFEM advém justamente da disposição, pelo Estado, de seus recursos minerais.

Neste mesmo sentido converge o ilustre doutrinador Marcelo Mendo Gomes de Souza:

“Para ser caracterizada como imposto, nos termos do art. 16 do Código Tributário Nacional, a CFEM teria de ter como fato gerador uma situação independente de qualquer atuação estatal específica, relativa ao contribuinte, pois, em se tratando de imposto não é precioso ao Estado criar nenhum serviço, nem dispor de qualquer bem ou atividade especial em troca do que o contribuinte irá pagar, porque não há contrapartida. Porém existe contrapartida para o pagamento da CFEM, pois a receita é auferida em decorrência da exploração do recurso mineral pertencente à União, razão pela qual ela também não pode ser considerada imposto.”11

A CFEM tampouco é taxa, uma vez que não se enquadra no fato gerador previsto pelo art. 77 do CTN.

De acordo com o art. 15 do Decreto nº 1/1991, que regulamenta a CFEM, a hipótese de incidência dessa cobrança ocorre com: “a saída por venda do produto mineral das áreas da jazida, mina, salina ou de outros depósitos minerais de onde provêm, ou o de quaisquer estabelecimentos, sempre após a última etapa do processo de beneficiamento adotado e antes de sua transformação industrial”.

Verifica-se, portanto, não haver qualquer disposição de serviço público, tampouco de poder de polícia na descrição acima que justifique o enquadramento da CFEM como taxa.

Ana Carolina Valladares Belisário em seu trabalho “A natureza jurídica da compensação financeira pela exploração dos recursos minerais - CFEM” cita Frederico Augusto Lins Peixoto e Victor Penido Machado como defensores de que a CFEM seria uma Contribuição Especial de Intervenção Econômica - Cide12.

De acordo com a disposição do art. 149 da CR, as receitas auferidas com a Cide são destinadas ao financiamento de políticas econômicas. Embora o parágrafo 2º do art. 2º da Lei nº 8.001/1990 determine o valor da distribuição entre os entes federados e os órgãos da Administração Pública indireta, não há vinculação dos valores arrecadados com qualquer tipo de despesa específica.

Embora a exploração mineral forneça ao Estado direito à “compensação financeira”, esta advém da vontade do concessionário em praticar a atividade mineradora e não do poder de império do Estado. Verifica-se, ainda, que a exploração é autorizada pela Constituição da República - CR sem causar qualquer prejuízo à União, logo, não há justificativa coerente que sustente a classificação da CFEM como verba indenizatória. Além disso, o fato de ser transferida a seus beneficiários não tem o condão de transformá-la em receita derivada.

3.1.2 - Críticas à caracterização da CFEM como preço público

Conforme anteriormente disposto, as receitas originárias podem ser subdivididas, o preço público representa uma dessas divisões.

Baleeiro realiza a seguinte definição:

“O preço público é fixado de modo que cubra toda a despesa com o serviço que justifica sua cobrança. Pode ser múltiplo - diverso para as diferentes categorias de usuários -, de sorte que todas, em conjunto, bastem a cobrir a despesa (por exemplo, tarifa ferroviária barata para gêneros alimentícios e alta para artigos de luxo; tarifa postal reduzida para jornais e alta para cartas).”13

Ana Carolina Valladares Belisário finaliza sua análise feita quanto à natureza jurídica da CFEM concluindo tratar-se o encargo de um preço público. Com o devido respeito ao entendimento da autora citada, o presente trabalho não comunga com essa ideia.

A partir do estudo realizado até o momento, é possível aferir que:

1 - O preço público advém de um regime contratual, diferente da CFEM, disposta em Lei.

2 - O preço público é imbuído com o objetivo de lucro, percepção esta que não condiz com a forma de cálculo da CFEM, uma vez que o valor da produção mineral - base de cálculo da compensação - é estabelecido pelo mercado e não fixado unilateralmente, como ocorre, via de regra, com os serviços públicos concedidos.

3 - O preço público está vinculado à exploração de um serviço e não de um bem público.

Verifica-se, portanto que a CFEM é, indubitavelmente, uma receita originária patrimonial da União, que, por disposição constitucional, é também transferida para os entes federados e órgãos da Administração Pública direta, conforme disposição do art. 2º do Decreto nº 01/1991.

A CFEM é uma participação do Estado na exploração mineral, sendo, portanto, um royalty.

3.2. Natureza jurídica da TRFM

Em 2011, o Estado de Minas Gerais, por meio da Lei nº 19.976/2011, criou a Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários - TFRM.

Embora o art. 1º da Lei nº 19.976/2011 determine que TFRM é a contraprestação pelo exercício regular do poder de polícia conferido ao Estado sobre as atividades de pesquisa, lavra, exploração ou aproveitamento de recursos minerais realizadas em Minas Gerais, a cobrança nada mais representa que um royalty da mineração transvestido de taxa.

3.2.1 - Rompimento do federalismo fiscal. Incompetência dos órgãos eleitos para exercer o poder de polícia

A TFRM foi embasada na disposição do art. 145 da CR e do art. 78 do CTN. Ocorre que para que o exercício do poder de polícia seja devidamente exercido é necessário que o órgão fiscalizador seja competente para tanto.

A competência para o exercício do controle, monitoramento e fiscalização das atividades de pesquisa, lavra, exploração e aproveitamento de recursos minerais se encontra definida no artigo 23 da Constituição Federal.

A estruturação do federalismo fiscal ocorrerá pela divisão de competências tributárias. Sobre o tema, os ilustres doutrinadores Fernando Facury Scaff e Alexandre Coutinho da Silveira elaboraram um excelente estudo chamado “Federalismo fiscal e taxas decorrentes do poder de polícia sobre a atividade minerária”.

Os autores esclarecem que o federalismo fiscal é estruturado a partir de “duas formas do poder de tributar: pela delegação de competências ou pela redistribuição do produto da arrecadação”14. Ao analisarem o poder de polícia previsto no inciso XI do art. 23 da CR ou doutrinadores dispõem sobre a imprescindibilidade da Lei Complementar (LC) no detalhamento do exercício da competência comum.

Destacam que ainda que se a LC existisse (como é o caso nos dias de hoje), os Estados e os Municípios não teriam competência para tanto, pois:

- De acordo com o inciso IX do art. 20 da CR, os recursos minerais são bens da União.

- De acordo com o inciso XII do art. 22 da CR, compete privativamente legislar sobre jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia.

- De acordo com o art. 176 da CR, cabe à União delegar (conceder) o direito de pesquisa e lavra desses minérios a entes privados, cabendo somente à ela então fiscalizar o cumprimento desses atos administrativos.

Scaff e Silveira concluem no seguinte sentido:

“A conclusão lógica (e que se extrai do CTN, art. 80) que daí advém é a impossibilidade de instituição de taxas para o exercício de atividades para os quais o ente subnacional instituidor não possui competência. Novamente cabe pontuar que o Supremo Tribunal Federal, igualmente rechaça a tributação em casos tais: ‘A incidência de taxa pelo exercício de poder de polícia pressupõe ao menos (1) competência para fiscalizar a atividade e (2) a existência de órgão ou aparato aptos a exercer a fiscalização’.

Perguntar-se-á, então: a quem cabe exercer o poder de polícia estabelecido pelo art. 78 do Código Tributário Nacional acima transcrito, em face do ‘exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público?’

O exercício de tal poder de polícia compete à União, através do Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM, a quem, por força de lei, cabe fiscalizar a pesquisa, lavra, extração, e outras atividades correlatas à atividade minerária. É o que estabelece o Código de Mineração (DecretoLei nº 227/1967). No mesmo sentido dispõe o Decreto nº 62.934/1968, que regulamenta aquele Código.15

Ocorre que o Estado de Minas Gerais não tem estrutura administrativa que possibilite exercício de poder de polícia em questão. O art. 3º da Lei nº 19.976/2011, alterado pela Lei nº 20.414/2012, determina que a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico - Sede e outros órgãos da Administração Pública indireta, que não possuem competência para tanto, realizem a fiscalização das atividades minerárias.

Fulgente, portanto, o desacerto da Lei nº 19.976/2011, a incompetência e o despreparo dos órgãos dispostos na norma para o exercício do suposto exercício de polícia.

3.2.2 - O momento de ocorrência do fato gerador da taxa - venda ou transferência do minério - bem como a forma de sua apuração arrecadatória não são próprios de taxa

O art. 8º da Lei nº 19.976/2011 determina que:

“Art. 8º O valor da TFRM corresponderá a 1 (uma) UFEMG vigente na data do vencimento da taxa por tonelada de mineral ou minério bruto extraído.”16

Neste ponto, cabe mencionar os ensinamentos de Sacha Calmon Navarro Coêlho que, ao analisar a natureza jurídica da taxa, determina que, sendo os fatos geradores desse tributo advindos de atuações do Estado, a sua base de cálculo e suas hipóteses de incidência somente podem mensurar tais atuações.17

Percebe-se que a base de cálculo é a expressão econômica do fato gerador, nas taxas ela deverá permitir a quantificação da despesa efetuada pelo Poder Público para exercer o serviço público/poder de polícia.

Neste mesmo sentido convergem os ensinamentos de Roque Carrazza:

“Conquanto não seja necessária uma perfeita coincidência entre o custo da atividade estatal e o montante exigido a título de taxa, deve haver, no mínimo, uma correlação entre ambas. Ao contrário do que acontece com os impostos, as pessoas políticas não podem criar taxas com o fito exclusivo de carrear dinheiro para os cofres públicos. Além disso, na medida em que o pagamento das taxas está vinculado à prática de um determinado ato de polícia, elas devem estar voltadas a seu custeio, e não de outros serviços ou atos de polícia, que não alcançam o contribuinte.”18

Dessa forma, a base de cálculo de uma taxa de polícia, como é a TFRM, deve ser o custo aproximado das diligências necessárias para a expedição do ato decorrente do poder de polícia.

Acontece que a base de cálculo da TFRM, nos moldes em que estabelecida pela Lei Estadual nº 19.976/2011, não guarda pertinência com o exercício efetivo do poder de polícia pelo Estado de Minas Gerais: a vinculação do quantum do tributo a ser recolhido à quantidade de minério vendida ou transferida não mede, em absoluto, a atuação estatal.

Considerando-se, como dito anteriormente, que taxas são tributos vinculados a uma atuação estatal, fica claro que a base de cálculo da TFRM não diz respeito a aspecto quantitativo da hipótese de incidência próprio de taxa, tampouco de imposto, como defendido por alguns juristas sendo, inclusive, ajuizada a ADIn nº 4.78519 defendendo este posicionamento.

Percebe-se fundamental semelhança entre a base de cálculo da TFRM e da CFEM, ambas estão vinculadas na quantidade de recursos minerais vendidos ou transferidos.

Lei Estadual nº 19.976/2011 determina no parágrafo 2º do art. 8º que para fins de recolhimento de TFRM será considerada a quantidade indicada no documento fiscal relativo à venda ou à transferência. O Decreto nº 01/1991 no art. 13 determina que a CFEM incidirá sobre o valor do faturamento líquido resultante da venda do produto mineral.

Percebe-se que tanto a TFRM como a CFEM possuem um caráter arrecadatório, e seus cálculos representam nada mais que a participação ora do Estado ora da União nos lucros da atividade minerária. Não é em vão que tanto uma como a outra incidem sobre o faturamento liquido, ou seja, após a subtração de qualquer outro tributo incidente.

Digno de nota é que a TRFM não pode ser enquadrada como um imposto, pois não há compulsoriedade na atividade de exploração mineral, conforme explanação anterior. Embora a Lei nº 19.976/2011 descreva a taxa como um poder de polícia sobre todas as atividades minerárias, “pesquisa, lavra, exploração ou aproveitamento”, ela somente será paga por aqueles empreendedores que venham a exercer a lavra e/ou a comercialização, uma vez que a taxa é calculada sobre a quantidade de minério.

Impossível o cálculo da TFRM para os empreendedores que exercem apenas a pesquisa, pois inexiste minério extraído. Destaca-se, uma vez mais que o valor obtido com a TFRM não subsidiará o potencial poder de polícia sobre as atividades minerárias. Dessa forma, por não ser compulsória, a TFRM não poderá ser uma receita derivada, tampouco imposto. Contrariamente, representa sim, uma participação do Estado na exploração mineral.

4 - Conclusões

A partir de toda a explanação realizada, conclui-se que:

1 - Desde o Brasil-Colônia são cobrados royalties pelo Estado sobre a atividade minerária, e, a linearidade do histórico dessa política simplesmente se repete nos dias atuais.

2 - Apesar da enorme controvérsia quanto à natureza jurídica da CFEM - Contribuição Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais, o presente trabalho demonstrou que o encargo representa um royalty mineral.

3 - Concluiu-se que os royalties analisados, sob uma ótica de Receita Pública, são enquadrados como receitas originárias patrimoniais.

4 - Devido às imprecisões e omissões legislativas da Lei 19.976/2011, fica claro que não existe qualquer vinculação entre a atuação do Estado e a cobrança da TFRM, violando, portanto, a norma insculpida no art. 78 do Código Tributário Nacional, bem como o art. 145, II, da Constituição.

5 - TFRM configura um royalty da mineração transvestido de taxa e não um imposto, conforme sustentado por alguns autores.

6 - A cobrança da TFRM revelou-se inconstitucional, criada por Lei Ordinária sem a existência de Lei Complementar prevista e exigida na CR.

7 - Por fim, conclui-se que a cobrança da TFRM é ilegal, pois a coexistência com a CFEM acarreta em bitributação.

1 A bitributação ocorre quando entes tributantes diversos exigem do mesmo sujeito passivo tributos decorrentes do mesmo fato gerador. Dessa maneira, sabe-se que ao excluir a possibilidade de a CFEM ser um tributo, “bitributação” não seria a terminologia mais adequada para traduzir a situação analisada. Todavia, não se encontrou outro vocábulo que melhor expressasse a situação em questão. Por essa razão, a leitura do trabalho deverá ser feita utilizando-se da amplitude do termo “bitributação”.

2 Cf. MACHADO, Frederico Munia. “A evolução histórica da legislação sobre os royalties da mineração brasileira”. In: SOUZA, Marcelo Mendo Gomes de (coord.). A Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais - CFEM. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 10.

3 Cf. MACHADO, Frederico Munia. Ob. cit., p.18.

4 Cf. MACHADO, Frederico Munia. Ob. cit., p. 19.

5 Cf. MACHADO, Frederico Munia. Ob. cit., pp. 17-20.

6 Cf. MACHADO, Frederico Munia. Ob. cit., p. 20.

7 Cf. BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 191.

8 Cf. MACHADO, Frederico Munia. “A evolução histórica da legislação sobre os royalties da mineração brasileira”. In: SOUZA, Marcelo Mendo Gomes de (coord.). A Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais - CFEM. Belo Horizonte: Del Rey, 2011.

9 Frederico Munia Machado cita estes dois autores, dentre outros, como defensores da corrente que enquadra a CFEM como tributo.

10 Cf. MACHADO, Frederico Munia. “A evolução histórica da legislação sobre os royalties da mineração brasileira”. In: SOUZA, Marcelo Mendo Gomes de (coord.). A Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais - CFEM. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 48.

11 Cf. BELISARIO, Ana Carolina Valladares. “A natureza jurídica da Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais - CFEM”. In: SOUZA, Marcelo Mendo Gomes de (coord.). A Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais - CFEM. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 114.

12 Cf. BELISARIO, Ana Carolina Valladares. “A natureza jurídica da Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais - CFEM”. In: SOUZA, Marcelo Mendo Gomes de (coord.). A Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais - CFEM. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 116.

13 Cf. BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 166.

14 Cf. SCAFF, Fernando Facury; e SILVEIRA, Alexandre Coutinho da. “Federalismo fiscal e taxas decorrentes do poder de polícia sobre a atividade minerária”. In: SCAFF, Fernando Facury; e SILVEIRA, Alexandre Coutinho da (coords.). Direito Tributário e a Constituição. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2012, p. 283.

15 Cf. SCAFF, Fernando Facury; e SILVEIRA, Alexandre Coutinho da. “Federalismo fiscal e taxas decorrentes do poder de polícia sobre a atividade minerária”. In: SCAFF, Fernando Facury; e SILVEIRA, Alexandre Coutinho da (coords.). Direito Tributário e a Constituição. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2012, p. 292.

16 Brasil. Lei nº 19.976, de 27 de dezembro de 2011. Institui a Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários - TFRM - e o Cadastro Estadual de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários - Cerm. Disponível em http://www.fazenda.mg.gov.br/empresas/legislacao_tributaria/leis/2011/l19976_2011.htm. Acesso em 28.8.2013.

17 Cf. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

18 Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 588.

19 A ADI nº 4.785 foi ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) contra uma lei estadual de Minas Gerais (Lei nº 19.976/2011) que instituiu taxa de controle, monitoramento e fiscalização das atividades de pesquisa, lavra, exploração e aproveitamento de recursos minerários (TFRM).