A Cobrança Antecipada de Diferencial de Alíquota de ICMS (“DIFAL Antecipatório”) e o Dever de Coerência no Julgamento do Tema n. 517 de RG do STF

The Charging in Advance of Differential Rate of Tax on Goods and Services (So-called ICMS “Antecipatory DIFAL”) and the Duty of Coherence in the Ruling of the Theme n. 517 of General Repercussion of the Supreme Court

Arthur M. Ferreira Neto

Mestre e Doutor em Direito (UFRGS). Mestre e Doutor em Filosofia (PUCRS). Professor de Direito Tributário na Faculdade de Direito da UFRGS. Vice-Presidente do Instituto de Estudos Tributários – IET. 2º Vice-Presidente do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais do Rio Grande do Sul – TARF/RS. E-mail: aferreiraneto@yahoo.com.br.

Recebido em: 30-8-2021

Aprovado em: 9-11-2021

Resumo

O presente artigo tem a finalidade de analisar a coerência no Julgamento do Tema n. 517 de RG do STF, o qual diz respeito à cobrança de diferencial de alíquota de ICMS das empresas optantes pelo Simples Nacional. Neste trabalho, serão abordados aspectos fundamentais acerca do “DIFAL” antecipatório, principalmente sob o escopo da jurisprudência recente do STF sobre questões constitucionais que possuem conexão direta com o Tema n. 517. Desse modo, a proposta é realizar uma análise da coerência e da consistência entre esses julgados, bem como avaliar a validade de tal cobrança antecipada na ordem constitucional vigente.

Palavras-chave: direito tributário, coerência, ICMS, DIFAL antecipatório, inconstitucionalidades.

Abstract

This paper aims to analyze the coherence in the ruling of the Theme n. 517 of General Repercussion of the Brazilian Supreme Court, which concerns the charging of differential rate of the Tax on Goods and Services to companies that opted for the Simplified Taxation System. In this study, the fundamental aspects of the anticipatory “DIFAL” will be addressed, mainly under the scope of the recent cases ruled by the Supreme Court on themes that have direct connection with Theme n. 517 of General Repercussion. Thus, the aim of this paper is to analyze the coherence and consistency between the reasons adopted by the Court in these cases, as well as to evaluate the conformity to Brazilian Constitutional order of such charging in advance of this tax imposition.

Keywords: tax law, coherence, tax on goods and services – ICMS, anticipatory DIFAL, unconstitutionalities.

Introdução

O presente artigo é reprodução parcial de Parecer Jurídico elaborado com o intuito de se analisar a coerência e consistência das razões de decidir adotadas pelo Pleno do Colendo Supremo Tribunal Federal ao se manifestar sobre a questão constitucional tratada no Recurso Extraordinário n. 970.821/RS (Tema 517 de RG). Com efeito, transcreve-se abaixo – com algumas adaptações – o teor do referido estudo:

Muito nos honra a solicitação apresentada pela Consulente, a qual, na qualidade de Amicus Curiae no Recurso Extraordinário n. 970.821/RS, com reconhecimento de Repercussão Geral, requer elaboração de Parecer Jurídico que venha a responder questionamentos relacionados à matéria jurídica apreciada pelo Colendo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do mencionado processo, em que se discute validade da cobrança antecipada de diferencial de alíquota de ICMS em operação interestadual (aqui denominado “DIFAL antecipatório”), prevista no art. 24, §§ 8º e 9º, da Lei Estadual n. 8.820/89-RS, das Micro e Pequenas empresas vinculadas ao Simples Nacional. Informa, ainda, que, em razão de possíveis omissões, contradições e obscuridades contidas no Julgado proferido pelo Excelso Pretório ao analisar o Tema de Repercussão Geral n. 517, pretende opor Embargos de Declaração naquele feito.

Assim sendo, com base nessas considerações iniciais, a Consulente, objetivamente, solicita sejam respondidos os questionamentos que estão reproduzidos nas Conclusões deste estudo.

1. Do dever de coerência entre precedentes vinculantes proferidos pela Corte Suprema

Um sistema jurídico – ao se caracterizar como conjunto de normas vinculantes que pretende coordenar a ação humana em sociedade – somente será considerado legítimo e razoável se o seu conteúdo puder ser adequadamente compreendido e comunicado aos seus destinatários, repudiando-se, pois, a transmissão de comandos prescritivos contraditórias e incongruentes que dificultam ou inviabilizam um agir intencional e consciente por parte daqueles que apenas desejam respeitar o direito. Essa necessidade de compreensão clara dos comandos jurídicos vigentes, como pré-requisitos de legitimação e de aceitabilidade de qualquer ordem jurídica, cria deveres de coesão e harmonia sistêmica a serem observados e respeitados por todos os operadores do direito, o que impede que uma disposição jurídica venha a assumir, aleatória e casuisticamente, qualquer conteúdo que possa ser desejado por aquelas autoridades investidas de poder.

Dentre essas exigências hermenêuticas que preservam a higidez e a racionalidade do ordenamento jurídico está o dever de coerência, o qual impõe que a atribuição de sentido às normas jurídicas observe o maior grau possível de coesão, de integridade e de compatibilidade relacional entre os termos presentes no sistema jurídico vigente, sendo, de outro lado, sempre reprovável (ou até inaceitável) a adoção de um caminho interpretativo que admita a presença de comandos ou decisões que manifestem conteúdo, entre si, antinômico, contraditório ou inconsistente1. Tal dever exegético necessita ser observado por todos os operadores do direito, seja quando exerçam funções legiferantes, ou seja, ao criar novo conteúdo jurídico geral e abstrato, seja atuando como aplicador do direito ao caso, ou seja, quando se dedicam a dar a melhor interpretação ao textos positivados na tentativa de resolver conflitos concretos2.

Em termos epistemológicos, a coerência jamais será critério definitivo de retidão ou de acerto da decisão jurídica que tenha sido adotada, na medida em que ela representa exigência teórica (i) meramente formal, (ii) sintática e (iii) de apreciação negativa. É meramente formal, pois a coerência apenas trabalha com a análise estrutural das proposições que já estão presentes em um sistema, as quais são assumidas e contrapostas pelo seu valor de face, sem que seja necessário realizar um juízo veritativo acerca do conteúdo de cada desses enunciados. Transita apenas no plano sintático da linguagem, uma vez que se preocupa tão somente com o modo de associação e interação dos diferentes enunciados presente no sistema, analisando a validade lógica com que esses dados são combinados e relacionados de modo a alcançar uma conclusão válida, sem que – nesse momento – tenha que se dedicar a esforços semânticos de definição dos termos constantes de cada disposição. Por fim, pressupõe uma análise de dimensão negativa (e não necessariamente afirmativa), pois a coerência trabalha para expurgar as inconsistências manifestadas entre as diferentes proposições que estão contidas no sistema, considerando a coesão global do conjunto das proposições e não cada uma em isolamento, motivo pelo qual as suas premissas, constatações, raciocínios jamais poderão implicar conclusões entre si contraditórias (e.g., “S e não S”)3.

No entanto, tais considerações não devem ser tomadas para minorar a importância do dever de coerência dentro do sistema jurídico, já que ele representa um critério norteador na criação, na interpretação e na aplicação do direito, sendo indispensável não apenas para se preservar a segurança jurídica, mas também se garantir tratamento isonômico entre os cidadãos que sofrerão os efeitos das diferentes disposições normativas em disputa.

Relativamente à preservação da segurança jurídica, o dever de coerência “contribui para a cognoscibilidade e para a calculabilidade do ordenamento jurídico: como as normas não podem entrar em desacordo umas com as outras, as alternativas semânticas possíveis ficam reduzidas àquelas que sejam compatíveis com as normas axiologicamente sobrejacentes; como a aplicação dessas normas não pode contradizer as soluções anteriormente dadas, o cidadão pode, com maior grau de aproximação, antecipar as consequências futuras a serem atribuídas aos atos que venha a praticar”, razão pela qual se pode concluir que “o nível de congruência e de harmonia entre as proposições normativas faz parte do princípio da segurança jurídica”4. Já em relação ao respeito à isonomia, a observância de coerência e consistência na produção das leis e na prolação de decisões judicias é o que garante, ao menos formalmente, a manutenção da unidade do ordenamento jurídico (i.e., rejeita-se a possibilidade de convivência de múltiplos sistemas jurídicos contraditórios, os quais poderiam estar disputando espaço de aplicação) e a conformação à ideia de aplicação uniforme do mesmo direito a casos que mantiverem semelhança ou simetria5.

Atualmente, esse dever hermenêutico de coerência encontra-se expressamente consagrado no texto positivo de nosso Código de Processo Civil, o qual, no seu art. 926, de forma bastante emblemática fez constar:

“Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.”

Pois bem, feitas essas considerações preliminares, pretende-se neste Parecer analisar os recentes Julgados do Colendo Supremo Tribunal Federal, todos revestidos de Repercussão Geral, nos quais se apreciou a validade de determinadas disposições legais que regulam a cobrança por parte dos Estados-membros da Federação do diferencial de alíquota de ICMS em operações interestaduais (“DIFAL”), dando ênfase especial aos fundamentos utilizados pelos Exmos. Ministros da Suprema Corte no recente julgamento do Recurso Extraordinário n. 970.821/RS (Tema n. 517 de RG), de modo a averiguar a coerência e consistência dos pressupostos adotados e das conclusões alcançadas nesse feito diante das razões de decidir que foram consagradas no Recurso Extraordinário n. 598.677/RS (Tema n. 456 de RG), no Recurso Extraordinário n. 1.287.019 (Tema n. 1.093 de RG) e nas ADIs n. 5.464 e n. 5.469.

Assim, primeiramente, vejamos o objeto dos referidos julgados vinculantes, bem como as razões de decidir adotadas pela Colenda Suprema Corte nesses casos.

2. Dos recentes julgados vinculantes do STF em matéria de Diferencial de Alíquotas de ICMS (“DIFAL”) em operações interestaduais

2.1. Inconstitucionalidade do Convênio CONFAZ n. 93/2015 que regulamentou o “DIFAL” exigido de Consumidor final, tendo em vista a ausência de lei complementar (Tema RG n. 1.093)

No Recurso Extraordinário n. 1.287.019 (Tema n. 1.093 de RG) e nas ADIs n. 5.464 e n. 5.469, o Colendo Supremo Tribunal Federal analisou a constitucionalidade das disposições normativas introduzidas pelo Convênio ICMS n. 93/2015 do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), o qual pretendeu regular as hipóteses de cobrança de diferencial de alíquota de ICMS em operações interestaduais que possuem destinatários “consumidores finais”, tendo em vista a nova redação dada pela Emenda Constitucional n. 87/2015 ao art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, da CRFB/1988. Em tais julgamentos, o Excelso Pretório apreciou a legitimidade da cobrança adicional de ICMS em operações interestaduais de venda de mercadoria e prestação de serviço em que o contribuinte remetente desses bens participa de negócio jurídico com “consumidor final” – seja ele contribuinte habitual do imposto ou não – localizado em outro Estado da Federação.

De acordo com o paradigma constitucional anterior àquele projetado pela EC n. 87/2015, o montante total do ICMS devido nas operações interestaduais era arrecadado integralmente pelo Estado de origem quando o destinatário fosse não contribuinte do ICMS, o que provocava expressivo desequilíbrio na repartição de receitas tributárias arrecadadas entre aqueles entes federativos considerados centros produtores e aqueles considerados focos de consumidores. Com efeito, a partir da inovação constitucional trazida pela EC n. 87, tais receitas passaram a ser divididas de modo mais equânime entre os dois sujeitos ativos, por meio da técnica de tributação do diferencial de alíquota calculado entre a alíquota interestadual e interna (“DIFAL”).

Com base nessa moldura constitucional, veio a ser editado o Convênio CONFAZ n. 93/2015, o qual pretendeu regulamentar a exigência do referido “DIFAL” tanto das empresas em geral (Cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta), quanto das empresas optantes do Simples Nacional (Cláusula nona)6. Foi a validade desse ato normativo – criado por meio de deliberação consensual dos entes tributantes estaduais – que veio a ser, portanto, analisada pela Corte Suprema no RE n. 1.287.019 e nas ADIs n. 5.464 e n. 5.469, tendo, em apertada síntese, sido decidido o seguinte:

i) Cabe à lei complementar nacional dispor sobre conflitos de competências tributárias quando a legislação regional de ICMS, editada por cada Estado, puder gerar antinomias ou antagonismos interpretativos, de modo que, nesses casos, não há se invocar a competência legislativa concorrente prevista no art. 24 da CRFB/1988;

ii) Assim, especificamente no caso do ICMS e da exigência de diferencial de alíquotas em operações interestaduais, o potencial conflito federativo estaria evidenciado, motivo pelo qual teria incorrido em inconstitucionalidade formal o mencionado Convênio CONFAZ n. 93/2015, pois tal ato normativo teria invadido a competência reservada à lei complementar;

iii) Com isso, restou fixada a Tese Vinculante (Tema n. 1.093 de RG) que afirma: “A cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais”;

iv) Quanto às empresas optantes do Simples Nacional, na ADI n. 5.469, reconheceu-se que a LC n. 123/2006 fixou um tratamento diferenciado em relação ao “DIFAL” do ICMS exigido dessa classe de contribuintes, impondo, nesse caso, um recolhimento superior àquele exigido das empresas da categoria geral7. No entanto, mesmo que o regime simplificado de tributação não corresponda à “desoneração das obrigações fiscais”, teria a Cláusula Nona do referido Convênio desrespeitado o mandamento constitucional que exige tratamento favorecido a empresas optantes do Simples Nacional, tendo assim invadido, novamente nesse ponto, a competência reservada à lei complementar e contrariado a LC n. 123/2006.

Tais razões de decidir adotadas pelo Tribunal Constitucional, nesse caso, serão de grande relevância para se verificar a sua coerência e congruência com os fundamentos decisórios utilizados pela mesma Corte quando do julgamento do Recurso Extraordinário n. 970.821/RS (Tema n. 517 de RG), objeto próprio deste Parecer, no qual também se analisou a possibilidade de se exigir – especificamente das empresas optantes do Simples Nacional – outra modalidade de diferencial de alíquota de ICMS.

2.2. Inconstitucionalidade de lei estadual que promove delegação em branco ao Poder Executivo para criar hipótese de antecipação no recolhimento de “DIFAL” (Tema n. 456)

No Recurso Extraordinário n. 598.677/RS (Tema de Repercussão Geral n. 456), a Suprema Corte analisou a constitucionalidade de dispositivos da legislação tributária do Estado do Rio Grande do Sul (Lei Estadual n. 8.820/1989) que regulam a modalidade de antecipação do ICMS, sem substituição tributária, a ser recolhido nas operações interestaduais. No caso concreto, estabelecimento comercial gaúcho, enquanto adquirente de mercadorias advindas de outros Estados da Federação, insurgiu-se contra o dever de recolher antecipadamente uma espécie de diferencial de alíquota de ICMS, conforme previsto no Decreto Estadual n. 40.900/1991. Argumentou, de outro lado, o Estado do Rio Grande do Sul que o sistema de cobrança antecipado previsto pelo Decreto Estadual não se confundiria com o elemento temporal do fato gerador do ICMS, pois, na verdade, a exigência antecipada de “DIFAL” apenas estaria dispondo sobre o prazo de recolhimento da exação. Diante disso, defendeu que seria inexigível a observância da reserva legal para a fixação de prazo para recolhimento do tributo, de modo que o Decreto estadual teria respeitado a Constituição.

No entanto, tal linha de intepretação veio a ser, expressamente, rejeitada pelo Excelso Pretório. Isso porque, conforme restou definido no Voto do Exmo. Ministro Relator Dias Toffoli, antes da ocorrência do fato gerador não há obrigação tributária, motivo pelo qual não há que se falar em simples regulamentação de prazo de pagamento de tributo. Com isso, decidiu a Suprema Corte que a técnica de antecipação do fato gerador diz respeito ao surgimento da obrigação tributária e não ao momento da efetiva quitação desse vínculo obrigacional, razão pela qual esse ato antecipatório reporta-se ao critério temporal da hipótese de incidência, o qual, por ficção, antecipa o fato gerador da exação que ainda virá a ocorrer. Assim, de acordo com a concepção do Exmo. Ministro Relator – acatada pelo restante da Corte – essa técnica antecipatória de tributação encontra amparo na regra geral prevista no art. 150, § 7º, da Constituição Federal, a qual apresenta, como única exigência formal, a previsão de que as hipóteses de antecipação estejam detalhadas em lei ordinária. Por outro lado, nos casos em que houver antecipação de pagamento com substituição tributária do ICMS, o regramento constitucional é distinto, pois aí há necessidade de edição de lei complementar, conforme art. 155, § 2º, inciso XII, alínea “b”8, da Constituição Federal.

No caso concreto, entendeu a Suprema Corte que a lei tributária gaúcha, não obstante mencionasse a possibilidade de cobrança antecipada de parte de ICMS em operações interestaduais (por exemplo, o art. 24, § 7º, na Lei Estadual n. 8.820/19899), teria incorrido em previsão genérica e indeterminada, a qual tão somente concedia delegação em branco ao Poder Executivo, autorizando-o a criar de modo irrestrito (“sempre que houver necessidade ou conveniência”) a possibilidade de exigir o recolhimento antecipado do diferencial do ICMS.

Partindo-se dessas premissas, entendeu o Tribunal Constitucional que apenas lei em sentido formal poderia disciplinar exigência de pagamento antecipado de diferencial de alíquotas em operações interestaduais, uma vez que a ocorrência do fato gerador é um dos aspectos da regra-matriz de incidência tributária, sendo inválidos os decretos gaúchos que tiveram a pretensão de criar, de modo inovador, casos específicos dessas exigências tributárias antecipatórias.

Consequentemente, acordaram os Ministros, por unanimidade, e nos termos do voto do Ministro Relator, na data de 29 de março de 2021, em fixar a seguinte Tese para o Tema RG n. 456: “a antecipação, sem substituição tributária, do pagamento do ICMS para momento anterior à ocorrência do fato gerador necessita de lei em sentido estrito. A substituição tributária progressiva do ICMS reclama previsão em lei complementar federal”.

Em resumo, a Corte Constitucional, ao fixar a Tese de RG n. 456, consolidou os seguintes pressupostos jurídicos a ser observados pelos Estados, quando esses pretendem exigir antecipadamente o valor correspondente a diferencial de alíquota de ICMS em operações interestaduais, em hipóteses distintas daquelas previstas no art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, da CRFB/1988, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 87/2015:

a) Uma regra que cria hipótese de pagamento antecipado de diferencial de alíquota de ICMS em operação interestadual estará modificando o aspecto temporal do tributo e não o seu prazo de recolhimento10;

b) A técnica da antecipação de pagamento de “DIFAL” representa mecanismo por meio do qual o ente tributante estadual está alterando, por meio de ficção, o momento da ocorrência do fato gerador, o qual, não fosse tal mecanismo antecipatório, iria se materializar apenas quando de posterior ocorrência de circulação de mercadoria ou prestação de serviço11;

c) Sendo questão que envolve alteração de aspecto temporal do ICMS, admite-se a especificação do conteúdo jurídico apenas por lei em sentido formal, não se permitindo que tal seja realizado autonomamente por meio de Decreto estadual12;

d) Do mesmo modo, representa violação à legalidade tributária a tentativa de o legislador estadual incluir no texto de lei apenas previsão genérica e indeterminada, prevendo a possibilidade de antecipação de DIFAL, de modo a promover delegação em branco ao Poder Executivo para criar, por Decreto, as hipóteses específicas dessa cobrança13; e

e) Em se considerando o art. 150, § 7º, da CRFB/1988 como o seu fundamento constitucional, não há necessidade de edição de lei complementar específica para regular a matéria de antecipação do ICMS, bastando, para tanto, lei ordinária14.

2.3. Validade da antecipação na cobrança de “DIFAL” das empresas do Simples Nacional e a proibição no aproveitamento do correspondente crédito (Tema n. 517)

Considerando que o objetivo primário do presente Parecer consiste em analisar os fundamentos jurídicos utilizados pelo Colendo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE n. 970.821/RS (Tema n. 517 de RG), especialmente com o intuito de se avaliar a coerência e consistência das razões de decidir adotadas neste caso diante dos pressupostos fixados pela Corte nos Julgados vinculantes acima mencionados, mostra-se necessário, neste momento, detalhar o teor dos Votos proferidos na formação desse Acórdão, em relação ao qual pretende a Consulente opor Embargos de Declaração.

Com efeito, mantendo direta pertinência temática com a questão constitucional discutida no Recurso Extraordinário n. 598.677/RS (Tema n. 456 de RG), discute-se, neste feito, a validade do mesmo art. 24 da Lei n. 8.820/1989 do Estado do Rio Grande do Sul tratado naquele outro processo, o qual, como se viu, prevê hipótese de antecipação no dever de recolher diferencial de alíquota de ICMS em operações interestaduais, não com “consumidores finais”, mas sim nas situações em que se presume que haverá uma operação subsequente de circulação daquela mercadoria que foi recebida de outra unidade da Federação (i.e., posterior revenda). Ocorre que, no Tema n. 456 de RG, a casuística trazida à Corte no respectivo Recurso Extraordinário focou no § 7º do mencionado art. 24 da Lei gaúcha, enquanto que, neste caso concreto, a discussão pautou-se nos §§ 8º e 9º do mesmo dispositivo legal, bem como no art. 46, § 4º, do Regulamento do ICMS-RS.

Assim, mesmo que os dispositivos legais que foram objeto de apreciação pela Suprema Corte nos dois casos estivessem em parágrafos distintos da mesma lei tributária estadual, a técnica de tributação de ICMS submetida ao escrutínio do Tribunal era precisamente a mesma. De outro lado, conforme será ainda demonstrado, a matéria julgada nessas duas Repercussões Gerais (n. 456 e n. 517) não manifestava nenhuma relação direta ou necessária com o modelo de repartição de receita de ICMS estabelecido no art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, da CRFB/1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 87/2015 (matéria objeto do Tema n. 1.093 de RG), até porque nesses casos não estão sendo tratadas operações interestaduais em que o destinatário seja um “consumidor final” do respectivo ciclo produtivo. Além disso, o elemento particular que diferencia a abrangência da matéria jurídica enfrentada no Tema n. 456 e no Tema n. 517 de RG está no fato de o segundo processo envolver a aplicação da técnica de cobrança antecipada do chamado “DIFAL” especificamente das empresas que aderiram ao Simples Nacional, as quais, nos termos do art. 23 da LC n. 123/2006 estão proibidas de apropriar créditos referentes a tributos vinculados ao regime simplificado de tributação15. Exatamente por isso, nas razões recursais, defendeu o contribuinte, empresa optante do Simples Nacional localizado no Estado do Rio Grande do Sul (Jefferson Schneider de Barros & Cia Ltda – ME), que a cobrança antecipada dessa espécie de “DIFAL” violaria os arts. 5º, II; 145, § 1º; 146, III, “a” e “d”; 150, I, II, V e § 7º; 152; 155; 170, IX; e 179 todos da CRF/1988.

Pois bem, assim demarcada a lide trazida no RE n. 970.821/RS (Tema n. 517 de RG), o Colendo Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária virtual, de 30 de abril a 11 de maio de 2021, por muito apertada maioria (6X5)16, veio a reconhecer a plena validade da lei estadual que previa a exigência de antecipação de “diferencial de alíquota” de empresas optantes do Simples Nacional, tendo-se fixado a seguinte Tese: “É constitucional a imposição tributária de diferencial de alíquota do ICMS pelo Estado de destino na entrada de mercadoria em seu território devido por sociedade empresária aderente ao Simples Nacional, independentemente da posição desta na cadeia produtiva ou da possibilidade de compensação dos créditos.”

Considerando a complexidade da matéria e os pontos de vista antagônicos (e de difícil conciliação) que vieram a ser adotados pelos Exmos. Ministros da Corte nesse julgamento, mostra-se relevante uma breve síntese das razões de decidir que vieram a ser externadas neste caso.

Comecemos, pois, pelo Voto do Exmo. Ministro Edson Fachin, Relator desse julgado. Em sua compreensão, a técnica de antecipação na cobrança do “DIFAL”, tal como previsto na lei tributária do Rio Grande do Sul, poderia ser esclarecida nos seguintes termos: “[o] diferencial de alíquota consiste em recolhimento pelo Estado de destino da diferença entre as alíquotas interestadual e interna, de maneira a equilibrar a partilha do ICMS em operações entre entes federados”, de modo que “[c]omplementa-se o valor do ICMS devido na operação”, havendo “a cobrança de um único imposto (ICMS) calculado de duas formas distintas, de modo a alcançar o valor total devido na operação interestadual”.

Tal importante excerto do Voto condutor deixa claro que o reconhecimento da constitucionalidade da exigência da antecipação do diferencial de alíquota, tal como previsto nos §§ 8º e 9º do art. 24 da Lei Estadual n. 8.820/1989, estaria pressupondo que essa técnica de tributação seria legítima enquanto instrumento fiscal de repartição equânime da arrecadação do ICMS entre os Estados-membros da Federação, de modo que essa antecipação não passaria de uma espécie de exigência parcial do ICMS a ser rateado em operações interestaduais entre Estado fornecedor e Estado consumidor17. No entanto, cabe desde já destacar que – data maxima venia – o Tema n. 517 de RG não abarca, no seu mérito, a discussão acerca da higidez da metodologia de cobrança do ICMS a ser dividido entre dois Estados em operações interestaduais com “consumidores finais”, tal como previsto no art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, da CRFB/1988. Ora, conforme se verá, o art. 24 da Lei n. 8.820/1989 do Estado do Rio Grande do Sul nenhuma relação possui com essa técnica constitucional de tributação, já que esse dispositivo da lei gaúcha apenas dispõe sobre hipóteses de antecipação no pagamento do ICMS incidente sobre operações subsequentes que serão praticadas dentro do âmbito da sua própria competência, pretendendo, com isso, exigir do contribuinte, nesses casos, o recolhimento adiantado do imposto estadual devido apenas a esse ente tributante, em razão de fato gerador presumido que deverá se comunicar com futura operação real de circulação de mercadoria.

Pois bem, foi partindo dessa premissa – a qual, respeitosamente, entendemos não se mostra adequada nem compatível com os dispositivos legais em discussão nesse caso – que o Exmo. Ministro Fachin veio a concluir que:

i) Não haveria vício formal a ser reconhecido, já que a “Lei Complementar 123/2006 expressamente autoriza a cobrança de diferencial de alíquota mediante antecipação do tributo em seu art. 13, § 1º, XIII, g, 2, e h”;

ii) Seria legítima a proibição legal no “direito ao abatimento [do crédito referente ao imposto pago em antecipação], desde que em prol da racionalidade do regime diferenciado e mais favorável ao micro e pequeno empreendedor, bem como lastreado em finalidades com assento constitucional, como é o caso da promoção do federalismo fiscal cooperativo de equilíbrio e da continuidade dos pilares do Estado Fiscal”;

iii) O tratamento tributário benéfico garantido na Constituição às micro e pequenas empresas teria sido atendido no caso, na medida em que a lei estadual teria concedido às optantes do Simples Nacional a possibilidade de recolher a antecipação desse “diferencial de alíquota” em prazo mais dilatado, caso comparado com a antecipação a ser cumprida pelas demais empresas;

iv) Não seria razoável permitir que as empresas optantes do Simples Nacional tivessem o direito de apropriar crédito referente ao valor do suposto “DIFAL” recolhido em antecipação, uma vez que isso representaria uma forma de “adesão parcial ao regime simplificado”, uma espécie de “regime híbrido”, em que se pretenderia garantir, de um lado, a vantagem do pagamento centralizado e com menor carga das obrigações tributárias e, simultaneamente, de outro, o “não recolhimento de diferencial de alíquota nas operações estaduais”.

Ocorre que todas essas conclusões alcançadas pelo Exmo. Ministro Edson Fachin partem do pressuposto de que o art. 24 da Lei n. 8.820/1989 do Estado do Rio Grande do Sul estaria efetivamente regulando situações de cobrança do ICMS a ser dividido entre os Estados remetentes e destinatários em operações interestaduais, situação essa que buscaria suporte no art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, da CRFB/1988, não havendo se falar em operação subsequente de circulação de mercadoria. Portanto, caso demonstrado que tal pressuposto não se sustenta no presente caso, haveria razão suficiente, por lógica, para se revisitar e, talvez, revisar as conclusões acima listadas.

Além disso, não se pode deixar de referir que tais dificuldades na identificação do funcionamento e da abrangência do mecanismo de antecipação de diferencial de alíquota de ICMS prevista no art. 24 da Lei estadual n. 8.820/1989 também foram sentidas por outros Ministros do Tribunal Supremo, conforme se pode identificar na transcrição dos debates ocorridos durantes esse julgamento18. Tais manifestações podem ser lidas como indícios de que os Exmos. Ministros do Colendo Supremo Tribunal Federal adotaram pontos de partida constitucionais distintos e, entre si, incompatíveis, na medida em que não houve uma prévia consensualização entre todos os Membros da Corte acerca de qual método específico de cobrança de “diferencial de alíquota” estaria sendo discutido no RE n. 970.821/RS.

Tanto é verdade que o Voto do Exmo. Ministro Alexandre de Moraes, o qual abriu divergência ao entendimento do Ministro Relator, partiu do pressuposto de que o art. 24 da Lei estadual n. 8.820/1989, ao prever a hipótese de antecipação no pagamento de “DIFAL”, estaria buscando seu suporte de validade no art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, da CRFB/1988, com a redação dada pela EC n. 87/201519, de modo que, em sua visão, nas duas hipóteses reguladas por essa norma constitucional (i.e., operações interestaduais com “consumidor final” contribuinte e não contribuinte) não poderiam as empresas optantes do Simples Nacional sofrer essa oneração diferenciada. Aparentemente, a mesma pressuposição de que se estaria, neste caso, analisando hipótese de “DIFAL” abarcado pelo art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, da CRFB/1988 também foi adotada pela Ministra Rosa Weber em seu Voto20, ao acompanhar a posição da Relatoria.

De outro lado, não se poderia deixar de completar a já longa (mas necessária) narrativa deste julgamento sem fazer menção aos Votos dos Exmos. Ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, os quais foram proferidos após solicitação de vistas, em 2018, para melhor deliberação sobre as particularidades do caso. Em nossa compreensão, ambos os Votos vieram a identificar, com clareza, o efetivo objeto de discussão do RE n. 970.821/RS, de modo a apontar que a Corte estaria, possivelmente, promovendo uma apreciação mesclada de duas situações jurídicas essencialmente distintas, mesmo que mantivessem alguns elementos em comum. Dada a importância dessa distinção entre regimes de cobrança de “diferencial de alíquota”, pede-se, aqui escusas para transcrição mais extensa dos seguintes excertos dos Votos dos referidos Ministros:

“Para enfrentar o caso, é preciso ter em mente duas situações distintas: 1ª) aquisição de bem ou mercadoria em outro estado por empresa optante do Simples Nacional na qualidade de consumidora final contribuinte do imposto; 2ª) aquisição de bem ou mercadoria em outro estado por empresa optante do Simples Nacional para posterior revenda.

Na primeira situação, o ICMS devido pela adquirente é o atinente ao diferencial de alíquotas a que se refere o art. 155, § 2º, VII, a, da CF/88, com sua redação originária, ou o art. 155, § 2º, VIII, a, da CF/88, com a redação dada pela EC nº 87/15.

Na segunda, o ICMS devido pela adquirente é aquele que surge em função da operação de revenda. A lei complementar previu que esse imposto seria correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual, vedando qualquer agregação de valor. Não se trata aqui do mesmo diferencial de alíquotas a que se referem aqueles dispositivos constitucionais acima citados. Trata-se de outra hipótese. O presente caso se enquadra na segunda situação, estando alcançado pela alínea g acima destacada.” (Excerto de Voto do Ministro Dias Toffoli – destaques nossos)

“Portanto, as técnicas de equalização da divisão do ICMS podem ser assim sintetizadas: I) em se tratando de operações interestaduais que destinem bens ao consumidor final, caracterizadas pelo encerramento da cadeia de produção, o imposto correspondente à aplicação da alíquota interestadual caberá ao Estado de origem e, simultaneamente, surgirá a obrigação de recolhimento do diferencial de alíquota em benefício do Estado em que se localiza o adquirente; e II) para os casos em que o adquirente compõe elo intermediário da cadeia produtiva, a empresa fornecedora pagará imposto calculado pela alíquota interestadual em benefício do Estado produtor e, em um momento posterior, quando ocorrer novo fato gerador de ICMS, o adquirente pagará ICMS calculado pela alíquota interna ao Estado consumidor.

Na presente demanda, a recorrente, empresa optante pelo Simples Nacional, desafia lei estadual que, no interesse da arrecadação, antecipa o ICMS devido na operação subsequente para o momento de ingresso das mercadorias no território do Estado. Trata-se, portanto, de legislação relacionada a situações em que as mercadorias adquiridas não se destinam ao uso, ao consumo ou à formação do ativo fixo da adquirente, ou seja, para os casos em que não há encerramento da cadeia produtiva.” (Excerto de Voto do Ministro Gilmar Mendes – destaques nossos)

Com efeito, partindo-se dessa demarcação no objeto da questão constitucional disputada nesse Recurso Extraordinário, vieram tais Ministros a concluir que (a) o regime de antecipação de ICMS, sem substituição tributária, não dependeria de lei complementar, bastando a lei ordinária do Estado para criar hipóteses de utilização dessa técnica de cobrança antecipada de imposto; (b) o art. 24, § 8º, da Lei Estadual n. 8.820/1989 não teria cometido delegação em branco ao Poder Executivo e, por isso, estaria em plena compatibilidade com o decidido no Tema n. 546 de RG do STF; e (c) não haveria, em relação às empresas do Simples Nacional, qualquer vício na proibição ao aproveitamento do crédito referente ao ICMS pago em antecipação, uma vez que tal vedação contaria com previsão expressa na LC n. 123/2006.

Tendo em vista a possibilidade de os Exmos. Ministros da Corte Suprema terem partido de perspectivas distintas acerca da natureza e dos objetivos do regime de cobrança do “diferencial de alíquota de ICMS” sendo efetivamente apreciado no RE n. 970.821/RS (Tema n. 517 de RG), de modo que podem ter adotado pressupostos normativos também distintos (e talvez inconciliáveis entre si), impõe-se dedicar, neste Parecer, algumas breves considerações que visam definir e separar, de modo didático, esses dois sistemas de tributação, especialmente em razão da polissemia no uso da expressão “DIFAL”, a qual vem provocando inúmeras dificuldades e falhas de comunicação dentre os mais variados operadores do direito tributário.

3. Polissemia no uso da expressão “DIFAL” e a substancial diferença nas sistemáticas de cobrança de Diferencial de alíquotas de ICMS em operações interestaduais

Delineados os pressupostos normativos e os argumentos utilizados nos mais atuais julgados vinculantes do Colendo Supremo Tribunal Federal envolvendo a cobrança de diferencial de alíquota de ICMS, mostra-se necessário esclarecer os múltiplos cenários jurídicos em que os Fiscos estaduais passaram a exigir do contribuinte prestações tributárias que acabaram recebendo o rótulo de “DIFAL”, mormente considerando que se popularizou o uso dessa expressão em contextos jurídicos bastante diversos, os quais, muitas vezes, provocam situações de confusão e de imprecisão terminológica. Tais impropriedades conceituais vieram não apenas a direcionar alguns Governos Estaduais no cometimento de equívocos comunicativos em relação a recentes mudanças na legislação tributária de ICMS21, mas também acabaram influenciando os raciocínios jurídicos desenvolvidos por alguns integrantes da Suprema Corte quando do julgamento, mais recente, do Recurso Extraordinário n. 970.821/RS (Tema n. 517 de RG).

Assim, para se evitar equívocos discursivos que podem ocorrer quando se invoca uma mesma expressão jurídica para dois cenários de aplicação bastante distintos, impõe-se detalhar, com máxima precisão, o fundamento constitucional, o modo de funcionamento da técnica de tributação e os objetivos almejados em cada situação em que haja o uso habitual do termo “diferencial de alíquota de ICMS” ou da sua abreviação mais comum “DIFAL”. Vejamos.

3.1. O “DIFAL” constitucional (venda interestadual a consumidor final sem operação subsequente)

Para o esclarecimento da natureza jurídica e dos objetivos almejados pela técnica de tributação denominada “Diferencial de Alíquota de ICMS em operação interestadual” (“DIFAL”), mormente considerando a polissemia no uso dessa expressão22, impõe-se iniciar a análise desse instituto jurídico pela hipótese que se encontra prevista de modo expresso, claro e incontroverso no texto da Constituição da República de 1988.

Desde a sua redação original, a Constituição Brasileira de 1988 fixou uma regra de competência tributária específica para o tratamento da forma de apuração do ICMS nas operações interestaduais de circulação de mercadorias e prestação de serviços abarcadas por esse imposto estadual. Tal se deu por meio da primeira versão textual dos incisos VII e VIII do § 2º do art. 155 da CRFB/1988, os quais dispunham:

“Artigo 155, § 2º: [...]

VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:

a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;

b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;

VIII – na hipótese da alínea a do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;”

Como se vê, tais dispositivos constitucionais, inicialmente, tinham apenas a pretensão de prever os critérios de fixação das alíquotas incidentes em operações interestaduais envolvendo o chamado “consumidor final” que fosse sediado ou tivesse residência em Estado distinto daquele em que ocorrido a saída da mercadoria ou dado início a prestação de serviço. Nesses termos, o “consumidor final”, conceitualmente, estaria presente em compras de bem ou serviço, em relação às quais não houvesse qualquer intenção de se promover uma operação econômica subsequente, podendo abarcar a situação:

i) tanto de contribuinte habitual desse imposto, quando esse não for praticar uma revenda desse bem, por exemplo, como é o caso de aquisição para uso e consumo no processo produtivo ou para integração a ativo imobilizado;

ii) quanto daquele que não é contribuinte habitual do ICMS (i.e., um “não comerciante” em sentido amplo), ou seja, uma pessoa física ou jurídica posicionada, de modo contingente, na última etapa econômica de transação de bem disponível no mercado, o qual se pretende apenas aproveitar e usufruir.

Em relação a essas duas possibilidades jurídicas de “consumidor final”, o texto original do inciso VII acima transcrito tão somente estabelecia que o Estado de origem (i.e., o remetente do bem ou serviço) deveria exigir o ICMS do seu contribuinte natural (i.e., o praticante dessa operação de saída de estabelecimento empresarial localizado naquele Estado) pela alíquota interestadual no primeiro caso de “consumidor final” e pela alíquota interna no segundo caso. A alíquota interna é aquela fixada por lei estadual e que segue percentuais variáveis eleitos conforme as políticas fiscais e necessidades arrecadatórias de cada ente subnacional (normalmente algo em torno de 17%). Já as alíquotas interestaduais são definidas por Resolução do Senado Federal e assumem percentuais, em regra, menores (12%, 7% e 4%) que as alíquotas definidas por cada Estado23. Veja-se, com base nisso, que esse primeiro dispositivo constitucional nada dispõe sobre cobrança de diferencial de alíquota do ICMS.

De outro lado, o inciso VIII, em sua redação original, veio a prever, sim, um ônus tributário adicional de ICMS a ser exigido em operações interestaduais e que seria devido ao Estado de destino, o qual, não fosse tal técnica de repartição de receita, não seria titular para a apuração de imposto relativamente a uma saída de mercadoria ou prestação de serviço que tivesse iniciado em outro ente federativo. Nesse caso, portanto, o Estado de destino fica autorizado a exigir uma fração do imposto devido, correspondente à diferença entre a alíquota interna incidente na origem dessa operação econômica (e.g., 17%) e a alíquota interestadual definida pelo Senado (e.g., 12%).

Como se vê, tem-se aqui a tradicional hipótese de cobrança do chamado “DIFAL”. No entanto, essa primeira versão do texto constitucional apenas previu a possibilidade de exigência do chamado “DIFAL” por parte do Estado de destino quando o “consumidor final” fosse contribuinte efetivo do ICMS. De outro lado, nada seria devido a tal título se o adquirente fosse alguém que não tivesse o hábito de recolher tal imposto estadual, de modo que, nesses casos, caberia apenas a cobrança da alíquota interna pelo Estado de origem, o qual absorveria toda a arrecadação do ICMS nessa operação.

Ocorre que, como bem se sabe, tal lacuna constitucional fazia com que os Estados considerados “consumidores” (em tese, considerados mais pobres) não participassem da divisão da receita global do ICMS nas operações interestaduais em que bens e serviços fossem consumidos, no território do destinatário, por adquirentes não qualificados como contribuintes desse imposto, o que ocorre, normalmente, no caso de compras feitas por pessoas físicas, as quais acabam sendo a própria razão que justifica a realização desses ciclos econômicos, uma vez que os bens de consumo são produzidos, em última instância, para serem usufruídos por pessoas naturais. Tal situação de disparidade arrecadatória muito se agravou com a ampliação expressiva do comércio eletrônico na última década, em que as vendas online passaram a representar o maior volume das vendas interestaduais realizadas a consumidores pessoas físicas que residem em Estados diversos daqueles poucos em que estão fixados os estabelecimentos dessas empresas de e-commerce (normalmente na região Sudeste do País).

Pretendendo corrigir tal distorção, foi promulgada a Emenda Constitucional n. 87, de 2015, a qual ampliou a competência para a cobrança do “DIFAL” do ICMS em caso de operações interestaduais destinadas a “consumidores finais”, independentemente de serem ou não contribuintes do imposto estadual. Com isso, passou o texto constitucional a adotar a seguinte redação:

“[...] VII – nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;

VIII – a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída:

a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto;

b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto;” (Destaques nossos)

Com isso, passou-se a autorizar a cobrança de “DIFAL” também nas operações interestaduais cujo “consumidor final” não fosse contribuinte de ICMS, tornando, de outro lado, mais complexas as regras de atribuição de responsabilidade acerca de quem deveria recolher essa parcela adicional de ICMS. Por isso, a nova redação do inciso VIII determinou que deveria responder pelo pagamento do “DIFAL” devido ao Estado destinatário:

i) o próprio estabelecimento de destino (i.e., o adquirente do bem ou serviço), quando esse fosse contribuinte do ICMS, pois, por motivos óbvios, já estaria ele habituado à apuração desse imposto estadual; ou

ii) o estabelecimento de origem (i.e., o remetente do bem ou serviço), quando o comprador fosse consumidor não contribuinte, uma vez que, como se pode imaginar, seria difícil ou até impraticável ao ente tributante destinatário promover pequenas cobranças de ICMS de cada consumidor pessoa física que realizasse uma compra interestadual.

Por meio dessa nova formatação de cobrança ampliada de “DIFAL”, pretendeu-se combater de forma mais intensa o desequilíbrio na distribuição de arrecadação de ICMS entre Estados de origem (considerados mais pujantes em termos econômicos) e de destino de mercadorias (considerados financeiramente mais carentes), na medida em que, a partir da EC n. 87/2015, o Estado do domicílio do adquirente da mercadoria de outra unidade da Federação teria direito ao diferencial de alíquotas, sendo ele contribuinte ou não do imposto.

Isso, porém, de nenhum modo significou que a readequação da norma de competência para a cobrança de “DIFAL” promovida pela EC n. 87/2015 fosse autoaplicável ou de vigência plena imediata. Na verdade, conforme será analisado em tópicos que seguem, o próprio texto constitucional impôs a edição de lei complementar que detalhasse um regramento nacional, dispondo sobre a forma específica de apuração do montante devido de “DIFAL” nesses casos envolvendo “consumidor final”.

É verdade que a Lei Complementar n. 87/1996 (Lei Kandir), mesmo antes da edição da EC n. 87/2015, já havia estabelecido algumas regras que fazem menção à apuração e cobrança de diferencial de alíquota em operações interestaduais24, tal como se vê dos seus arts. 6º, § 1º25, 8º, § 5º26, e 13, inciso IX27. Tais dispositivos, porém, trataram dessa temática de forma incompleta, contendo apenas algumas previsões pontuais de cobrança de “DIFAL” em casos de substituição tributária e na apuração da base de cálculo em prestação de serviços interestaduais, deixando, de outro lado, sem qualquer regulação normativa os pontos mais relevantes dessa exigência adicional prevista na Constituição28. É de tamanha evidência a presença dessa grave lacuna normativa que as disposições constitucionais alteradas pela EC n. 87/2015 foram, abertamente, alvo de uma tentativa de regulamentação pelo Convênio CONFAZ n. 93/2015, o qual acabou sendo objeto de análise por parte do Colendo Supremo Tribunal Federal quando da apreciação do Tema n. 1.093 de Repercussão Geral, tendo a Corte Suprema, conforme já visto, reconhecido a inconstitucionalidade formal desse ato normativo e a necessidade de edição futura de Lei Complementar.

Diante de todas essas considerações, pode-se dizer, em síntese, que tal modalidade de cobrança de Diferencial de Alíquota do ICMS, a qual, para fins didáticos, aqui denominamos de “DIFAL” constitucional, possui as seguintes características:

i) O fato de possuir previsão constitucional expressa e específica, a qual consta do texto da Constituição de 1988 desde a sua promulgação (art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, da CRFB/1988), detalhando as situações concretas em que tal cobrança será devida, bem como indicando o responsável pelo recolhimento dessa exação;

ii) Ser aplicável, por determinação constitucional inequívoca, tão somente em casos de incidência de ICMS em que o destinatário do bem ou serviço objeto de operação interestadual for “consumidor final”, seja (a) alguém que não é contribuinte habitual do ICMS (i.e., uma pessoa física ou jurídica que simplesmente está posicionada na última etapa econômica de transação de um bem de mercado que deseja consumir), seja (b) ele contribuinte habitual do imposto estadual (i.e., “Comerciante” em sentido amplo) que não realizará, neste caso, uma operação subsequente de venda desse bem (como ocorre nos casos de aquisição de bens de uso e consumo e destinados para o ativo imobilizado da empresa);

iii) A ausência, no contexto atual de nosso ordenamento jurídico, de uma regulação detalhada e suficiente em Lei Complementar que disponha sobre normas gerais de direito tributário em matéria de ICMS (i.e., acrescendo ao já previsto na Lei Complementar n. 87/1996), de modo a criar uma normatização nacional que esclareça, com precisão, os critérios de apuração do “DIFAL” criado pela EC n. 87/2015, os quais deverão ser observados pela legislação tributária de todos os entes estaduais; e

iv) Almejar, como objetivo constitucional, diminuir os efeitos negativos da arrecadação concentrada de ICMS nos Estados-membros da Federação considerados centros produtores de riqueza no País, a qual ocorre em prejuízo dos Estados qualificados como consumidores de bens (e potencialmente mais pobres), criando um mecanismo de repartição mais equânime da receita global desse imposto, de modo a preservar um ideário de federalismo fiscal e harmonizar as posições financeiras dos entes subnacionais produtores e consumidores.

Assim demarcados os limites e objetivos para a cobrança do chamado “DIFAL” constitucional, vejamos as características da outra situação em que inúmeros Estados adotaram a prática de exigir dos contribuintes localizados em seus territórios uma parcela de ICMS apurada, a depender da lei estadual, com base na diferença entre alíquotas interestaduais e alíquotas internas.

3.2. O “DIFAL” legal/antecipatório (venda interestadual com operação subsequente)

Contrapondo-se ao “DIFAL” exigido em operações interestaduais com “consumidores finais”, o qual, como visto, encontra sede direta no texto da Constituição, muitos entes tributantes estaduais possuem o hábito de exigir dos contribuintes localizados em seus territórios, quando esses adquirem bens ou serviços de algum fornecedor localizado em outro Estado, uma antecipação parcial do ICMS que seria, efetivamente, devido apenas quando da futura operação de revenda desses bens ou serviços por esse contribuinte do imposto estadual.

Nesses casos, portanto, a depender da legislação ou da regulamentação estadual, o contribuinte do ICMS que tenha (a) participado de uma operação anterior de compra interestadual de mercadoria ou serviço e que tenha (b) a intenção de dar continuidade a esse ciclo produtivo por meio de uma operação econômica subsequente (não podendo assim ser caracterizado como um “consumidor final”), terá o dever de pagar antecipadamente (seja na entrada do bem no seu estabelecimento, seja em prazo a ser especificado em ato normativo estadual) um montante equivalente ao diferencial de alíquotas interestaduais e internas.

Em tais situações, como se vê, não há qualquer similitude com a hipótese antes analisada de “DIFAL” e que encontra amparo nos incisos VII e VIII do § 2º do art. 155 da CRFB/1988, mesmo após a edição da EC n. 87/2015, já que, aqui, não se está diante de encerramento de ciclo produtivo com venda a “consumidor final” nem se pretende exigir um ônus adicional de ICMS a ser pago a outro ente federativo para reequilibrar o rateio na arrecadação desse imposto estadual. As dificuldades terminológicas surgem precisamente porque também se adotou o costume de se denominar essa cobrança parcial e antecipada de ICMS de “DIFAL”, “DIFA” ou até “Imposto de Fronteira” (sic). Aliás, são tais semelhanças conceituais impróprias que provocam, com grande frequência, a confusão e a aproximação indevida entre esses dois institutos jurídicos.

Na verdade, essa técnica de antecipação parcial no pagamento do ICMS próprio, o qual, em regra, seria devido apenas quando o contribuinte viesse a realizar uma nova operação de venda desses bens adquiridos em operações interestaduais, tem o propósito de apenas facilitar o fluxo de arrecadação do ente tributante estadual, o qual, por sua exclusiva conveniência, prefere receber, de modo precipitado, parcela do imposto que seria devido somente no futuro. O uso dessa técnica, em realidade, acaba gerando ao Estado apenas um benefício financeiro (e não, propriamente, econômico), já que, pela própria lógica de qualquer pagamento antecipado, o valor recolhido de antemão pelo contribuinte na entrada do seu estabelecimento deve, necessariamente, se comunicar com o montante total de ICMS que será apurado e pago somente após a efetiva ocorrência do respectivo fato gerador futuro (o que, sabidamente, pode demorar muitos meses para se materializar).

Com efeito, essa hipótese derivativa de “DIFAL” corresponde apenas a uma espécie de adiantamento financeiro de recursos por parte do contribuinte do ICMS, o qual, por razões econômicas óbvias, deverá ser compensado ou ressarcido no exato montante dos valores que foram adiantados em interesse exclusivo do ente tributante. Não é, por outro motivo, que os defensores dessa técnica de antecipação de parcela equivalente a “DIFAL”, nessas situações, entendem que o fundamento constitucional para essas leis e regulamentos estaduais encontraria suporte no art. 150, § 7º, da CRFB/1988, o qual prevê que a “lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”. Mesmo que seja discutível a invocação do art. 150, § 7º, da CRFB/1988 nos casos em que há cobrança desse tipo de “DIFAL”, caso seja aceito esse fundamento, é evidente que a íntegra desse regramento constitucional deverá ser observada pelo ente tributante e pelo intérprete, de modo a vincular a cobrança que tenha sido efetuada em antecipação com a efetiva ocorrência do “fato gerador [que] deva ocorrer posteriormente”.

É precisamente por isso que, uma vez tendo o Estado escolhido exigir tal cobrança antecipada do seu ICMS, criando assim um fardo financeiro ao respetivo contribuinte, que terá de avançar o pagamento de parte do imposto sobre uma riqueza futura que ainda não produziu, assume o ente fiscal um dever de admitir a compensação de crédito correspondente a essa antecipação e, inclusive, a devolução desse montante, caso, por qualquer motivo, o fato gerador futuro não venha a se perfectibilizar. Ora, se assim não for, não há dúvida de que o ente tributante estadual – que criou mecanismo antecipatório em seu exclusivo interesse financeiro – estará se apropriando indevidamente de grandeza econômica que não lhe pertence, incorrendo em locupletamento sem causa e exigindo pagamento duplo de ICMS (i.e., uma parcela na entrada do estabelecimento e novamente a íntegra do imposto devido quando da futura revenda).

Para ilustrar o uso concreto dessa técnica antecipatória, cabe transcrever os dispositivos da Lei do ICMS do Estado do Rio Grande do Sul (Lei n. 8.820/1989), os quais são aqui pertinentes, não apenas como forma de exemplificação, mas especificamente pelo fato de a lei tributária gaúcha ter sido aquela que delimitou a questão constitucional apreciada nos Temas de Repercussão Geral n. 456 (RE n. 598.677/RS) e n. 517 (RE n. 970.821/RS), os quais submeteram à Corte Suprema a análise da constitucionalidade precisamente da antecipação de “DIFAL” debatida neste Parecer. Com efeito, assim dispõe o art. 24, §§ 6º, 7º, 8º e 9º, da Lei Estadual n. 8.820/1989:

“Art. 24. [...]

§ 6º[29] Na hipótese de estabelecimento comercial adquirir, sem substituição tributária, as mercadorias relacionadas no Apêndice II, Seção II, item I, o imposto decorrente do débito próprio relativo à operação subsequente é devido:

a) na entrada das mercadorias no território deste Estado, se adquiridas de outra unidade da Federação ou importadas e não desembaraçadas neste Estado;

b) no desembaraço das mercadorias, se importadas e desembaraçadas neste Estado;

c) na aquisição, em licitação pública, das mercadorias, se importadas do exterior e apreendidas ou abandonadas.

§ 7º[30] Além das hipóteses previstas no parágrafo anterior, sempre que houver necessidade ou conveniência, poderá ser exigido o pagamento antecipado do imposto, com a fixação, se for o caso, do valor da operação ou da prestação subsequente, a ser realizada pelo próprio contribuinte, exceto nas saídas de couro e de pele, classificados no Capítulo 41 da NBM/SH-NCM.

§ 8º[31] O imposto será pago antecipadamente, total ou parcialmente, no momento da entrada no território deste Estado, nos recebimentos de mercadorias de outra unidade da Federação.

§ 9º[32] Relativamente ao imposto devido conforme disposto no § 8º, o Poder Executivo poderá, nas condições previstas em regulamento, autorizar que o pagamento seja efetuado em prazo posterior.” (Destacou-se)

Partindo-se dessas considerações, essa modalidade de cobrança de Diferencial de Alíquota do ICMS, para a qual sugerimos a denominação de “DIFAL” antecipatório, pode ter seus principais aspectos resumidos nos seguintes termos:

i) Não possuir fundamento constitucional expresso nem específico nos dispositivos que dispõem sobre o exercício de competência tributária do ICMS, podendo apenas – a depender da leitura sistemática do texto constitucional que se adote – ser indiretamente reconduzida ao art. 150, § 7º, da CRFB/1988, o qual nada dispõe sobre cobrança de diferencial de alíquota, mas apenas prevê genericamente a autorização constitucional para a criação, por lei, de hipótese de responsabilização pelo pagamento antecipado de imposto em relação a fato gerador presumido, i.e., que ainda não se materializou;

ii) Ser aplicável, de acordo com a livre escolha dos entes federativos estaduais, não em transações com “consumidores finais”, tal como previsto no art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, da CRFB/1988, mas sim em outras operações interestaduais em que se presume que haverá subsequente revenda, não encerrando, pois, o ciclo produtivo, de modo que se pode assumir como verdadeiro que ocorrerá um futuro fato gerador de ICMS, sendo que esse irá beneficiar o ente tributante estadual que estará exigindo o pagamento antecipado (e por presunção) de uma parcela do imposto que lhe caberia recolher integralmente em algum momento posterior;

iii) Assim, nos casos escolhidos por decisão legislativa ou executiva estadual, o ente tributante entende por bem cobrar de modo antecipado uma parcela do ICMS – normalmente o equivalente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual –, sendo que esse imposto somente seria devido quando da realização efetiva da operação subsequente de revenda daquele bem adquirido em uma originária operação interestadual, mormente considerando que o fato gerador real do ICMS, em regra, materializa-se quando da posterior saída dessa mercadoria do estabelecimento comercial para fins de uma nova circulação econômica;

iv) A ausência, no contexto atual de nosso ordenamento jurídico, de previsão específica na Lei Complementar n. 87/199633, regulamentando as hipóteses consagradas em lei estadual que impõem o recolhimento antecipado (i.e., em regra, na entrada da mercadoria no estabelecimento comercial) de um tipo derivativo de “DIFAL” daquele contribuinte que adquiriu, por meio de operações interestaduais, bens que pretende, posteriormente, revender; e

v) Busca garantir para o ente tributante estadual que escolheu criar hipóteses de “DIFAL” antecipatório um aprimoramento em seu fluxo financeiro de arrecadação, na medida em que exige o pagamento adiantado de uma parcela do ICMS que invariavelmente seria devido a esse ente político, mas que – não fosse a adoção dessa técnica – somente seria recolhido aos cofres públicos pelo contribuinte quando esse viesse a efetivamente praticar a operação subsequente de revenda, realizando o respectivo fato gerador em momento futuro e incerto da saída do seu estabelecimento comercial. Portanto, essa modalidade derivativa de “DIFAL”, em sua essência, não possui como objetivo primar por um rateio mais equânime da arrecadação de ICMS entre os Estados-membros da Federação, uma vez que tal cobrança antecipada, em tese, não poderia trazer qualquer acréscimo econômico de receita tributária, já que corresponde apenas a um adiantamento de imposto que será, invariavelmente, devido ao ente estadual, no qual será praticada a futura operação de revenda.

Para melhor visualizar as diferentes características das duas modalidades de “DIFAL” acima detalhadas, principalmente em razão da complexidade dessas questões, entendemos relevante a apresentação da seguinte Tabela comparativa:

Tabela comparativa DIFAL

Espécie

Base normativa

Hipóteses

Alíquotas incidentes

Responsável pelo recolhimento

Objetivo

DIFAL constitucional
(venda a consumidor final)

Constitucional:
Art. 155, § 2º, VII e VIII (EC 87/2015)

Contribuintes (“Comerciantes”)

Interestadual

“Vendedor”

(Remetente)

Ã

Estado de ORIGEM

Repartição equânime de receitas de ICMS de modo a preservar federalismo fiscal entre estados e produtores e consumidores

Lei Complementar: Não há previsão

DIFAL

“Comprador”

(Destinatário)

Ã

Estado de DESTINO

Lei Estadual inválida até edição de LC

Tema 1.093 (STF)

Não contribuintes (“Pessoas físicas”)

Interestadual

“Vendedor”

(Remetente)

Ã

Estado de ORIGEM

DIFAL

“Vendedor”

(Remetente)

Ã

Estado de DESTINO

DIFAL
legal”/antecipatório (venda com operação subsequente)

Constitucional: não há específica (art. 150, § 7º, não prevê DIFAL)

Só Contribuintes

DIFAL Antecipado (+Crédito)

e

Alíquota Interna na operação subsequente

“Comprador”

(Destinatário)

Ã

Estado de DESTINO

Aprimorar fluxo de caixa do Estado que exige adiantamento parcial do ICMS próprio que será devido na revenda do produto adquirido em operação interestadual

Lei Complementar: Não há previsão

Art. 24, §§ 7º, 8º e 9º, da Lei Gaúcha 8.820/89 (Exemplo) Tema 456 (STF)

3.3. A submissão das empresas do Simples Nacional aos dois regimes de “DIFAL”

Considerando-se que o presente Parecer Jurídico possui como objeto a análise da questão constitucional apreciada pelo Colendo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Recurso Extraordinário n. 970.821/RS (Tema n. 517 de RG), a qual, conforme se detalhará em seguida, envolve a possibilidade de cobrança do aqui denominado “DIFAL” antecipatório, não das empresas em geral, mas especificamente daqueles que tenham aderido ao Simples Nacional, regrado pela Lei Complementar n. 123/2006, impõe-se, brevemente, descrever como a exigência de “diferencial de alíquota” molda-se ao caso particular das micro e pequenas empresas que tenham optado pelo regime simplificado de tributação.

A LC n. 123/2006, regulamentando o art. 146, III, inciso “d” e seu parágrafo único, da CRFB/1988, criou um regime especial de tributação, expressamente, dedicado a garantir um “tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. Essa sistemática diferenciada (e pretensamente benéfica) possui, como característica central, o fato de garantir aos seus optantes a facilidade de se submeterem a um recolhimento unificado de tributos federais, de ISS e de ICMS34, apurados não individualmente, mas calculados com base em percentual que seguirá um parâmetro de incidência que, em regra geral, corresponde à receita bruta35 auferida pela micro ou pequena empresa36. Sem dúvida esse formato simplificado de tributação tem o potencial de gerar relevantes vantagens econômicas e facilidades de conformidade fiscal às empresas que a esse programa aderirem.

No entanto, a LC n. 123/2006 que, com uma mão, concede um tratamento mais benéfico, com outra, cria relevantes restrições à classe de contribuintes que aderem ao Simples Nacional, especialmente no que se refere à apuração do diferencial de alíquota do ICMS. Isso porque o art. 13, § 1º, da referida Lei Complementar estabelece uma série de exceções em relação a incidências tributárias que não poderão ser incluídas na apuração mensal unificada dos tributos devidos e que, por isso, deverão ser recolhidas de modo apartado, seguindo a “legislação aplicável às demais pessoas jurídicas”.

Dentre essas exceções, o inciso XIII do § 1º do art. 1337 prevê inúmeras situações em que o ICMS seguirá apuração em separado, sendo pertinente à presente discussão as hipóteses das alíneas “g” e “h”, in verbis:

“g) nas operações com bens ou mercadorias sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto, nas aquisições em outros Estados e Distrito Federal:

1. com encerramento da tributação, observado o disposto no inciso IV do § 4º do art. 18 desta Lei Complementar[38];

2. sem encerramento da tributação, hipótese em que será cobrada a diferença entre a alíquota interna e a interestadual, sendo vedada a agregação de qualquer valor;

h) nas aquisições em outros Estados e no Distrito Federal de bens ou mercadorias, não sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto, relativo à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;” (destacou-se)

Como se vê, as hipóteses das alíneas “g” e “h” preveem, ao menos, duas situações distintas de exigência em separado de “DIFAL” por parte das empresas optantes do Simples, quais sejam:

i) uma previsão específica, quando há regime de antecipação do ICMS “sem encerramento da tributação”, ou seja, com presunção de que a aquisição de bem oriundo de outra unidade federativa irá ainda gerar com uma operação econômica subsequente; e

ii) outra previsão genérica, quando não houver regime de antecipação de ICMS em aquisições de bens oriundos de outras unidades da Federação, sem especificar se tal caso dependerá da realização de uma operação econômica subsequente.

Essas duas situações distintas podem se enquadrar, com alguns ajustes, nas duas categorias de “DIFAL” detalhadas nos itens anteriores.

O problema central da discussão jurídica aqui posta surge, porém, quando a LC n. 123/2006, no seu art. 23 e parágrafos, vem a regular o tratamento a ser dado na apropriação de créditos envolvendo os impostos e contribuições abrangidos pelo regime simplificado de tributação por ela instituído. Isso porque o caput do art. 23 veda a apropriação e transferência de “créditos relativos a impostos ou contribuições abrangidos pelo Simples Nacional” por parte das empresas optantes desse regime simplificado de tributação, quando essas participarem de uma relação econômica como destinatárias/adquirentes de bens ou serviços39. Como se vê, aparentemente, esse dispositivo legal fixa uma regra proibitiva genérica de aproveitamento de créditos fiscais pelas micro e pequenas empresas, sem apresentar, neste ponto, qualquer delimitação em relação ao tipo de incidência tributária ou ao regime de tributação aplicável, o que permite presumir que se estaria aqui criando uma proibição categórica que impediria qualquer possibilidade de tomada e compensação de crédito fiscal relacionado a tributos repassados às ou pagos e retidos em nome das empresas optantes do Simples Nacional.

De outro lado, os §§ 1º a 4º do mesmo artigo regulam o caminho inverso dessa relação econômica, dispondo sobre a possibilidade de as “pessoas jurídicas ... não optantes pelo Simples Nacional” apropriarem créditos de ICMS quando essas vierem a adquirir mercadorias vendidas por uma empresa optante pelo Simples Nacional. Esses parágrafos autorizam o aproveitamento de créditos quando uma empresa da categoria geral compra mercadoria de optante do Simples Nacional, mas esses criam uma série de requisitos e limitações para tal tomada de crédito (e.g., destinada à comercialização ou industrialização futura, limitado ao ICMS devido pela optante do Simples, constar informação da alíquota aplicável na apuração do crédito no documento fiscal de venda etc...). Por fim, os §§ 5º e 6º do mesmo artigo autorizam os Estados e o Distrito Federal, seguindo normatização do Comitê Gestor do Simples Nacional, a deliberarem e criarem, de acordo com a sua conveniência, outras situações de concessão de créditos de ICMS às pessoas jurídicas não optantes do Simples Nacional.

Feitos tais esclarecimentos, cabe melhor identificar quais repercussões jurídicas tais dispositivos da LC n. 123/2006 provocam para as empresas optantes do Simples Nacional relativamente à exigência de diferencial de alíquota de ICMS nas duas situações diferentes detalhadas nos tópicos anteriores.

Primeiramente, relativamente ao “DIFAL” exigido em operações interestaduais em que o seu destinatário se qualifica como “consumidor final”, tal como previsto nos incisos VII e VIII do § 2º do art. 155 da CRFB/1988, com redação da EC n. 87/2015, não se vislumbram diferenças relevantes entre o impacto dessa cobrança em relação às empresas da categoria geral e aquelas vinculadas ao Simples Nacional. Isso porque, nesses casos, conforme já analisado nos tópicos anteriores, exige-se um valor adicional de ICMS, calculado pela diferença entre a alíquota interestadual e a interna, sendo que esse montante sempre será arcado pelo destinatário final do bem ou serviço que estará encerrando uma cadeia de circulação de riqueza, na medida em que esse ônus será absorvido por esse contribuinte enquanto “consumidor final”. Desse modo, o valor desse “DIFAL” pago pela empresa – seja do Simples ou não – sequer irá impactar, diretamente, em uma operação econômica subsequente40, de modo que não há como se falar em participação desses valores na sistemática não cumulativa do ICMS, assim como não há se falar em transferência econômica do ônus dessa tributação a alguém que esteja posicionado mais adiante no ciclo produtivo (isso pelo simples fato de não haver etapa posterior nesses casos).

Aliás, no que tange à exigência dessa espécie de “DIFAL”, as empresas da categoria geral e as empresas que aderiram ao Simples Nacional podem, em tese, receber idêntico tratamento jurídico, já que as duas classes de pessoas jurídicas, enquanto adquirentes de bens e serviços de outros Estados apresentam-se como “consumidoras finais” desses produtos, razão pela qual não haveria razão jurídica para garantir um custo de aquisição de bens consumíveis mais vantajoso para as micro e pequenas empresas do Simples. Seguindo as regras de livre mercado, não soaria razoável dedicar, nesse particular, uma distinção de tratamento entre as empresas em geral e as empresas do Simples, pois, na qualidade de “consumidores finais”, manifestam as mesmas características relevantes e ocupam posições econômicas de mercado em pé de igualdade, até porque se assim não fosse também deveria haver motivo para se garantir uma suposta vantagem fiscal diferenciada às aquisições ocorridas por meio de operações internas em que micro e pequenas empresas também se posicionassem como “consumidoras finais”.

Além disso, considerando-se que nessa hipótese de “DIFAL” não há se falar em operação econômica subsequente, por óbvio não faria sentido exigir-se aproveitamento de crédito fiscal a ser compensado em etapa posterior de um ciclo produtivo que já se encerrou. Assim, a restrição trazida pelo art. 23 da LC n. 123/2006 manifesta perfeita compatibilidade com esse contexto jurídico ou, ao menos, não apresenta uma clara violação ao ideário constitucional que impõe que as micro e pequenas empresas recebam tratamento tributário favorecido. Por essa razão, ressalvando-se, respeitosamente, opiniões autorizadas em contrário, é nosso entendimento que as discussões envolvendo a validade da cobrança do “DIFAL” exigido do “consumidor final”, tal como previsto nos incisos VII e VIII do § 2º do art. 155 da CRFB/1988, não guardam relevância nem pertinência com a questão constitucional que é, efetivamente, objeto do Tema n. 517 de Repercussão Geral do Colendo Supremo Tribunal Federal.

Precisamente, por isso, conforme se pretende demonstrar, o objetivo traçado pela Constituição ao autorizar a cobrança dessa hipótese de “DIFAL” (i.e., o reequilíbrio financeiro das receitas de ICMS entre os Estados) não poderia ser invocado para se justificar a legitimidade da exigência antecipada de parcela de ICMS nos casos em que se presume, de antemão, que haverá uma operação subsequente a ser praticada pelo contribuinte. Em um dos casos de “DIFAL”, como se viu, pretendeu a Constituição garantir, em nome do princípio federativo, a repartição equânime da receita de arrecadação do ICMS entre entes estaduais produtores e consumidores, enquanto que, no outro caso, temos tão somente uma escolha de política fiscal de Estados que criam um mecanismo antecipatório de ICMS, em seu exclusivo interesse financeiro, apenas para aprimorar o seu fluxo de caixa. Com efeito, a diferença técnica e teleológica entre as duas sistemáticas de cobrança do chamado “DIFAL” impede que sejam consideradas direta e automaticamente aplicáveis muitas das questões decididas no julgamento do Tema n. 1.093 de Repercussão Geral para a resolução da matéria efetivamente disputada no Tema n. 517 de Repercussão Geral, o que, aliás, independe do fato de estar o contribuinte vinculado ou não ao Simples Nacional.

Em segundo lugar, cabe ainda analisar as particularidades do chamado “DIFAL” antecipatório quando exigido especificamente das empresas vinculadas ao Simples Nacional, as quais, ao lado das vantagens trazidas pela LC n. 123/2006, submetem-se a restrições que são trazidas a reboque pelo art. 23 da mesma lei. Conforme visto, o chamado “DIFAL antecipatório” é uma criação do legislador tributário estadual que, por seu juízo de conveniência, entende por bem demandar do contribuinte do ICMS um adiantamento parcial do montante do imposto que seria devido por esse apenas quando viesse a realizar uma posterior operação de venda de mercadoria ou prestação de serviço. Tal antecipação tem o evidente propósito de garantir ao ente tributante estadual um ingresso imediato em seu caixa de parcela do tributo que será a ele devido posteriormente, de modo a criar um encargo financeiro ao contribuinte mesmo antes que a manifestação de riqueza de uma futura operação econômica tenha se concretizado. Os defensores dessa técnica antecipatória invocam o art. 150, § 7º, da CRFB/1988 para justificar a sua adoção, não obstante uma leitura mais atenta desse dispositivo constitucional possa gerar dúvidas, até ao mais caridoso dos intérpretes, acerca da possibilidade dessa conclusão.

4. Possíveis incoerências e lacunas de fundamentação do acórdão proferido no RE n. 970.821 (Tema de RG n. 517) diante dos pressupostos fixados nos Temas de RG n. 1.093 e n. 456

Identificados os pressupostos constitucionais e legais que demarcam as diferentes realidades em que há exigência de “diferencial de alíquota” de ICMS (“DIFAL”), os quais devem ser compreendidos, primeiramente, em relação às empresas em geral, para, após, serem avaliados na sua aplicação relativamente às empresas optantes do Simples Nacional, torna-se viável uma análise mais aprofundada das razões de decidir adotadas pelo Colendo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE n. 970.821 (Tema de RG n. 517), contrastando-as com os fundamentos fixados nos outros dois Temas de Repercussão Geral em que matéria semelhante veio a ser objeto central de discussão (i.e., nos Temas de RG n. 1.093 e n. 456).

4.1. O possível equívoco na atribuição das características e objetivos do “DIFAL” constitucional ao caso específico do “DIFAL” legal/antecipatório

Conforme já narrado, quando do julgamento do RE n. 970.821 (Tema de RG n. 517), alguns Ministros da Suprema Corte analisaram a constitucionalidade do art. 24, §§ 8º e 9º, da Lei Estadual n. 8.820/1989 pressupondo que essa técnica de antecipação no pagamento de ICMS adotaria características e objetivos semelhantes (talvez idênticos) ao do mecanismo de cobrança de “diferencial de alíquotas” aplicável em operações interestaduais destinadas a “consumidores finais”, contribuintes ou não, e que foi matéria de apreciação pela Corte quando do julgamento do Tema de RG n. 1.093. Tal intepretação é possível de ser feita a partir de uma leitura atenta dos Votos dos Exmos. Ministros Fachin41, Moraes42, Weber43 e Mendes44, nos quais, expressamente, afirmam que a discussão em pauta possuiria relação, direta ou reflexa, com a norma de competência prevista no art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, da CRFB/1988, na redação dada pela EC n. 87/2015. Por essa razão, tais Ministros assumiram como verdadeira a premissa de que o objetivo a ser atingido pela técnica antecipatória do art. 24, §§ 8º e 9º, da Lei Estadual n. 8.820/89 seria idêntico ao do antes denominado “DIFAL constitucional”, funcionando, assim, como uma ferramenta de repartição mais equânime da receita arrecadada de ICMS dentre os diversos entes federativos estaduais, de modo a não privilegiar Estados considerados produtores, em prejuízo daqueles qualificados como centros consumidores.

No entanto, respeitosamente, nos cabe, aqui, manifestar divergência em relação a essa pretendida aproximação entre as duas técnicas de cobrança de “diferencial de alíquota”, as quais, conforme já defendido, não possuem o mesmo fundamento constitucional nem assumem a mesma forma de funcionamento.

Como visto, o aqui denominado “DIFAL constitucional” regula as situações em que se exige um rateio de ICMS em operações interestaduais com “consumidores finais” (e exclusivamente com esses), enquanto que o chamado “DIFAL legal” pretende cobrar, por antecipação, parcela do ICMS próprio que será devido, exclusivamente, a UM ente estadual, tendo em vista uma operação subsequente de revenda interna que ocorrerá dentro do seu território. Portanto, em um caso, está-se diante de ICMS que, de fato, incide especificamente sobre uma operação interestadual, na qual há circulação de mercadoria ou serviço entre diferentes Estados, de modo que, logicamente, é legítimo querer dispor sobre a melhor forma de se organizar, em termos federativos, a repartição econômica desse produto de arrecadação, uma vez que tal ciclo de riqueza afeta, sem dúvida, ao menos dois territórios da Federação.

Já em outro caso, o que se tem é apenas a tributação antecipada de operação de circulação de mercadoria que se realiza no âmbito interno de competência de um Estado, mantendo relação com uma operação interestadual apenas pelo fato de essa mercadoria a ser depois revendida ter tido origem em outro Estado da Federação. Aqui, porém, a incidência de ICMS está, na verdade, mirando uma operação subsequente a ser realizada internamente (e não uma operação interestadual!) no território daquele ente subnacional.

Feito esse relevante esclarecimento, deve-se se afirmar, com ênfase, que a finalidade a ser almejada por essa técnica legal de cobrança antecipada de uma espécie de “diferencial de alíquota”, tal como prevista no art. 24, §§ 8º e 9º, da Lei Estadual n. 8.820/1989, dificilmente poderia ser justificada com base em suposto “equilíbrio na repartição das receitas de ICMS” ou “divisão equânime de arrecadação de imposto entre Estados produtores e Estados consumidores”. E isso pelo simples e bom motivo de que a incidência do ICMS que se discute nesse caso específico de cobrança de “DIFAL” é única e exclusivamente aquela que diz respeito a uma operação interna de revenda de bem originado de operação interestadual, mas que será alcançada integralmente pela competência exclusiva de apenas um ente tributante estadual, o qual exige, antecipadamente, o pagamento de montante equivalente ao “diferencial de alíquota” (em regra na entrada desse bem no estabelecimento comercial – por isso também chamado de “imposto de fronteira”) e depois exige a apuração do restante do imposto quando da futura operação de revenda desse item (observando-se, aqui, a sistemática de créditos e débitos da não cumulatividade). Ora, é plausível falar-se em reequilíbrio na arrecadação de ICMS entre entidades subnacionais se a técnica de cobrança antecipada de “DIFAL” afeta apenas a incidência de imposto que fica dentro do escopo da competência de UM Estado, qual seja daquele na qual a subsequente operação de revenda irá, futuramente, ocorrer? Em nossa opinião, tal pressuposição carece de qualquer plausibilidade!

Precisamente por isso, no item 3 do presente Parecer foi defendido que o real objetivo do chamado “DIFAL antecipatório/legal” é o de apenas aprimorar o fluxo de caixa do Estado que impõe tal adiantamento no recolhimento de fração do ICMS que será devido em operação interna subsequente. Neste caso, portanto, tal sistemática gera a ele um benefício financeiro (e não, propriamente, econômico), pois, pela própria lógica de um pagamento antecipado, o valor recolhido de antemão pelo contribuinte na entrada do seu estabelecimento estará, necessariamente, atrelado ao montante total de ICMS a ser apurado no futuro, quando da efetiva ocorrência do respectivo fato gerador de revenda dessa mercadoria oriunda de uma operação interestadual.

De outro lado, não se desconhece a opinião daqueles que sustentam que, na realidade, o verdadeiro objetivo da antecipação no pagamento desse tipo de “diferencial de alíquota” seria o de supostamente evitar “distorções” econômicas nas aquisições de mercadorias para revenda. Isso ocorreria porque, aparentemente, os custos de compra de um determinado bem seriam menores – caso inexistisse a cobrança desse tipo de “DIFAL antecipatório” – quando adquiridos por meio de operações interestaduais, já que as alíquotas de ICMS incidentes nessas transações são sabidamente menores (4%, 7% e 12%) que as alíquotas praticadas em vendas internas (em regra, 17-18%), razão pela qual essa dita “distorção” traria uma vantagem concorrencial ilegítima que acabaria prejudicando sempre as compras no mercado local por parte do contribuinte. Assim, segundo essa visão, isso criaria um estímulo (aparentemente inaceitável) aos comerciantes para direcionarem as aquisições dos produtos necessários para sua atividade comercial de fornecedores localizados em outros Estados, pois haveria uma tendência desses conseguirem oferecer preços menores em razão da alíquota interestadual incidente nessas operações45.

No entanto, se essa fosse, realmente, a finalidade desse instituto jurídico, mostrar-se-ia no mínimo curiosa a afirmação de que se estaria, aqui, promovendo o ideal federativo desejado pela Constituição, já que a solução para esse aparente conflito federativo seria a criação de um ônus tributário artificial (uma espécie de “tarifa comercial interna”) cujo propósito seria encarecer custos de aquisição de produtos em outros Estados para forçar os empresários a efetuarem suas compras no mercado local, mesmo que tal medida tornasse as operações econômicas do mercado interno mais onerosas para todos, tudo em nome de um alegado (mas não demonstrado) reequilíbrio da repartição das receitas globais de ICMS.

Salvo melhor juízo, soa um tanto contraintuitivo imaginar que a Constituição estaria autorizando os Estados a tornarem mais dispendiosas e menos eficientes as operações internas de circulação de mercadoria, apenas para que pudessem resguardar uma suposta divisão mais equilibrada do produto de arrecadação do ICMS. Ora, seria dizer que, em nome de uma possível proteção a interesses federativos abstratos, toda a realidade macroeconômica da atividade comercial interna do País poderia sofrer a interferência de um adicional tributário artificialmente criado pelos Estados. Se essa é a interpretação teleológica a ser dada ao chamado “DIFAL antecipatório, seria obrigatório concluir que tal iniciativa representaria evidente afronta os princípios da livre iniciativa e da liberdade de concorrência, também consagrados na Constituição de 1988 (art. 170, caput e IV, da CRFB/1988). Além disso, não se pode deixar de observar que esse tipo de raciocínio claramente confunde causa e efeito, uma vez que a tida “distorção econômica” nos preços em operações estaduais não é a causa do problema aqui tratado, mas é o mero efeito econômico natural de ter se adotado uma política nacional de alíquotas menores em operações interestaduais, o que, por sua vez, encontra causa em outro problema federativo envolvendo o ICMS.

A falha desse raciocínio, porém, não para por aí. Isso porque, conforme já amplamente debatido neste Parecer, o chamado “DIFAL legal” não é outra coisa senão uma simples antecipação do ICMS próprio que será apurado quando de futura revenda da mercadoria adquirida pelo comerciante de outro Estado da Federação. Exatamente por isso, a cobrança antecipada desse valor cria apenas um ônus financeiro temporário nessa operação de compra, uma vez que, dentro da sistemática da não cumulatividade, o montante pago em adiantamento de obrigação futura deverá gerar um crédito a esse contribuinte a ser, futuramente, compensado com o valor devido de ICMS (salvo no caso de empresa optantes do Simples Nacional, tendo em visto o disposto no impugnado art. 23 da LC n. 123/2006). Portanto, se compreendida a relação econômica no seu ciclo completo, sequer faz sentido a pressuposição de que o ônus adicional criado por lei estadual, nesses casos, estaria equalizando (artificialmente) os custos de aquisições em operações interestaduais e internas. Na verdade, o pagamento do “DIFAL antecipatório”, em regra, representará um acréscimo temporário nos custos de aquisição em operações interestaduais, o qual será, futuramente, neutralizado quando do aproveitamento do respectivo crédito fiscal, de modo que tal instrumento sequer chega a ser eficiente em atingir o propósito por alguns defendido.

Precisamente neste ponto é que se tornará importante a reflexão acerca dessa sistemática relativamente às empresas do Simples Nacional, já que, conforme será analisado no item 4.4, elas são obrigadas a recolher esse encargo tributário provisório, o qual nominalmente seria uma antecipação de um encargo futuro de ICMS, mas estão proibidas de tomarem o correspondente crédito que se presta à neutralização financeira daquilo pago em adiantamento.

Dito tudo isso, entendemos que seria salutar para o debate constitucional travado no RE n. 970.821 (Tema de RG n. 517) que os apontamentos trazidos neste tópico fossem esclarecidos e adequadamente analisados pelos Exmos. Ministros do Colendo Supremo Tribunal Federal.

4.2. A impossibilidade de lei ordinária ampliar o modelo de cobrança de Diferencial de Alíquota para além das hipóteses previstas na Constituição

Em segundo lugar, caso se aceite como correta a distinção apresentada no item 3 do presente Parecer, a qual separa em duas modalidades a cobrança de “diferencial de alíquota”, tendo uma sido aqui denominada de “DIFAL constitucional” e a outra de “DIFAL legal/antecipatório”, cabe analisar a plausibilidade do argumento que, então, aceita tranquilamente a possibilidade de convivência simultânea, em nosso ordenamento jurídico, dessas duas técnicas de cobrança de ICMS, mormente considerando que uma dessas possui suporte textual expresso na Constituição e a outra representa construção criada pelo legislador estadual, a qual veio a ser, gradualmente, incorporada à nossa prática tributária.

Assim, considerando-se que essas duas técnicas de tributação possuem modos de funcionamento e objetivos distintos e que elas não apresentam nenhuma relação de dependência necessária (i.e., a existência de uma não está essencialmente ligada à outra), impõe-se avaliar se, do fato de a Constituição ter detalhado (com aparente intenção de taxatividade) as situações em que o chamado “DIFAL” poderia ser exigido pelos Estados – demarcando, inclusive, quais alíquotas seriam exigidas e quem ficaria responsável por tais recolhimentos –, não se extrairia daí, por si só, razão suficiente para se concluir que o legislador estadual estaria amarrado a tais hipóteses constitucionais. E disso se poderia derivar a conclusão de que qualquer tentativa de ampliação no exercício dessa competência, por meio de inovações trazidas por meio de lei ordinária, representaria evidente usurpação ilegítima de poder de tributar.

Assim formulado o problema, as seguintes perguntas devem ser respondidas: Se a Constituição – único instrumento normativo com capacidade para fixar e moldar normas de competência tributária – previu expressamente e demarcou em detalhes as hipóteses em que o legislador ordinário poderia instituir e cobrar diferencial de alíquota de ICMS em operações interestaduais, seria plausível interpretar essa delegação constitucional de poder como permitindo que o mesmo legislador ordinário pudesse, livremente, ampliar as situações em que tal “diferencial de alíquota” pudesse ser cobrado? Dito de outro modo, se o Texto Constitucional autorizou a exigência pelos Estados de uma espécie de “diferencial de alíquota” nos casos A e B, poderia o ente estadual, além de efetuar a cobrança nos casos A e B, também criar, autônoma e espontaneamente, outro mecanismo de exigência de “diferencial de alíquota” em casos C a Z, conforme os seus exclusivos interesses arrecadatórios?

Respeitosamente divergindo daqueles que manifestam opiniões em contrário, entendemos que tais questionamentos devem ser respondidos negativamente. E as razões que embasam tal conclusão são plurais.

Por um, é incontroverso que a Constituição representa o fundamento supremo de todos os demais atos normativos que integram o ordenamento jurídico, de modo que não se admite que o legislativo infraconstitucional exerça qualquer espécie de poder que vá além dos limites traçados, expressamente, no Texto Constitucional. Mostra-se, pois, incoerente interpretar uma regra de competência tributária, que, com máxima clareza, identifica as situações em que está autorizado o exercício de parcela de poder de tributar, como se essa norma constitucional estivesse permitindo aos Estados, de modo implícito, a também exercitar tal competência para além desses limites. Isso representaria, em última instância, compreender uma limitação de poder como sendo a ausência de uma limitação de poder46, o que soa absurdo.

Por dois, diante de dissenso interpretativo, deve-se observar a tradicional regra de hermenêutica constitucional que, por prudência, pressupõe que o Constituinte jamais usa palavras desprovidas de um sentido próprio, de modo que, ao utilizar estas palavras e expressões e não outras, ele sempre busca delimitar os possíveis campos de significação que são projetados por meio dos seus comandos prescritivos. Por isso, comumente se diz que a Constituição não usa palavras inúteis ou vãs, devendo sempre se atribuir alguma eficácia jurídica mínima aos termos que foram positivados no Texto Constitucional (i.e., “verba cum effectu sunt accipienda”).

Pois bem, se o Constituinte, ao moldar a redação do art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, da CRFB/1988, escolheu, de forma expressa, permitir a cobrança de “diferencial de alíquota” de ICMS em (a) operações interestaduais, em que (b) estejam envolvidos “consumidores finais”, contribuintes ou não do imposto, seria viável concluir que o mesmo Constituinte também teria, implicitamente, autorizado a exigência de “diferencial de alíquota” em outro tipo de operação, em que NÃO estará envolvido qualquer “consumidor final”?

Em nossa visão, entender que é compatível com a Constituição tal ampliação nas hipóteses de cobrança do “DIFAL” seria aceitar que a menção ao termo “consumidor final” no referido dispositivo constitucional não passaria de uma referência inócua ou lúdica por parte do Constituinte, pois, na verdade, estaria autorizado o legislador estadual a cobrar esse diferencial tanto de adquirentes finais (i.e., “consumidores finais”), quanto de adquirentes que irão revender tal mercadoria em operação subsequente (i.e., “não consumidores finais”). Ora, se os dois elementos contraditórios (“consumidores” e “não consumidores”) já estivessem abarcados no sentido possível do art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, da CRFB/1988, a referência a essa expressão seria inútil e bastaria ao Constituinte ter dito que estaria autorizada a cobrança de “diferencial de alíquota” em TODAS as operações interestaduais. No entanto, assim não o fez e se mostra um erro hermenêutica assim se presumir!

Por três, mesmo que se aceite que a cobrança do chamado “DIFAL antecipatório/legal” busque seu fundamento constitucional implícito na regra constitucional que prevê, de modo genérico, a possibilidade de a lei transferir a terceiro a responsabilidade pelo pagamento antecipado de um tributo, tendo em vista um fato gerador presumido (ex vi o disposto no art. 150, § 7º, da CRFB/1988), ainda assim seria obrigatório, por coerência, que a regra do art. 24, §§ 8º e 9º, da Lei Estadual n. 8.820/1989 fosse obrigada a observar todos os requisitos que fazem parte da estruturação desse regime constitucional da antecipação de imposto.

Isso significa dizer que, se o “DIFAL antecipatório/legal” busca seu suporte de validade no art. 150, § 7º, da CRFB/1988, impõe-se reapreciar o funcionamento desse instituto jurídico levando-se em consideração a mais recente manifestação do Colendo STF no RE n. 593.849/MG (Tema n. 201 de RG), no qual a Corte passou a entender que seria devida a restituição da diferença de ICMS que seria apurada entre o valor pago antecipadamente, com base em presunção, e o valor da base de cálculo real da operação subsequente que vier a ser praticada. Assim, o montante pago a título de antecipação de “diferencial de alíquota”, ao se escorar § 7º do art. 150, deve se submeter à integralidade dessa sistemática antecipatória, reconhecendo-se, pois, o direito ao ajuste posterior de imposto a ser recolhido, mediante a eventual devolução de quantias pagas indevidamente ou a maior (seja por não ocorrência do fato gerador real, seja por sua manifestação econômica em valor distinto ao adotado quando do fato gerador presumido). Se assim não for, o art. 24, §§ 8º e 9º, da Lei Estadual n. 8.820/1989 estará criando uma espécie de “regime híbrido” para o sistema de tributação antecipada previsto no art. 150, § 7º, da CRFB/1988, o que o Colendo STF entende ser inadmissível.

Todas essas considerações, somadas, conduzem à conclusão de que a Lei Estadual n. 8.820/1989 não se mostra compatível com as hipóteses constitucionais que preveem a cobrança de “diferencial de alíquota” de ICMS.

4.3. A necessidade de coerência decisória diante do fixado no Tema n. 456 de RG e a persistência de Delegação em Branco no “DIFAL” antecipatório gaúcho

Conforme antes mencionado, a discussão travada no Tema n. 456 de RG guarda direta conexão com a matéria agora sendo apreciada pelo Colendo Supremo Tribunal Federal no Tema n. 517 de RG – objeto imediato do presente Parecer –, pois, em ambos os julgados, foi submetido ao escrutínio da Corte o sistema de cobrança de “DIFAL antecipatório” previsto na legislação gaúcha do ICMS (art. 24 e parágrafos da Lei Estadual n. 8.820/1989). A principal diferença no escopo de análise desses dois julgados diz respeito ao regime tributário eleito pelo contribuinte em cada discussão, já que, no primeiro caso, a técnica de antecipação de “diferencial de alíquota” estava prevista em norma que teria o potencial de afetar todas as empresas, independentemente do seu regime de tributação, enquanto que, no segundo caso, se discutem os efeitos de aplicação dessa mesma técnica arrecadatória em relação, especificamente, às empresas do Simples Nacional.

Com efeito, contrastando-se o decidido nos Temas de RG n. 456 e n. 517 há, sem dúvida, uma relação de gênero e espécie entre eles que não pode ser desprezada, na medida em que um vício de inconstitucionalidade que afetasse o próprio regime antecipatório previsto lei tributária gaúcha quando aplicado, genericamente, às empresas da categoria geral, também repercutiria, por lógica, em relação às empresas do Simples Nacional. Isso significa dizer que a inconstitucionalidade reconhecida no Tema n. 456 de RG, potencialmente, também poderia beneficiar as empresas do Simples Nacional, uma vez que o reconhecimento desse vício de validade partiu de razões gerais e formais que afetavam o modo pelo qual o art. 24 da Lei Estadual n. 8.820/1989 veio a instituir esse regime de antecipação de ICMS. Isso porque, conforme já detalhado no tópico 2.2 deste Parecer, o fundamento específico adotado pelo Colendo STF quando da apreciação do Tema n. 456 de RG não apenas definiu que bastaria lei ordinária para a criação de regime de antecipação de ICMS. Em verdade, a questão de fundo desse julgado paradigmático pretendeu analisar se seria legítima a delegação genérica em lei estadual que transfere a Decreto a possibilidade de fixar as regras específicas de antecipação de “DIFAL”.

Portanto, quanto a essa razão de decidir, o Exmo. Ministro Relator Dias Toffoli, tendo antes reconhecido que o uso da técnica antecipatória no recolhimento de “DIFAL” exigiria sempre previsão expressa em lei ordinária estadual, afirmou ainda, de modo categórico, que esse tipo de disposição legal não poderia ser tão vaga ou aberta a ponto de atribuir ao Poder Executivo a real tarefa de determinar as condições e exceções que definiriam as situações concretas em que tal mecanismo de antecipação seria, efetivamente, exigido. Para bem ilustrar tal ponto, cabe transcrever-se os seguintes excertos desse Voto, os quais confirmam o acima dito:

Ao se antecipar o surgimento da obrigação tributária, o que existe, necessariamente, é, também, a antecipação, por ficção, da ocorrência do fato gerador da exação, já que a relação entre esse e aquela é ‘automática e infalível’, no dizer de Paulo de Barros de Carvalho. Apenas por lei isso é possível, já que o momento da ocorrência do fato gerador é um dos aspectos da regra-matriz de incidência.

Portanto, a conclusão inafastável é pela impossibilidade de, por meio de simples decreto, como acabou fazendo o Fisco gaúcho, a pretexto de fixar prazo de pagamento, se exigir o recolhimento antecipado do ICMS na entrada da mercadoria no território do Rio Grande do Sul. Como visto, rigorosamente, de prazo de pagamento não se trata. [...]

Nem se argumente que a delegação prevista na Lei Estadual nº 8.820/89 seria suficiente para autorizar a antecipação do momento da ocorrência do fato gerador, pela via de decreto estadual. Com efeito, o art. 24, § 7º, do diploma confere ao regulamento, de maneira genérica e ilimitada, a possibilidade de se exigir o recolhimento antecipado do imposto sempre que houver necessidade ou conveniência. Como se nota, o diálogo com o ato infralegal se deu em branco, o que não é admitido por esta Corte.” (Destacou-se)

Como se vê, portanto, o argumento central do Voto do Exmo. Ministro Dias Toffoli naquele julgado não foi apenas o da violação à legalidade formal, mas sim o da burla à Constituição por meio do uso da inaceitável “delegação em branco” ao Executivo. A objeção que a Colenda Corte Suprema apresentou, naquele caso, à chamada “delegação em branco”, portanto, diz respeito não à necessidade de determinado órgão de poder ser o responsável pela produção formal das normas jurídicas, mas sim toca na segurança jurídica, na sua dimensão de cognoscibilidade do direito47, que se pretende preservar, de modo a garantir ao contribuinte a possibilidade de conhecer com total clareza os comandos vinculantes que irão determinar as consequências das suas condutas, o que jamais é resguardado quando essas disposições normativas são criadas apenas por meio de atos infralegais (muitas vezes criados de modo confuso, assistemático e sem observar os mesmos padrões de deliberação pública que estão presentes na edição de uma lei formal).

Pois bem, a invalidade formal do art. 24 da Lei Estadual n. 8.820/1989, ao ter praticado delegação em branco ao Poder Executivo, o qual havia estabelecido o conteúdo normativo específico do regime de antecipação de ICMS no art. 46, § 4º, do Decreto Estadual n. 37.699 e suas Notas Explicativas (RICMS-RS), poderia, em tese, beneficiar as empresas do Simples Nacional nesse particular, já que tal vício de validade independe do tipo de regime de tributação (simplificado, presumido ou real) adotado pelo contribuinte.

Ocorre que, no que tange à discussão de ordem formal acerca da validade do art. 24 da Lei Estadual n. 8.820/1989, a Procuradoria do Estado do Rio Grande do Sul adota a prática de limitar o reconhecimento desse defeito por meio do uso de argumentos de direito intertemporal, alegando que a delegação em branco reconhecida pela Corte Suprema teria afetado tão somente o § 7º desse dispositivo legal, na redação dada pela Lei estadual n. 11.458/2000, já que tal vício teria sido corrigido por leis estaduais posteriores, principalmente por força dos §§ 8º e 9º no mesmo art. 24, os quais não mais estariam, supostamente, transferindo ao Poder Executivo a tarefa de especificar as situações concretas em que o contribuinte deveria antecipar o pagamento de “diferencial de alíquota”.

Tal questão jurídica, não obstante ser de grande importância para o caso das empresas do Simples, não chegou a ser enfrentada, expressamente, pela quase totalidade dos Exmos. Ministros da Suprema Corte quando do julgamento do Tema n. 517 de RG. Em verdade, essa linha de argumentação somente veio a ser tratada, em profundidade, no Voto do Exmo. Ministro Gilmar Mendes48, o qual assim se pronunciou sobre essa questão:

“Assim, constatada uma delegação legislativa em branco, a Corte declarou a inconstitucionalidade [no RE] dos decretos estaduais nº 39.820/1999, no 40.900/2001, nº 41.885/2002 e nº 42.631/2003, os quais, com fundamento no art. 24, § 7º, da Lei estadual nº 8.820/89, exigiam dos estabelecimentos comerciais gaúchos o recolhimento antecipado de ICMS em relação às mercadorias adquiridas em outros Estados da Federação.

No presente caso, contudo, o recorrente contesta a validade de dispositivo legal distinto, qual seja, o art. 24, § 8º, da Lei estadual nº 8.820/89, com redação dada pela Lei nº 12.741/07, que, diferentemente do preceito declarado inconstitucional no RE 598.677, estabelecia expressamente que ‘o imposto será pago antecipadamente, total ou parcialmente, no momento da entrada das mercadorias relacionadas em regulamento no território deste Estado, se recebidas de outra unidade da Federação por estabelecimento que comercialize mercadorias’.

A diversidade de objetos de controle de constitucionalidade justifica um olhar atento e individualizado sobre o recurso extraordinário em exame, devendo o Tribunal aferir se as singularidades do preceito ora impugnado justificam solução jurídica distinta da que foi alcançada no julgamento do RE 598.677.”

E a resposta é desenganadamente afirmativa. Tanto o dispositivo impugnado no presente recurso extraordinário (art. 24, § 8º, da Lei n. 8.820/1989, com a redação dada pela Lei n. 12.741/2007) quanto o preceito legal atualmente em vigor (art. 24, § 8º, na redação conferida pela Lei nº 15.576/2020) são substancialmente diversos daquele declarado inconstitucional pelo Tribunal no RE 598.677 (redação original do art. 24, § 7º). Impõe-se, portanto, realizar o devido distinguishing, evitando a reprodução irrefletida e automática dos precedentes vinculantes do Tribunal. Aqui, a meu sentir, há lei em sentido estrito autorizando a cobrança antecipada do ICMS no momento em que as mercadorias ingressam no território do Estado do Rio Grande do Sul, em linha com a tese aprovada no julgamento do RE 598.677.” (Destacou-se)

Como se vê, portanto, no entendimento do Exmo. Ministro Gilmar Mendes, a espúria delegação em branco praticada, originalmente, pelo § 7º do art. 24 da Lei n. 8.820/1989 não teria mais sido cometida a contar da edição da Lei n. 12.741/2007, a qual teria introduzido o § 8º naquele dispositivo legal, sendo que tal regra não teria transferido ao Executivo a atribuição de fixar as hipóteses de antecipação de “diferencial de alíquota”. Reforçando tal conclusão, o Exmo. Ministro Gilmar ainda fez menção à recente alteração do mesmo art. 24 promovida pela Lei estadual n. 15.576, de 29 de dezembro de 2020, a qual veio a “tornar a antecipação tributária ainda mais explícita, dirimindo quaisquer dúvidas que pudessem pairar sobre a temática”49.

No entanto, com máximo respeito às opiniões em sentido contrário, não temos como concordar com a conclusão de que a redação do art. 24 da Lei n. 8.820/1989 trazida pela Lei n. 12.741/2007 teria corrigido, de modo satisfatório, a falha da delegação em branco que até esse momento era praticada pela lei gaúcha. O antes referido Voto do Exmo. Ministro Gilmar Mendes sustenta que o § 8º desse dispositivo legal teria permitido a superação desse vício formal, mas deixou ele de transcrever (ou mesmo mencionar) o § 9º introduzido pela mesma lei, o qual está umbilicalmente ligado ao parágrafo anterior e vem precisamente a delegar ao Poder Executivo a possibilidade de criar, por regulamento, hipóteses especiais em que haverá (ou não) antecipação de “DIFAL”, tendo em vista a natureza da “mercadoria, serviço, operação, prestação, atividade econômica ou categoria de contribuintes”.

Portanto, mostra-se, para nós, um tanto desafiadora a conclusão de que o vício reconhecido pela Corte Suprema quando do julgamento do Tema n. 456 da RG teria sido retificado pela legislação gaúcha a contar da edição da Lei n. 12.741/2007, na medida em que não há técnica interpretativa que possa amparar uma leitura separada dos já mencionados §§ 8º e 9º do art. 24 da Lei n. 8.820/1989. Na verdade, o § 9º do art. 24 da Lei do ICMS do Rio Grande do Sul continuou, abertamente, atribuindo a normas infralegais a tarefa efetiva de fixar as condições e exceções que determinariam os casos em que o contribuinte deveria ou não promover o pagamento antecipado de “DIFAL”.

Aliás, comparando-se o teor desses dispositivos legais com a linguagem utilizada pelo § 7º do art. 24 da Lei n. 8.820/1989 (“sempre que houver necessidade ou conveniência, poderá ser exigido o pagamento antecipado do imposto”), o qual indubitavelmente foi considerado inconstitucional pelo STF quando do julgamento do Tema n. 456 de RG, não há como se sustentar que, em um caso, há plena determinação normativa em texto legal e, em outro, teria ocorrido a proibida “delegação em branco”. Ora, se as disposições legais combinadas dos §§ 8º e 9º não estão realizando a vedada “delegação genérica” ao Executivo ao permitir que o regulamento acabe definindo quais casos haverá ou não “DIFAL antecipatório”, difícil imaginar uma outra situação em que isso poderia estar, de fato, ocorrendo! Isso porque a possibilidade de criar por Decreto as “condições” e “exceções” dos casos em que deverá ou não ocorrer a antecipação no pagamento de “DIFAL” representa precisamente aquilo que deverá ser objeto de cognoscibilidade normativa plena por parte do contribuinte, pois é esse o conteúdo normativo que autoriza o particular a conhecer e determinar o direito aplicável ao seu caso, projetando, com segurança, as consequências das suas condutas. Se isso não está no texto da lei, mas apenas em ato regulamentar, jamais se poderia dizer que foi respeitada a proteção que o princípio da segurança jurídica e da legalidade visam resguardar.

Desse modo, mesmo que o mencionado § 8º tivesse previsto, de modo genérico e aberto, que o “imposto será pago antecipadamente, total ou parcialmente, no momento da entrada no território deste Estado”, continuou o Regulamento do ICMS a especificar “quando”, “como” e “em relação a quem” essa antecipação deveria ser observada. Com efeito, sem uma perfeita compreensão do conteúdo do Regulamento do ICMS do RS permaneceu sendo impossível ao contribuinte conhecer o direito aplicável ao seu caso e definir se deveria ou não observar a antecipação do “DIFAL”, de modo a sempre sofrer autuações fiscais quando viesse a compreender de modo divergente a regra infralegal aplicável na sua situação concreta. Assim, não há dúvida de que continuou havendo hipótese de “delegação em branco” mesmo após a edição da Lei n. 12.741/2007.

Além disso, impõe-se destacar que, mais recentemente, o art. 35, VIII, da Lei Estadual n. 15.576/2020 veio alterar o § 8º do art. 24 da Lei n. 8.820/1989 (e a revogar o § 9º do mesmo artigo), de modo a especificar uma nova regra de antecipação de “DIFAL” devido nas operações interestaduais, normatizando, agora sim, em lei formal algumas situações fáticas particulares que se submeteriam a essa exigência (i.e., quando “a diferença entre a alíquota interna e a interestadual seja igual ou inferior a 6%”). Antes, esse tipo de regramento constava do art. 46, § 4º e suas notas, do RICMS-RS, sendo certo que, agora, passa ele a encontrar também fundamento direto em ato legislativo formal! Dito de outro modo, as regras de antecipação de “DIFAL”, até dezembro de 2020, encontravam detalhamento exclusivo nos §§ e notas do art. 46 do RICMS-RS. Precisamente por isso, a Lei Estadual n. 15.576/2020, para se adequar ao Tema n. 456 da RG veio a (i) aglutinar as regras contidas nos §§ 8º e 9º na redação anterior do art. 24, bem como (ii) veio a incorporar no texto legal a regra específica de antecipação de “DIFAL” que, até esse momento, constava do art. 46, § 4º e nota 5, do RICMS-RS50. Para bem ilustrar esse ponto, merece ser conferida a seguinte Tabela comparativa:

Lei Estadual n. 8.820/1989

RICMS-RS

Lei n. 11.458/2000

Lei n. 12.741/2007

Lei n. 15.576/2020

Art. 24 [...] § 7º Além das hipóteses previstas no parágrafo anterior, sempre que houver necessidade ou conveniência, poderá ser exigido o pagamento antecipado do imposto, com a fixação, se for o caso, do valor da operação ou da prestação subsequente, a ser realizada pelo próprio contribuinte, exceto nas saídas de couro e de pele, classificados no Capítulo 41 da NBM/SH-NCM.

Art. 24 [...] § 8º O imposto será pago antecipadamente, total ou parcialmente, no momento da entrada no território deste Estado, nos recebimentos de mercadorias de outra unidade da Federação. (Redação dada pela Lei nº 14.178 de 28/12/2012).

§ 9º Relativamente ao imposto devido conforme o disposto no § 8º deste artigo, o Poder Executivo poderá, nas condições previstas em regulamento:

I – rever exceções por mercadoria, serviço, operação, prestação, atividade econômica ou categoria de contribuintes; II – autorizar que o pagamento seja efetuado em prazo posterior.

Art. 24 [...]

§ 8º Nos recebimentos de mercadorias de outra unidade da Federação, o imposto relativo à operação subsequente será pago antecipadamente, total ou parcialmente, no momento da entrada no território deste Estado, exceto nas hipóteses em que a diferença entre a alíquota interna e a interestadual seja igual ou inferior a 6% (seis por cento), podendo o Poder Executivo:

I autorizar que o pagamento seja efetuado em prazo posterior;

II prever exceções por mercadoria, operação, atividade econômica ou categoria de contribuintes;

III definir termos e condições em regulamento.

§ 9º (revogado pela Lei nº 15.576/20)

Art. 46. O disposto no art. 43 não se aplica, devendo o imposto ser pago:

§ 4º No recebimento de mercadorias de outra unidade da Federação, exceto as relacionadas no Apêndice II, Seções II e III, parte do imposto relativo à operação subsequente, calculada na forma das notas 02 e 03, é devida no momento da entrada da mercadoria no território deste Estado, devendo ser paga: [...]

Nota 05. O disposto neste parágrafo não se aplica a mercadorias recebidas para industrialização quando a alíquota, na operação interestadual, for superior a 4% (quatro por cento).

Como se vê, uma das prováveis intenções do legislador estadual ao editar a Lei n. 15.576/2020 e alterar os §§ 8º e 9º do art. 24 da Lei Gaúcha do ICMS foi a de precisamente corrigir a inconstitucionalidade formal identificada pelo Colendo STF quando julgou o RE n. 598.677/RS, de modo a tentar retificar – mesmo que apenas de modo prospectivo – o vício que continuou prevendo hipótese de delegação genérica ao Poder Executivo para a criação de antecipação do “diferencial de alíquota”.

Por essas razões, concluímos que a matéria discutida no RE n. 970.821/RS (Tema n. 517 de RG) deve, por coerência, continuar sendo apreciada levando-se em considerações as razões de decidir que foram adotadas no julgamento do Tema n. 456 da RG, de modo a se reconhecer que, até o advento da Lei Estadual n. 15.576/2020, os §§ 8º e 9º do art. 24 da Lei n. 8.820/1989 continuaram promovendo delegação “em branco” ao Poder Executivo para a criação das hipóteses de cobrança do “DIFAL antecipatório”.

4.4. É viável a antecipação de “DIFAL” sem possibilidade de abatimento do montante antecipado com o ICMS efetivamente devido quando da realização da operação subsequente?

Por fim, fixados os pressupostos acima acerca das distinções essenciais entre o aqui denominado “DIFAL constitucional” e o “DIFAL legal/antecipatório”, cabe enfrentar um dos principais aspectos da discussão constitucional travada no RE n. 970.821/RS (Tema n. 517 de RG), qual seja a possibilidade de a LC n. 123/2006 proibir, em relação às empresas do Simples Nacional, a apropriação de posterior crédito correspondente ao montante de ICMS pago em antecipação, dentro da sistemática criada pelos §§ 8º e 9º do art. 24 da Lei n. 8.820/1989, para fins de seu abatimento com o valor do ICMS efetivamente devido quando da realização da operação subsequente de circulação de mercadoria ou serviço. Cabe, pois, definir, primeiramente, a real natureza desse crédito fiscal, para se compreender qual o efetivo fundamento de sua existência, de modo a se avaliar, em seguida, se há ou não tratamento discriminatório contra as empresas do Simples Nacional, mormente considerando que todas as demais empresas da categoria geral estão autorizadas a abater o valor pago em antecipação com o imposto efetivamente devido quando da realização do fato gerador real relacionado à posterior revenda.

Pois bem, antes de mais nada, impõe-se aqui recapitular as razões de decidir do Exmo. Ministro Edson Fachin, Relator do RE n. 970.821/RS (Tema n. 517 de RG), quando veio a entender que tal proibição, em relação às empresas optantes do Simples Nacional, seria plenamente legítima, razoável e não atentaria ao tratamento tributário benéfico a elas garantido no art. 146, III, “d”, da CRFB/1988. Para fundamentar tal conclusão, pelo menos quatro argumentos distintos foram desenvolvidos pelo Exmo. Ministro Fachin, quais sejam:

i) a vedação ao direito de crédito a ser compensado, referente ao montante de ICMS pago em antecipação, seria legítima, pois essa estaria prevista no art. 23 da LC n. 123/2006;

ii) o legislador ordinário também estaria autorizado a criar essas exceções “ao direito ao abatimento, desde que em prol da racionalidade do regime diferenciado e mais favorável ao micro e pequeno empreendedor, bem como lastreado em finalidades com assento constitucional, como é o caso da promoção do federalismo fiscal cooperativo de equilíbrio e da continuidade dos pilares do Estado Fiscal”;

iii) a lei gaúcha do ICMS já teria consagrado “tratamento mais benéfico a sociedades empresárias aderentes ao Simples Nacional, permitindo-se maior prazo de recolhimento do diferencial de alíquota àquelas pessoas jurídicas em comparação aos contribuintes submetidos à sistemática geral, sob as luzes da praticabilidade fiscal e da realização do princípio da capacidade contributiva no dinâmico contexto de mercado referente ao Estado do Rio Grande do Sul”;

iv) A adesão pela empresa ao Simples Nacional é “facultativa no âmbito da livre conformação do planejamento tributário”, de modo que tal escolha empresarial deve considerar o bônus e o ônus desse regime especial, sob pena de se permitir uma “adesão parcial ao regime simplificado” ou uma espécie de criação de sistema híbrido de tributação por parte do Judiciário, o que seria inviável “à luz da separação dos poderes ... sem qualquer amparo legal” (destaques nossos).

Quanto ao primeiro argumento, o qual podemos qualificar como sendo o da “existência de previsão em lei”, entendemos, respeitosamente, que essa consideração não tem o efeito de justificar a conclusão alcançada, tendo em vista o âmbito constitucional dentro do qual a validade da legislação tributária de regência está sendo analisada e discutida. Isso significa dizer que, em sede de controle de constitucionalidade das leis, é pressuposto lógico para o enfrentamento da questão jurídica em pauta que a norma jurídica que se entende defeituosa, irrazoável ou injusta esteja prevista em algum dispositivo de lei. Se assim não fosse e a previsão em lei fosse suficiente para se legitimar uma escolha restritiva promovida pelo Poder Legislativo, a quase totalidade dos temas enfrentados em sede de controle de constitucionalidade seria inócua. Portanto, o fato de o art. 23 da LC n. 123/2006 conter a proibição ao direito de crédito em relação às empresas do Simples não é propriamente argumento que justifique tal prática, mas apenas ponto de partida para se autorizar a discussão material acerca da efetiva compatibilidade dessa regra infraconstitucional com os padrões normativos superiores previstos na Constituição.

Quanto ao segundo argumento desenvolvido pelo Exmo. Ministro Fachin, o qual podemos denominar de “argumento da finalidade federativa na repartição equilibrada da arrecadação de ICMS”, novamente devemos fazer remissão à diferenciação entre o “DIFAL constitucional” e o “DIFAL legal/antecipatório” realizada nos tópicos 3 e 4.1 deste Parecer, em que se buscou demonstrar que a sistemática criada pelos §§ 8º e 9º do art. 24 da Lei n. 8.820/1989 não possui qualquer relação direta nem reflexa com mecanismo de divisão de receita de ICMS regulado pelo art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, da CRFB/1988. Exatamente por isso não se mostra plausível invocar a teleologia que fundamenta o regime constitucional de exigência de “diferencial de alíquotas” em operações interestaduais para os casos em que a lei impõe o pagamento antecipado de uma espécie de “diferencial de alíquotas” que se reporta, na verdade, a operações internas de revenda que estarão abarcadas pelo escopo de competência de apenas um ente federativo estadual. Conforme se pretendeu ilustrar, a regra do art. 24 da Lei n. 8.820/1989 apenas determina a antecipação de ICMS próprio a ser paga pelo contribuinte, normalmente, quando da entrada no estabelecimento comercial de bens que tiveram origem em operação interestadual. Por isso, o objetivo que pretende ser, neste caso, promovido não é o reequilíbrio federativo na repartição da arrecadação do ICMS entre entes subnacionais, mas apenas uma facilitação financeira no fluxo de caixa de um Estado que prefere adiantar o potencial arrecadatório de um fato gerador futuro que somente se materializará quando de um revenda que possui data incerta para a sua ocorrência. Desse modo, o argumento finalístico adotado para se legitimar a vedação contida no art. 23 da LC n. 123/2006 simplesmente não é condizente com a sistemática de tributação antecipada que está sendo, aqui, discutida.

Quanto ao terceiro argumento que afirma que a lei estadual já teria garantido tratamento mais vantajoso às empresas do Simples Nacional, mostra-se necessária uma pequena digressão acerca do regulamento do ICMS gaúcho. Conforme já analisado, estão previstas nos parágrafos do art. 24 da Lei n. 8.820/1989 algumas hipóteses de recolhimento antecipado do ICMS, tendo o seu § 8º fixado regra genérica que determina que esse “será pago antecipadamente, total ou parcialmente, no momento da entrada no território deste Estado”, nos casos de “recebimentos de mercadorias de outra unidade da Federação”. Diante disso, pode-se presumir, com base nessa lei tributária, que todos os contribuintes gaúchos que venham a adquirir produtos de outros Estados para fins de revenda deverão recolher um adiantamento do ICMS devido no momento da entrada desses bens no estabelecimento comercial, emitindo documento arrecadatório separado para cada um desses ingressos.

No entanto, é o Regulamento do ICMS gaúcho que, na realidade, promove o detalhamento das mais variadas hipóteses em que essa antecipação deve ser efetivamente recolhida, o que, conforme já enfrentado no tópico 4.3, acaba criando um gravíssimo cenário de incerteza e de divergências acerca da regra infralegal específica que deve ser seguida pelo contribuinte no cumprimento desse recolhimento antecipado de parcela do imposto, o que, por óbvio, culmina em constantes autuações fiscais por parte do Fisco Gaúcho, o qual entende que essa antecipação deveria ter sido promovida em momento diverso daquele considerado correto pelo contribuinte. Dito isso, cabe então destacar que, em verdade, a identificação concreta do momento exato em que o contribuinte deverá cumprir com o seu dever de pagar antecipadamente essa espécie de “diferencial de alíquota” somente pode ser promovida por meio de uma leitura atenta e minuciosa do emaranhando de disposições infralegais que estão positivadas nos artigos, parágrafos, incisos e notas explicativas integrantes dos arts. 46 a 52 do RICMS-RS, os quais não poderiam ser aqui transcritos em razão da sua longa extensão.

Pois bem, caso superada a dificuldade interpretativa que se enfrenta diante de um verdadeiro labirinto normativo, um estudo paciente e aprofundado do RICMS-RS apontará para a regra infralegal que, de fato, consagra um prazo que supostamente seria mais dilatado para as empresas do Simples recolherem o “DIFAL antecipatório”, já que essas, nos termos da alínea “b” do § 4º do art. 46, do RICMS, poderão cumprir tal obrigação até o 23º dia do segundo mês subsequente ao da entrada da mercadoria no território do Estado51, o que, em tese, poderia representar uma vantagem52 das micro e pequenas empresas perante as demais, já que não precisarão se descapitalizar, de imediato, quando ocorre o ingresso desse bem no seu estabelecimento.

No entanto, tal conclusão somente se mostra correta e plausível se os demais dispositivos do Regulamento do ICMS gaúcho forem ignorados! Isso porque, de pronto, já se verifica que o mesmo art. 46, § 4º, do RICMS – agora na sua alínea “a” – consagra outra hipótese de prazo o recolhimento do “DIFAL” mais vantajoso (“até o dia fixado para o pagamento das operações do estabelecimento onde ocorreu a entrada”), mas essa aplicável para todas as empresas da “categoria geral”! Ademais, se isso não bastasse – mesmo que uma discussão constitucional não deva se apegar a filigranas contidas em regulamentos – não se poderia deixar de referir que o RICMS-RS, em leitura sistemática dos seus arts. 25, 28 e respectivas notas explicativas, prevê regra alternativa de pagamento do unificado do “DIFAL antecipatório” juntamente com o restante do ICMS devido no respectivo período de apuração, desde que emitida uma “emitida uma única Nota Fiscal” e apresentada ao Fisco uma “planilha de demonstrativa de débitos”53. Tudo isso, portanto, presta-se a demonstrar que o suposto prazo mais dilatado para pagamento da antecipação de ICMS, que seria o tratamento vantajoso dedicado às empresas vinculadas ao Simples, na realidade não representa benefício diferenciado algum, caso bem compreendido o modo complexo de operar desse regramento.

De outro lado, ainda dentro do espaço de argumentação envolvendo o “tratamento benéfico já consagrado às empresas do Simples”, não se poderia deixar de observar que a atitude anti-isonômica e desproporcional praticada pela LC n. 123/2006 contra micro e pequenas empresas, aqui alvo de ataque, não diz respeito à extensão do prazo que foi concedido para se cumprir o dever de pagar uma antecipação de imposto. Na verdade, a dimensão efetivamente danosa gerada pela proibição contida no art. 23 da LC n. 123/2006 envolve um ônus econômico objetivamente maior a ser suportado por aquelas empresas que a Constituição anuncia querer mais proteger e resguardar. Ora, conceder maior prazo de pagamento para uma antecipação de dívida, mas impedir que o pago de modo antecipado seja posteriormente aproveitado, criando assim um ônus tributário final mais elevado, aparenta ser um cálculo de vantagens e desvantagens que ninguém estaria disposto a aceitar.

Antes de mais nada, é de máxima importância destacar que o crédito fiscal que se está proibindo a apropriação neste caso não possui idêntica natureza dos créditos escriturais aproveitados dentro da sistemática da não cumulatividade, os quais, como bem se sabe, são oriundos do valor relacionado ao “montante cobrado nas [operações] anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal” (ex vi, art. 155, § 2º, inciso I, da CRFB/1988). Em verdade, conforme já referido no tópico 3.3 deste Parecer, o crédito aqui discutido não está relacionado ao ICMS que havia integrado o custo de uma mercadoria oriunda de uma operação interestadual anterior, mas envolve uma antecipação de parcela do ICMS próprio que seria devido pelo contribuinte local somente quando esse viesse a praticar, no futuro, a operação subsequente de revenda desse bem. Assim, o crédito que é negado às empresas do Simples pela interpretação dada ao art. 23 da LC n. 123/2006 não está relacionado a um dos custos que outro contribuinte arcou em etapa produtiva anterior, mas sim um ônus legal que o obriga a antecipar parte do débito do ICMS próprio que esse indivíduo teria que pagar somente quando promovesse nova circulação de mercadoria.

Ora, se se está diante de uma assumida antecipação de pagamento é porque, necessariamente, existe algo sendo antecipado, qual seja aquilo que deveria ser pago somente no futuro, mas que, por força de determinadas circunstâncias, o devedor se vê obrigado a avançar uma parcela dos seus recursos atuais para a quitação prévia de uma dívida ainda vindoura. Exatamente por isso, como há aqui uma relação de antecipação de ICMS que somente seria passível de apuração quando da realização de fato gerador futuro, sendo a vontade do legislador estadual o único elemento externo que cria essa obrigação de antecipar uma parte desse imposto, não se poderia admitir qualquer espécie de restrição, limitação ou flexibilização no direito de compensar aquilo que foi pago antecipadamente com aquilo que efetivamente será devido no futuro. O que soa manifestamente ilógico e implausível é imaginar uma espécie de “antecipação definitiva” de parte de dívida, a qual jamais irá se comunicar com a quitação do débito futuro que é o objeto dessa relação obrigacional. Portanto, defender que uma antecipação de tributo não poderá gerar um crédito compensável com o montante equivalente àquilo que foi efetivamente pago antecipadamente é incorrer em evidente contradição, pois se estaria permitindo, nessa visão, a criação de uma espécie de adiantamento de um compromisso futuro que jamais existirá!

Portanto, em nossa opinião a validade do art. 23 da LC n. 123/2006 sequer dependeria da correta definição do sentido de “tratamento favorecido” previsto nos arts. 146, III, “d”, e 179 da CFRB/1988, mas sim da clara compreensão do regime jurídico próprio do “DIFAL antecipatório”, o qual, supostamente embasado no art. 150, § 7º, da CRFB/1988, permitiria um adiantamento de parte do ICMS, com base em um fato gerador presumido, mas que será apurado e efetivamente devido apenas em razão de uma operação subsequente. O crédito fiscal que aqui as empresas do Simples pleiteiam não é outra coisa senão uma parte do mesmo aspecto quantitativo que já está englobado pela apuração unificada desse regime simplificado de tributação!

O respeito ao senso de coerência exige ou que se aceite que se trata efetivamente de uma antecipação, o que semanticamente impõe a conclusão de que sempre deverá haver um direito de compensação do crédito no exato montante daquilo que já foi antecipado, ou que se mude drasticamente a interpretação desse cenário jurídico, de modo a defender que as empresas proibidas de apropriarem créditos em tais casos possuem o ônus de recolher duas vezes o ICMS próprio, em evidente “bis in idem”, nos casos em que participarem de uma operação interestadual, quais sejam: uma incidência autônoma na entrada do estabelecimento (gerando uma espécie extravagante de “DIFAL antecipatório definitivo”) e outra na saída da mercadoria, quando da efetiva realização da operação de venda subsequente.

Por fim, cabe referir que não se estaria, desse modo, afrontando o princípio da separação de poderes, pois uma interpretação conforme à Constituição que afastasse tal restrição excessiva e desproporcional ao direito de crédito nas hipóteses do pagamento do “DIFAL antecipatório”, a qual, como se viu, pende exclusivamente em relação às empresas do Simples Nacional, não estaria criando um “regime híbrido”, mas estaria, de forma particular e concreta, delimitando o escopo normativo aceitável da regra do art. 23 da LC n. 123/2006, de forma a manter a sua aplicação para todos os demais casos em que não houvesse supressão do direito básico de compensar parte de dívida que já tiver sido quitada pelo devedor. Com isso, permanece a plena validade e vigência dessa disposição legal para os demais casos em que não se admite o aproveitamento de crédito por parte das empresas do Simples Nacional, pois se estará diante de situação distinta desta ora em discussão. O Poder Judiciário, assim, não estará invadindo competência exclusiva do Poder Legislativo, uma vez que terá apenas dedicado interpretação à LC n. 123/2006 de modo a harmonizá-la e conformá-la – com maior coerência e adequação – ao conteúdo normativo superior que está presente na Constituição!

5. Conclusão

Com base na fundamentação acima, respondemos objetivamente os questionamentos formulados:

i) A cobrança de diferencial de alíquota de ICMS em operação interestadual (“DIFAL”), prevista no art. 24, §§ 8º e 9º, da Lei Estadual do Rio Grande do Sul n. 8.820/1989, possui fundamento no art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, da CRFB/1988?

Não. O art. 24, §§ 8º e 9º, da Lei Estadual n. 8.820/1989, em nossa visão, não possui qualquer relação com as hipóteses de cobrança de diferencial de alíquota de ICMS em operações interestaduais reguladas pelo art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, da CRFB/1988. Tal regra constitucional expressamente prevê a exigência de “diferencial de alíquota” em operações cujo destinatário seja “consumidor final”, contribuinte ou não do ICMS. De outro lado, a Lei gaúcha, no referido dispositivo legal, veio a prever situações particulares em que o Estado impõe o recolhimento antecipado de uma espécie de “diferencial de alíquota” em que o contribuinte do ICMS irá praticar ainda uma “operação subsequente” de circulação de mercadoria (i.e., uma futura revenda). Portanto, nas hipóteses reguladas pelo mencionado art. 24, não há se falar em “consumidor final”, não se está, de nenhum modo, repartindo arrecadação do ICMS entre entes estaduais nem se está tributando a própria operação interestadual (iniciada em outra unidade da federação). Na verdade, nessas situações específicas, temos uma lei estadual apenas criando um dever jurídico de o contribuinte antecipar o recolhimento de parcela do ICMS próprio que seria por ele devido quando esse praticasse uma futura revenda do bem oriundo de operação interestadual. Nessas situações, portanto, não há propriamente se falar em rateio de ICMS entre diferentes entes federativos estaduais, na medida em que, invariavelmente, a íntegra do ICMS devido será arrecadada, no caso em pauta, pelo Estado do Rio Grande do Sul, sendo uma fração antecipada (em regra, na entrada do bem no território estadual, por isso justificando a alcunha de “imposto de fronteira”) e o restante quando da ocorrência efetiva desse fato gerador, o qual se materializará apenas quando da saída do estabelecimento comercial em razão de futura revenda.

De outro lado, o Colendo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Tema n. 546 de RG, fixou entendimento de que a técnica de antecipação no pagamento de “diferencial de alíquota” de ICMS encontraria fundamento no art. 150, § 7º, da CRFB/1988, o qual autoriza a criação por lei ordinária de hipóteses em que o sujeito passivo pode ser chamado a pagar imposto antes da ocorrência efetiva do fato gerador, desde que respeitado o seu direito à devolução caso o mesmo fato gerador não se materialize integralmente.

ii) Conceitualmente, há semelhanças entre o diferencial de alíquota de ICMS (“DIFAL”) previsto no art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, da CRFB/1988 e as hipóteses de cobrança antecipada de diferencial de alíquota de ICMS, tal como prevista no art. 24, §§ 8º e 9º, da Lei Estadual do Rio Grande do Sul n. 8.820/1989?

Conforme analisado no tópico 3, entendemos que não há semelhanças substanciais ou relevantes entre as hipóteses de “diferencial alíquota” reguladas pelo art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, da CRFB/1988 e as situações de exigência de ICMS antecipado previstas art. 24, §§ 8º e 9º, da Lei Estadual n. 8.820/1989. Os dois representam mecanismos de cobrança de ICMS que adotam técnicas de tributação distintas, possuem fundamentos normativos diferentes e pretendem atingir objetivos que também não são idênticos.

A aproximação contingente entre esses dois institutos pode ter se dado apenas pelo fato de envolverem cobrança de ICMS em cenários envolvendo operações interestaduais de circulação de mercadorias e serviços, o que, de modo acidental, poder ter provocado a equivocidade no uso do termo “DIFAL” nos dois casos.

iii) Qual o objetivo almejado pelo Estado quando impõe a cobrança antecipada de diferencial de alíquota de ICMS (“DIFAL”), tal como a hipótese prevista no art. 24, §§ 8º e 9º, da Lei Estadual do Rio Grande do Sul n. 8.820/1989?

Conforme defendido no tópico 4.1, o real objetivo do chamado “DIFAL legal/antecipatório” é o de apenas aprimorar o fluxo de caixa do Estado que impõe tal adiantamento no recolhimento de fração do ICMS que será devido em operação interna subsequente. Desse modo, tal sistemática gera ao ente tributante apenas um benefício financeiro (e não, propriamente, econômico), pois, pela própria lógica de um pagamento antecipado, o valor recolhido de antemão pelo contribuinte na entrada do seu estabelecimento estará, necessariamente, atrelado ao montante total de ICMS a ser apurado no futuro, quando da efetiva ocorrência do respectivo fato gerador de revenda dessa mercadoria oriunda de uma operação interestadual. Por isso, a finalidade dessa técnica legal de cobrança antecipada de “diferencial de alíquota”, não pode ser justificada com base em suposto “equilíbrio na repartição das receitas de ICMS”.

iv) A Lei Complementar n. 87/1996, que dispõe sobre normas gerais em matéria de ICMS, consagra alguma espécie de regulamentação nacional acerca das situações e limites em que os Estados poderão exigir a cobrança antecipada do diferencial de alíquota de ICMS em operação interestadual?

A Lei Complementar n. 87/1996 (Lei Kandir) contém regras que fazem menção à apuração e cobrança de diferencial de alíquota em operações interestaduais, tal como se vê dos seus arts. 6º, § 1º, 8º, § 5º, e 13, inciso IX. Tais dispositivos, porém, tratam dessa temática de forma incompleta, contendo apenas algumas previsões pontuais de cobrança de “DIFAL” em casos de substituição tributária e na apuração da base de cálculo em prestação de serviços interestaduais, deixando, de outro lado, sem qualquer regulação normativa os pontos mais relevantes dessa exigência adicional de ICMS. Assim, no contexto atual de nosso ordenamento jurídico, entendemos que há lacuna normativa na Lei Complementar n. 87/1996 que necessitaria ser corrigida, sob pena de inconstitucionalidade, dando fundamento, em norma geral, para as hipóteses previstas em lei estadual que impõem o recolhimento antecipado (i.e., em regra, na entrada da mercadoria no estabelecimento comercial) de um tipo derivativo de “DIFAL” daquele contribuinte que adquiriu, por meio de operações interestaduais, bens que pretende, posteriormente, revender.

v) Relativamente à delegação autônoma ao Poder Executivo contida no art. 24, § 7º, da Lei Estadual do Rio Grande do Sul n. 8.820/1989 e reconhecida como inválida pelo Colendo Supremo Tribunal Federal no Tema de Repercussão Geral n. 456, veio ela a ser, posteriormente, corrigida e superada pelos §§ 8º e 9º da mesma legislação estadual?

Conforme exposto no tópico 4.3, em nossa opinião, a redação do art. 24 da Lei n. 8.820/1989 trazida pela Lei n. 12.741/2007 não teria corrigido, de modo satisfatório, a falha da delegação em branco que até esse momento era praticada pela lei gaúcha. Isso porque o § 9º introduzido pela mesma lei, o qual está umbilicalmente ligado ao seu § 8º, vem precisamente a delegar ao Poder Executivo a possibilidade de criar, por regulamento, hipóteses especiais em que haverá (ou não) antecipação de “DIFAL”, tendo em vista a natureza da “mercadoria, serviço, operação, prestação, atividade econômica ou categoria de contribuintes”. Assim, a possibilidade de fixar por Decreto as “condições” e “exceções” dos casos em que deverá ou não ocorrer a antecipação no pagamento de “DIFAL” representa precisamente aquilo que deverá ser objeto de cognoscibilidade normativa plena por parte do contribuinte, pois é esse o conteúdo normativo que autoriza o particular a conhecer e determinar o direito aplicável ao seu caso, projetando, com segurança, as consequências das suas condutas. Se isso não está no texto da lei, mas apenas em ato regulamentar, jamais se poderia dizer que foi respeitada a proteção que o princípio da segurança jurídica e da legalidade visam resguardar. Desse modo, mesmo que o mencionado § 8º tivesse previsto, de modo genérico e aberto, que o “imposto será pago antecipadamente, total ou parcialmente, no momento da entrada no território deste Estado”, continuou o Regulamento do ICMS a especificar “quando”, “como” e “em relação a quem” essa antecipação deveria ser observada. Com efeito, sem uma perfeita compreensão do conteúdo do Regulamento do ICMS do RS permaneceu sendo impossível ao contribuinte conhecer o direito aplicável ao seu caso e definir se deveria ou não observar a antecipação do “DIFAL”, de modo a sempre sofrer autuações fiscais quando viesse a compreender de modo divergente a regra infralegal aplicável na sua situação concreta. Assim, em nossa visão, continuou a existir “delegação em branco” mesmo após a edição da Lei n. 12.741/2007.

vi) Por fim, caso superados os eventuais vícios formais acima analisados, quanto ao dever de as micro e pequenas empresas realizarem o pagamento antecipado de diferencial de alíquota de ICMS, previsto no art. 24 da Lei Estadual do Rio Grande do Sul n. 8.820/1989, sem a possibilidade de tomada de crédito para sua posterior compensação, questiona-se:

vi-a) tal cobrança encontra fundamento no art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, da CRFB/1988?

Não, seu fundamento constitucional seria o art. 150, § 7º, da CRFB/1988, conforme definido quando do julgamento do Tema n. 546 de RG.

vi-b) essa exigência de diferencial de alíquota de ICMS está fundamentada em necessidade de repartição equânime do produto de arrecadação desse imposto entre os diferentes estados-membros?

Em nossa compreensão, essa não seria a finalidade desse instituto jurídico, mas sim a de aprimorar o fluxo de caixa por parte do Estado que exige um adiantamento de parte do ICMS que seria devido apenas quando praticada pelo contribuinte uma operação de revenda futura.

vi-c) a previsão, na Lei Complementar n. 123/2006, de exigência das empresas vinculadas ao Simples Nacional do diferencial de alíquota de ICMS é suficiente para se validar tal cobrança?

Novamente defendemos que há lacuna normativa na LC n. 87/1996 que necessitaria ser corrigida, sob pena de inconstitucionalidade, para detalhar, em norma geral, os critérios nacionais que regulem a técnica de recolhimento antecipado desse tipo derivativo de “DIFAL”, regras essas que deveriam ser observadas, inclusive, para as empresas optantes do Simples Nacional, que não poderiam sofrer tratamento discriminatório e prejudicial perante as demais empresas.

vi-d) Comparativamente, a concessão legal de prazo mais dilatado no pagamento do “DIFAL antecipatório” por parte das empresas do Simples Nacional, mas sem possibilidade de aproveitamento de crédito referente ao imposto antecipado, pode ser interpretada como tratamento mais benéfico do que aquele recebido pelas empresas da categoria geral, que possuem prazo mais rigoroso para quitar o imposto antecipado, mas poderão aproveitar, no seu caso, o mesmo crédito?

Conforme defendido no tópico 4.4, o art. 46, § 4º, do RICMS-RS, de fato, consagra um prazo que supostamente seria mais dilatado para as empresas do Simples recolherem o “DIFAL antecipatório” (até o 23º dia do segundo mês subsequente ao da entrada da mercadoria no território do Estado). No entanto, o mesmo Regulamento consagra inúmeras situações particulares em que prazos favoráveis de pagamento também são concedidos a empresas da categoria geral, obedecidos determinados requisitos formais. Assim, o suposto prazo mais dilatado para pagamento da antecipação de ICMS, que seria o tratamento vantajoso dedicado às empresas vinculadas ao Simples, na realidade não representa benefício diferenciado algum, caso bem compreendido o modo complexo de operar desse regramento.

vi-e) Considerando que o art. 150, § 7º, da CRFB/1988 prevê que a antecipação de fato gerador presumido é admitida apenas na extensão e na medida concreta em que realizado o posterior fato gerador real, a exigência de pagamento do pagamento do “DIFAL antecipatório” pelas empresas do Simples Nacional, sem possibilidade de aproveitamento de crédito, mostra-se compatível com tal regramento constitucional?

Mesmo que seja discutível a invocação do art. 150, § 7º, da CRFB/1988 nos casos em que há cobrança de “DIFAL antecipatório”, caso seja aceito esse fundamento, é evidente que a íntegra desse regramento constitucional deverá ser observado pelo ente tributante e pelo intérprete, de modo a vincular a cobrança que tenha sido efetuada em antecipação com a efetiva ocorrência do “fato gerador [que] deva ocorrer posteriormente”. É precisamente por isso que, uma vez tendo o Estado escolhido exigir tal cobrança antecipada do seu ICMS, criando assim um fardo financeiro ao respetivo contribuinte, que terá de avançar o pagamento de parte do imposto sobre uma riqueza futura que ainda não produziu, assume o ente fiscal um dever de admitir a compensação de crédito correspondente a essa antecipação e, inclusive, a devolução desse montante, caso, por qualquer motivo, o fato gerador futuro não venha a se perfectibilizar. Ora, se assim não for, não há dúvida de que o ente tributante estadual – que criou mecanismo antecipatório em seu exclusivo interesse financeiro – estará se apropriando indevidamente de grandeza econômica que não lhe pertence, incorrendo em “bis in idem” e locupletamento sem causa e exigindo pagamento duplo de ICMS (i.e., uma parcela na entrada do estabelecimento e novamente a íntegra do imposto devido quando da futura revenda).

vi-f) Mostra-se compatível com a Constituição a proibição, exclusivamente em relação às empresas optantes do Simples Nacional, do direito de ser apropriar crédito correspondente ao montante recolhido a título de antecipação de “DIFAL”, para fins de compensação com o valor correspondente ao ICMS que será devido quando da realização da futura operação de revenda da mercadoria ou serviço adquirido em operação interestadual? É viável interpretação conforme a Constituição do art. 23 da LC n. 123/2006?

Conforme amplamente debatido no tópico 4.4, entendemos que culmina em tratamento anti-isonômico e desproporcional a interpretação do art. 23 da LC n. 123/2006 que proíbe as micro e pequenas empresas – e apenas elas – de aproveitarem e compensarem crédito equivalente ao montante recolhido a título de antecipação de “DIFAL”, com o valor de ICMS efetivamente devido quando da realização de futura operação de revenda. Tal vedação legal acaba criando um ônus econômico objetivamente maior a ser suportado por aquelas empresas que a Constituição anuncia querer mais proteger e resguardar.

Para se alcançar tal conclusão, mostra-se necessário compreender, em primeiro lugar, que o crédito fiscal que está proibindo a apropriação, neste caso, não possui idêntica natureza dos créditos escriturais aproveitados dentro da sistemática da não cumulatividade, os quais, como bem se sabe, são oriundos do valor relacionado ao “montante cobrado nas [operações] anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal” (ex vi, art. 155, § 2º, inciso I, da CRFB/1988). Em verdade, o crédito aqui discutido não está relacionado ao ICMS que havia integrado o custo de uma mercadoria oriunda de uma operação interestadual anterior, mas envolve uma antecipação de parcela do ICMS próprio que seria devido pelo contribuinte local somente quando esse viesse a praticar, no futuro, a operação subsequente de revenda desse bem. Assim, o crédito que é negado às empresas do Simples pela interpretação dada ao art. 23 da LC n. 123/2006 não está relacionado a um dos custos que outro contribuinte arcou em etapa produtiva anterior, mas sim um ônus legal que o obriga a antecipar parte do débito do ICMS próprio que esse indivíduo teria que pagar somente quando promovesse nova circulação de mercadoria.

Assim, se se está diante de uma assumida antecipação de pagamento é porque, necessariamente, existe algo sendo antecipado, qual seja aquilo que deveria ser pago somente no futuro, mas que, por força de determinadas circunstâncias, o devedor se vê obrigado a avançar uma parcela dos seus recursos atuais para a quitação prévia de uma dívida ainda vindoura. Salvo melhor juízo, soa ilógico e implausível imaginar uma “antecipação definitiva” de parte de dívida, a qual jamais irá se comunicar com a quitação do débito futuro que é o objeto dessa relação obrigacional.

Portanto, em nossa opinião, a validade do art. 23 da LC n. 123/2006 sequer dependeria da correta definição do sentido de “tratamento favorecido” previsto nos arts. 146, III, “d”, e 179 da CFRB/1988, mas sim da clara compreensão do regime jurídico próprio do “DIFAL antecipatório”, o qual, supostamente embasado no art. 150, § 7º, da CRFB/1988, permitiria um adiantamento de parte do ICMS, com base em um fato gerador presumido, mas que será apurado e efetivamente devido apenas em razão de uma operação subsequente. O crédito fiscal que aqui as empresas do Simples pleiteiam não é outra coisa senão uma parte do mesmo aspecto quantitativo que já está englobado pela apuração unificada desse regime simplificado de tributação!

Diante disso tudo, entendemos que, in casu, se mostra necessária a interpretação conforme à Constituição do art. 23 da LC n. 123/2006 – sem a necessidade da sua integral invalidação –, de modo a apenas afastar a restrição excessiva e desproporcional ao direito de crédito nas hipóteses do pagamento do “DIFAL antecipatório”, a qual pende exclusivamente contra as empresas do Simples Nacional, delimitando-se, assim, o escopo normativo aceitável dessa regra proibitiva aos demais casos de aproveitamento “créditos relativos a impostos ou contribuições abrangidos pelo Simples Nacional”. Portanto, ao se promover tal cotejo no âmbito de significação da regra contida no art. 23 da LC n. 123/2006, não se estará criando um “regime híbrido”, mas apenas garantindo a ela uma leitura harmônica e coerente com o conteúdo normativo superior que está presente na Constituição!

Referências bibliográficas

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ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2011.

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CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 18. ed. São Paulo: Malheiros/Juspodivm, 2020.

FERREIRA NETO. Arthur Maria. Por uma ciência prática do direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2016.

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MATTOS, Aroldo Gomes de. ICMS – comentários à legislação nacional. São Paulo: Dialética, 2006.

PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de. Impostos federais, estaduais e municipais. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

1 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 30/1.

2 “O dever de coerência é válido para o conjunto das ordens jurídicas parciais, mas também no interior destas mesmas ordens jurídicas e, até mesmo, para as leis individualmente consideradas.” (KIRCHHOF, Paul. Tributação no Estado Constitucional. Tradução: Pedro Adamy. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 57)

3 FERREIRA NETO. Arthur Maria. Por uma ciência prática do direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 166 e ss.

5 “Não há razões que justificam diferenças impositivas que contradigam entre si, ou seja, que violem a igualdade.” (KIRCHHOF, Paul. Tributação no Estado Constitucional. Tradução: Pedro Adamy. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 57)

6 Mesmo que o Recurso Extraordinário n. 1.287.019 (Tema n. 1.093 de RG) e as ADIs n. 5.464 e n. 5.469 tivessem, inicialmente, escopos distintos, no que se refere à classe de contribuintes questionando a constitucionalidade do Convênio CONFAZ n. 93/2015, vieram eles a ser apreciados pela Corte de modo simultâneo, analisando-se o mérito das questões constitucionais em disputa de modo unificado. Aliás, relativamente à ADI n. 5.464, a qual teve como foco a exigência do “DIFAL” especificamente das empresas optantes do Simples Nacional, tendo, em 2016, sido concedida Medida Cautelar suspendendo a Cláusula nona do referido Convênio interestadual, veio a Suprema Corte a julgar prejudicada tal Ação Direta, determinando fossem seguidas as diretrizes fixadas na ADI n. 5.469, que enfrentou mesma temática.

7 Vide o seguinte excerto do Voto do Ministro Relator Dias Toffoli: “... a LC n. 123/06 [...] trata de maneira distinta as empresas optantes desse regime em relação ao tratamento constitucional geral atinente ao denominado diferencial de alíquotas de ICMS referente às operações de saída interestadual de bens ou de serviços a consumidor final não contribuinte. Esse imposto, nessa situação, integra o próprio regime especial e unificado de arrecadação instituído pelo citado diploma. Nesse sentido, essas empresas não necessitam de recolhê-lo separadamente.”

8Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: [...] XII – cabe à lei complementar: [...] b) dispor sobre substituição tributária;”

9 “Art. 24. O imposto será pago em estabelecimento bancário credenciado, na forma e nos prazos previstos em regulamento.

[...] § 7º Além das hipóteses previstas no parágrafo anterior, sempre que houver necessidade ou conveniência, poderá ser exigido o pagamento antecipado do imposto, com a fixação, se for o caso, do valor da operação ou da prestação subsequente, a ser realizada pelo próprio contribuinte, exceto nas saídas de couro e de pele, classificados no Capítulo 41 da NBM/SH-NCM.”

10 “Nessa ordem de ideias, antes da ocorrência do fato gerador, não há obrigação tributária nem crédito constituído, ao menos nos moldes gerais fixados pelo CTN e estabelecidos na remansosa doutrina. Assim, não há que se falar em regulamentação de prazo de pagamento, uma vez que inexiste dever de pagar. [...] A par disso, como, no regime de antecipação tributária sem substituição, o que se antecipa é o momento (critério temporal) da hipótese de incidência...” (Excerto do Voto do Exmo. Ministro Dias Toffoli)

11 “Ao se antecipar o surgimento da obrigação tributária, o que existe, necessariamente, é, também, a antecipação, por ficção, da ocorrência do fato gerador da exação, já que a relação entre esse e aquela é ‘automática e infalível’...” (Excerto do Voto do Exmo. Ministro Dias Toffoli)

12 “Apenas por lei isso é possível, já que o momento da ocorrência do fato gerador é um dos aspectos da regra-matriz de incidência.” (Excerto do Voto do Exmo. Ministro Dias Toffoli)

13 “Portanto, a conclusão inafastável é pela impossibilidade de, por meio de simples decreto, como acabou fazendo o Fisco gaúcho, a pretexto de fixar prazo de pagamento, se exigir o recolhimento antecipado do ICMS na entrada da mercadoria no território do Rio Grande do Sul. [...] Com efeito, o art. 24, § 7º, do diploma confere ao regulamento, de maneira genérica e ilimitada, a possibilidade de se exigir o recolhimento antecipado do imposto sempre que houver necessidade ou conveniência. Como se nota, o diálogo com o ato infralegal se deu em branco, o que não é admitido por esta Corte.” (Excerto do Voto do Exmo. Ministro Dias Toffoli)

14 “Sob o manto do art. 150, § 7º, da Constituição, a Corte entendeu que a Lei estadual pode regular ‘a antecipação parcial do ICMS nas aquisições interestaduais de mercadoria para fins de comercialização’. [...] Apenas a antecipação tributária com substituição é que está submetida à reserva de lei complementar, por determinação expressa do art. 155, § 2º, inciso XII, alínea b, da Constituição.” (Excerto do Voto do Exmo. Ministro Dias Toffoli)

15 Tais considerações foram demarcadas, com precisão, no Voto do Exmo. Ministro Edson Fachin, Relator desse Recurso Extraordinário: “Trata-se de insurgência em face do tratamento tributário dispensado pelo Fisco gaúcho no que diz respeito às operações interestaduais de aquisição de mercadorias, cobrando-se o diferencial de alíquota de ICMS na fronteira do Estado-membro. Ressalta-se a condição do contribuinte aderente ao Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições, comumente referido como Simples Nacional. [...] De todo modo, há tema próprio da repercussão geral que versa sobre a questão, especificamente o de número 456, cujo paradigma é o RE 598.677.... Na presente hipótese, está em questão a constitucionalidade da cobrança de diferencial de alíquota de ICMS à sociedade empresária optante pelo Simples Nacional, independentemente de o contribuinte estar na condição de consumidor final no momento da aquisição.”

16 Pela constitucionalidade na cobrança antecipada de “DIFAL” votaram os Exmos. Ministros Fachin (Relator), Toffoli, Weber, Fux, Mendes e Marques. De outro lado, abriu divergência o Exmo. Ministro Moraes, tendo sido acompanhado pelos Exmos. Ministros Barroso, Cármen Lúcia, Lewandowski e Mello.

17 Reforça essa leitura precedente do Colendo STJ (REsp n. 1.193.911), citado na mesma seção do Voto do Ministro Fachin, do qual consta, em sua Ementa, o seguinte trecho relevante: “O diferencial de alíquota apenas garante ao Estado de destino a parcela que lhe cabe na partilha do ICMS sobre operações interestaduais. Caso não houvesse cobrança do diferencial, ocorreria grave distorção na sistemática nacional desse imposto. Isso porque a aquisição interestadual de mercadoria seria substancialmente menos onerosa do que a compra no próprio Estado, sujeita à alíquota interna ‘cheia’.” (Destacou-se)

18 Não cabendo aqui transcrever a íntegra desse debate, mostra-se emblemático o questionamento feito ao Ministro Relator por parte do Exmo. Ministro Alexandre de Moraes quando manifesta a seguinte dúvida bastante relevante: “ao que me parece, o recurso extraordinário aqui – posso estar enganado – trata da questão do recolhimento antecipado da diferença das alíquotas interestaduais internas, o ICMS, sobre operações realizadas pelo contribuinte, na hipótese de o contribuinte que adquiriu não ser o consumidor final. Porque a ADI 5.464 – citada por Vossa Excelência e que, salvo engano, é a sequencial na pauta – trata da outra hipótese, a hipótese de a cobrança desse diferencial ser realizada quando há aquisição por um consumidor final. Até porque, em cada uma das hipóteses, quem paga é diferente. Numa, quem paga é quem vendeu – por exemplo, São Paulo vendeu para o Rio Grande do Sul, e o Rio Grande do Sul é o consumidor final, e há a necessidade do pagamento dessa diferença. Se quem adquiriu não é o consumidor final, ele deverá pagar o tributo pela segunda venda e analisar as questões de antecipação ou não, compensação ou não. São duas hipóteses diversas que a Emenda Constitucional 87/2015 quis acertar, padronizar. Esse é um esclarecimento que faço, porque minha fundamentação é diversa para cada uma das hipóteses. Há pontos em comum, mas são diversas.” (Destaques nossos)

19 “A meu ver, aqui, a própria razão da edição da Emenda Constitucional 87/2015 foi equilibrar a distribuição de receitas entre os entes federativos, para evitar e, principalmente – é citado isso na apresentação da emenda –, por causa do comércio eletrônico, para impedir que só o – chamemos assim – Estado-origem arrecadasse e o Estado-destino não arrecadasse. Essa foi a ratio da emenda, essa foi a alteração do art. 155, inclusive, em toda a discussão sobre a emenda, colocando a questão das grandes redes do comércio eletrônico e que o Estado que acabava se favorecendo ou tributando era o Estado de origem. Por que inicio assim, Senhor Presidente? Porque em momento algum se pretendeu alterar o tratamento já dado, desde 1988, às micro e pequenas empresas, mesmo a lei complementar exigida pelo art. 55 e a Emenda 87, tratando do que era antes em relação a todas as empresas, já excluídas as micro e pequenas empresas; em momento algum se referiu ao art. 146 ou à legislação referente às micro e pequenas empresas. A ideia era exatamente equilibrar a tributação entre Estado-origem e Estado-destino.”

20 “... a Constituição, em seu art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, criou a sistemática do diferencial de alíquota, de sorte que, se um contribuinte do ICMS compra em outro Estado uma mercadoria para ele próprio, ou seja, atuando como consumidor final, ele vai ter de arcar não só com o ICMS devido ao Estado de origem, cobrado pelo vendedor e calculado com base na alíquota reduzida, como ele de pagar ele próprio, contribuinte destinatário, um ICMS extra ao seu Estado (Estado de destino da operação interestadual), calculado com base na diferença entre a alíquota interna e a interestadual. [...] Todavia, embora o diferencial de alíquota só esteja previsto diretamente na Constituição para as hipóteses de operações interestaduais que tenham como destinatário consumidor final, minha compreensão é de que isto não torna inconstitucional a previsão de cobrança do diferencial de alíquota em todas as operações interestaduais que tenham como destinatário empresa optante pelo Simples.”

21 O Governo do Rio Grande do Sul ao apresentar o Projeto que culminou na Lei Estadual n. 15.576, de 29 de dezembro de 2020 – mencionada, aliás, em voto apresentado pelo Exmo. Ministro Gilmar Mendes Recurso Extraordinário n. 970.821/RS (Tema n. 517 de RG) – veio a informar a população gaúcha que estaria sendo aprovada a suposta “Extinção do DIFAL” (sic) no Estado, o que, posteriormente, acabou sendo revelado como falso ou impreciso, na medida em que a nova legislação tributária teria apenas reduzido as hipóteses em que persistiria a cobrança antecipada do diferencial de alíquota. Assim consta do sítio eletrônico da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul (ALRGS): “A partir de hoje fica extinto o Diferencial de Alíquotas (DIFAL), o chamado de ‘Imposto de Fronteira’. Para proteger as empresas gaúchas, a Receita Estadual cobrará o DIFAL apenas quando um produto de outro Estado vier com alíquota efetiva inferior à do RS para o mesmo produto, como é o caso de importados.” (Disponível em: http://www.al.rs.gov.br/agenciadenoticias/destaque/tabid/855/IdMateria/323359/Default.aspx. Acesso em: 01 jun. 2021 – destacou-se)

22 Na edição mais recente da obra seminal sobre ICMS, de lavra do eminente Prof. Roque Antonio Carrazza, essa distinção entre dois modelos de Diferencial de Alíquota de ICMS (“DIFAL”) está implicitamente reconhecida, uma vez que, em tal estudo doutrinário, há capítulos distintos para tratar da temática de um “DIFAL” criado diretamente pela Lei de ICMS Paulista (Capítulo VII) e para analisar a hipótese constitucional de cobrança de “DIFAL” com base nos incisos VII e VIII do § 2º do art. 155 da CRFB/1988, com redação dada pela EC n. 87/2015. Vide CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 18. ed. São Paulo: Malheiros/Juspodivm, 2020, p. 479 e ss.

23 Resoluções SF n. 22/1989 e n. 13/2012.

24 Vide comentários à Lei Complementar n. 87/1996 em MATTOS, Aroldo Gomes de. ICMS – comentários à legislação nacional. São Paulo: Dialética, 2006, p. 173/4.

25 “Art. 6º Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário. (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002)

§ 1º A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subsequentes, inclusive ao valor decorrente da diferença entre alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto.

§ 2º A atribuição de responsabilidade dar-se-á em relação a mercadorias, bens ou serviços previstos em lei de cada Estado.”

26 “Art. 8º A base de cálculo, para fins de substituição tributária, será: [...]

II – em relação às operações ou prestações subsequentes, obtida pelo somatório das parcelas seguintes:

a) o valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituto tributário ou pelo substituído intermediário;

b) o montante dos valores de seguro, de frete e de outros encargos cobrados ou transferíveis aos adquirentes ou tomadores de serviço;

c) a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subsequentes.

§ 5º O imposto a ser pago por substituição tributária, na hipótese do inciso II do caput, corresponderá à diferença entre o valor resultante da aplicação da alíquota prevista para as operações ou prestações internas do Estado de destino sobre a respectiva base de cálculo e o valor do imposto devido pela operação ou prestação própria do substituto.”

27 “Art. 13. A base de cálculo do imposto é: [...] IX – na hipótese do inciso XIII do art. 12, o valor da prestação no Estado de origem. § 3º No caso do inciso IX, o imposto a pagar será o valor resultante da aplicação do percentual equivalente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual, sobre o valor ali previsto. [Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: [...] XIII – da utilização, por contribuinte, de serviço cuja prestação se tenha iniciado em outro Estado e não esteja vinculada a operação ou prestação subsequente.]

28 Vide a 18ª edição da obra de CARRAZZA, a partir da qual o renomado tributarista altera seu ponto de vista, passando a defender a necessidade de lei complementar nacional e sustentando que a “Lei Complementar 87/96, ao cuidar do momento da ocorrência do fato imponível do ICMS, passou ao largo da questão do diferencial de alíquota” (CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 18. ed. São Paulo: Malheiros/Juspodivm, 2020, p. 498).

29 Redação dada pela Lei n. 11.072/1997.

30 Redação dada pela Lei n. 11.458/2000.

31 Redação dada pela Lei n. 14.178/2012.

32 Incluído pela Lei n. 12.741/2007.

33 Como visto, os arts. 6º, § 1º, 8º, § 5º, e 13 da LC n. 87/1996 fazem menção à cobrança de diferencial de alíquota mas em contextos que ou se pressupõe a existência de operação com consumidor final ou se exige a adoção de hipótese de responsabilidade por meio de substituição tributária, cenários esses que não se compatibilizam com a cobrança antecipada de diferencial de alíquota sem substituição tributária e com a previsão de ocorrência de operação subsequente de revenda. Tais dispositivos, portanto, aparentemente não se prestariam a regular a situação do aqui chamado “DIFAL” antecipatório.

34 PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de. Impostos federais, estaduais e municipais. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 322.

35 “Art. 18. O valor devido mensalmente pela microempresa ou empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional será determinado mediante aplicação das alíquotas efetivas, calculadas a partir das alíquotas nominais constantes das tabelas dos Anexos I a V desta Lei Complementar, sobre a base de cálculo de que trata o § 3º deste artigo, observado o disposto no § 15 do art. 3º. [...] § 3º Sobre a receita bruta auferida no mês incidirá a alíquota efetiva determinada na forma do caput e dos §§ 1º, 1º-A e 2º deste artigo, podendo tal incidência se dar, à opção do contribuinte, na forma regulamentada pelo Comitê Gestor, sobre a receita recebida no mês, sendo essa opção irretratável para todo o ano-calendário.”

36 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 18. ed. São Paulo: Malheiros/Juspodivm, 2020, p. 310.

37 “Art. 13. § 1º O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas: [...].”

38 “Art. 18 [...] § 4º O contribuinte deverá considerar, destacadamente, para fim de pagamento, as receitas decorrentes da: [...] IV – prestação de serviços de que tratam os §§ 5º-C a 5º-F e 5º-I deste artigo, que serão tributadas na forma prevista naqueles parágrafos;”

39 “Art. 23. As microempresas e as empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional não farão jus à apropriação nem transferirão créditos relativos a impostos ou contribuições abrangidos pelo Simples Nacional.”

40 Indiscutível, porém, que o ônus dessa exigência fiscal acaba, sim, indiretamente influenciando a composição final do preço das operações econômicas posteriores praticadas por tal contribuinte, globalmente consideradas, assim como sói acontecer em relação a todos os custos e despesas que participam daquela atividade empresarial.

41 “Na presente hipótese, está em questão a constitucionalidade da cobrança de diferencial de alíquota de ICMS à sociedade empresária optante pelo Simples Nacional, independentemente de o contribuinte estar na condição de consumidor final no momento da aquisição. [...] O diferencial de alíquota consiste em recolhimento pelo Estado de destino da diferença entre as alíquotas interestadual e interna, de maneira a equilibrar a partilha do ICMS em operações entre entes federados”, de modo que “[c]omplementa-se o valor do ICMS devido na operação”, havendo “a cobrança de um único imposto (ICMS) calculado de duas formas distintas, de modo a alcançar o valor total devido na operação interestadual” (Destacou-se).

42 “A meu ver, aqui, a própria razão da edição da Emenda Constitucional 87/2015 foi equilibrar a distribuição de receitas entre os entes federativos, para evitar e, principalmente – é citado isso na apresentação da emenda –, por causa do comércio eletrônico, para impedir que só o – chamemos assim – Estado-origem arrecadasse e o Estado-destino não arrecadasse. Essa foi a ratio da emenda, essa foi a alteração do art. 155, inclusive, em toda a discussão sobre a emenda, colocando a questão das grandes redes do comércio eletrônico e que o Estado que acabava se favorecendo ou tributando era o Estado de origem. [...] Antes da Emenda 87/2015, já havia um tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas, com base no art. 146, é a Lei Complementar 123/2006. Não foi o intuito da emenda alterar o regramento do art. 146 da CF. A emenda pretendeu alterar essa relação Estado-origem e Estado-destino. Então, salvo exatamente o que nós estamos tratando aqui, a questão da micro e pequena empresa permaneceu como funcionava antes da Emenda Constitucional 87. [...] E as micro e pequena empresa, que realizaram uma venda interestadual, só que para o consumidor final não contribuinte, antes da emenda, pagavam o Simples normal. Agora, com a emenda, eu tenho que pagar o Simples, porque não houve alteração da legislação do Simples, que é diversa dessa hipótese; e além do Simples, eu vou ter que pagar a diferença da alíquota interestadual e da alíquota interna? Houve aqui, primeiro – como eu disse, não é o caso concreto, mas abarcado pela ADI –, uma mistura de dois sistemas.” (Destacou-se)

43 “Impõe-se de início breve exposição da sistemática de cobrança do ICMS nas operações interestaduais, com alíquotas diferenciadas daquelas praticadas nas operações internas ao próprio Estado e com o chamado diferencial de alíquota. Como mecanismo de repartição de receitas tributárias, a Constituição prevê uma sistemática em que as alíquotas do ICMS nas operações interestaduais são diferentes daquelas praticadas nas operações internas. O objetivo é fazer com que, numa operação de aquisição de mercadoria em outro Estado, parte do ICMS fique com o Estado ‘produtor’, mas outra fique com o Estado ‘consumidor’.” (Destacou-se)

44 “Havia a necessidade, portanto, de criação de técnicas apropriadas de compartilhamento das receitas do ICMS, sobretudo nas aquisições e prestações de serviços interestaduais. A ausência desses mecanismos conduziria, quase que certamente, a graves distorções no federalismo brasileiro, com frustração dos ideais que inspiraram a Assembleia Nacional Constituinte. [...] Tendo em conta a importância desse aspecto para a compreensão da controvérsia debatida no recurso extraordinário, convém aprofundar o estudo sobre o funcionamento dos mecanismos previstos no art. 155, § 2º, incisos VI, VII e VIII, da Constituição Federal, demonstrando como eles se relacionam e de que forma contribuem para um maior equilíbrio na distribuição das receitas do ICMS.” (Destacou-se)

45 É o que se pode extrair do já referido precedente do Colendo STJ (REsp n. 1.193.911), o qual foi invocado como razão de decidir no Voto do Exmo. Ministro Fachin.

46 ÁVILA, Humberto. Competências tributárias: um ensaio sobre a sua compatibilidade com as noções de tipo e conceito. São Paulo: Malheiros, 2018.

47 Vide, ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2011.

48 Cabe destacar que o Exmo. Ministro Fachin, em seu Voto de Relator, o qual, em termos processuais, é aquele que conduz e consolida a representação do entendimento majoritário da Corte, faz ressalva à matéria tratada no Tema n. 456 de RG, mas não chega a analisar a questão de “delegação em branco” ora em discussão: “De todo modo, há tema próprio da repercussão geral que versa sobre a questão, especificamente o de número 456, cujo paradigma é o RE 598.677, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 24.08.2011, com julgamento de mérito já́ iniciado.” (Destacou-se)

49 “Em arremate, destaco que, em 29 de dezembro de 2020, a Lei estadual nº 15.576 alterou a redação do art. 24, § 8º, da Lei estadual nº 8.820/89 para tornar a antecipação tributária ainda mais explícita, dirimindo quaisquer dúvidas que pudessem pairar sobre a temática. Por meio dela, estabeleceu-se a necessidade de pagamento antecipado do imposto relativo à operação subsequente em relação a todas as mercadorias adquiridas em outra unidade da Federação. Atualmente, portanto, não há mais dúvida que a lei contém todos os elementos necessários à antecipação do imposto, independentemente de regulamentação posterior.” (Destacou-se)

50 Cabe relembrar, conforme já destacado na nota de rodapé 21 deste Parecer, que tal alteração legislativa foi anunciada pelo atual Governo do Estado do Rio Grande do Sul como sendo a “Extinção” (sic) do DIFAL gaúcho.

51 “Art. 46. O disposto no art. 43 não se aplica, devendo o imposto ser pago: § 4º No recebimento de mercadorias de outra unidade da Federação, exceto as relacionadas no Apêndice II, Seções II e III, parte do imposto relativo à operação subsequente, calculada na forma das notas 02 ou 03, é devida no momento da entrada da mercadoria no território deste Estado, devendo ser paga: a) até o dia fixado para o pagamento das operações do estabelecimento onde ocorreu a entrada, quando se tratar de estabelecimento enquadrado na categoria geral; b) até o dia 23 do segundo mês subsequente, quando se tratar de estabelecimento optante pelo Simples Nacional. (Redação dada pelo art. 1º (Alteração 4814) do Decreto 53.370, de 28/12/16. (DOE 29/12/16) Efeitos a partir de 01/01/17.)

52 Novamente, tal vantagem é meramente financeira, mas não econômica, pois o tributo terá que ser pago de qualquer modo, mesmo que um pouco mais tarde.

53 “Art. 25. Os contribuintes emitirão Nota Fiscal: X – na hipótese de entrada no território deste Estado de mercadorias oriundas de outra unidade da Federação, nos termos do Livro I, art. 46, § 4º.

Art. 28. A Nota Fiscal será emitida: I – nas hipóteses previstas no art. 25: g) no momento em que os bens ou as mercadorias entrarem no estabelecimento, nas hipóteses previstas nos incisos VIII a XI do art. 25.

Nota 01 – Em substituição ao disposto nesta alínea, poderá ser emitida uma única Nota Fiscal pelo destinatário, até o último dia do período de apuração em que ocorrerem as entradas de mercadorias, reunindo todas as operações realizadas no período.

Nota 02 – Na hipótese da nota anterior, o contribuinte deverá elaborar planilha demonstrativa de débito referente aos documentos de aquisição das mercadorias ou da prestação dos serviços.” (Destacou-se)