Consequencialismo Extrajurídico em Decisões contra Contribuintes: Muitos Espantalhos para Poucos Corvos?

Extra-legal Consequentialism in Decisions against Taxpayers: too Many Scarecrows for Few Crows?

José Maria Arruda de Andrade

Professor da Faculdade de Direito da USP (FDUSP). Livre-docente e doutor pela FDUSP. E-mail: jm.andrade@usp.br.

“Wertheimer, como ele próprio sempre dizia, enveredou pela ciência do espírito.” Thomas Bernhard

Resumo

O texto discute se as decisões do Supremo Tribunal Federal são marcadas por argumentos consequencialistas quando a tese advogada pelos contribuintes é derrotada. A interpretação das decisões judiciais, como forma de pesquisa, e a teoria da argumentação devem privilegiar os argumentos que são postos na decisão judicial, de forma a não confundir argumentos laterais, de contextos e de erudição, com aqueles determinantes para a formação da norma-decisão.

Palavras-chave: consequencialismo, argumentos consequencialistas, teoria da argumentação, layout de Toulmin.

Abstract

The present article aims to discuss if the rulings of Brazilian Federal Supreme Court, when unfavorable to taxpayers, are based on consequentialist arguments. The interpretation of judicial decisions, for research matters, and the theory of argumentation itself must privilege formalized arguments, in order to not confuse side arguments, of context and erudition, with those determinants to the constitution of the rule-decision.

Keywords: consequentialism, consequentialist arguments, argumentation theory, Toulmin layout.

Introdução

Este ensaio1 discute a seguinte questão: será que, de fato, vivemos uma jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) consequencialista em matéria tributária ou haveria exagero nessa afirmação quando formulada de forma generalizante? Perceba-se, não se trata de investigar se o STF é sempre consequencialista em matéria tributária – o que seria facilmente refutável –, mas discutir se, comumente, derrotas de contribuintes em teses tributárias são motivadas por argumentos consequencialistas.

Não há pretensão de avaliação quantitativa nesse estudo. Nossa intenção, ao contrário, é apresentar considerações acerca do exagero de algumas das críticas feitas às decisões do STF.

Nessa etapa, será apresentada uma forma de análise de argumentos postos para justificar decisões prolatadas que aparta argumentos que as justificam daqueles que apenas cumprem uma função secundária, alegórica ou de mero exercício de erudição. Designaremos, mais abaixo, esse tipo de argumento como sendo do tipo P, de PLUS.

O texto desenvolve-se, portanto, no plano da interpretação das decisões judiciais, em que se relaciona com desafios metodológicos relevantes, tais como: equilibrar uma tradição que afirma que somente a parte dispositiva de uma decisão faz trânsito em julgado (“Art. 504. Não fazem coisa julgada: I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença”), com a ideia, diversa e de cunho sistemático, de que todos os fundamentos são relevantes para a interpretação de uma decisão, com observância da boa-fé (“Art. 489. São elementos essenciais da sentença: [...] § 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé”)2.

Será necessário afirmar, adicionalmente, que esse ensaio não defende o uso de juízos consequencialistas e nem o afastamento casuístico, pontual e pragmático da Constituição Federal, como pode parecer àqueles estudiosos treinados em abordagens conceitualistas que defendem (e militam) teses tributárias de larga escala em que o texto constitucional pareceria sempre albergar interesses de mercado. A proposta é interpretar decisões judiciais de forma a investigar se, de fato, certas decisões do STF foram realmente consequencialistas em suas justificativas.

Temos defendido há anos que as decisões jurídicas devam ser fundamentadas com base, exclusivamente, em direito posto democraticamente3. Muito embora o direito seja produto cultural e social, que se submete a influências de toda a sorte no processo de sua concretização, as decisões jurídicas devem ser fundamentadas (com base no Estado de Direito, na Constituição Federal e na legislação vigente) e o devem ser por meio de argumentos e fundamentos jurídicos, o que se convencionou chamar teste de pedigree de uma decisão4.

Diversos dispositivos constitucionais e legais prescrevem o dever de fundamentação das decisões e a garantia do devido processo legal. Não se trata de uma premissa moral e universalizante; estamos a tratar do Brasil de hoje. A começar pelas liberdades públicas (art. 5º, incisos LV e LV, da Constituição Federal), além dos arts. 93 (incisos IX e X) e 37:

“Art. 93. [...]

IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade [...]

X – as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros”;

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]” (Destaques adicionados)

Além disso, o Código de Processo Civil determina: “Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.” E, adicionalmente:

“Art. 489. São elementos essenciais da sentença: [...]

II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões [...]

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

[...]

§ 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.” (Destaques ausentes no original)

Decisões administrativas ou judiciais que busquem fundamento em considerações morais e juízos consequencialistas, estranhos ao ordenamento posto, devem ser refutadas com base nas regras típicas do Estado de Direito mencionadas acima5.

Nosso ponto é saber se, como exposto acima, quando o STF frustra as expectativas de contribuintes e a doutrina declara que se tratou de uma decisão consequencialista, tal assertiva possui algum fundamento, advém de uma análise desapaixonada do voto que prevaleceu no acórdão ou emula tão somente um inconformismo, mais típico da paixão militante?

1. Interpretação e argumentação

Nesse sentido, convém explicitar certos pontos de partida que demonstram como pensamos a argumentação e a interpretação das normas jurídicas.

No estudo de decisões jurídicas, são os argumentos postos nos seus fundamentos que devem importar à sua análise crítica. Intenções não escritas dos julgadores ficariam para o jornalismo especulativo6 ou para as ciências do espírito7.

Afastamo-nos, portanto, daqueles que criticam as decisões do STF com base nos argumentos que não foram escritos e nem postos. Trata-se de um tipo de declaração que pode aparecer da seguinte forma: “ninguém seria tão ingênuo a ponto de, explicitamente, confessar seu consequencialismo contra legem”. Ou seja, pressupõe-se que haveria uma esperteza maliciosa do julgador ao decidir em sentido oposto ao do entendimento de quem formula tal juízo crítico e possuía determinada pretensão não atendida.

Ora, se determinada decisão porventura não se apresentar de forma claramente consequencialista8, a crítica possível passa a ser a da concordância ou não com aquela interpretação-decisão, tarefa digna e válida da dogmática, mas que não autorizaria rótulos outros, já que não se pode simplesmente afirmar de maneira determinante qual seria, epistemologicamente, a única resposta correta para aquele caso.

Interpretar um texto normativo no processo de tomada de decisão é construir essa decisão, a norma aplicada decisória. Trata-se de um processo constitutivo de sentido, o que, atualmente, é reconhecido por muitos, embora dessa afirmação não se siga um desejável e necessário reexame de pressupostos e preconceitos decorrentes de nossa formação lastreada em tradições essencialistas.

Quando podemos afirmar que um aplicador do direito compreendeu adequadamente o texto da norma que ele pretende aplicar? Como afirmar que ele compreendeu perfeitamente o relato textual dos fatos do processo em que proferiu decisão? Como afirmar que houve a correta definição de qual texto de norma seria aplicável àquele caso9? Como definir o sentido e alcance daquele texto que está sendo interpretado para a aplicação? Pode-se garantir que o resultado da aplicação, cujo resultado é a produção de outra norma jurídica, corresponde ao pretenso ponto de origem, o texto que foi aplicado, ou seja, que haveria referibilidade entre ponto de partida e resultado ou entre resultado e fundamento da decisão?

Defendemos uma perspectiva não representacionalista da filosofia da linguagem, em que se abandona a tentativa de busca de sentido dos termos por meio de acesso a significados. Na infância e na vida adulta aprendemos a agir e reagir a frases e não a estabelecer relações cognitivas complexas em sua interpretação; por isso a afirmação de que compreender uma frase significa compreender uma linguagem, dominando uma técnica10. A linguagem e os conceitos funcionam como instrumentos11.

No direito somos treinados a interpretar conceitos e institutos, estabelecendo, ao lado da jurisprudência, um arcabouço de referências e fundamentos de comparação e correção, o que não garante uniformidade ou certeza de resultados, mas nos permite operar diuturnamente.

Até mesmo a atividade com precedentes judiciais não afasta a característica constitutiva (ou seja, criadora de um sentido) de cada interpretação/aplicação, pois os conceitos são famílias de casos com limites fluidos, que só fazem sentido quando integrados na descrição de fenômenos que dizem respeito à nossa experiência, em jogos de semelhança e dessemelhança12. Há uma série complicada de semelhanças, que se envolvem e se cruzam mutuamente. Essas semelhanças podem ser nomeadas como “semelhanças de família” [Familienähnlichkeit].

Justamente por isso, a discussão da relação de pertinência entre o texto normativo e o resultado de sua aplicação (construção da norma jurídica) pode ser mais bem desenvolvida, cremos, no âmbito da teoria da argumentação do que na pesquisa por sentido e alcance da linguagem, confirmando a proposta de deslocamento da origem da interpretação para o campo de sua justificativa.

A decisão constitui sentido novo e não se pode afirmar – do ponto de vista da linguagem – que o seu resultado (final) volta-se ao ponto de partida (texto da norma), como afirmam até mesmo aqueles autores que compreendem que texto normativo é diferente do resultado de sua aplicação (norma-decisão). Não se pode afirmar que o resultado é, do ponto de vista interpretativo, consistente, mas pode se exigir, em nome do Estado de Direito, que o fundamento corresponda ao direito vigente13.

As distinções interpretativas sobre vocábulos ou dispositivos normativos podem ser sutis do ponto de vista de sua significação (decisões de fixação de sentido e alcance na produção da norma-decisão), mas se revelam dramáticas do ponto de vista de seu resultado: prender ou não prender o réu após decisão penal de segunda instância; devolver ou não devolver 250 bilhões de reais ao mercado; norma válida ou inválida e assim por diante. Decisões em torno de vocábulos como faturamento, salário, mercadoria, papel e lucro são exemplos representativos desse fenômeno.

Privilegiar o estudo dos argumentos postos na decisão, reconhecendo se tratar de processo constitutivo de sentido, não significa uma defesa de um tipo qualquer de realismo brasileiro ou de algum tipo de decisionismo como fim ou método. Não se trata de uma afirmação de que primeiro se decide e depois se propõe argumentos a justificar tal resultado. Essas tentativas de reconstrução de cronologias mentais e razões pessoais são infrutíferas e só levam a confusões conceituais e labirintos desnecessários da linguagem14.

Nesse sentido, estudamos as decisões jurídicas como processo de construção de sentido, em que a teorização sobre ligações com extratos de sentido (essências) representaria verdadeira armadilha, já que elas se apresentam à sociedade na forma de textos de sentenças e acórdãos, que apenas podemos acessar a partir de novas interpretações textuais. Uma interpretação levando à outra, em busca de uma pauta fixa que pudesse nos dar certeza. Daí a proposta de deslocamento para a análise dos argumentos postos para justificá-las, não almejando controles semânticos de verdade-correspondência, mas reflexões sobre aproximações e distanciamentos com o que julgaríamos se fôssemos, nós, os aplicadores. Ou, ainda, para uma análise de cunho menos pretensioso, mas igualmente importante, o de verificar se a decisão sob escrutínio (interpretação das decisões) observou o direito posto, no sentido prático de adotá-lo como respaldo final e não, necessariamente, de usá-lo no sentido correto ou único, até porque as lides possuem vitoriosos e derrotados.

Nossa proposta desloca o tema em apreço do que seria uma teoria dos consequencialismos em favor de uma análise de argumentos (consequencialistas, nesse ensaio). Trata-se, tal como em Toulmin em relação à argumentação em geral, de uma opção por uma análise epistemológica, uma análise da gramática dos argumentos e não uma teoria epistemológica normativa de como o intérprete tem que decidir15.

2. Consequencialismo

Feitas essas considerações, convém tratar do tema consequencialismo. Não há uniformidade na definição do que seria uma teoria consequencialista ou práticas consequencialistas no direito. Em uma primeira aproximação, podemos deixar claro que: (i) decisões consequencialistas não necessitam ser lastreadas ou inspiradas em teorias ou filosofias consequencialistas e (ii) decisões consequencialistas podem surgir de forma isolada e não como técnica reiterada.

Tentar desqualificar determinada decisão de ser consequencialista (i) somente porque ela não está em conformidade com aspectos nucleares de determinado filósofo consequencialista é uma perda de oportunidade de analisar decisões concretas em favor da vontade de compará-las, criticamente, a construtos teóricos que surgem em outro contexto, o acadêmico.

Por outro lado (ii), alegar que uma decisão específica foi construída de forma consequencialista não significa que o mesmo julgador sempre se valerá de tais expedientes e continuará sendo consequencialista. Extrapolando a ideia, em decisões colegiadas, um voto consequencialista isolado não determina que a decisão do tribunal tenha sido consequencialista, mormente quando se trata de mera declaração de voto.

Mais adiante desenvolveremos a ideia, mas, sobretudo, ocupamo-nos aqui com outro ponto: ilações consequencialistas não implicam, necessariamente, decisões assim consideradas e, tampouco, que juízos de cenários hipotéticos descrevendo a possibilidade de ocorrência de decisões em sentidos diferentes sempre serão juízos que privilegiam a consequência como norte decisório.

E, por fim, última provocação: não é incomum que muitos críticos do pretenso caráter consequencialista de decisões de tribunais superiores contra contribuintes defendam outra forma de consequencialismo, a de nominar como legalidade uma visão estreita que tem como finalidade tornar mais restritivo o âmbito de incidência autorizado pela Constituição. Dito de outra forma, parcela da doutrina se especializa em teorizar a inconstitucionalidade de leis tributárias, em uma espécie de ressurgimento dos especialistas em direito inconstitucional tributário, apenas repaginando o Leitmotiv de suas teses em favor da ideia de conceitos rígidos na regra constitucional de competência. Parte-se, portanto, de ponto de partida correto – Estado de direito – para se chegar a um resultado duvidável, tributário de um conceitualismo exagerado.

Decisões consequencialistas – perceba-se que preferimos tratar de decisões e não de teorias – são aquelas cuja motivação de decidir lastreia-se em juízos de consequência sobre o seu resultado. Ao lado, ou apesar, dos possíveis cenários interpretativos (molduras normativas potenciais), há preferência assumida por um determinado resultado prático16.

O grau de prevalência do resultado prático pretendido (consequência privilegiada pelo julgador) poderá ser avaliado. Obviamente, tal interpretação será tão subjetiva quanto a decisão estudada, o que é inevitável quando se trata de interpretar. Daí ser frequente a menção a consequencialismo forte ou fraco17.

Nossa crítica tem sido direcionada às decisões que adotam, pontualmente ou não, formas de consequencialismo forte, assim entendidas aquelas que privilegiam a opção por uma consequência qualquer em detrimento do respaldo legal no direito positivo, correspondendo a uma afronta ao mencionado teste de pedigree. Em outros termos, quando o juízo em favor de consequências práticas de uma determinada decisão não aparecem, textualmente, como mera construção de cenários sobre possíveis sentidos, mas como forma de afastar ou mitigar um texto normativo positivado. Evita-se a aplicação da regra posta, afastando-a em favor de um resultado prático considerado preferível.

Nesse sentido forte, uma decisão consequencialista seria uma em que determinado tributo seria declarado constitucional não por conta do confronto entre dispositivo legal e constitucional, mas com base em juízo de consequências práticas, ou seja, a despeito da Constituição18. Igualmente, uma decisão que afastasse a plena aplicação do Código Civil em matéria de responsabilidade civil por conta de juízos sobre as consequências negativas sobre o mercado, caso fosse aplicado o dever de reparação19.

Por outro lado, até mesmo a, por vezes, temida adoção de abordagens de análise econômica do direito pode representar muito mais um uso mais estilístico e de erudição (tipo P) do que uma abordagem a privilegiar técnicas microeconômicas. Um caso representativo ocorreu no voto do Ministro Luiz Fux nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) n. 4.101 e n. 5.485, de junho de 2020, que tratou da constitucionalidade da majoração da Contribuição Social sobre o Lucro (CSL) das instituições financeiras. As citações de Richard Posner foram absolutamente estéticas, sem qualquer impacto maior na decisão, que fez menção ao teor do art. 195 da Constituição e à jurisprudência do STF sobre o tema. Ou seja, nada haveria de consequencialismo aqui.

Igualmente, decisão que interpreta o art. 149, § 2º, inciso III, da Constituição Federal (Recurso Extraordinário n. 603.62420) sem nele enxergar uma restrição à criação de contribuições sobre a folha de pagamentos não deverá ser considerada consequencialista. As duas teses foram apresentadas para votação, a da Ministra Relatora Rosa Weber e a do Ministro Alexandre de Moraes. As duas realizaram exercício interpretativo sobre o significado do dispositivo. Por votação, prevaleceu a decisão pela constitucionalidade, da lavra do Ministro Alexandre de Moares:

“O art. 149, § 2º, III, da Constituição, de fato, codificou quais as materialidades poderiam ser aproveitadas para fins de tributação por CIDEs e contribuições sociais. Mas ele é taxativo apenas no que diz respeito às contribuições incidentes sobre a indústria do petróleo e seus derivados, em conexão com a disciplina do art. 177, § 4º, da CF. Quanto às CIDEs e contribuições sociais em geral, entre as quais as contribuições ao SEBRAE, APEX e ABDI sobre a folha de salários, não se operou uma tarifação do espectro de materialidades tributáveis, mas mera exemplificação.”

Outra crítica que pode ser feita àqueles que defendem que essa decisão do STF seria consequencialista é a acusação de que juízos teleológicos corresponderiam a juízos práticos pelas consequências. Ora, a teleologia é elemento tradicional de hermenêutica jurídica desde a influência de Phillip Heck e da jurisprudência dos interesses21. Constituições como a brasileira impõem a referência a finalidades, justamente por conta de nossa ordem econômica e também a social.

Alguém poderia questionar o que ocorreria se o critério teleológico suplantasse o próprio sentido do texto normativo, de forma a fazer as vezes de um consequencialismo. Não se deve confundir critério teleológico (tradicional na hermenêutica jurídica) com consequencialismo. Em primeiro lugar, nossos pressupostos metodológicos não nos autorizariam a defender o sentido correto do texto normativo interpretando. A metáfora da moldura normativa kelseniana nada mais é do que uma imagem, já que não há garantia de que os cenários de possíveis sentidos estariam, efetivamente, dentro dessa moldura22; além disso, as diferenças práticas entre nuances semânticas da moldura são tão dramáticas quanto prender ou não um réu, cobrar ou não um contribuinte. Em segundo, a teleologia contribui para a construção da norma-decisão. Quando ela, assumidamente, extrapola o que se defende como sentido comum do texto (a ser construído), ocorre a redução ou extensão teleológica23. Mas, os critérios de abordagem sistemática e teleológica (inclusive funcional) movimentam-se no plano das escolhas de preferências de sentido pela lógica da decisão e não pela determinação de resultado pelas consequências. Pode haver, em tese, um modo consequencialista que se valha de uma perspectiva teleológica, mas daí ele será, provavelmente, uma forma moderada de consequencialismo.

Veja-se a referência do julgado do STF sobre contribuições a terceiros que faz menção à teleologia:

“Ainda, com todo o respeito aos respeitáveis argumentos da ilustre Relatora, Min. Rosa Weber, entendo que é justamente a teleologia da norma que aponta, neste caso, a inexistência de taxatividade tanto para as alíquotas quanto para bases de cálculo das CIDEs aqui enfocadas. No RE 396.266 (Rel. Min. Carlos Veloso, Tribunal Pleno, DJ de 26/11/2003), embora a questão tenha sido analisada à luz do art. 149, anterior à EC 33/2001, na ocasião, já se assentara que essa específica contribuição se destina a concretizar os princípios da ordem econômica (arts. 170 a 181 da CF), entre os quais se destaca o fomento à micro e pequena empresa. Assim, limitar as possibilidades de atuação do Estado mediante interpretação literal da atual redação do art. 149, § 2º, III, da CF – com todo o respeito às posições em contrário – não me parece a melhor exegese para a consecução dos desígnios constitucionais de viabilizar a promoção do desenvolvimento das micro e pequenas empresas, a qual já foi reconhecida pelo Plenário desta Corte como princípio constitucional, consoante se extrai do seguinte trecho da ementa do acórdão da ADI 4.033, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 15/9/2010, DJe de 7/2/2011.” (Destaques adicionados)

As justificativas secundárias de que a constitucionalidade do SEBRAE reforçaria as finalidades da Constituição econômica e social e seus preceitos finalísticos estão sendo confundidas com argumentos econômicos, quando, no mais das vezes, apenas reforçam a teleologia constitucional positivada, a partir de um juízo prévio de discordância em torno da tese de que o art. 149 da CF teria imposto limitações à criação de contribuições. Não se trata de um embate economia versus direito.

Até mesmo a decisão do Ministro Luiz Fux, mencionada por diversos colegas como assumidamente consequencialista, por conta de sua antecipação informal de voto, aparece, posteriormente, como voto escrito, em bases mais semânticas e interpretativas do que consequencialistas. Cite-se, inicialmente, a polêmica menção informal às consequências:

“[...] há uma vagueza na base inespecífica desse inciso da lei. Por outro lado, estamos vivendo um momento em que é preciso manter o status quo do desenvolvimento econômico. Além da teleologia da interpretação levar isso em consideração, hoje, mais do que nunca, é preciso – como relembrou o Ministro Gilmar Mendes e o Ministro Barroso – que se faça uma interpretação contextualista, consequencialista.” (Destaques adicionados)

A seguir o voto formalizado, apresentado após o encerramento da sessão e em bases mais tradicionais:

“Dessa forma, concluo pela ausência de taxatividade da expressão ‘poderão’ constante na redação do art. 149, § 2º, III da Constituição Federal incluída pela EC 33/2001, de maneira que entendimento contrário implicaria em restrição do conteúdo semântico da norma constitucional.

Há de prevalecer a interpretação teleológica do aludido dispositivo, buscando o fim que esse pretendeu ao ser positivado, estabelecendo o correto sentido e alcance.”

Alguém poderia alegar que a expressão “implica em” seria um juízo prático pelas consequências. Todavia, o exercício retórico apenas afirma que a tese de que o dispositivo implicaria na inconstitucionalidade das contribuições a terceiros seria por demais restritiva de seu “conteúdo semântico.”

Registre-se, ainda, que o voto do Ministro Luiz Fux não foi o voto que prevaleceu como definidor da tese, e sim o do Ministro Alexandre de Moraes.

Abaixo, o trecho determinante da tese em sentido contrário, cujo entendimento não prevaleceu no STF, de autoria da Ministra Rosa Weber:

“O mecanismo de evitar – ou, no mínimo, de não priorizar – a tributação sobre a folha de salários, identificado com as Emendas Constitucionais n. 33/2001 e 42/2003, a meu juízo, configura sensível evolução do sistema constitucional tributário brasileiro.

Destarte, a exegese sistemática do art. 149, § 2º, III, ‘a’, da Carta Política, à luz dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º da Carta Política), também orienta interpretação excludente da possibilidade de se fazer incidir, após o advento da EC n. 33/2001, contribuições interventivas sobre a folha de salários.”

Assim como nos exemplos acima, novamente, a base do argumento é de natureza interpretativa e tradicional.

Sem dúvida, é função da dogmática emitir juízos críticos, concordantes ou não, com o entendimento que prevaleceu e não simplesmente aceitar que a jurisprudência seja o ponto final de um tema. Contudo, nosso ponto é outro: aqueles que afirmaram com tanta ênfase de que se tratou de uma decisão consequencialista estariam corretos? Entendemos, como visto, que não24.

Assim, uma decisão pode ser considerada consequencialista em sentido forte quando substitui o necessário respaldo normativo positivado nas decisões [NORMA-DECISÃO], (em sentido toulmaniano25) em favor de elementos extranormativos, a partir de abordagens e juízos pelas consequências.

Importante ressaltar que nem toda decisão sem respaldo em texto positivado é consequencialista e nem todo juízo consequencialista é contra ou extra legem.

No primeiro caso, é possível imaginar uma decisão que, sem fazer juízos pelas consequências práticas, decida um caso concreto sem a devida e necessária base legal. Um bom exemplo, já criticado por nós26, é o de aplicação do teste de propósito negocial pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) como forma de requalificar fatos jurídicos. Trata-se, entendemos, de abordagem pragmática de origem jurisprudencial alienígena sem a devida validação parlamentar brasileira. O seu uso, contudo, nem sempre implicará em juízos práticos de consequências, podendo representar tão somente a mera aplicação (indevida) de um teste sobre fatos decidendos sem respaldo legal, como se direito fosse27.

No segundo, pode-se mencionar o uso de dispositivo legal válido que passa a ser usado como respaldo após juízos consequencialistas. Essa é a situação de análise mais complexa, porque se estaria no limite entre a interpretação do dispositivo legal ou o uso de argumentos consequencialistas a determinar sua aplicação em situação que, de outra forma (sem tais juízos) não seria devida. Um exemplo poderia ser a invocação do dispositivo legal que permite, excepcionalmente, a modulação de efeitos da decisão judicial. Sem dúvida, uma decisão pela modulação que utilize o direito positivo como respaldo cumpre o teste do pedigree; mas, se o faz de tal forma baseada em juízos não positivados, como juízos sobre as contas públicas (terrorismo fiscal), abrir-se-á espaço para críticas, como as que já fizemos em outra oportunidade28, de que se trataria de extrapolação dos termos legais29. Nessa situação, parece-nos que a censura deveria ser sobre a qualificação do caso concreto a ser modulado e sobre a interpretação dada aos termos legais autorizadores da modulação. O desafio será, sem dúvida, sobre o peso dos argumentos consequencialistas de cunho fiscal. O respaldo será o dispositivo legal invocado, a sua aplicação, contudo, terá sido motivada por juízo consequencialista. Se a aplicação se der exclusivamente em termos consequencialistas, apesar do teste de pedigree, a discordância poderá ser evocada.

Novamente, estamos diante das dificuldades de lidar com os limites da interpretação, que, em nossos estudos, não se encontram nas referências semânticas a ligações com representações de quaisquer tipos (sentidos, ideias, objetos, direito privado etc.). Como afirmado pelo filósofo norte-americano Richard Rorty, nossas convicções viriam antes de imagens e metáforas do que de proposições e afirmações. As palavras que empregamos tomam o seu sentido aplicado a partir de outras palavras e não de seu caráter representativo30, estabelecido por uma qualquer transparência para o real, a ser capturado pela mente31.

Eventuais exageros argumentativos, contudo, na justificação de decisões podem abrir espaço para a cultura dos contextos (morais, políticos, fiscais, econômicos) e das ponderações que não foram deliberados por parlamento democrático, em clara afronta ao Estado Democrático de Direito e à segurança jurídica.

Agora, declarações de votos que realizam meros exercícios hermenêuticos de cenários de possíveis sentidos ou possíveis consequências a justificar o sentido que foi construído ou privilegiado pelo aplicador sequer deveriam ser consideradas exemplos consequencialistas. No mesmo sentido, diálogos transcritos de julgamentos, em que algum julgador explicita alguma consequência que julga ser preferível, caso prevaleça a interpretação que ele defendeu em seu voto.

Um julgado ilustrativo disso é o da ADI n. 4.389/DF, em que se pleiteava e foi deferida liminar em medida cautelar para dar interpretação conforme a Constituição ao art. 1º, caput e § 2º, da Lei Complementar n. 116/2003 e o subitem 13.05 da lista de serviços anexa. O julgado analisava se a produção de embalagens deveria ser tributada pelo ICMS ou pelo ISS, o que demandava interpretar a regra constitucional de competência e a legislação tributária que instituiu a regra de incidência (fato gerador abstrato).

A decisão do Ministro Joaquim Barbosa foi construída a partir da análise da cadeia econômica e não simplesmente do bem produzido, nos seguintes termos:

“[...] o ISS não incide sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou utilização direta em processo subsequente de industrialização ou de circulação de mercadoria pretensão dos contribuintes tem amparo econômico e se alinha com a harmonia entre carga e benefício econômico que deve orientar a tributação. Se o ICMS incidir, o valor cobrado poderá ser usado para calibrar o tributo devido na operação subsequente, nos termos da regra constitucional da não cumulatividade. Em sentido contrário, ainda que nominalmente inferior, a incidência do ISS agrega-se ao custo da produção e da venda subsequentes, onerando-as sem a possibilidade de compensação. Não se trata de simplesmente de pagar menos, mas de recolher o que efetivamente devido e a quem é o sujeito ativo previsto constitucionalmente.

Por fim, há detalhe final que merece ser exposto. A alíquota média do ICMS é de 18%, muito superior à alíquota máxima do ISS, de 5%. A pretensão dos contribuintes tem amparo econômico e se alinha com a harmonia entre carga e benefício econômico que deve orientar a tributação. Se o ICMS incidir, o valor cobrado poderá ser usado para calibrar o tributo devido na operação subsequente, nos termos da regra constitucional da não cumulatividade. Em sentido contrário, ainda que nominalmente inferior, a incidência do ISS agrega-se ao custo da produção e da venda subsequentes, onerando-as sem a possibilidade de compensação. Não se trata de simplesmente de pagar menos, mas de recolher o que efetivamente devido e a quem é o sujeito ativo previsto constitucionalmente.”

Como visto, o fator fundamental da decisão foi qualificar a atividade das empresas que produziam embalagens para indústrias e se ela poderia ser considerada uma prestação de serviços. A importância dessa análise funcional foi compreender o tipo de bem produzido e chegar à conclusão que a municipalidade se equivocara ao tentar ver nessa produção de embalagens (bens) uma prestação de serviços autônoma.

O voto do Ministro vai além e explica as razões do pedido, porque as entidades representativas da iniciativa privada preferiam a alíquota superior de ICMS em detrimento da do ISS. Esse tipo de análise de cenários de tributação é frequente entre patronos da causa e, por vezes, também é produzida ou reproduzida por julgadores.

A Ministra Ellen Gracie, ao proferir seu voto-vista (apreciando o pedido de liminar), em concordância com a tese, acrescenta:

“Aliás, conforme bem destacado no parecer de Marco Aurélio Greco: ‘O cerne da contratação não é o ‘imprimir papel (ou plástico) em branco com certos dizeres’, mas fornecer embalagens de papel (ou plástico) com certas características de tamanho, forma, resistência, qualidades físico químicas etc. e nas quais estejam impressos certos dizeres, desenhos etc.’. Conclui-se, pois, que a compra de embalagens, ainda que mediante encomenda, não constitui sequer operação mista, não se sujeitando à incidência do ISS.”

Ao final, contudo, realiza comentário que soa como consequencialista:

Também merece consideração que os Municípios, embora não possam cobrar ISS sobre a operação, pois fora da base econômica passível de ser tributada, participam do produto da arrecadação do ICMS por determinação do art. 158, IV e parágrafo único, I, da Constituição, que diz que lhes pertencem 25%, dos quais três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios.” (Destaques adicionados)

Trata-se de um juízo que decorre de mero conhecimento do direito financeiro previsto na Constituição Federal. Isoladamente, poderia soar como um critério de decisão inaceitável, já que ou bem uma atividade é de venda de mercadoria ou não é (voltando-se ao ISS se assim estiver previsto na lista de serviços da lei municipal). Tal consideração de ordem prática em que o repasse estadual aos municípios serviria como espécie de compensação pela derrota não poderia justificar uma decisão (de acordo com as nossas premissas). Nosso ponto aqui é: teria sido ele decisivo? O argumento aparece em voto-vista e não nos parece, nesse caso específico, ser a razão de decidir do processo. Cite-se que o argumento encontrou eco em outros dois ministros, que já haviam votado pela incidência do ICMS (pleito dos contribuintes representados por suas associações) e que registraram que também por conta de tal argumento a decisão deveria prevalecer:

“O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski – Estou acompanhando, integralmente, o Relator, entendendo também que deve prevalecer a interpretação do conjunto normativo composto pelo artigo 1º, caput, 2º da Lei Complementar 116/2003, combinado com o subitem 1.305 da lista a ela anexa, no sentido de que incide ICMS sobre atividade econômica de fabricação e circulação de embalagens destinadas ao ciclo produtivo. Tal como esclareceu, agora, o Ministro Luiz Fux. Aqueles demais serviços que são prestados sob encomenda estariam fora desta orientação, e neste sentido defiro também a cautelar, inclusive com base no argumento que o próprio Ministro Joaquim Barbosa levantou por ocasião do julgamento da cautelar. É que os municípios, em tese, não sofrerão nenhum prejuízo porque eles têm uma participação de vinte e cinco por cento na arrecadação do ICMS. Portanto, já estão aquinhoados – digamos assim – com parte deste imposto.

O Senhor Moinistro Ayres Britto (Presidente) – Há um condomínio financeiro entre Estados e Municípios.

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski – Há um condomínio dentro do federalismo cooperativo ao qual Vossa Excelência fez alusão numa sessão passada recente.”

O argumento se presta a juízo consequencialista, sem dúvida. Seria ele determinante, contudo? Entendemos que não. Pareceu-nos, antes, um consequencialismo fraco que parte de um juízo interpretativo já realizado por cada um dos ministros que o citou em seu voto. Mas, é fato, um argumento de tal sorte pode ser determinante para o convencimento de um julgador, ainda que não exposto, posteriormente, em voto. Mas, daí, voltamos ao ponto inicial desse ensaio: estamos no campo da interpretação de julgado e não no exercício sobre as condições psicológicas presumidas de julgadores.

Esse seria, portanto, um exemplo de argumento consequencialista fraco sem maior peso na construção da norma-decisão e que reflete, diga-se, um tipo de argumentação muito comum entre contribuintes (demonstrações numéricas de carga tributária). A censura pura e simples de que ministros deveriam se ocupar apenas de conceitos soa-nos um tanto quanto retrógrada.

Por fim, em decisões jurídicas, juízos históricos, sistemáticos ou teleológicos, citações históricas, filosóficas e literárias aparecem, muitas vezes, como argumentos secundários e alegóricos.

Representam, antes, opções estilísticas ou meros adereços. A esse tipo de argumento, por vezes presentes na forma de obiter dictum, tenho denominado como argumento do tipo (“PLUS”), em uma proposta – aqui apresentada pela primeira vez – de expansão do layout original de Stephen Toulmin, cujo projeto teórico era questionar a filosofia analítica de sua época e o uso de um modelo lógico-formal em que os argumentos analíticos seriam modelos ideais para outros campos que não o da matemática pura, sobretudo nas explicações da lógica prática (o tal deslocamento de uma teoria epistemológica para uma análise epistemológica).

Para tanto, Toulmin analisa os argumentos em sua forma não geométrica, valendo-se de um layout (“logicamente imparcial dos argumentos”), extremamente didático, denominado jurisprudencial32, cuja finalidade é representar a dinâmica da argumentação, de forma mais estendida do que aquele que se vale da estrutura de uma premissa maior, de uma premissa menor e de uma conclusão.

O layout de Toulmin permite explicitar os argumentos postos na construção de uma conclusão33 e é formado pelos seguintes elementos, adaptados por nós para esse ensaio: uma NORMA-DECISÃO [N-D], baseada em DADOS ou RAZÕES PRIMÁRIAS [D/R], em que poderá haver uma GARANTIA [G] de que faz sentido a passagem ou nexo entre [D/R] e [N-D]. Por se tratar de decisão jurídica, a sua motivação decorre da Constituição, no que se deve apresentar o devido TEXTO NORMATIVO [TN], consistente em texto de direito posto ou autorizado por ele. Por fim, esta tal asserção poderá ser excepcionada (EXCEÇÃO) [a menos que E]. A argumentação jurídica em países como o nosso pode ser sintetizada como: “D/R, assim, N-D, já que G, por conta de TN, a menos que E”:

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Pois bem, argumentos do tipo PLUS [P], de nossa proposta, não são determinantes na construção de uma NORMA-DECISÃO [N-D]. Em geral, guardam uma relação tênue com as GARANTIAS teóricas [G], que buscam reforçar a ligação entre DADOS, RAZÕES PRIMÁRIAS [D/R] e a NORMA-DECISÃO [N-D]. Daí nossa representação gráfica tracejada.

Nesse sentido, julgamos útil apartar argumentos de contextos e erudição, que apenas dão mais razões – laterais – à decisão do aplicador, daquelas razões últimas do decisum. Estamos conscientes de que essa distinção também está sujeita às regras e limitações típicas da compreensão de qualquer texto (grau de subjetivismo). Mas a consideramos relevante para o propósito de se analisar com menos paixão a alegação de que decisões contrárias aos interesses dos contribuintes seriam, muitas vezes, consequencialistas, além de ser promissora no estudo dos argumentos que formam a ratio decidendi, a parte dispositiva, as excepcionalidades e assim por diante.

Trata-se de tarefa não trivial em que qualquer elemento didático pode contribuir para seu esclarecimento. Na interpretação de decisões judiciais – tão útil em matéria de precedentes – não é raro encontrar razões divergentes de fundamentação, além das dificuldades em se distinguir entre argumentos da ratio decidendi e obiter dicta, Ademais, é importante reconstruir a estreita conexão entre ratio decidendi e os fatos determinantes do caso, de forma a compor uma regra geral e abstrata desse julgado, no que a interpretação de um precedente se torna tão complexa quanto a interpretação de um texto normativo34.

Noutro giro, há de se vigiar certa tendência em se aceitar argumentos consequencialistas (fracos e fortes) quando nos agradam (risco de uma tirania dos valores35). Somos pouco sensíveis a argumentos do tipo P (PLUS) quando eles não se chocam com as nossas predileções. Exemplificando: manutenção de créditos; modulação de efeitos a favor de contribuinte, ampliação (assim assumida) de imunidades. Uma jurisprudência de valores parece encontrar simpatia, desde que lastreada em valores liberais individualistas, como se o texto constitucional fosse, ele todo, uma carta a determinar a expansão dessas liberdades, sem a imposição de deveres, olvidando que a relação tributária é um conjunto de direitos e deveres constitucionais e legais. Em uma expressão: privilegia-se menos a deliberação democrática da legalidade (representação política e Estado de Direito) e mais a interpretação restritiva de vocábulos constitucionais, onde a carta política é tomada como instrumento meramente ultraliberal, a despeito das leis.

Temos sido críticos do consequencialismo forte, já que: (i) sequer encontram fundamento em regra de direito positivo; (ii) permitem maior possibilidade de arbitrariedades, a partir da eleição de valores ou critérios personalíssimos (afinal, cada consequencialista tem a sua preferência e elas não são isentas) e (iii) possuem caráter antidemocrático, por não serem critérios e preferências aprovados por representantes do povo.

Parece-nos, todavia, que o tom estridente das críticas ao consequencialismo, que aqui não se defende e que tem sido objeto de crítica de nossa parte, representa antes uma sensibilidade a determinados resultados (derrotas de contribuintes) do que a análise de um tipo de estrutura argumentativa concreta. Há exagero, cremos, na afirmação de que a maior parte das decisões do STF esteja sendo consequencialista.

Há muitos desmandos e abusos interpretativos no direito tributário brasileiro, julgamentos sobre planejamentos tributários com base em argumentos teóricos (propósito negocial) sem respaldo normativo positivo, por exemplo, e com inversões de ônus probatório, baseadas em presunções. Mas isso não nos autoriza a generalizar todas as derrotas de contribuintes em juízo apenas pela pecha de consequencialismo.

O exagero no conceitualismo que vê nas regras de competência o fundamento para se pagar menos tributos (em uma inversão tão perniciosa quanto a falsa tese do dever fundamental de pagar tributos), a partir do enfraquecimento do Legislativo (que deixa de ser o elemento de legitimidade democrática) em favor do Judiciário (obtenção de seis votos no STF), merece nossa censura, apesar do sucesso científico que volta a experimentar hodiernamente.

Um instrumento válido para classificar um tipo ou outro de decisão é buscar analisar os argumentos da decisão vitoriosa, tais como aqueles que foram determinantes, a parte dispositiva do julgado, os termos da fixação do tema, a ratio decidendi, segregando-os de juízos hermenêuticos clássicos e dos meros argumentos alegóricos e de erudição (PLUS). Em outros termos, trata-se de convite a se evitar a teorização de como deve ser a argumentação, para uma análise descritiva de como se deu a argumentação posta, ainda que caiba à dogmática, em outro tipo de exercício, o dever científico de criticar e não meramente acatar a jurisprudência que nos é posta.

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1 Algumas dessas ideias foram apresentadas no VII Congresso Nacional de Direito Tributário Atual do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) em 2021.

2 Sobre o tema: MALLET, Estêvão. A interpretação das decisões judiciais e o Novo CPC. Revista Brasileira da Advocacia vol. 0, ano 1. São Paulo: RT, jan./mar. 2016, p. 45-70.

3 ANDRADE, José Maria Arruda de. Economicização do direito concorrencial. São Paulo: Quartier Latin, 2014.

4 E sem apelos a ponderações e valorações, que possuem o potencial tirânico e não democrático.

5 A legalidade é instrumento de defesa dos oprimidos. Ver: GRAU, Eros. Por que tenho medo dos juízes (interpretação/aplicação do direito e princípios). 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 22.

6 Assim como para pesquisa de cunho sociológico. Sobre esse ponto, ver interessantes considerações de NEUMANN, Franz. Império do direito. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 389-395.

7 Aqui, jocosamente representado pelo personagem desequilibrado Wertheimer, que aparece no romance O náufrago, do austríaco Thomas Bernhard.

8 “Afinal, arremata ainda Radbruch, ‘o Estado não nos fala através das declarações pessoais dos autores da lei, mas tão somente através da própria lei’. Não é diferente no campo dos pronunciamentos judiciais. Como adverte Pontes de Miranda, no exame dos embargos de declaração, colocado o problema da interpretação da decisão, deve-se ‘mais atender ao declarado que ao querido’.” (Cf. MALLET, Estêvão. Breves notas sobre a interpretação das decisões judiciais. Revista da Faculdade de Direito da USP vol. 102. São Paulo, 2007, p. 176)

9 Seja por conta da qualificação dos fatos, seja pela eleição de qual lei seria a aplicável à situação.

10 WITTGENSTEIN, Ludwig. Philosophische Untersuchungen. Werkausgabe, Band 1. Suhrkamp Verlag, 1984, § 199.

11 WITTGENSTEIN, Ludwig. Philosophische Untersuchungen. Werkausgabe, Band 1. Suhrkamp Verlag, 1984,, § 69.

12 WITTGENSTEIN, Ludwig. Philosophische Untersuchungen. Werkausgabe, Band 1. Suhrkamp Verlag, 1984, §§ 66 e 67.

13 Nesse ponto, Friedrich Müller sempre buscou afirmar que o texto normativo seria a ponta do iceberg do procedimento concretizante, mas que o processo de construção da norma decisão guardaria referibilidade com tal ponto de partida, o que nos soava como uma lastro semântico indevido. Em uma breve passagem, todavia, ele explica que a sua afirmação não é de cunho metodológico, mas de vigência de normas (direito vigente), daquilo que é autorizável no Estado de Direito. Tal afirmação, de exigência constitucional e não semântica, nos aproxima desse autor, muito embora nossa pesquisa seja a partir da teoria da argumentação, quando se trata de interpretar decisões prolatadas. Ver: MÜLLER, Friedrich. Juristische Methodik und Politisches System: Elemente einer Verfassungstheorie II. Berlin: Duncker & Humblot, 1976, p. 79.

14 A linguagem é um labirinto de caminhos, em que se entra por um lado, sabendo onde se encontra, até retornar ao mesmo ponto, sem, contudo, notar que se está lá novamente (WITTGENSTEIN, Ludwig. Philosophische Untersuchungen. Werkausgabe, Band 1. Suhrkamp Verlag, 1984, § 203).

15 Estamos cientes, todavia, de que a defesa pelo fundamento com base no direito positivo (teste do Pedigree) que adotamos é um componente normativo de uma teoria que se inicia como descritiva. Ver: ANDRADE, José Maria Arruda de. Economicização do direito concorrencial. São Paulo: Quartier Latin, 2014, cap. 2.

16 “Neste [juízo pela consequência], a conclusão é uma só, ainda que as premissas não sejam verdadeiras. Uma vez postas estas, portanto, a conclusão decorre necessariamente (salvo erro grosseiro de raciocínio), como consequência implícita, sem qualquer acréscimo ou invenção. A lógica jurídica, diferentemente, é a da decisão e da escolha entre várias possibilidades; a lógica da preferência e não da consequência, revelando, pois, a sua índole voluntarista (o que não significa, de modo algum, irracional). A norma geral, assim como a decisão particular, não é objeto de demonstração, mas de justificação. No procedimento desta, o sujeito que comanda, interpreta ou decide contribui, necessariamente, para a solução dada, com a sua vontade e as preferências axiológicas, próprias ou da sociedade em que vive.” (COMPARATO, Fábio Konder. Reflexões sobre o método do ensino jurídico. Revista da Faculdade de Direito da USP LXXIV. São Paulo, 1979, p. 127)

17 SCHUARTZ, Luis Fernando. Consequencialismo jurídico, racionalidade decisória e malandragem. Revista de Direito Administrativo – RDA n. 248. Rio de Janeiro, 2008.

18 “A norma não é objeto de demonstração, mas de justificação. Por isso, a alternativa verdadeiro/falso é estranha ao direito; no direito há apenas o aceitável (justificável). O sentido do justo comporta sempre mais de uma solução, nenhuma exata.

Daí por que afirmo que a problematização dos textos normativos não se dá no campo da ciência: ela se opera no âmbito da prudência.” Ver: GRAU, Eros. Por que tenho medo dos juízes (interpretação/aplicação do direito e princípios). 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 65.

19 Não há espaço suficiente para comentar outras formas de consequencialismo, como as muito difundidas ideias de Neil MacCormick e o papel dos argumentos consequencialistas na solução de hard cases. Registramos, todavia, nossa concordância com a suspeita de se haveria utilidade nessa dualidade easy e hard cases, conforme presente na crítica de STRECK, Lenio. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 245-275. Adicionamos, ainda, que a maior parte dos casos relevantes em matéria tributária, quase sempre decidida por meio votação com maioria simples, como jocosamente relatamos em nossas aulas, é formada por decisões acerca do alcance de vocábulos tão prosaicos como: faturamento; folha de pagamentos; mercadorias; plástico versus papel; soluções alcalinas versus papel e por aí vai, cuja repercussão da decisão em torno da dúvida sobre os limites da competência tributária é de grande relevância acadêmica e, sobretudo, fiscal, por representarem teses bilionárias.

20 A controvérsia referia-se à legitimidade da exigência da contribuição ao SEBRAE – APEX – ABDI incidente sobre a folha de salários, nos moldes das Leis n. 8.029/1990, n. 8.154/1990, n. 10.668/2003 e n. 11.080/2004, ante a alteração promovida pela EC n. 33/2001 no art. 149 da Constituição Federal.

21 Com maiores informações: ANDRADE, José Maria Arruda de. Interpretação da norma tributária. São Paulo: MP, 2006, p. 61-76.

22 “[...] A propósito importa notar que, pela via da interpretação autêntica, quer dizer, da interpretação de uma norma pelo órgão jurídico que a tem de aplicar, não somente se realiza uma das possibilidades reveladas pela interpretação cognoscitiva da mesma norma, como também se pode produzir uma norma que se situe completamente fora da moldura, que a norma a aplicar representa”: KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. Trad. João Baptista Machado. Coimbra: Arménio Amado, 1984, p. 471.

23 KAUFMANN, Arthur. Problemgeschichte der Rechtsphilosophie. In: KAUFMANN, A.; HASSEMER, W. (org.). Einführung in Rechtsphilosophie und Rechtstheorie der Gegenwart. 6. ed. Heidelberg: C. F. Müller Juristischer, 1994, p. 136-7 e LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Trad. José Lamego. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997, p. 501.

24 Não atuamos profissionalmente nesse caso, que está sendo mencionado aqui por sua repercussão e pela Mesa de Debates do IBDT em que fomos convidados pelo Presidente da entidade, Ricardo Mariz de Oliveira, a tratar do tema, ao lado do colega e Professor Fernando Facury Scaff. Ata da Reunião de 01.10.2020 disponível em: https://ibdt.org.br/site/wp-content/uploads/2020/12/Integra_01102020.pdf.

25 Que utiliza tal elemento como BACKING. Ver: TOULMIN, Stephen. The uses of argument. Updated ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2008 e TOULMIN, Stephen; RIEKE, Richard; JANIK, Allan. An introduction to reasoning. 2. ed. Prentice Hall, 1994. Sobre o nosso uso desse instrumental, com aportes wittgensteinianos, ver ANDRADE, José Maria Arruda de. Da interpretação à argumentação jurídica: as armadilhas do essencialismo. A Constituição Cidadã e o direito tributário: estudos em homenagem ao Ministro Carlos Ayres Britto. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 285-308.

26 ANDRADE, José Maria Arruda de; BRANCO, Leonardo Ogassawara de Araújo. O apelo a argumentos extrajurídicos e ao art. 123 do CTN no combate ao planejamento tributário no âmbito do CARF: análise de casos envolvendo JCP e reserva de usufruto. Revista Direito Tributário Atual vol. 39. São Paulo: IBDT, 2018, p. 418-440.

27 A mesma decisão, contudo, poderia ser formulada em termos moralistas e consequencialistas, apelando para a injustiça de economia tributária de contribuintes que se valeram de artificialismos em detrimento da arrecadação global ou de outros contribuintes e, ao confrontar os cenários de resultados, optar pelo teste para não frustrar tais valores. Reitera-se, a forma como uma decisão é construída e justificada conta em matéria de interpretação de decisões.

28 ANDRADE, José Maria Arruda de. Consequencialismo e argumento de risco fiscal na modulação de efeitos em matéria tributária. Revista Direito Tributário Atual vol. 40. São Paulo: IBDT, 2018, p. 472-488.

29 Estamos cientes de que tal frase pode ser mal interpretada. Quando realizamos tal afirmação (extrapolação de sentido) não estamos aderindo, contraditoriamente, a um modelo representacionalista de linguagem, a definir o padrão de correção de uma determinada interpretação em bases semânticas. Quisemos afirmar, todavia, que leitores de textos fazem os seus juízos de semelhanças e dessemelhanças das decisões que consideram corretas e emitem os seus juízos, como o que fizemos, ao defender a incorreção da modulação no caso concreto da tese de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e COFINS, por conta da má gestão do risco fiscal pelo governo central federal no âmbito orçamentário (Consequencialismo e argumento de risco fiscal na modulação de efeitos em matéria tributária).

30 RORTY, Richard. A filosofia e o espelho da natureza. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995, p. 27.

31 RORTY, Richard. Contingência, ironia e solidariedade. Lisboa: Presença, 1994, p. 362.

32 “Se tivermos de expor nossos argumentos com completa imparcialidade lógica e compreender adequadamente a natureza ‘do processo lógico’, teremos, com certeza, de empregar um padrão de argumentos tão sofisticado, no mínimo quanto é necessário em Direito.” (TOULMIN, Stephen. Os usos do argumento. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 139)

33 TOULMIN, Stephen; RIEKE, Richard; JANIK, Allan. An introduction to reasoning. 2. ed. Prentice Hall, 1984, p. 136.

34 NEUMANN, Franz. Império do direito. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 399-400.

35 SCHMITT, Carl. La tiranía de los valores. Revista de Estudios Políticos n. 115. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, Enero/Febrero de 1961.