Aquisição de Ação de não Controlador é Ação em Tesouraria?

Is Acquisition of Non-Controlling Shares Treasury Stock?

Eliseu Martins

Professor Emérito das Faculdades de Economia, Administração e Contabilidade da USP em São Paulo e Ribeirão Preto. E-mail: prof.eliseu.martins@gmail.com.

Resumo

As Normas Internacionais de Contabilidade (IFRS) trouxeram um novo conceito de Entidade para fins contábeis no consolidado: passaram a incluir no patrimônio líquido dois valores: o da entidade controladora e a parte dos sócios não controladores nas entidades consolidadas. Como decorrência, passou a tratar a aquisição adicional de ações dos não controladores como procedimento similar à aquisição de ações em tesouraria, o que leva a classificar a mais(menos)-valia e o goodwill como redutores do patrimônio líquido consolidado.

As IFRS nada normatizaram no plano do balanço individual. Porém, o Brasil, via a ICPC09, no afã de manter igualdade entre patrimônio e lucro líquidos iguais no consolidado e no individual (não exigida pelo IASB), determinou o mesmo procedimento para o balanço individual.

O que aqui procuramos mostrar é que essa iniciativa brasileira, à vista de uma análise mais pormenorizada e da experiência adquirida, não oferece uma representação a mais fidedigna possível da realidade econômica da entidade individual (na verdade, discutível mesmo até no balanço consolidado).

Assim, nossa proposição é a de que refaçamos a norma brasileira e discutamos com o IASB sua IFRS.

Palavras-chave: ação em tesouraria, não controlador, goodwill.

Abstract

The International Financial Reporting Standard (IFRS) introduced a new concept of Entity for accounting purposes in the consolidated financial statement: they started to include in equity two values: the controlling entity and the non-controlling interest in the consolidated financial statement. As a result, it started to treat the additional acquisition of non-controlling shares as a procedure similar to the acquisition of treasury stocks, which leads to classifying the (non)appreciation and goodwill as reducers of the consolidated equity.

The IFRS did not regulate anything in terms of the individual or separate balance sheet. However, Brazil, via ICPC09, in its eagerness to maintain equity and net income equal in the consolidated and the individual (not required by the IASB), determined the same procedure for the individual balance sheet.

What we are trying to show here is that this Brazilian initiative, in view of a more detailed analysis and the experience acquired, does not offer the most true and fair view possible of the economic reality of the individual entity (in fact, debatable even in the consolidated balance sheet).

Thus, our proposition is that we redo the Brazilian standard and discuss the IFRS with the IASB.

Keywords: treasury stock, non-controlling, goodwill.

1. Introdução

Participando de mais um agradável encontro no IBDT/FIPECAFI – Instituto Brasileiro de Direito Tributário/Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras, assistia a ricos comentários sobre o seguinte: as sociedades, em seus balanços individuais, têm que tratar as compras adicionais de ações de uma controlada como se fossem ações (ou quotas1) em tesouraria?

Continuando: conforme as regras contábeis atuais, esse investimento adicional precisa hoje ser destacado em: (a) equivalência patrimonial sobre o percentual adquirido do patrimônio líquido da emissora dessas ações, (b) mais ou menos-valia dos ativos líquidos proporcionais da investida tomados individualmente, e (c) goodwill2? Esses componentes não podem ficar todos no ativo, e se não, o porquê? Se não ficam no ativo, qual o tratamento tributário para esse goodwill?

E me pronunciei a respeito no que tange à parte contábil, expressando o que pensava e mostrando possibilidade de mudança no entendimento prevalecente. Eis que o Professor Luís Eduardo Schoueri, Professor Titular de Direito Tributário da Faculdade de Direito da USP, praticamente me desafia a escrever o que dissera. E aqui está o produto decorrente do desafio. Portanto, sabem a quem reclamar pelo pedido!

O interessante é que estou muito feliz com esse desafio, porque me obrigou a uma sistematização melhor do porquê de meu pensamento, numa forma mais fundamentada e organizada do que pude expor naquela manhã. E vamos então à apresentação desse pensamento. Primeiramente, discutamos (sinto muito essa parte histórica, mas me parece necessária) a evolução teórica e normativa do conceito contábil de Entidade, para depois aplicá-la à análise de suas consequências.

(E peço desculpas desde já também por ter que inserir um pouco de contabilês e alguns exemplos contábeis. Talvez os advogados se interessem mais por uma parte e os contadores por outra, e aí ficarei feliz com o todo sendo considerado. Se bem que há muito advogado hoje dominando a contabilidade.)

2. O conceito de Entidade no mundo acadêmico latino/germânico

No Brasil, a concepção acadêmica contábil de Entidade nasceu, obviamente, vinculada ao conceito de Entidade como Pessoa Jurídica. Veja-se por exemplo o livro Contabilidade introdutória3, escrito por nós, professores da FEA/USP, na sua primeira edição. E é interessante notar que desde 1964 a Contabilidade, nessa Faculdade, já estava totalmente voltada aos conceitos anglo-saxônicos, mas vê-se que ainda com influência da escola anterior, franco-italiana. E por isso uma definição “latina”, franco/italiana:

“10.4.2) O Princípio da Entidade

Pressupõe-se que a contabilidade é executada e mantida para as entidades como pessoas jurídicas, completamente distintas das pessoas físicas (ou jurídicas) dos sócios.” (Destaques nossos)

Note-se que, na verdade, nesse mundo franco/latino a preocupação com o conceito da Entidade era a de promover a separação dos patrimônios dos sócios para não se confundir com os da pessoa jurídica (e vice-versa), com certeza pela influência desse conceito de segregação patrimonial introduzido inclusive no Direito, pelo que eu saiba, não tanto tempo assim antes4.

A FEA/USP ainda estava no início de sua nova visão anglo-saxônica e não se habituara completamente a ela, mantendo nesse ponto a doutrina anterior. Inclusive nenhuma menção fazia o livro à figura do balanço consolidado; só ao individual de cada pessoa jurídica. E cometemos (eu estava junto) esse “deslize” no livro. É lógico que em edições mais à frente mudou-se essa posição, sem perder a ideia de segregação patrimonial, mas ampliando o conceito para outras hipóteses que não só a da pessoa jurídica. Hoje, a definição nesse livro é a seguinte5, totalmente voltada ao conceito anglo-saxônico:

“10.4.1) Princípio da Entidade

A Contabilidade é executada e mantida para entidades como pessoas completamente distintas das pessoas físicas (ou jurídicas) dos sócios...

Entretanto, não é apenas nesse significado que se materializa o princípio da Entidade. Em Contabilidade, entidade é todo ‘núcleo’ capaz de manipular recursos econômicos (e organizacionais) e que consiga adicionar valor (ou utilidade, em sentido amplo) aos recursos manipulados. Existem verdadeiras macroentidades representadas pelos conglomerados de companhias investidoras e por suas subsidiárias ou controladas. O balanço consolidado representa uma macroextensão do conceito de entidade. Por outro lado, qualquer divisão ou setor de uma empresa descentralizada capaz de produzir para o esforço de produção de receita da entidade maior (desde que esse esforço seja mensurável em termos de receitas e despesas, mesmo que para as receitas tenha-se que recorrer, às vezes, a preços imputados de transferência entre setores) constitui uma subentidade digna de atenção para a Contabilidade. Assim, o sentido contábil de entidade vai muito além do jurídico, para atingir o econômico e o social. Cada entidade será, sob a ótica do usuário jurídico, para atingir o econômico e o social. Cada entidade será, sob a ótica do usuário da informação, a mais importante em certas circunstâncias. Assim, para os acionistas da companhia-mãe, o balanço consolidado é mais importante do que o individual de cada entidade, ao passo que, para os acionistas das controladas, os balanços individuais podem ser mais importantes.”

3. O conceito de Entidade no mundo acadêmico anglo-saxônico

A figura da consolidação foi aparentemente introduzida pelo mundo anglo-saxônico na Revolução Industrial como forma de evidenciar o conjunto empresarial como um todo, já que fraudes existiram na apresentação de balanço individual apenas da companhia aberta (a companhia aberta vendia mas... para controladas fechadas; as dívidas apareciam nas controladas para saldar o devido à controladora etc.; com isso, o balanço da controladora aberta ia de vento em popa, mas os das demais entidades do grupo...). Nasceu assim a consolidação para dar maior segurança ao mundo dos investidores. A apresentação agora não só do patrimônio individual (ativos e passivos), mas também do patrimônio global como se houvesse apenas uma pessoa jurídica, passou a evidenciar um mundo completamente diferente até então6.

Portanto, na Inglaterra essa ideia de Entidade representada pelo balanço consolidado é dada como premissa há muitos e muitos anos. Já na Alemanha, na França e praticamente em todos os países europeus continentais, essa ideia só foi de fato implantada inclusive depois de nós no Brasil (sua introdução entre nós pela Lei n. 6.404/1976 derivou de termos nesse momento adotados pela contabilidade anglo-saxônica, mais especialmente a norte-americana). Para eles, “como aceitar uma demonstração de uma entidade que não existe formalmente, baseada não nos livros diário e razão...”. As figuras da common law e do code law parecem explicar esses diferentes comportamentos de apego à entidade jurídica e/ou à entidade econômica.

É grande a literatura que evidencia esse entendimento anglo-saxônico, mas vamos apenas citar o mais famoso livro sobre Teoria da Contabilidade, norte-americano, que já falava praticamente da mesma forma desde sua publicação original em 19657:

“The concept of the accounting entity may include the legal enterprise, a division of the enterprise, or a ‘super-enterprise’, such as a consolidation of several interrelated firms. The choice of the appropriate entity and the determination of its boundaries depend upon the objectives of the reports and the interests of the users of the reported information.”

Note-se que é um conceito muito mais amplo e sem qualquer fronteira jurídica obrigatória. Admite inclusive a quebra de pessoa jurídica em mais de uma entidade contábil. Nada a ver com o conceito germânico/latino preso à figura da pessoa jurídica.

4. O conceito de Entidade na normatização contábil brasileira

Até onde seja do nosso conhecimento, a primeira norma contábil sobre Entidade no Brasil foi a introduzida pela Deliberação CVM n. 29/1986, que aprovou pronunciamento do Ibracon – Instituto dos Auditores Independentes do Brasil – com redação básica do Professor Sérgio de Iudícibus. Vejamos alguns excertos dessa Deliberação CVM n. 29/1986:

“Entidades são conjuntos de pessoas, recursos e organizações capazes de exercer atividade econômica, como meio ou como fim.

Tradicionalmente, os teóricos [no Brasil] da Contabilidade dão, para o Postulado[8] da Entidade, a conotação analisada anteriormente. Entretanto, tal significado, conquanto importante e consubstanciado, na Contabilidade, antiga regra jurídica, não explica toda a dimensão do termo Entidade para a Contabilidade.

O Consolidado representa uma entidade à parte, totalmente caracterizada, e deve ser encarada separadamente das partes. Pode abranger essa entidade maior o conjunto controlador/controladas ou mesmo entidades sem ligações societárias entre si, mas desde que subordinadas a um controlador comum.”

Veja-se que o próprio Professor Iudícibus, autor daquele capítulo citado na versão original do Contabilidade introdutória, apresenta agora uma versão mais evoluída e completa, inserindo objetivamente a figura da entidade econômica do balanço consolidado.

Note-se então que a CVM reforçou, desde 1986, um conceito que obviamente se casava com a própria Lei das S/A de 1976, já que esta introduziu legalmente a figura das demonstrações consolidadas. Só que essa Lei fez essa introdução da figura das demonstrações consolidadas apenas como uma espécie de apêndice às demonstrações individuais, puramente informativa, como se vê de todo o seu contexto e do art. 249:

“Art. 249. A companhia aberta que tiver mais de 30% (trinta por cento) do valor do seu patrimônio líquido representado por investimentos em sociedades controladas deverá elaborar e divulgar, juntamente com suas demonstrações financeiras, demonstrações consolidadas nos termos do artigo 250.” (Destaques nossos)9

Essa Lei dá as normas técnicas no art. 250 para essa consolidação, fala também desse conceito, no art. 275, no caso de grupos de sociedade (no sentido jurídico e não no sentido comum que damos à palavra “grupo” hoje) e só se lembra novamente da consolidação para falar, no art. 274, da possibilidade de as remunerações e gratificações dos administradores poderem ser rateados pelas consolidadas nesse caso de “grupo de sociedades”. E só. Nenhuma importância e nenhum papel a mais são mencionados pela Lei às demonstrações consolidadas.

Portanto, há 35 anos já tínhamos na CVM um conceito avançado perto do que se praticava no Brasil. Mas sem lhe atribuir o nível de importância que o mercado de capitais hoje dá ao balanço consolidado praticamente no mundo inteiro. Mas também houve posições diferentes no passado não muito recente, principalmente no mundo acadêmico.

O CFC – Conselho Federal de Contabilidade emitiu, em 1981, a Resolução N.530, falando sobre os Princípios Fundamentais de Contabilidade, e assim definiu, numa fase de influência ainda italiana10:

“1.1. Da entidade – O Patrimônio da entidade não se confunde com o dos seus sócios ou acionistas, ou proprietário individual.”

Tão somente isso. Mas emitiu, em 1993, a Resolução n. 750, falando sobre os Princípios Fundamentais de Contabilidade, e assim definiu:

“Art. 4º. O Princípio da ENTIDADE reconhece o Patrimônio como objeto da Contabilidade e afirma a autonomia patrimonial, a necessidade da diferenciação de um Patrimônio particular no universo dos patrimônios existentes, independentemente de pertencer a uma pessoa, um conjunto de pessoas, uma sociedade ou instituição de qualquer natureza ou finalidade, com ou sem fins lucrativos. Por consequência, nesta acepção, o Patrimônio não se confunde com aqueles dos seus sócios ou proprietários, no caso de sociedade ou instituição.

Parágrafo único – O PATRIMÔNIO pertence à ENTIDADE, mas a recíproca não é verdadeira. A soma ou agregação contábil de patrimônios autônomos não resulta em nova ENTIDADE, mas numa unidade de natureza econômico-contábil.”

O conceito se cinge ainda à separação de patrimônios, mas adicionou um parágrafo único em que não admite a figura da Entidade para o caso da consolidação de balanços. Ou seja, não se podia falar do consolidado como a representação de uma entidade, contrapondo-se à posição da CVM. Isso deriva da posição formal e jurídica do entendimento do que seja entidade muito seguida àquela época por aquele Conselho.

Aliás, para se ter uma ideia em outras plagas, na União Europeia a figura da consolidação foi introduzida pela Sétima Directiva em 1983, mas só se conseguiu sua implantação na Europa Continental em na década de 90! Ou seja, o Brasil adotou a consolidação na Lei n. 6.404/1976, bem antes do que a União Europeia (exceto os anglo-saxônicos). Na verdade, o Banco Central, que fazia o papel da CVM antes de esta ser criada em dezembro de 1976, já havia emitido, em 1972, uma norma aos auditores para a elaboração das demonstrações consolidadas mencionando mas não normatizando demonstração consolidada11). E a razão de toda essa demora na União Europeia foi a enorme resistência de diversos países, liderados pela Alemanha, contra essa figura das demonstrações consolidadas. Como já dito, não aceitação de um balanço de um conjunto patrimonial não representado por uma entidade jurídica.

Voltemos ao Brasil. Com a adoção das normas internacionais de contabilidade a partir da Lei n. 11.638/2007, ficou a discussão conceitual no Brasil mais assentada. O CFC adotou, juntamente com a CVM, em 2008, já sob a égide dessa Lei que começou a introduzir as IFRS no Brasil, o Pronunciamento CPC “00” – Estrutura Conceitual para a Elaboração e Apresentação das Demonstrações Contábeis” – por intermédio da NBC TG Estrutura Conceitual – Resolução CFC n. 1.121/2008.

Só que na versão original desse Pronunciamento, diríamos que, estranhamente, simplesmente não aparecia a definição do conceito de Entidade. Ou seja, a norma original do IASB já assim procedia. Entidade é mencionada dezenas de vezes, e já no seu item 6 mostrava:

“6. Esta Estrutura Conceitual trata das demonstrações contábeis para fins gerais ... inclusive das demonstrações contábeis consolidadas.” (Destaques nossos)

O estranho é que, mesmo com a adoção da Estrutura Conceitual do IASB pelo CFC em 2008, permaneceram, por muitos anos, paralelamente a Estrutura do CFC de 1985 e a do CPC de 2008 nesse Conselho. Somente em 2016 o CFC revogou a Resolução n. 750/1993. É de se elogiar essa revogação que alinhou de forma total o CFC às normas internacionais de contabilidade. Portanto, agora estamos em uníssono, o IASB, o CPC, a CVM e o CFC. E mais o BACEN, a ANEEL, a ANS, a SUSEP e a ANTT.

Realmente, conceituar Entidade é algo difícil. Talvez por isso o Professor Sérgio prefere denominá-la como um Postulado12, um axioma. Toma-se como verdade e vamos em frente.

5. O conceito normativo atual de Entidade nas contabilidades brasileira e internacional

Há algo, como já dito, de muito interessante no fato seguinte: o IASB – International Accounting Standards Board – até hoje não apresentou uma definição cristalina do que seja Entidade. Desde seus primórdios (ainda IASC) fala em “entidade que reporta”. Mas ousou um pouco mais do que vinha fazendo na edição do Pronunciamento Técnico CPC “00” (R2) – Estrutura Conceitual para Relatório Financeiro – mais recente, de 2019, pelo menos dando mais força, claridade e universalidade a esse conceito:

Entidade que reporta

3.10 A entidade que reporta é a entidade que é obrigada a, ou decide, elaborar demonstrações contábeis. A entidade que reporta pode ser uma única entidade ou parte da entidade ou pode compreender mais de uma entidade. Uma entidade que reporta não é necessariamente uma entidade legal.

3.11 Às vezes, a entidade (controladora) tem o controle sobre outra entidade (controlada). Se a entidade que reporta compreende tanto a controladora como suas controladas, as demonstrações contábeis da entidade que reporta são denominadas ‘demonstrações contábeis consolidadas’ (ver itens 3.15 e 3.16). Se a entidade que reporta é apenas a controladora, as demonstrações contábeis da entidade que reporta são denominadas ‘demonstrações contábeis não consolidadas’ (ver itens 3.17 e 3.18).

3.12 Se a entidade que reporta compreende duas ou mais entidades que não são todas vinculadas pelo relacionamento controladora-controlada, as demonstrações contábeis da entidade que reporta são denominadas ‘demonstrações contábeis combinadas’.

3.13 Determinar o limite apropriado da entidade que reporta pode ser difícil se a entidade que reporta:

(a) não é entidade legal; e

(b) não compreende somente entidades legais vinculadas pelo relacionamento controladora-controlada.

3.14 Nesses casos, a determinação do limite da entidade que reporta é orientada pelas necessidades de informações dos principais usuários das demonstrações contábeis da entidade que reporta. Esses usuários precisam de informações relevantes que representam fidedignamente o que pretendem representar. A representação fidedigna exige que:

(a) o limite da entidade que reporta não contenha conjunto arbitrário ou incompleto de atividades econômicas;

(b) incluir esse conjunto de atividades econômicas dentro do limite da entidade que reporta resulte em informações neutras; e

(c) seja fornecida uma descrição de como o limite da entidade que reporta foi determinado e no que consiste a entidade que reporta.

3.15 As demonstrações contábeis consolidadas fornecem informações sobre os ativos, passivos, patrimônio líquido, receitas e despesas tanto da controladora como de suas controladas como uma única entidade que reporta.” (Destaques nossos)

E esse Pronunciamento, também como já dito, está aprovado pela CVM – Comissão de Valores Mobiliários (Delib. n. 835/2019), pelo CFC – Conselho Federal de Contabilidade (NBC TG Estrutura Conceitual, 2019) e outros órgãos reguladores. Assim, praticamente é um conceito generalizado hoje no nosso país. Portanto, se uma família decidir elaborar as suas demonstrações contábeis como família, e se seguir todas as normas do IASB, poderá declarar que essa entidade familiar terá aplicado as IFRS – Internacional Financial Reporting Standards emitidas pelo IASB – ou as Normas Brasileiras de Contabilidade.

É importante ver que agora está formalmente definido que uma controladora e suas controladas formam uma entidade, não de natureza jurídica, mas de natureza econômica, para fins contábeis. E está explícito que Entidade não se cinge à pessoa jurídica, a uma entidade legal. Ou seja, tanto são válidas as demonstrações contábeis individuais das pessoas jurídicas da controladora e das controladas, quanto as demonstrações que as tratam como se fossem uma única pessoa jurídica.

Resumindo, a entidade, para fins contábeis, é o que for definido como o conjunto patrimonial cujas demonstrações contábeis melhor transmitam as informações necessárias aos usuários (inclusive os internos a essa entidade). Pode inclusive ser apenas uma parte de uma pessoa jurídica, ou um conjunto de pessoas jurídicas sob controle comum ou uma igreja dentro de uma comunidade religiosa etc.

Mas com uma concepção diferente muito forte: antes, o balanço consolidado era a entidade controladora consolidando as controladas, mas a entidade econômica, e consequentemente o patrimônio líquido, era a controladora. Por isso a Participação dos não Controladores nas controladas era apresentada fora do Patrimônio Líquido. E agora, o balanço consolidado passa a continuar a ser a controladora consolidando as controladas, mas a entidade econômica não é, e o patrimônio líquido também não, só o da controladora; passa o patrimônio líquido a abranger a parte dos sócios participantes nas entidades consolidadas. Faz sentido entender que de fato não é mais a controladora a Entidade Econômica nesse consolidado? Vamos discutir, mas mais lá à frente.

6. Um pouco da história da Equivalência Patrimonial

Criou-se a figura da equivalência patrimonial, fora do Brasil, e há praticamente um século, inicialmente apenas para ser aplicada nos balanços consolidados, para reconhecimento dos investimentos em coligadas (influência, mas não controle). Assim, nos balanços individuais não se aplicava equivalência nem sobre controladas e nem sobre coligadas! Vejam-se, por exemplo, o APB 18, norma de antes da criação da SEC – Securities & Exchange Commission (“CVM” norte-americana), ou Hendriksen13 ou tantos outros autores “antigos”.

Repare-se que a preocupação que levou à equivalência patrimonial foi: só se faz consolidação sobre as entidades sobre as quais existe controle; jamais às entidades sobre quem não se controla, mesmo que sobre elas haja influência significativa. Mas, adiciona-se no balanço consolidado um ajuste de uma linha só, equivalência patrimonial, de forma que o lucro líquido incorpore a parte do resultado detido na coligada. Isso acaba por produzir tentativamente os mesmos lucro líquido e patrimônio líquido que seriam obtidos caso se consolidasse as coligadas (sem trazer os ativos, os passivos, as receitas e as despesas dessas coligadas, sobre as quais não se tem controle; apenas seu resultado). Daí a expressão one line consolidation.

Essa foi e é, em muitos e muitos países ainda hoje, inclusive saxônicos, a prática quanto à equivalência. Ela não se aplica, neles, obrigatoriamente aos balanços individuais. Ela se aplica nos balanços consolidados para investimentos em coligadas.

A grande conclusão que nos interessa é a seguinte: a preocupação era a de incluir de forma plena no balanço consolidado os patrimônios das controladas, e mais, de forma simplificada, a parcela detida por esse consolidado nos lucros das coligadas. Não era a de igualar lucro e patrimônio líquidos da controladora individualmente com os do consolidado.

Ocorre que em muitos países (e nós, latinos, somos especialistas nisso), o balanço individual costumava e em alguns lugares ainda costuma ter muita relevância, ou quase total. No Brasil, por exemplo, sabemos que as distribuições de lucros só podem ser calcadas nos balanços individuais, não nos consolidados. Quando na Lei das S/A se fala em “valor patrimonial”, está-se referindo ao patrimônio líquido do balanço individual. E assim nasceu o problema nesses países de haver lucro líquido e patrimônio líquido diferentes, às vezes muito diferentes, entre os da controladora (individual) e do balanço consolidado. Os individuais da controladora não incluíam o resultado das controladas, por falta da equivalência patrimonial, muito menos o das coligadas. Haveremos de concordar com uma potencial confusão por parte dos usuários externos quanto à composição patrimonial e quanto ao desempenho da entidade. Via-se isso, por exemplo, no caso da Petrobras que, antes da Lei n. 6.404/1976, passou a publicar demonstrações consolidadas, antes da aplicação da equivalência patrimonial no balanço individual.

E é lógico que em algum momento ficou claro que se se atribuísse ao resultado da controladora a parte que lhe cabia no lucro das controladas, e no patrimônio da controladora a parte que lhe cabia nos patrimônios líquidos das controladas, e o mesmo no consolidado, os lucros líquidos e patrimônios líquidos da controladora e do consolidado passariam a ser iguais14. E aí passou-se a utilizar, em alguns países, o método da equivalência patrimonial nos balanços individuais. Ou seja, ajustando-se uma única linha no ativo, na conta de investimento em controlada, obtinha-se o mesmo lucro líquido e patrimônio líquido que os da consolidação. E ajustando-se nos investimentos em coligada, numa e na outra, continuaria essa igualdade.

Mas esse método não foi aceito de forma tão passiva como o fizemos no Brasil. Também por representar a incorporação na controladora de um resultado provavelmente muito distante de sua repercussão no Caixa, muitas resistências foram criadas, e não só nos países mais conservadores, mas até entre os anglo-saxônicos. Pouca notícia disso se tem no Brasil, mas é uma verdade. Os alemães não aceitaram essa prática nas suas demonstrações locais (lá, como na maioria dos países, as IFRS são aplicadas somente nas demonstrações consolidadas). Difícil a aceitação para eles, no conservador balanço individual, como receita, de um valor que só será realizado em caixa quando do recebimento de dividendos ou quando da venda do investimento. Mas não ficou restrita só aos germânicos essa visão.

Tanto que, até o IASB a rejeitou por muitos e muitos anos! Por quase 40 anos! A regra original era a de não aplicar a equivalência às demonstrações individuais15. Na verdade, essa vedação era formal nas demonstrações denominadas de separadas, que no Brasil costumam coincidir agora com as individuais. Os investimentos em controladas e coligadas nos balanços individuais tinham que ser reconhecidos com base no seu valor justo ou ao custo. Nada de equivalência, repetimos.

Tanto foi assim que, no Brasil, por conta da exigência da Lei das S/A (art. 248) em aplicar essa equivalência, a partir da introdução das IFRS (de 2010 a 2013) as empresas foram obrigadas por alguns anos a declarar, e os auditores a qualificar, o uso da equivalência nos balanços individuais. Assim, podiam as demonstrações estar conforme as práticas brasileiras, mas não conforme as Normas Internacionais.

A autorização para utilizar a equivalência patrimonial nas controladas nos balanços individuais só ocorreu em 2014 através da Revisão 07 – Revisão de Pronunciamentos Técnicos. Mesmo assim o CPC 35 – Demonstrações Separadas até hoje não obriga a equivalência patrimonial nos balanços individuais, apenas dá essa equivalência como opção:

“Demonstrações separadas são aquelas apresentadas por uma entidade, na qual a entidade pode eleger, sujeitos aos requisitos deste Pronunciamento, os investimentos em controlada, em empreendimento controlado em conjunto e em coligada para contabilizar ao custo, de acordo com o Pronunciamento Técnico CPC 38 – Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensuração, ou usando o método da equivalência patrimonial, conforme descrito no Pronunciamento Técnico CPC 18 – Investimento em Coligada, em Controlada e em Empreendimento Controlado em Conjunto. (Definição alterada pela Revisão CPC 07)”

A novidade foi “ou usando o método da equivalência patrimonial”. E demorou-se diversos anos para que essa alteração fosse aceita, dada a resistência de muitos. (Por isso é que se consegue entender, mesmo para espanto nosso, que existe um movimento forte de muitos países querendo que o IASB reconsidere a adoção da equivalência patrimonial, alguns deles inclusive estando contra no caso das coligadas no balanço consolidado. Alguns querendo evolução, mas muitos querendo sua extinção. Veja-se a partir do site http://eifrs.ifrs.org/eifrs/Menu do IASB, abril/2021).

Volto a reenfatizar o que nos interessa para este material: a igualdade entre os lucros e patrimônios líquidos individual e consolidado não são uma teoria assentada no mundo. O próprio IASB, na revisão 07 mencionada, menciona, nas Basis for conclusions (contestada por alguns países) dessa revisão:

“BC10G In general, the application of the equity method to investments in subsidiaries, joint ventures and associates in the separate financial statements of an entity is expected to result in the same net assets and profit or loss attributable to the owners as in the entity’s consolidated financial statements. However, there could be situations in which applying the equity method in separate financial statements to investments in subsidiaries would give a different result compared to the consolidated financial statements. Some of those situations are:…”

E então lista alguns exemplos do próprio IASB de discrepâncias entre o lucro e o patrimônio líquidos individual e consolidado (mesmo com a adoção da equivalência patrimonial na controladora). É óbvio que antes dessa revisão tais discrepâncias eram muitas vezes brutais. Ou seja, há comentários, mas até hoje nenhuma palavra do IASB sobre a obrigatoriedade de igualdade entre lucro e patrimônio líquidos individual e consolidado. Mera expectativa disso.

Mas, no Brasil, essa ideia de se ter essa igualdade existe desde a implantação da Lei das S/A, virou uma certa obsessão. E com muito suporte dos órgãos reguladores e até de parte do mundo acadêmico. E esse movimento de certa forma foi muito incrementado quando da aplicação das normas internacionais, inclusive pelo CPC, com o objetivo de não se produzir essas diferenças que poderiam criar dúvidas junto aos usuários, bem como para uma garantia da aplicação nas demonstrações individuais das mesmas normas derivadas do IASB.

Essa preponderância total das demonstrações individuais para fins societários e tributários no Brasil levou à adoção das normas internacionais para essas demonstrações individuais, movidos todos por esse enorme receio de confusão informativa junto principalmente a investidores e credores. E a filosofia foi levada ao extremo.

Vê-se isso com muita facilidade. Há muitas citações a isso, mas vamos à mais contundente delas (ou uma das mais): o CPC 43 – Adoção Inicial dos Pronunciamentos Técnicos 15 a 41 – de 2009, já na sua primeira versão apresentava um parágrafo introdutório, não existente na versão do IASB, IFRS 1, ou seja, por nós implementada, com nossa filosofia discutida, que não é efetivamente a do IASB:

“IN12. É totalmente indesejável, por razões de custos e de informação aos usuários externos, que se tenham dois conjuntos de demonstrações com critérios contábeis distintos e com resultados líquidos e patrimônios líquidos diferentes. Assim, o que este Pronunciamento Técnico faz é procurar exatamente essa harmonização. Com isso, faz com que se efetuem os ajustes necessários nas demonstrações contábeis individuais das empresas brasileiras de tal forma que elas produzam, quando consolidadas, os mesmos valores de ativos, passivos, patrimônio líquido e resultado que a consolidação elaborada conforme as IFRSs e o Pronunciamento Técnico CPC 37 (com as exceções antes comentadas do ativo diferido e do investimento em controlada e em controlada em conjunto no balanço individual). Para isso, basta transpor-se às demonstrações contábeis individuais os ajustes efetuados para a adoção das IFRSs nas demonstrações contábeis consolidadas de acordo com o Pronunciamento Técnico CPC 37 – Adoção Inicial das Normas Internacionais de Contabilidade. Daí a emissão deste Pronunciamento Técnico dirigido às demonstrações individuais e separadas. Esses ajustes incluem, ainda, aqueles decorrentes da adoção antecipada das IFRS nas demonstrações consolidadas.” (Destaques nossos)

Veja-se a firmeza do “totalmente indesejável” e a obrigação de simplesmente se ajustar as individuais para ficarem iguais às da consolidação16.

Outra citação de igualdade se encontra na ICPC 09 – Demonstrações Contábeis Individuais, Demonstrações Separadas, Demonstrações Consolidadas e Aplicação do Método de Equivalência Patrimonial – onde, no item 69, exemplo (p. 27 versão CPC), encontra-se:

Quando o investimento em controlada é avaliado pela equivalência patrimonial, o que se procura é exatamente a igualdade entre lucro líquido e patrimônio líquido entre esse balanço individual e o consolidado (na parte do patrimônio líquido pertencente aos sócios todos da controladora, ou seja, à parte da parcela pertencente aos sócios não controladores). Essa é a filosofia básica do método da equivalência patrimonial quando for aplicado no balanço individual da controladora.” (Destaques nossos)

Pelo que vimos, é considerada uma filosofia básica brasileira, mas apenas desejável no IASB.

Sintetizamos: a procura da igualdade entre o lucro líquido e o patrimônio líquido da entidade individual da controladora e o seu consolidado não é imposição das normas internacionais, apenas uma expectativa do IASB, mas que virou praticamente uma obrigação entre nós.

Mas vamos parar agora com essa parte e voltar ao conceito de Entidade para juntamos os dois fundamentos.

7. A grande mudança introduzida recentemente pelo IASB no conceito de Entidade na aquisição adicional (ou venda sem perda de controle) do capital da controlada

Até há não muito tempo, no caso de uma consolidação, o conceito de Entidade se aplicava igualmente à controladora e ao balanço consolidado. Com isso, o que se considerava como Patrimônio Líquido da controladora se estendia ao conceito de Patrimônio Líquido consolidado (mesmo que com valores diferentes principalmente alhures), no seguinte aspecto: na controladora, individualmente, seu patrimônio líquido considerava o interesse residual na diferença entre ativos e passivos pertencentes à companhia e, indiretamente, aos sócios dessa controladora. E no patrimônio líquido consolidado, o patrimônio líquido dessa consolidação também representava o interesse residual desses mesmos sócios, ou seja, dos sócios da controladora. Tão somente. Com isso, o interesse residual de quem era sócio só na controlada consolidada não aparecia dentro do patrimônio líquido consolidado, e sim à parte.

No Brasil, a tradição foi sempre a de evidenciar essa participação entre o passivo e o patrimônio líquido, normalmente, à época, com o título de Participação dos Minoritários (muitos leitores vão se lembrar disso...). Isso no balanço, é claro. Mas o mesmo conceito se aplicava na Demonstração do Resultado, de forma que, ao seu final, deduzia-se a participação dos “minoritários” do resultado após os tributos sobre o lucro para daí se chegar ao Lucro Líquido, e este se referia exclusivamente ao resultado dos sócios da controladora.

A Lei das S/A, em seu art. 250 determina:

“§ 1º A participação dos acionistas não controladores no patrimônio líquido e no lucro do exercício será destacada, respectivamente, no balanço patrimonial e na demonstração do resultado do exercício.” (A redação original dizia praticamente a mesma coisa) (Destaques nossos)

Ou seja, a Lei não determinou detalhadamente onde no lado direito do balanço (para quem olha...), mas a prática foi criar um grupo intermediário entre o Passivo e o Patrimônio Líquido. Afinal, a participação dos sócios nas entidades controladas não eram genuinamente obrigação do consolidado, mas também não era aceita como parte do patrimônio líquido. Este só se referia aos sócios da própria controladora. Já na demonstração do resultado a prática foi a de diminuir a participação dos não controladores antes da linha final, de tal forma que a linha final de lucro líquido (sejamos otimistas) correspondia à parcela pertencente aos sócios da controladora, e não a todos os sócios do consolidado. Assim, a parcela dos não controladores no resultado era considerada como uma “despesa” dos sócios da controladora, e no balanço tinha-se uma conta que, com certeza, não era jamais enquadrada como dentro do patrimônio líquido; segundo muitos, inclusive por determinação da própria Lei das SA.

E isso tudo foi reforçado pela Instrução CVM n. 247/1996, art. 25:

“A participação dos acionistas não controladores, no patrimônio líquido das sociedades controladas, deverá ser destacada em grupo isolado, no balanço patrimonial consolidado, antes do patrimônio líquido.” (Destaques nossos)

Na realidade, esse modelo era o utilizado entre os norte-americanos e, por isso, sua inserção entre nós. Veja-se, por exemplo, o citado livro de Hendriksen & Breda, p. 787. O que interessa: não era prática norte-americana, brasileira, ou mesmo mundial, tratar-se a participação dos sócios não controladores como parte do patrimônio líquido do balanço consolidado. E a figura do lucro líquido se referia à dos sócios da controladora, e não aos sócios não controladores das entidades consolidadas.

Não deixa de ser interessante, na primeira edição do Manual de contabilidade das sociedades por ações, 1978, havermos mostrado, à página 582, que a “Participação Minoritária” (jargão mais utilizado à época) deveria exatamente ficar fora do patrimônio líquido. Mas já tinha uma “visão”, mencionando que poderia estar segregada dentro do patrimônio líquido, mas o mesmo livro mencionava que essa alternativa seria “tecnicamente menos correta”. E a Instrução CVM n. 247 acabou sepultando essa possibilidade. As edições seguintes do Manual seguiram, é claro, essa determinação.

Portanto, o conceito de Entidade , nos balanços consolidados, para fim de mensuração do patrimônio líquido, referia-se ao pertencente à entidade controladora. Não deixa de ser passível de discussão: o balanço consolidado diz respeito a uma Entidade Econômica como um todo: lá estão os ativos controlados pela entidade controladora, os passivos idem, mas o patrimônio líquido apresentado não era o do conjunto controlado, mas só a parte pertencente à entidade controladora. A participação dos não controladores no patrimônio líquido das entidades controladas era, como já dito, apresentada à parte, entre o passivo e o patrimônio líquido.

E, como já dissemos, no resultado também: as receitas e as despesas eram as que estavam sob controle da controladora, e surgia também o lucro controlado pela controladora, mas reduzindo-o estava a participação dos não controladores nos resultados das controladas, ficando, ao final, o resultado pertencente apenas aos sócios da controladora. Entidade, para fins de patrimônio líquido e lucro líquido, era a controladora.

Aí vem o IASB e delibera mudar o conceito e aplica a ideia da Entidade Econômica a todos os pontos comentados: Patrimônio Líquido da controladora é uma coisa, e Patrimônio Líquido da entidade econômica é outra, porque este passa a abranger também o patrimônio líquido dos sócios não controladores. Com isso, passou o IASB a determinar que o patrimônio líquido abrangesse tudo o que os sócios todos do conjunto empresarial consolidado (sócios da controladora e sócios não controladores das controladas), obrigando apenas à segregação de ambos os conjuntos dentro do Patrimônio Líquido. Desde a primeira edição no Brasil do CPC 36 – Demonstrações Consolidadas – em 2009 (vigência a partir de 2010), item 18, quanto nas versões posteriores. Atualmente a versão (R3) é ainda muito mais explícita:

“22. Uma controladora deve apresentar as participações de não controladores no balanço patrimonial consolidado, dentro do patrimônio líquido, separadamente do patrimônio líquido dos proprietários da controladora.” (Destaques nossos)

Com isso o patrimônio líquido hoje é a soma dos dois componentes: o pertencente à controladora e o pertencente aos não controladores nas controladas consolidadas. Ou seja, o princípio da Entidade Econômica agora realmente está expresso de forma completa no consolidado. O IASB introduziu esse novo conceito praticamente no mundo inteiro. E a demonstração do resultado também acompanhou, é claro, a nova definição. Hoje, o lucro líquido apresentado na última linha é o total dos pertencentes aos sócios da controladora e aos sócios não controladores das controladas. Só na sequência se informa a parte de um e do outro.

É realmente sustentável essa concepção de Entidade Econômica representada pela soma do patrimônio líquido dos sócios da controladora com o dos sócios das controladas consolidadas? Isso leva ao que vamos ver a seguir no entendimento do IASB: se houver transação de ações entre a controladora e os sócios não controladores nas controladas, será caracterizada então essa transação como transação de capital entre sócios.

8. Uma das consequências do novo conceito de Entidade do IASB no Consolidado

Uma das maiores consequências desse novo conceito está no CPC 36 – Demonstrações Consolidadas – no seu item 23:

“23. Mudanças na participação societária detida por controladores de controladora na controlada que não resultam na perda de controle da controlada pela controladora constituem transações patrimoniais (ou seja, transações com os sócios, tais quais operações de aquisição de suas próprias ações para manutenção em tesouraria).

B96. Quando a proporção do patrimônio líquido detida por participações de não controladores sofrer modificações, a entidade deve ajustar os valores contábeis das participações de controladoras e de não controladores para refletir as mudanças em suas participações relativas na controlada. A entidade deve reconhecer diretamente no patrimônio líquido qualquer diferença entre o valor pelo qual são ajustadas as participações de não controladores e o valor justo da contrapartida paga ou recebida e deve atribuir essa diferença aos proprietários da controladora.” (Destaques nossos)

O que significam esses dois parágrafos? Vamos ao primeiro: mudanças na participação societária de controlada que não resultem em perda de controle17 devem ser tratadas como se fossem aquisição das próprias ações, ou seja, como ações em tesouraria (na verdade, parte desse valor, como será visto adiante).

Fica fácil agora entender: num balanço individual, todos sabemos que, desde a Lei das S/A (art. 182, § 5º), quando uma entidade adquire ações por ela mesma emitidas, não pode contabilizá-las como ativo no balanço da própria empresa emissora. Precisam tais ações figurar com saldo negativo em conta própria no patrimônio líquido, representando, na essência, uma devolução de capital a determinado(s) sócio(s).

Ora, para fins do balanço consolidado, já vimos que tanto os sócios da sociedade controladora, quanto todos os sócios não controladores nas controladas, são, agora, participantes do patrimônio líquido da Entidade Econômica no seu conjunto. Assim, essa norma contábil determina que, quando a controladora adquire mais ações dos sócios não controladores de uma controlada, tem que, nesse consolidado, tratar essa aquisição também como espécie de ações em tesouraria no Patrimônio Líquido Consolidado.

Na verdade, não é exatamente isso, e o refinamento aparece agora no item B96 transcrito atrás, quando diz que “A entidade deve reconhecer diretamente no patrimônio líquido qualquer diferença entre o valor pelo qual são ajustadas as participações de não controladores e o valor justo da contrapartida paga ou recebida e deve atribuir essa diferença aos proprietários da controladora.” (Destaques nossos)

Isso significa o seguinte: se uma entidade tem 70% do patrimônio de uma controlada, no balanço consolidado aparecerá a participação dos outros 30% não controladores nessa controlada no Patrimônio Líquido Consolidado, no subgrupo Participação dos não Controladores. Suponhamos que, para simplificar, essa participação seja avaliada com base no valor do patrimônio líquido da controlada (há outra alternativa rarissimamente utilizada que não será considerada aqui).

Dessa forma, se o controlador adquire mais 10% do capital da controlada exatamente pelo valor patrimonial contábil, haverá a seguinte alteração no Patrimônio Líquido Consolidado: (a) esse valor correspondente a 10% do patrimônio líquido contábil reduzirá o valor do subgrupo Participação dos não Controladores, já que terá diminuído essa participação. Mas a parte do patrimônio líquido dos sócios da controladora continuará a mesma. Repete-se: se a transação for efetuada pelo valor contábil do patrimônio da controlada, diminui o patrimônio líquido consolidado total (afinal, os não controladores dessa controlada – ou parte deles – terão saído do conjunto controladora/controlada). Mas os sócios da controladora continuam do tamanho que estavam. Assim, não é diminuída a parcela nesse patrimônio líquido detida pelos sócios da controladora.

Mas, e se a transação for por valor diferente dessa equivalência patrimonial, o que é o normal? Pela norma nova, essa parte da diferença entre o valor de aquisição e a equivalência patrimonial será registrada como redução da parte dos não controladores, e não mais no ativo como mais-valia18 e goodwill. Antes dessa adoção da norma do IASB, esses valores de mais-valia e de goodwill ficavam no ativo do balanço consolidado, e também no balanço individual. No individual, dentro da conta de Investimentos, e no consolidado, destacadamente (lembrar que na consolidação é anulada a equivalência da controladora na controlada). Mas tudo mudou, e esse é o nosso problema. Porque mudou no consolidado e no individual.

No consolidado, aqueles goodwill e mais-valia passaram a ser obrigatoriamente tratados como redução do Patrimônio Líquido Consolidado, especificamente na Parcela dos Sócios da Controladora. Afinal, dentro da concepção de que se trata de a controladora comprando ações de sócios não controladores. Faz sentido se as ações adquiridas não são ações da própria controladora?

Vamos agora, para uma visão mais numérica, e abusando da paciência do(a)s senhore(a)s advogado(a)s, olhar isso tudo do ponto de vista de balanços contábeis e tentar mostrar a dúvida sobre a fidedigna informação procedendo dessa forma.

8.1. Um pouco de Contabilidade

Tentando “simplificar”, admitamos que uma empresa compre o controle de outra entidade com as seguintes características:

– Aquisição de 70% do controle

– Investida com patrimônio contábil de R$ 100.000

– Valor econômico da investida: R$ 200.000

– Decomposição do valor econômico da investida:

– R$ 100.000 de patrimônio líquido contábil

– R$ 40.000 de mais-valia dos ativos

R$ 60.000 de Ágio por expectativa de rentabilidade futura – goodwill

– R$ 200.000 de valor econômico

– Valor da aquisição: 70% x R$ 200.000 = R$ 140.000

– Decomposição do valor do custo de aquisição19:

– R$ 70.000 – equivalência patrimonial: 70% x R$ 100.000

– R$ 28.000 – mais-valia de ativos da controlada (70% x R$ 40.000)

R$ 42.000Goodwill (70% x R$ 60.000)

– R$ 140.000 – custo total

Suponhamos que a adquirente tenha mais caixa do que os R$ 140.000 e tenha o seguinte balanço contábil antes da aquisição:

1 – Balanço da Entidade Adquirente antes da Aquisição

Caixa

R$ 160.000

Capital

R$ 160.000

E agora o balanço contábil da entidade a ser adquirida, também antes da negociação:

2 – Balanço da Entidade a Ser Adquirida

Ativos

R$ 100.000

Patrimônio Líquido

R$ 100.000

Após a aquisição por R$ 140.000 de 70% do patrimônio da investida, tem-se o balanço da controladora:

3 – Balanço Individual da Controladora Após Aquisição de 70% da Controlada na Antiga Regra

Caixa

Investimento na Controlada

(70% de participação)

Equivalência Patrimonial

Mais-valia de Ativos

Goodwill

Investimento Total

Ativo Total

R$ 20.000

R$ 70.000

R$ 28.000

R$ 42.000

R$ 140.000

R$ 160.000

Patrimônio Líquido

Capital Social

Patrimônio Líquido Individual

R$ 160.000

R$ 160.000

8.1.1. Como era o Consolidado antes da nova regra

O balanço consolidado da controladora e da controlada ficaria assim, na regra anterior brasileira, com a participação dos não Controladores fora do Patrimônio Líquido:

4 – Balanço Consolidado da Controladora na data da Aquisição do controle (70%)

Caixa

Outros Ativos

Goodwill

Ativos

R$ 20.000

R$ 128.000

R$ 42.000

R$ 190.000

Parcela dos Não Controladores

Patrimônio Líquido Consolidado

Parcela da Controladora

Capital Social

Passivo Patrimônio Líquido

R$ 30.000

R$ 160.000

R$ 190.000

“Outros Ativos” aparece por R$ 128.000 após se somar os R$ 100.000 dos ativos da controlada com a mais-valia de R$ 28.000 paga por eles. E o goodwill, que no ativo individual estava adicionado à equivalência patrimonial na conta de Investimentos, precisava agora ficar sozinho no consolidado já que neste não existe a equivalência da controladora na controlada.

Note-se que o patrimônio líquido individual é o mesmo que o consolidado (Balanços 3 e 4), R$ 160.000. A pura e simples aquisição de uma participação societária não mudava o patrimônio líquido, já que este representava apenas o patrimônio líquido dos sócios da própria controladora.

O ativo total aumenta em R$ 160.000 (Balanço 3, individual) para R$ 190.000 porque na consolidação os ativos da controlada, R$ 100.000, sobem 100% para a controladora (total dos ativos controlados pela controladora, apesar de ela deter 70% de participação). E os R$ 30.000 excedentes têm como contrapartida a conta no lado do passivo de Patrimônio Líquido dos Sócios não Controladores, que como já foi dito, ficava fora do Patrimônio Líquido da Controladora. Esses sócios participam no patrimônio líquido da controlada tão somente.

Admitamos agora que, após esses balanços, a controladora adquira, de não controladores, mais 10% de participação no capital da controlada por R$ 20.000. Esses R$ 20.000 de custo de aquisição seriam desmembrados na controladora, se não existisse a mudança na regra contábil no IASB e no Brasil, em:

– R$ 10.000 de equivalência patrimonial

– R$ 4.000 de mais-valia adicional dos ativos (10% x R$ 40.000)

R$ 6.000 de goodwill (10% de R$ 60.000)

– R$ 20.000 de custo de aquisição dos 10% adicionais

O balanço da controladora, supondo o que foi dito, ou seja, se não existisse a nova regra contábil puramente brasileira no balanço individual, ou seja, se considerasse todos os R$ 20.000 pura e simplesmente como um investimento adicional no seu balanço individual, seria:

5 – Balanço Individual da Controladora Após Aquisição Adicional de 10% da Controlada ANTES da Nova Regra BRASILEIRA

Investimento na Controlada

(80% de participação)

Equivalência Patrimonial

Mais-valia de Ativos

Goodwill

Investimento Total

R$ 80.000

R$ 32.000

R$ 48.000

R$ 160.000

Patrimônio Líquido

Capital Social

Patrimônio Líquido Individual

R$ 160.000

R$ 160.000

Ou seja, sairiam os R$ 20.000 do caixa e esse montante seria distribuído nas três contas do Investimento conforme composição do custo de aquisição mostrado logo atrás. Comparando com o balanço individual antes dessa aquisição (Balanço 3) teríamos:

R$ 70.000 de equivalência anterior mais os R$ 10.000 de agora = R$ 80.000

– R$ 28.000 de mais-valia anterior mais os R$ 4.000 de agora = R$ 32.000

– R$ 42.000 de goodwill anterior mais os R$ 6.000 de agora = R$ 48.000

R$ 100.000 R$ 160.000

E, na sequência, como apareceria o balanço consolidado após essa nova aquisição sem que houvesse o novo posicionamento do IASB e do Brasil)? Teríamos, consolidando o balanço individual da Controladora (Balanço 5) com o balanço da controlada (Balanço 1) que permanece o mesmo:

6 – Balanço Consolidado da Controladora e sua Controlada Após Aquisição Adicional de 10% mas ainda na Regra Antiga Brasileira

Ativos

Goodwill

Ativos

R$ 132.000

R$ 48.000

R$ 180.000

Parcela dos Não Controladores

Patrimônio Líquido Consolidado

Parcela da Controladora

Capital Social

Passivo mais Patrimônio Líquido

R$ 20.000

R$ 160.000

R$ 180.000

Os ativos da controlada, que no seu balanço individual são de R$ 100.000, apareceriam agora adicionados da mais-valia das duas aquisições, R$ 32.000 (R$ 28.000 + R$ 4.000). E o goodwill apareceria pelos R$ 48.000 (R$ 42.000 + R$ 6.000). O Patrimônio Líquido Consolidado na parte da Controladora não mudaria. Reforçamos: uma aquisição adicional mudaria a composição do ativo mas não alteraria o patrimônio líquido consolidado.

Só mudaria a Participação dos não Controladores no patrimônio líquido da controlada porque só pode restar os 20% de não controladores existentes agora participando no patrimônio líquido contábil dessa controlada (R$ 100.000) no montante de R$ 20.000.

8.1.2. Como é na nova regra do IASB e brasileira

Só que a nova regra do IASB (e também brasileira), considera que a Entidade Consolidada inclui sócios da controladora e não controladores da controlada, mudando esse balanço Consolidado.

O que temos agora é a inclusão da Participação dos não Controladores no Patrimônio Líquido Consolidado, separado do Patrimônio Líquido da Controladora nesse consolidado. Se fosse só isso, teríamos:

7 – Balanço Consolidado da Controladora e sua Controlada Após Aquisição Adicional de 10% antes da nova Regra do IASB, mas mudando o conceito de patrimônio líquido consolidado

Ativos

Goodwill

Ativos

R$ 132.000

R$ 48.000

R$ 180.000

Patrimônio Líquido Consolidado

Parcela da Controladora

Capital Social

Parcela dos Não Controladores

Patrimônio Líquido Total

R$ 160.000

R$ 20.000

R$ 180.000

Note-se que o patrimônio líquido da controladora continua o mesmo (R$ 160.000) que antes dessa aquisição nova. Comparem-se os Balanços 6 e 7. O patrimônio líquido total é acrescentado da participação dos não controladores. E é interessante notar que o Patrimônio Líquido Total Consolidado após a nova aquisição diminuiu comparativamente ao que era antes da nova aquisição. No Balanço 6 vemos o patrimônio líquido total, mesmo que com a inclusão dos não controladores, de R$ 190.000, e agora caiu para R$ 180.000. Mas isso já foi explicado: a participação contábil desses não controladores passou, com a sua venda de 10% do capital da adquirida, de R$ 30.000 para R$ 20.000.

Conclusão do raciocínio: conforme nossa normatização antiga, mas mudando o conceito de Entidade, o patrimônio líquido da controladora sozinha não mudava com novas aquisições, mudava apenas a participação dos não controladores.

Mas a nova regra trouxe outra consequência, com a consideração de que, já que o patrimônio líquido total inclui os sócios da controladora e os sócios da controlada, quaisquer transações entre eles passaram a também ser transação de capital entre os sócios. E por isso, por essa determinação normativa, há que se considerar as aquisições adicionais a que deu origem ao controle como pelo menos semelhantes à aquisição de ações em tesouraria.

Todos sabemos que as transações de capital entre a sociedade e seus sócios que afetem o patrimônio líquido dessa sociedade não podem interferir no seu resultado, como já citado anteriormente, e precisam ser registradas diretamente no patrimônio líquido. E, da mesma forma que quando de aquisições de ações de sócios por parte da emissora dessas ações, essa operação passou a ser tratada como transação de capital entre a entidade e os sócios, e assim origina-se essa contabilização20. Assim, nem na aquisição nem na alienação essas transações podem originar lucro ou prejuízo na apuração do resultado, o que está correto.

Com isso, admitindo-se essa ideia de que quando a controladora compra ações adicionais da controlada está-se tendo uma transação de capital entre os sócios, teríamos o seguinte: o investimento total adicional de R$ 20.000 precisa ser jogado contra o patrimônio líquido. A Mais-valia de R$ 4.000 da segunda aquisição e o goodwill também da segunda aquisição no valor de R$ 6.000 diminuem diretamente o patrimônio líquido da controladora, e os restantes R$ 10.000 (da equivalência patrimonial) diminuem a parcela dos não controladores, como aconteceria de qualquer forma como já visto (Bal. 7 vs. Bal. 4). Veja-se como fica agora o Balanço Consolidado nas regras atuais.

8 – Balanço Consolidado da Controladora e sua Controlada NA REGRA ATUAL DO IASB

Ativos

Goodwill

Ativos

R$ 128.000

R$ 42.000

R$ 170.000

Patrimônio Líquido

Capital Social

(–) Mais Valia segunda aquisição

(–) Goodwill segunda aquisição

Parcela da Controladora

Parcela dos Não Controladores

Patrimônio Líquido Consolidado

R$ 160.000

R$ 4.000

R$ 6.000

R$ 150.000

R$ 20.000

R$ 170.000

E assim está toda a aquisição dos 10% adicionais (R$ 20.000) dos não controladores sendo tratada como redução do patrimônio líquido consolidado, mas de duas formas: uma espécie de ações em tesouraria, mas só representada pela mais-valia e pelo goodwill, e a equivalência patrimonial diminuída da participação dos não controladores (lembrar que esta última é inevitável mesmo).

Ora, dentro da adoção do conceito de Entidade em que o patrimônio líquido da entidade consolidada abrange a parte da controladora e a parte dos não controladores sobre as controladas, parece, à primeira vista, haver certa lógica no procedimento do IASB. Afinal, eram todos sócios do mesmo conjunto patrimonial tomado consolidadamente.

Mas há que convir, pensando melhor, que parece haver um pouco de “forçada de barra” nessa conclusão e isso está em função do seguinte: diminuir o Patrimônio Líquido Consolidado por conta da parcela da equivalência patrimonial a rubrica Parcela dos não Controladores faz todo o sentido: ficaram menos sócios não controladores e uma parte menor do patrimônio global pertence a eles. Mas reduzir o patrimônio líquido dos Controladores possui uma lógica irrepreensível? Ainda mais que essa redução se dá pela soma do que houver sido pago a título de mais-valia e ágio por expectativa de rentabilidade futura?

Bem, antes que se crie alguma dúvida, essa divisão da redução do patrimônio líquido dos controladores em mais-valia e goodwill está sendo feita aqui exclusivamente para fins de discussão. Nas normas não se faz isso e aparece uma conta única, no valor de R$ 10.000 no caso, sem essa titulação.

Será que não estaria havendo uma distorção do que se chama de Ações em Tesouraria? Estas, genuinamente, são ações da própria empresa recompradas de sócios. Sai o dinheiro e, em contrapartida, registra-se, em contrapartida, uma forma de devolução de capital, reduzindo o patrimônio líquido. E nenhum ativo (no conceito contábil) é acrescentado, desde que se defina que as ações da própria empresa não possam ser consideradas ativos dessa mesma empresa (o que já foi diferente no passado). O que ocorre então é isso: diminui o caixa e nenhum ativo o substitui. E não há redução do passivo. Logo, temos a redução do Patrimônio Líquido, sem alternativa, já que vedada a existência no ativo de ações da própria emissora.

Agora, no caso de essa negociação entre controladora e não controladores nas controladas, sai o caixa da controladora mas os ativos totais outros pertencentes às Entidade Consolidadas continuam os mesmos. A capacidade dessa Entidade como um todo de produzir lucro e caixa não mudou, a menos da renda do caixa saído. Só que o conjunto dos sócios da controladora ganhará mais, porque deterá maior percentual sobre o lucro da controlada (supondo-a efetivamente lucrativa, é claro); e o conjunto dos não controladores remanescentes continuará com o seu quinhão. O que resta para a controladora é ver se o que pagou pelos 10% adicionais estará, no futuro, produzindo resultado igual ou maior do que previra quando aceitou o valor da aquisição. Pensando que o preço total esteja bem dimensionado, haverá aumento do valor da controladora, manutenção do valor dos não controladores remanescentes.

Antes, diminuía-se o ativo pelo caixa saído (óbvio), mas a mais-valia e o goodwill pagos representavam: a mais-valia, ajuste para mais do valor de aquisição dos ativos; o goodwill, aquisição de direito maior sobre a capacidade geradora de lucros futuros. Exatamente como aconteceu com a mais-valia e o goodwill pagos na aquisição original do controle.

O que têm a mais-valia e o goodwill dessas ações adicionais de diferentes, na sua essência, dos valores dessa natureza surgidos na aquisição dos 70% da investida? Não há uma perda patrimonial no meu entender. Com isso, deixo claro que não me sinto confortável com esse tratamento de registro de compras adicionais de ações de uma já controlada como determinante de redução patrimonial no consolidado.

Para mostrar mais claramente o meu desconforto, vejam-se os Balanços 6 e 4, abaixo novamente a seguir reproduzidos, o 4, antes da compra adicional, e o 6, após, mas antes da nova regra do IASB. A aquisição adicional provoca redução do caixa de R$ 20.000, também provoca acréscimo de mais-valia e de goodwill de R$ 10.000, com a redução líquida do ativo de R$ 10.000. E a contrapartida dessa redução estava representada pela redução da Participação dos não Controladores, jamais como redução do patrimônio líquido da controladora. Antes da aquisição das ações adicionais:

4 – Balanço Consolidado da Controladora na data da Aquisição do controle (70%), Regra Antiga

Caixa

Outros Ativos

Goodwill

Ativos

R$ 20.000

R$ 128.000

R$ 42.000

R$ 190.000

Parcela dos Não Controladores

Patrimônio Líquido Consolidado

Parcela da Controladora

Capital Social

Passivo Patrimônio Líquido

R$ 30.000

R$ 160.000

R$ 190.000

Após a aquisição das ações adicionais, na regra antiga:

6 – Balanço Consolidado da Controladora e sua Controlada Após Aquisição Adicional de 10% mas ainda na Regra Antiga Brasileira

Ativos

Goodwill

Ativos

R$ 132.000

R$ 48.000

R$ 180.000

Parcela dos Não Controladores

Patrimônio Líquido Consolidado

Parcela da Controladora

Capital Social

Passivo mais Patrimônio Líquido

R$ 20.000

R$ 160.000

R$ 180.000

Façamos agora uma simulação: admitamos que na controladora o caixa rendesse 10% ao ano, mas que os ativos da controlada rendessem 30% ao ano sobre o valor investido pelos sócios anterior – valor contábil: R$ 100.000 (tem que ser muito alto o retorno para a controlada valor o dobro do seu valor contábil). A controladora então ganharia R$ 2.000 (10% x R$ 20.000) com seu próprio caixa, mais R$ 21.000 por conta de sua participação de 70% sobre o lucro líquido da controlada no valor de R$ 30.000 (equivalência patrimonial sobre o lucro líquido da controlada). Ora, o lucro total da controladora, antes da aquisição adicional de 10%, era então de R$ 23.000. E, após a aquisição de mais 10% no capital da controlada, passa a ter nada de lucro sobre o caixa, porque inexistente, mas passa a deter 80% sobre os R$ 30.000 produzidos pela controlada, ou seja, R$ 24.000. Assim, aumentou a lucratividade da controladora com a aquisição de mais 10% do capital da controlada.

E o investimento total feito pela controladora é de R$ 160.000 tanto numa quanto noutra situação (seu patrimônio líquido). Agora, por que reduzir o patrimônio líquido da controladora no consolidado se aumentou sua rentabilidade e, consequentemente, aumenta seu valor econômico? Faz algum nexo? Qual a razão econômica para essa forma de registro?

Será que a forma anterior não representava melhor essa realidade? Veja-se, por exemplo, o balanço da British Tobbaco (Inglaterra) quando ela fechou o capital da sua controlada Souza Cruz no Brasil e pagou enorme ágio nessa compra em função da violenta diferença entre o valor de mercado e o valor contábil da controlada brasileira. Precisou reduzir de forma tão dramática o patrimônio líquido da “mãe” inglesa que chegou a assustar. Mas, de fato, o patrimônio da British Tobbaco, olhando-se do ponto de vista econômico, se reduziu?

Volto a perguntar, por que reduzir o patrimônio líquido se o lucro aumentou? Parece estar havendo aqui um certo apego à forma (aquisição de ações de não sócios na controladora, mas sócios na controlada), e não um seguimento à substância econômica.

Outro ponto: a entidade adquire de sócios de outra entidade o controle desta, e tudo é tratado como negociação entre entidades independentes. Mas, se depois a controladora adquire mais ações que podem até ser dos mesmos não controladores que venderam o controle, apesar de continuarem a ser independentes, as transações adicionais entre a controladora e esses sócios nas controladas passam a não mais ser operações genuínas entre partes independentes? São genuínas transações de capital entre os sócios?

Mas infelizmente há algo ainda mais complicado. Vejamos a seguir.

8.2. A outra enorme consequência do novo conceito de Entidade do IASB

O IASB, como sempre, cuida das demonstrações consolidadas. Por causa disso, nada diz sobre os reflexos de tratamento novo do balanço consolidado no balanço individual. Nenhuma palavra a respeito neste caso também21.

Falando agora do individual no Brasil: o CPC, a CVM e outros órgãos reguladores, por tudo o que se falou, vinham com aquela “filosofia” de igualar lucros e patrimônios líquidos do individual e do consolidado.

Mas essa filosofia foi levada à implantação das IFRS e, no caso especial aqui sendo utilizado de aquisição de ações adicionais de não controladores, passou-se a exigir também esse objetivo de igualação de lucros e patrimônios líquidos (que agora, bastante tempo depois, fica fácil de se criticar).

E aí nasceu a “jabuticaba” por nós criada no Brasil: já que os R$ 10.000 de mais-valia e goodwill têm que ser tratados, por conta da nova regra do IASB, como redução do patrimônio líquido no balanço consolidado (repetimos, por causa da mudança no conceito de Entidade), precisamos fazer o mesmo com o balanço individual para manter a igualdade entre patrimônios líquidos individual e consolidado.

Em hipótese alguma há qualquer definição dessa natureza em qualquer norma do IASB (pelo menos até agora). Pura e simples definição nossa, brasileira. Dentro da filosofia tão falada.

E assim, na Interpretação Técnica CPC 09, cem por cento criada no Brasil, sem qualquer correlação com qualquer IFRS, IAS, IFRIC ou coisa que o valha, introduziu-se essa normatização, apenas por nossa procura por aquela tal igualdade. E achávamos que estávamos fazendo o correto – ah! a correria na implantação das IFRS entre 2008 e 2009.

Repetimos o raciocínio de outra forma: o CPC 36 – Demonstrações Consolidadas – só normatiza, obviamente, as demonstrações consolidadas, e não as individuais. Assim, se fosse só por ela, teríamos que incluir essas regras discutidas nos nossos consolidados. Mas, por conta de toda aquela filosofia, achamos que se deveria trazer para o individual a mesma redução patrimonial. Como nenhuma norma do IASB dizia isso para o individual, precisamos inserir essa determinação em outro documento, e o fizemos na Interpretação Técnica CPC 09 que não tem qualquer correspondência a qualquer documento do IASB.

Façamos agora a análise das consequências econômicas e contábeis do procedimento brasileiro.

8.3. Qual o significado do patrimônio líquido individual reduzido da mais-valia e do goodwill?

Vamos, só para facilitar, reproduzir o balanço individual da controladora se ela não tivesse que utilizar essa inovação tupiniquim (balanço 5), e a mais-valia e o goodwill adicionais então aparecessem no individual:

5 – Balanço Individual da Controladora Após Aquisição Adicional de 10% da Controlada ANTES da Nova Regra BRASILEIRA

Investimento na Controlada

(80% de participação)

Equivalência Patrimonial

Mais-valia de Ativos

Goodwill

Investimento Total

R$ 80.000

R$ 32.000

R$ 48.000

R$ 160.000

Patrimônio Líquido

Capital Social

Patrimônio Líquido Individual

R$ 160.000

R$ 160.000

Agora vejamos como fica com a exigência ida ICPC 09, item 69, o balanço individual novo (não apresentado até aqui). Teríamos a transferência dos R$ 4.000 de mais-valia e de goodwill de R$ 6.000 pagos para o patrimônio líquido, não com essas denominações, mas num único valor e sob título que não represente esses conceitos; só continuamos aqui, mais por razão didática, a utilizar a denominação de origem desses valores:

9 – Balanço Individual da Controladora Após Aquisição Adicional de 10% da Controlada na NOVA REGRA BRASILEIRA

Investimento na Controlada

(80% de participação)

Equivalência Patrimonial

Mais-valia de Ativos

Goodwill

Investimento Total

R$ 80.000

R$ 28.000

R$ 42.000

R$ 150.000

Patrimônio Líquido

Capital Social

(–) Mais Valia e Goodwill adicionais

Patrimônio Líquido Individual

R$ 160.000

R$ 10.000

R$ 150.000

Comecemos agora a reforçar a análise de qual o sentido de o balanço individual mostrar uma redução do seu patrimônio líquido. Afinal, o que houve? Investimento de R$ 20.000, mas redução do patrimônio líquido de R$ 10.000. Qual a lógica no individual?

Repare-se o balanço individual após a compra dos primeiros 70% do controle por R$ 140.000. Reproduza-se o Balanço 3, para facilitar:

3 – Balanço Individual da Controladora Após Aquisição de 70% da Controlada na Antiga Regra

Caixa

Investimento na Controlada

(70% de participação)

Equivalência Patrimonial

Mais-valia de Ativos

Goodwill

Investimento Total

Ativo Total

R$ 20.000

R$ 70.000

R$ 28.000

R$ 42.000

R$ 140.000

R$ 160.000

Patrimônio Líquido

Capital Social

Patrimônio Líquido Individual

R$ 160.000

R$ 160.000

Em nada alterou o patrimônio líquido da controladora nessa regra antiga, apenas reduziu seu caixa (R$ 140.000), mas foi substituído por R$ 70.000 de equivalência patrimonial, R$ 28.000 de mais-valia e R$ 42.000 de goodwill (R$ 140.000 novamente). Ora, alguém tem dúvida de que a equivalência não seja um genuíno ativo? De que a mais-valia é representante do valor total pago pelos ativos líquidos da investida diminuído dos seus valores contábeis já inseridos na equivalência patrimonial, portanto, um ativo? E alguém tem dúvida de que o goodwill seja também um ativo, conforme hoje definido? (Não foi sempre assim.) E o patrimônio líquido mantém-se exatamente igual ao que era antes da aquisição, pois o que houve foram mutações no ativo mas sem alteração de seu total.

Voltando aos números da simulação já feita, antes da aquisição a empresa estaria individualmente ganhando R$ 16.000, 10% do caixa de R$ 160.000 Após a aquisição, estaria ganhando 10% sobre o caixa, R$ 2.000, mais 70% do lucro da investida de R$ 30.000, ou seja, R$ 23.000, como já vimos. A empresa cresceu de valor, vale mais, apenas não reflete na sua contabilidade esse novo valor econômico porque registramos (por força das normas contábeis) o valor do caixa investido, e não o quanto passou a valer a empresa.

Com a aquisição dos 10% adicionais, o mesmo como visto antes: 80% de participação no lucro da investida, o que representa R$ 24.000. A empresa passa a valer mais ainda, cresce seu valor econômico, mesmo que nada se alterando de seu ativo e patrimônio líquido contábeis. A contabilidade não tem por objetivo apresentar o que a empresa vale22, mas procura direcionar-se para esse valor, dentro do possível. Por isso essas representações mostrariam evolução na capacidade econômica da empresa de produzir lucros e, portanto, aumento do seu valor de mercado.

Agora, após essa aquisição, com o procedimento contábil introduzido aqui no Brasil por nós mesmos, tem-se um investimento adicional de R$ 20.000, com redução de caixa do mesmo valor, mas o patrimônio líquido decresce em R$ 10.000. Não se mantém como no caso da aquisição do controle! Veja-se o Balanço 9 logo atrás.

Não é verdade que, além da equivalência de R$ 70.000 deveria agora o balanço consolidado evidenciar R$ 80.000? E isso ocorre!!! Mas a mais-valia adicional não está no ativo; permanece só a paga no primeiro negócio. O mesmo com o goodwill adicional. Faz sentido tudo isso?

Tudo para a convergência dos lucro e patrimônio líquido individuais aos consolidados. Só que neste caso, pior; trouxemos o que me parece um equívoco do consolidado para o individual. Ocorre que se essa filosofia de igualdade de lucro e patrimônio líquidos teve certa utilidade na implantação das IFRS no Brasil, para se evitar enormes discussões sobre possíveis disparidades, parece hoje não ser mais sustentável, e o caso aqui discutido parece mostrar isso.

E ocorre algo interessante: existe hoje mais de uma dúzia de exemplos de outros casos reais em que essa igualdade entre lucro e patrimônio líquidos individual e consolidado não pode ser atingida. Não vamos nos deter, dado o avançado do texto, mas comentar a mais facilmente lembrada, inclusive citada textualmente pelo próprio IASB na Revisão 07: uma holding toma dinheiro a juros e investe como aumento de capital na controlada. Terá a holding a despesa financeira e isso a fará apurar prejuízo. Mas a controlada utiliza esse recurso na construção de um ativo. Só que, na hora da consolidação, o balanço terá que mostrar a despesa financeira incorrida pela controladora como parte do custo de construção do ativo (como se fossem uma única empresa). Assim, prejuízo na controladora e resultado nulo no consolidado. Um valor do ativo em construção no individual da controlada e outro no consolidado. Inevitável pelas regras de hoje.

Assim, creio que está na hora de a Contabilidade brasileira repensar essa situação da aquisição adicional de parte do capital de já controlada, principalmente no caso do balanço individual, ainda mais que isso não implicaria qualquer alteração das IFRS, mas sim exclusivamente de nossa normatização brasileira. Pelo menos isso, que está sob nosso controle. E também creio que está na hora de levar essa análise ao IASB. Agora, se alguém tem argumentos de que o que aqui exponho não está correto, por favor, me contate.

É importante ressaltar que não se deve parar de procurar essa igualdade entre lucro e patrimônio líquidos entre individual e consolidado, mas não é desejável que se consiga isso à custa do que chego hoje a chamar, em alguns casos, pela relevância dos valores envolvidos, de deturpações.

9. Conclusões

À vista de toda essa explanação, restam-me as seguintes conclusões:

– A filosofia de igualdade entre lucro e patrimônio líquidos individuais e consolidados não faz parte das obrigações das normas internacionais. Foi implantada fortemente por nós, no Brasil. Desejável, muito desejável, já que os dividendos são calculados sempre em função do lucro individual; diferenças com o lucro consolidado provocam, nesses casos, dúvidas e talvez potenciais conflitos. Desejável, mas não a qualquer custo.

O conceito de Entidade novo introduzido pelo IASB, considerando que a Participação dos não Controladores nas controladas faz parte do patrimônio líquido consolidado, introduziu a afirmação por esse regulador de que negócios entre a controladora e os sócios não controladores que aumentam ou diminuem a participação no capital da controladora na controlada sejam tratados como se fossem compra ou venda de ações em tesouraria. Não se sustenta isso, no meu entender, dentro do conceito da substância econômica. Assim, a norma do IASB para o consolidado não oferece representação fidedigna da essência econômica do patrimônio e suas mutações. Deve-se procurar por mudança na regra do IASB (prometo que vou tentar, apesar de sabermos ser isso muito difícil).

– Pior, por força da filosofia de igualdade entre lucro e patrimônio líquidos individuais e consolidados introduziu-se, na Interpretação Técnica ICPC 09, no Brasil, sem que isso conste das normas internacionais, que o mesmo procedimento seja utilizado na demonstração individual. E ficam assim possivelmente deturpadas, conforme a materialidade (relevância), as demonstrações contábeis individuais. Só que o conserto disso depende exclusivamente de nós no Brasil, e também vamos tentar.

10. Fechamento

Sou o primeiro a fazer uma declaração pública: participei, como membro do CPC, e intensamente, de toda a implantação das IFRS no Brasil. E também da produção da ICPC 09. Logo, assumo minha parte na culpa, mas tenho que admitir que havia um objetivo, inclusive dos órgãos reguladores federais, válido ou não, na implantação da filosofia comentada, mas procurávamos segui-la. Achávamos isso importante e parece que produziu, à época, bons resultados. Mas o tempo nos amadurece.

Acredito hoje ser necessário se repense os mecanismos utilizados para esse fim que não se mostram robustos tecnicamente e pior, às vezes contradizendo o que a essência econômica mostraria como a informação mais fidedigna. Na verdade, a filosofia inicial foi se mostrando incorreta e inaplicável em determinadas situações. Façamos então os ajustes necessários, e o que aqui discutimos parece-me ser o mais expressivo desses ajustes hoje.

Pensamento final: como é fácil descobrir, depois de um certo tempo, os erros do passado.

Referências bibliográficas

HENDRIKSEN, E. S.; BREDA, M. F. V. Accounting theory. 5. ed. Irwin, 1992.

IUDÍCIBUS, Sérgio de. Teoria da Contabilidade. São Paulo: Atlas, 2015.

IUDÍCIBUS, Sérgio de et allii. Contabilidade introdutória. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2019.

1 Só ações daqui para a frente, mas abrangendo a figura das quotas também.

2 Por simplicidade, sempre “goodwill” daqui para a frente, mas abrangendo também a compra vantajosa.

3 IUDÍCIBUS, Sérgio de et alii. Editora Atlas, 1. edição em 1971 (na verdade existiam edições anteriores divulgadas não por intermédio de editora), p. 207.

4 Luca Pacioli, em seu famoso capítulo sobre escrituração contábil no seu famoso livro de matemática, de 1494, não mostra qualquer traço dessa segregação; muito pelo contrário: trata todo o patrimônio pessoal e comercial em conjunto (mais um conceito de entidade familiar do que empresarial).

5 IUDÍCIBUS, Sérgio de et allii. Contabilidade introdutória. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 211.

6 Note-se que a substituição do conceito de entidade jurídica por entidade econômica, a adoção do conceito de controle no lugar do da propriedade jurídica e a procura pela substância econômica, mesmo que à custa, excepcionalmente, da forma jurídica, nasceram nessa época nesse mundo anglo-saxônico. Três enormes quebras de paradigmas na contabilidade. Com consequências enormes e evolução sensacional das demonstrações contábeis praticamente no mundo todo hoje.

7 HENDRIKSEN, E. S.; BREDA, M. F. V. Accounting theory. 5. ed. Irwin, 1992.

8 Ver nota sobre Postulado mais à frente.

9 Percentual reduzido a 0% pela CVM a partir de competência dada pela própria Lei.

10 Na realidade, o CFC já emitia “normas”, mas efetivamente o seu poder legal de emitir as Normas Brasileiras de Contabilidade só ocorreu em 2010, pela Lei n. 12.249, que alterou a Lei de competência do CFC, de n. 9.295/1946.

11 Circular n. 179/1972 do BACEN.

12 IUDÍCIBUS, Sérgio de. Teoria da Contabilidade. São Paulo: Atlas, 2015, e também a Delib. CVM n. 29/1986, conforme citado anteriormente.

13 HENDRIKSEN, E. S.; BREDA, M. F. V. Accounting theory. 5. ed. Irwin, 1992, p. 655.

14 Mais à frente veremos algumas exceções.

15 Não vamos aqui discutir as diferenças entre demonstrações individuais e demonstrações separadas, mas é bom ficar atento porque há diferenças entre elas.

16 A exceção forçadamente aceita dizia respeito aos saldos remanescentes do Ativo Diferido, inexistentes nas IFRS à época, e à não aceitação pelo IASB da equivalência patrimonial da controladora.

17 Atenção: todo este material está restrito às variações no percentual de participação no capital da controlada que não acarretem perda do controle dessa entidade. Quando de perda de controle o procedimento contábil é de outra natureza que não vamos aqui tratar.

18 Vamos aqui utilizar apenas “mais-valia”. Mas o raciocínio vale também para o caso da menos-valia.

19 IR Diferido deixado de lado para simplificação neste trabalho.

20 Essa determinação, nas normas internacionais, está no CPC 00 – Estrutura Conceitual para Relatório Financeiro, itens 4.68 e 4.69.

21 O IASB trabalha com demonstrações separadas que não são a mesma coisa que nossas individuais, mas neste caso também nada fala das consequências desse tratamento nas demonstrações separadas.

22 CPC 00 – Estrutura Conceitual para Elaboração de Relatório Financeiro, 1.7: “Relatórios financeiros para fins gerais não se destinam a apresentar o valor da entidade que reporta, mas fornecem informações para auxiliar investidores, credores por empréstimos e outros credores, existentes e potenciais, a estimar o valor da entidade que reporta.”