O Negócio Indireto e o Planejamento Tributário

Indirect Legal Transactions and Tax Planning

Miguel Delgado Gutierrez

Doutor e Mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo – USP. Professor convidado do Centro de Extensão Universitária (CEU) – Escola de Direito do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS). Advogado em São Paulo. E-mail: miguel@gmadvs.com.br.

Alexandre Evaristo Pinto

Doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo – USP. Doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo – USP. Mestre em Direito Comercial e Especialista em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo – USP. Coordenador do MBA IFRS da FIPECAFI. Professor do Mestrado Profissional em Controladoria e Finanças da FIPECAFI. Professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT. Conselheiro Julgador da 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF. E-mail: alexandre.pinto@usp.br.

Resumo

O presente artigo tem por objetivo o exame do instituto do negócio jurídico indireto à luz da doutrina e da jurisprudência. Para tanto, os autores analisam as diferenças entre o referido instituto e outras figuras com algumas semelhanças em maior ou menor grau. Feitas as devidas diferenciações, os autores analisam como o tema tem sido abordado no âmbito das decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF.

Palavras-chave: negócio jurídico indireto, planejamento tributário, Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.

Abstract

This article aims to examine the institute of indirect legal transactions in accordance with doctrine and jurisprudence. Therefore, the authors analyse the differences between the aforementioned institute and other figures with some similarities. Furthermore, the authors analyse how the institute of indirect legal transaction has been examined in the scope of the decisions of the Federal Tax Appeals’ Council – CARF.

Keywords: indirect legal transactions, tax planning, Federal Tax Appeals’ Council.

1. O negócio indireto

Muito se tem discutido a respeito da utilização do negócio indireto no âmbito do Direito Tributário, em especial na busca da denominada economia fiscal lícita.

Quando as partes celebram um negócio típico com um fim indireto, a isso se denomina de negócio indireto ou negócio com fins indiretos. Existe um negócio indireto porque as partes recorrem a ele para atingirem, de modo indireto, objetivos diferentes dos que se poderiam induzir da estrutura do negócio adotado.

No negócio indireto recorre-se a um negócio típico buscando, por meio dele, alcançar, de maneira consciente e consensual, um escopo que não é típico do negócio realizado. Ocorre uma discordância entre o meio adotado e o fim que se persegue.

Poderá tratar-se de um negócio único, ou de vários negócios que se sucedem e se combinam com a finalidade de alcançar o resultado almejado pelas partes1.

José Carlos Moreira Alves nos dá um exemplo. Explica o jurista que, com frequência, a compra e venda com pacto de retrovenda é usada para servir, indiretamente, de garantia a empréstimo. Duas pessoas, ao invés de celebrarem contrato de mútuo com garantia real, realizam compra e venda com pacto de retrovenda, recebendo o vendedor, a título de preço, a quantia de que necessita, e o comprador a coisa que retornará à propriedade do vendedor desde que haja a restituição da importância paga a título de preço e o reembolso das despesas, dentro de certo prazo2.

Moreira Alves ensina que Kohler já observara que havia uma categoria de negócios jurídicos, a que designou de negócios encobertos (verdeckten Geschäfte), que se caracterizam por serem utilizados para se alcançar escopo diverso da finalidade para a qual a ordem jurídica os criara, e a que se pode dar a denominação mais apropriada de negócios jurídicos indiretos3.

Como visto, no negócio jurídico indireto as partes recorrem a um negócio jurídico típico, sujeitando-se à sua disciplina formal e substancial, para alcançar um fim prático ulterior que não é o normalmente atingido por meio desse negócio jurídico típico. Tal esquema, ainda de acordo com Moreira Alves, é possível pela distinção entre causa (fim prático para o qual foi criado o negócio típico) e motivo (o fim prático a que as partes realmente visam), dada a irrelevância jurídica deste4.

Aliás, essencial ao negócio indireto, segundo Domenico Rubino, é a existência de um negócio causal, posto que sua característica vem dada pela divergência entre a causa típica do negócio médio e o resultado ulteriormente perseguido5.

No negócio indireto, segundo Orlando Gomes, há uma incongruência entre o fim visado e a causa típica do negócio escolhido, ou a contraposição entre a causa do negócio e o motivo que induziu as partes, no caso concreto, a realizá-lo6.

A característica do negócio indireto é constituída pela distinção entre o objetivo típico do negócio, em abstrato, e os eventuais objetivos ulteriores visados pelas partes, no caso concreto, o que permite que um negócio possa, indiretamente, desempenhar funções que não correspondem à função típica decorrente da sua estrutura e pela qual se caracteriza7.

Para Pedro Pais de Vasconcellos, o contrato indireto é um contrato de tipo modificado que é caracterizado pelo fato de a modificação do tipo incidir sobre o seu fim. O contrato corresponde ao tipo de referência em tudo menos no fim, que é atípico8.

Assim, segundo o jurista, o contrato de aluguel de longa duração de automóveis novos é um contrato indireto em que o tipo de referência é o aluguel e o fim indireto é o da venda a prestações com reserva de propriedade. Qualificar este contrato simplesmente como contrato de aluguel de automóveis ou como contrato de venda a prestações com reserva de propriedade resultaria, em qualquer dos casos, no desrespeito pela vontade contratual9.

Pedro Pais de Vasconcellos ensina que existe na doutrina uma divisão clara entre uma concepção estrita, que restringe o contrato indireto ao uso puro e simples do tipo sem adjunção de cláusulas de adaptação, e outra concepção mais ampla que admite os casos de adjunção de cláusulas ao contrato e até a estipulação de pactos separados.

Para o jurista português esta distinção não tem grande importância porque todos estão de acordo em que o caráter indireto, como tal e por si, não acarreta para os contratos indiretos especialidades de regimes. Para o autor, tanto os contratos indiretos simples quando os contratos indiretos construídos por meio da adjunção de cláusulas de conteúdo atípico devem ser qualificados como típicos, sendo os pactos de adaptação encarados como cláusulas acessórias10.

Tullio Ascarelli explica que, frequentemente, um determinado instituto, em seu desenvolvimento, apresenta-se capaz de novas funções e aplicações, embora conservando elementos de sua estrutura originária11.

As novas exigências da vida prática são satisfeitas com o uso de um velho instituto que traz consigo as suas formas e a sua disciplina, oferecendo à nova matéria, ainda em ebulição, um arcabouço conhecido e seguro. As velhas formas e a velha disciplina não são abandonadas de imediato, mas de maneira lenta e gradual, de modo que, muitas vezes, a nova função vive dentro da velha estrutura por longo tempo, assim vindo a se plasmar e enquadrar no sistema12.

Os negócios indiretos, ou negócios com fins indiretos, são utilizados com frequência, nos vários sistemas jurídicos. Utiliza-se, por exemplo, da transmissão da propriedade para fins de garantia ou da adoção, para a nomeação de um herdeiro13.

Os negócios indiretos são criação da prática contratual e surgem, em princípio, como aplicações anormais de determinados negócios jurídicos. Constituem um meio para coadunar os institutos tradicionais com as novas exigências práticas.

Com o passar do tempo, os negócios indiretos sofrem uma transformação e, por obra da jurisprudência e da doutrina, vão sendo, aos poucos, reconhecidos e transformados, adquirindo, por vezes, disciplina própria e autônoma.

Dessa maneira, o direito satisfaz, por meio de sua evolução histórica, as novas e diversas exigências da vida.

O negócio indireto não é um tipo específico de negócio jurídico, mas o resultado do emprego instrumental de um negócio típico existente ou da combinação de vários deles, buscando a realização de fins diferentes dos usuais14. Por isso, a doutrina afirma que o negócio jurídico indireto não constitui uma categoria jurídica15. Ele indica apenas a possibilidade de poder um determinado negócio jurídico alcançar – em virtude da vontade de todas as partes que nele participam – um objetivo diverso daquele que lhe é típico.

Conforme Pedro Pais de Vasconcelos, a doutrina dos contratos indiretos nasceu da necessidade de distinguir da simulação e da fraude à lei os contratos celebrados com um fim indireto. Portanto, a qualificação de um contrato como indireto “tem como consequência, no plano jurídico, mais o afastamento dos regimes da simulação e da fraude à lei do que a atribuição de uma disciplina específica”16.

Se por meio de um negócio válido e querido pelas partes, mas distinto daquele formalmente previsto para a doação, nos arts. 538 a 564 do Código Civil, se consegue o resultado típico da doação, qual seja, o enriquecimento do donatário e o empobrecimento do doador, com a presença do animus donandi, teremos aí uma doação indireta.

Assim, se alguém realiza uma doação sob a forma de uma compra e venda, desde que tal procedimento não tenha por fim contornar uma proibição legal, é válida a doação, embora aparentemente realizada a título oneroso17. Nada impede que se realize de modo indireto o que a lei expressa ou implicitamente não proíbe.

De fato, com base nos princípios da autonomia da vontade e da liberdade contratual, os particulares podem se utilizar dos meios jurídicos existentes para a consecução dos efeitos jurídicos por eles pretendidos, ainda que os resultados não sejam aqueles próprios do negócio jurídico a que se recorre.

A doutrina do negócio indireto evidencia um fenômeno sociológico e histórico, resultante da utilização de um determinado negócio para conseguir fins diversos daqueles que lhe são, tipicamente, peculiares, manifestando, assim, um contraste entre a estrutura legal e a prática contratual.

É importante salientar que a adoção de determinado negócio, para fins indiretos, não é feita por acaso, como salienta Ascarelli. Tem explicação no intuito de se sujeitarem as partes, não apenas às formas, mas também à disciplina do negócio adotado18. Com efeito, ao negócio indireto se aplicam as normas do tipo de negócio diretamente utilizado pelas partes.

De acordo com Ascarelli, os efeitos do negócio escolhido são queridos pelas partes, que, na falta deles, nem poderiam alcançar o fim último visado. A realização do negócio indireto assim não contraria, mas pressupõe a do fim típico do negócio adotado19.

O motivo de as partes sujeitarem o negócio indireto à disciplina do negócio direto é o desejo consciente de se afastar o menos possível do terreno conhecido dos negócios nominados ou típicos. Aproveita-se, dessa forma, da disciplina jurídica desses negócios.

2. Negócio indireto e simulação

O negócio indireto não se confunde com a simulação, apesar de a linha divisória entre ambos, muitas vezes, ser tênue.

Segundo Tullio Ascarelli, o campo específico dos negócios indiretos é o dos negócios causais, porque nestes a distinção entre causa e motivos encontra plena oportunidade de se manifestar.

Porém, complementa o jurista, é justamente nesse domínio que se torna mais difícil distinguir entre o negócio indireto e a hipótese da simulação20.

A causa do negócio seria simulada, sendo a verdadeira causa constituída pela finalidade ulterior que as partes se propõem realizar. O negócio indireto se confundiria em especial com a simulação relativa, em que seria simulado o negócio típico escolhido pelas partes e dissimulado o resultado ulterior por elas pretendido.

Emilio Betti, um dos maiores estudiosos da teoria do negócio jurídico, já dizia que “a distinção convencional e puramente dogmática, entre negócio simulado e negócio indireto, nada tem de absoluto e de fixo, nem pode aspirar ao rigor científico de outras classificações”21.

Afirma Betti que é normal corresponder a intenção prática da parte ao tipo do negócio escolhido, mas não é constante, nem necessário. Pode acontecer que o negócio seja realizado como meio para atingir um fim distinto daquele que a sua causa representa. Ocorre um abuso da função instrumental do negócio, da sua destinação, já que é utilizado para se conseguir um fim que não é seu, ainda que possa ser perfeitamente lícito.

Para o jurista, a “discrepância entre a causa típica do negócio escolhido e a intenção prática pretendida em concreto, pode configurar uma verdadeira incompatibilidade: e então teremos o fenômeno da simulação. Mas também pode ter o caráter de uma simples incongruência ou discordância (inadequação), entre meios e escopos que são entre si compatíveis: e nesse caso teremos o fenômeno do negócio indireto, ou o do negócio fiduciário”.

Prossegue Betti afirmando que a incompatibilidade exclui toda a correspondência entre a causa típica do negócio e a determinação causal da parte, pelo que pode parecer que o negócio não é querido na realidade, mas apenas aparentemente. Não é o que ocorre com a simples incongruência. Acrescenta que “a incompatibilidade não é uma coisa absoluta e exteriormente verificável, mas é, antes, o produto, essencialmente relativo, de uma avaliação contingente e dependente das concepções dominantes na consciência social”22.

Ora, não há simulação quando as partes desejam realmente o efeito do negócio realizado. Assim, não se pode identificar o negócio indireto ao negócio simulado, porque este é o que tem aparência contrária à realidade. No negócio indireto, contudo, não há nenhuma divergência entre a vontade real e a vontade declarada.

Ao contrário da simulação, o negócio indireto é um negócio jurídico intrinsecamente verdadeiro, que traduz a real intenção das partes, que querem aquilo que deliberaram fazer. O negócio indireto é sério e real, apesar de realizado pelas partes para alcançar um resultado distinto daquele normalmente alcançado com o tipo de negócio praticado.

Para Domenico Rubino, a intenção de enganar a terceiros é essencial para a eficácia da simulação, mas não, em geral, para a eficácia do negócio indireto, que conseguirá alcançar o resultado prefixado por meio da simples execução do negócio, claramente manifestado no caso concreto23.

A simulação, pelo contrário, é um meio de ocultar a violação da lei. Na simulação cria-se uma aparência que oculta a realidade, enquanto no negócio indireto se materializa um negócio jurídico ou procedimentos negociais queridos pelas partes, reais em seu conteúdo e execução, porém dirigidos a alcançar um resultado atípico.

No negócio indireto não se oculta o ato exterior, mas deixa-se-o claro e visível, usando as partes conscientemente de instrumento inapropriado ao fim a que visam. O negócio jurídico não é simulado, porque as declarações de vontade de que deriva traduzem a vontade real dos declarantes. Já a simulação é caracterizada pela falta de conformidade intencional entre a vontade real e a declarada, com o fim de enganar terceiros.

No negócio indireto as partes desejam, ao contrário do que ocorre na simulação, sujeitar-se à disciplina própria do negócio adotado. As partes querem realmente os efeitos típicos do negócio praticado. Adotando o negócio, as partes querem a realização do seu fim típico, embora para alcançar fins ulteriores. Não há combinação para simular um negócio não efetivamente querido pelas partes. Por isso, no negócio indireto, as partes agem às claras, sem esconder de terceiros o fim último que o ato tem em vista.

Como explica Orlando Gomes, no “negócio indireto a vontade é real e a consecução de seu fim ulterior não é confiada a uma obrigação destinada a reduzir o seu efeito típico, mas, sim, uma consequência do próprio efeito típico do negócio”24.

Portanto, não há que se confundir o negócio indireto com o negócio simulado.

3. Negócio indireto e fraude à lei

O negócio indireto não é sempre válido, quaisquer que sejam os seus fins. Com efeito, os fins visados pelas partes com a realização do negócio indireto podem ser lícitos ou ilícitos. Se o escopo visado pelas partes for ilícito, o negócio indireto será ilícito e, portanto, nulo. Se o resultado buscado pelas partes for lícito, o negócio indireto será lícito e plenamente válido.

Como ensina Tullio Ascarelli, há normas jurídicas que não se limitam a disciplinar um determinado ato, mas levam em conta o resultado prático buscado pelas partes, quaisquer que sejam os meios empregados para consegui-lo. Na aplicação de tais normas, deve ser considerado o fim visado pelas partes e não somente a causa típica do negócio adotado25.

Destarte, o negócio indireto pode ser um instrumento de fraude à lei quando o resultado ulterior desejado e alcançado pelas partes for proibido.

Alberto Xavier cita um exemplo de negócio indireto realizado em fraude à lei. Para frustrar a norma proibitiva do art. 765 do antigo Código Civil26, as partes celebram contratos não expressamente por ela contemplados, que seriam considerados contra legem. Ao invés de celebrar um “pacto comissório”, negócio expressamente previsto na aludida norma proibitiva, pactua-se uma venda de ações à vista e uma promessa de venda de ações a prazo, de forma que, pelas condições de prazo e de preço desse conjunto de contratos atinge-se o resultado proibido pelo art. 765 do antigo Código Civil27.

Observa-se que se o negócio indireto visar fins ilícitos, como a fuga ao estipulado em norma proibitiva ou preceptiva, será qualificado como negócio em fraude à lei. Poderá, assim, o negócio indireto ser ou não instrumento de fraude à lei, conforme o fim visado pelas partes. Se o fim buscado pelas partes com a realização do negócio indireto for o de se subtraírem à aplicação de uma norma proibitiva ou preceptiva, atingindo um resultado equivalente ao vedado por esta norma, estaremos diante de um negócio indireto realizado em fraude à lei.

Por outro lado, se a realização do negócio indireto não tiver por objetivo a frustração de norma proibitiva ou preceptiva, o negócio será lícito e, portanto, plenamente válido.

Dessa forma, em cada sistema positivo, os negócios indiretos, quanto à validade, devem ser considerados do ponto de vista da fraude à lei.

Para alguns autores, somente a falta de intenção enganosa pode diferenciar os negócios indiretos ou fiduciários daqueles simulados ou fraudulentos. Ferrara, por exemplo, divide os negócios indiretos em fiduciários e fraudulentos, conforme o fim almejado seja lícito ou ilícito28. Se o fim buscado é lícito, permitido, teremos um negócio fiduciário; se o fim buscado é ilícito, proibido, teremos um negócio fraudulento.

Enquanto os negócios indiretos procuram alcançar uma finalidade econômica fora da lei, os negócios fraudulentos procuram alcançar um fim econômico contrário à lei.

Por isso, para apurar se ocorre a fraude ou a simulação, é preciso fazer uma verificação caso a caso. Não se pode qualificar os negócios indiretos de ilícitos a priori.

Os negócios jurídicos indiretos não podem ser considerados, por definição, como negócios em fraude à lei, dependendo, em cada caso, do resultado perseguido pelas partes e do que dispõem as regras imperativas do ordenamento jurídico considerado. A fronteira entre um e outro pode ser sutil, mas há vários exemplos de negócios indiretos cujo fundamento e validez não estão em discussão.

4. O negócio indireto e o planejamento tributário

O negócio indireto encontra aplicação mais frequente no Direito Privado, mas não deixa de ter aplicação também no Direito Tributário.

Tullio Ascarelli já apontava a importância do negócio indireto no Direito Tributário. O jurista explica que a utilização do negócio indireto é frequente no Direito Fiscal. Cita como exemplo a prática de transferir as ações de uma sociedade proprietária de imóveis, para transferir a propriedade desses imóveis, poupando o imposto sobre a transmissão de imóveis; a prática da entrada com determinados bens em uma sociedade com o compromisso dos demais sócios de comprar, a um preço predeterminado, as ações entregues em troca de bens, como meio indireto de venda29.

Para Ricardo Mariz de Oliveira, o negócio indireto pode ser utilizado para elidir a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, não representando abuso de forma jurídica30.

Para o jurista, os negócios indiretos podem ser utilizados para conseguir uma elisão fiscal “sempre que a prática do negócio direto e específico acarretar incidência tributária, mas o mesmo resultado econômico ou negocial que ele propicia possa ser atingido mediante outro ato jurídico, o qual, entretanto, não produz aquela incidência fiscal que se quer evitar”31.

Na mesma senda, Alberto Xavier afirma que o negócio indireto pode assumir relevância do Direito Fiscal sempre que a realização indireta dos fins das partes visa evitar a aplicação do regime tributário mais oneroso, correspondente à direta realização daqueles mesmos fins. A utilização pelas partes do negócio indireto permite a obtenção de resultado análogo ou equivalente ao do negócio direto que economicamente lhe corresponde, sem que se submetam ao regime tributário a este aplicável32.

Marco Aurélio Greco afirma que o negócio indireto serve para a obtenção de um fim equivalente a outro negócio para o qual a carga tributária seria mais elevada, podendo servir de instrumento para obtenção de uma elisão fiscal lícita.

No entanto, Greco adverte que o negócio indireto pode desembocar numa fraude à lei ou num abuso de direito e aí estará desprotegido pelo ordenamento, ou poderá se dar sem que isso ocorra. Portanto, não é o simples fato de se tratar de um negócio indireto que protege ou não o contribuinte, mas o caso concreto é que vai determinar a sua oponibilidade ou não ao Fisco33.

Não obstante esse entendimento da doutrina tributária, já se teve a oportunidade de entender que a mera utilização do negócio indireto pelos contribuintes configura um planejamento tributário agressivo.

Nesse sentido, em passado não muito distante, foi editada a Medida Provisória n. 685/2015 que, ao tratar do planejamento tributário agressivo, instituiu, em seu art. 7º, a Declaração de Planejamentos Tributários (DEPLAT), impondo a obrigatoriedade dos contribuintes declararem anualmente à Receita Federal do Brasil a prática de atos ou negócios que acarretassem supressão, redução ou diferimento de tributo, a saber: (i) atos ou negócios praticados sem razão extratributária relevante; (ii) forma não usual, negócio jurídico indireto ou previsão contratual que desnature, ainda que parcialmente, os efeitos de um contrato típico; e (iii) atos ou negócios jurídicos específicos previstos em ato da Receita Federal do Brasil34.

A referida Medida Provisória, na parte em que tratava da obrigação de informar à administração tributária federal as operações e atos ou negócios jurídicos que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributo, veio a ser rejeitada pelo Congresso, perdendo sua eficácia, nos termos do que dispõe o § 3º do art. 62 da Constituição Federal.

Assim, diante da falta de lei que assim disponha, não se pode admitir que a simples utilização de um negócio indireto pelos contribuintes seja indicativa da existência de um planejamento tributário abusivo.

Ora, se a prática do negócio indireto na seara fiscal não está codificada como um fator de antijuridicidade, como ocorre no Brasil, resta difícil admitir que por si só leve a que a conduta seja qualificada de ilícita para efeitos fiscais.

Aliás, mesmo que houvesse lei nesse sentido, seria questionável a sua constitucionalidade, já que a possibilidade de utilização do negócio jurídico indireto não é contestada nem pela doutrina e nem pela jurisprudência35. As partes, com base nos princípios da autonomia da vontade e da liberdade contratual36, são livres para celebrar os contratos que melhor lhes aprouver, ainda que com o objetivo ulterior de conseguir uma economia tributária.

Não se pode ignorar que os negócios indiretos podem vir a ser utilizados como um meio de fraudar a lei. Mas isso não autoriza a qualificar a priori de ilícito o procedimento. Só após uma análise acurada do caso é que se poderá chegar a uma conclusão se houve a intenção de fraude ou não.

Na realidade, como afirma Domenico Rubino, há que se reconhecer que o negócio indireto, como fenômeno geral, é imanente ao Direito, eis que deriva de necessidades, de situações e de estados inadequados que se referem à própria existência de um ordenamento jurídico37.

Como visto acima, no negócio jurídico indireto as partes recorrem a um negócio jurídico típico, sujeitando-se à sua disciplina formal e substancial, para alcançar um fim prático ulterior que não é o normalmente atingido por meio desse negócio jurídico típico. Tal esquema é possível pela distinção entre causa (fim prático para o qual foi criado o negócio típico) e motivo (o fim prático a que as partes realmente visam), dada a irrelevância jurídica deste.

No negócio indireto, há uma contraposição entre a causa do negócio e o motivo que induziu as partes, no caso concreto, a realizá-lo.

Ocorre que no Brasil a ordem jurídica tradicionalmente não leva em consideração os motivos que levaram as partes a realizar um negócio jurídico. O Direito Civil não se preocupa, em princípio, com os motivos de um ato.

Assim, os motivos individuais, próprios ou exclusivos do autor da declaração de vontade, são irrelevantes na celebração do negócio e no domínio da sua vigência.

Conforme José Carlos Moreira Alves, a causa de um negócio jurídico difere dos motivos que levaram as partes a celebrá-lo. Segundo o jurista, “a causa se determina objetivamente (é a função econômico-social que o direito objetivo atribui a determinado negócio jurídico); já o motivo se apura subjetivamente (diz respeito aos fatos que induzem as partes a realizar o negócio jurídico)”38.

Quando falamos em contratos, conforme a lição de Enzo Roppo, a sua causa refere-se à operação jurídico-econômica realizada tipicamente por cada contrato, com o conjunto dos resultados e dos efeitos essenciais que, tipicamente, dele derivam, ou seja, com a sua função econômico-social39.

O conceito de causa é relevante no direito, por exemplo, para conceituar os negócios jurídicos causais e abstratos.

Não se pode, entretanto, confundir a causa do negócio com o simples motivo, de ordem pessoal, que levou a parte à celebração daquele negócio40. Os motivos fazem parte do domínio da psicologia e da moral, sendo de difícil apuração por aquele que não é o autor do ato.

Dessa forma, num contrato de compra e venda, o vendedor entrega o bem por ter recebido o preço, enquanto o comprador paga o preço porque recebeu a coisa. Ou seja, uma obrigação é a causa eficiente da outra, tanto é assim que, se um não cumpre sua prestação, o outro pode recusar-se a satisfazer a sua (exceptio non adimpleti contractus). Os motivos que levaram as partes a contratar, porém, são de ordem estritamente pessoal, sendo irrelevantes para a ordem jurídica. Destarte, o vendedor pode ter vendido o bem para adquirir outro bem, como o comprador pode ter adquirido o bem para dá-lo de presente a outrem, e assim por diante.

A causa do negócio jurídico, numa concepção objetiva, é a sua função econômico-social típica, que permite distinguir os diversos tipos ou categorias de negócios. Assim, por exemplo, é diversa a função econômico-social da venda e do arrendamento, que é, no primeiro caso, a permuta do domínio pleno de uma coisa pelo preço e, no segundo, a permuta do uso de uma coisa pelo aluguel.

Os motivos, segundo Enzo Roppo, são os interesses particulares, as particulares necessidades individuais que as partes pretendem satisfazer quando tomam uma iniciativa contratual. Vão além e ficam fora do esquema e dos efeitos típicos da operação jurídico-econômica concretamente utilizada pelas partes e que coincide com a causa do contrato41.

É importante observar que, tanto o antigo Código Civil, por influência de Clovis Bevilacqua, como o Código em vigor, não acolheram a causa como um elemento do negócio jurídico.

Não obstante, embora o nosso direito positivo não considere a causa como pressuposto essencial à existência e à validade do negócio jurídico, alguns autores dão especial importância ao conceito de causa42.

Não é o caso, contudo, dos motivos, que são irrelevantes para a verificação da existência e validade do negócio jurídico, salvo a exceção do art. 140 do Código Civil43.

Conforme Humberto Theodoro Júnior, o motivo não entra no plano jurídico, pois permanece restrito ao domínio da psicologia e da moral. Por isso, o direito não investiga o motivo nem lhe sofre influência. O ordenamento jurídico ignora a motivação determinadora do comportamento dos contratantes44.

O motivo, por confundir-se com as razões pessoais (subjetivas) do contratante, que são alheias ao negócio jurídico celebrado, permanece no psiquismo individual do contratante.

Pelo exposto, como no negócio jurídico indireto ocorre uma contraposição entre a causa do negócio e o motivo que induziu as partes, no caso concreto, a realizá-lo, ele é muitas vezes apto a ser utilizado na realização de um planejamento tributário. Isso porque as partes, ao utilizar-se de um negócio com causa típica para um resultado atípico podem evitar uma incidência tributária ou reduzi-la. Os motivos que levaram à realização desse negócio indireto, sejam eles tributários ou extratributários, são irrelevantes para apurar sua existência ou validade no plano jurídico. Destarte, os motivos que levaram as partes à realização de determinado ato ou negócio jurídico não podem ser utilizados pelo Fisco para a requalificação de tais atos ou negócios jurídicos quando conduzam à economia lícita de tributos.

A escolha de um negócio com preferência de outro pela simples razão de que é mais vantajoso do ponto de vista fiscal, desde que a atuação do contribuinte seja lícita, válida e real é inatacável.

Não se pode pretender que todos os indivíduos sigam um padrão de normalidade e que aqueles que fugirem a esse padrão estariam fraudando a lei, com o intuito de fugirem ao pagamento de tributos. Por mais previdente que seja o legislador ao definir como tributáveis algumas formas suscetíveis de enquadrar um fato econômico, há sempre algumas formas, geralmente as não usuais, que ele deixa de prever, abrindo uma brecha para a prática da elisão fiscal.

Conclui-se que por meio do negócio indireto pode ser alcançada uma economia tributária lícita, não se podendo afirmar ter ocorrido simulação, fraude à lei ou abuso de direito, eis que as partes podem validamente optar entre a realização de um ou outro negócio jurídico. O uso de um caminho legal alternativo, sem violar a lei, não somente não é criticável, como decorre do exercício da autonomia da vontade, vinculada à liberdade patrimonial, não podendo ser considerado ilícito ou abusivo.

5. Do negócio jurídico indireto no CARF

Feitas as principais considerações teóricas sobre o negócio jurídico indireto, é importante que seja analisado como este conceito vem sendo aplicado no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) desde 2019.

Em uma primeira análise, é possível observar que o termo “negócio jurídico indireto” foi citado diversas vezes em Acórdãos do CARF, sem que, no entanto, ele tenha sido efetivamente analisado nos votos de todos os referidos Acórdãos.

Nessa linha, nos Acórdãos n. 3201-001.703 (de 31.01.2019), n. 3201-001.704 (de 31.01.2019), n. 3201-001.705 (de 31.01.2019), n. 3201-001.706 (de 31.01.2019), n. 3201-001.707 (de 31.01.2019), n. 3201-001.708 (de 31.01.2019), n. 3201-001.709 (de 31.01.2019), n. 3201-001.710 (de 31.01.2019), n. 3201-001.711 (de 31.01.2019), n. 3201-001.713 (de 31.01.2019), n. 3201-001.714 (de 31.01.2019), n. 3201-001.715 (de 31.01.2019), n. 3201-001.716 (de 31.01.2019), n. 3201-001.779 (de 31.01.2019), n. 9101-000.084 (de 12.03.2019), n. 1401-003.541 (de 13.06.2019), n. 9101-004.591 (de 05.12.2019), n. 1301-004.305 (de 21.01.2020), n. 3402-002.424 (de 30.01.2020), n. 9101-004.775 (de 06.02.2020), n. 9202-008.618 (de 19.02.2020) e n. 1301-004.444 (de 11.03.2020), o termo “negócio jurídico indireto” foi mencionado tão somente nos relatórios dos acórdãos.

No que diz respeito aos acórdãos em que houve citação ao “negócio jurídico indireto” ao longo do voto, nota-se que ele costuma ser citado sem maiores detalhamentos ora como sinônimo de simulação, ora no contexto das diversas formas de combate aos planejamentos tributários.

Como exemplo do uso da expressão “negócio jurídico indireto” como sinônimo, verifica-se que no Acórdão n. 3201-005.687 (de 24.09.2019), há apenas menção no voto de ementas de acórdãos anteriores nos quais constava a expressão “negócio jurídico indireto” como sinônimo de simulação.

De igual forma, nos Acórdãos n. 1402-004.099 (de 15.10.2019) e n. 1402-004.202 (de 11.11.2019), que julgavam autos de infração relativos à amortização de ágio em que se discutia as questões da empresa-veículo e da real adquirente situada no exterior, o conselheiro relator Leonardo Pagano Gonçalves entendeu que se tratariam de negócios jurídicos indiretos, que não se caracterizariam como fraude à lei ou simulação, sendo apenas reflexos de uma opção legítima dentro de sua liberdade empresarial de constituir uma pessoa jurídica no Brasil para aquisição com ágio de controle de pessoa jurídica brasileira ao invés de fazer tal aquisição de forma direta do exterior. Vale notar, entretanto, que em ambos os casos os autos de infração foram mantidos por voto de qualidade.

Por sua vez, com relação aos acórdãos em que constam nos votos o contexto do combate do planejamento tributário, há vários que merecem destaque.

Assim, nos Acórdãos n. 1302-003.713 (de 16.07.2019), n. 1302-003.822 (de 14.08.2019) e n. 1302-004.007 (de 16.10.2019), o conselheiro relator Ricardo Marozzi Gregorio aponta uma evolução na forma de combate aos planejamentos tributários, de modo que se saiu de uma doutrina ultraformalista e legalista para um contexto mais amplo, quer seja por influência do Direito Comparado, quer seja por influência de diretrizes da OCDE. Especificamente no que tange ao negócio jurídico indireto, há apenas uma citação relativa ao período em que o planejamento era interpretado como lícito quando não houvesse norma específica antielisiva para combatê-lo, no sentido de que “no negócio indireto ocorreria uma mera incongruência entre a função econômico-social típica do negócio e os objetivos concretos visados pelas partes”.

A integralização de participações societárias em fundos de investimento em participações para posterior venda das referidas participações pelos fundos foi discutida nos Acórdãos n. 2301-005.930 (de 14.03.2019), n. 2301-005.933 (de 14.03.2019) e n. 2301-005.934 (de 14.03.2019), todos de relatoria da conselheira Juliana Feriato, nos quais houve menção expressa no voto de precedente em cuja ementa constava que “o fato de ser um negócio jurídico indireto não traz a consequência direta de tornar eficaz o procedimento da interessada, pois essa figura não é oponível ao fisco quando, como é o caso concreto, sem propósito negocial algum, visto de seu todo, visar apenas a mera economia de tributos”.

Desse modo, verifica-se nos referidos Acórdãos o entendimento de que o negócio jurídico indireto deveria ter um propósito negocial além da economia tributária.

Tal premissa também parece ter sido adotada nos Acórdãos n. 2202-005.263 (de 05.06.2019) e n. 2202-005.264 (de 05.06.2019), nos quais se discutia a potencial incidência de contribuições previdenciárias sobre pagamentos efetuados por pessoa jurídica a outras pessoas jurídicas, que deveriam ser desconsideradas em virtude de subordinação das pessoas físicas que eram sócias das pessoas jurídicas contratadas.

Nos votos proferidos pelo conselheiro Martin Gesto nos referidos acórdãos, constou expressamente que: “o planejamento realizado pode amoldar-se a uma elisão fiscal (lícita, portanto); ou, ao contrário, pode apresentar-se de forma abusiva, muitas vezes com o escopo de atingir negócio jurídico indireto, tornando-se, então, ilegal e passível de descaracterização por parte do Fisco”.

De forma oposta aos entendimentos manifestados acima, a falta de base legal para uso do negócio jurídico indireto para combater os planejamentos tributários foi expressamente salientada nos Acórdãos n. 1201-002.921 (de 14.05.2019), n. 1201-002.983 (de 12.06.2019), n. 1201-003.142 (de 18.09.2019), n. 1201-003.203 (de 16.10.2019), n. 1201-003.229 (de 11.11.2019), n. 1201-003.310 (de 12.11.2019) e n. 1201-003.441 (de 21.01.2020), nos quais a conselheira Gisele Barra Bossa assinalou que “as normas gerais de controle de planejamentos tributários relacionadas às figuras do abuso de direito, abuso de forma, negócio jurídico indireto, inexistência de propósito negocial (razões extratributárias relevantes) não têm amparo no Direito Tributário Brasileiro e, portanto, não podem ser utilizadas como fundamento para o lançamento”.

Tal trecho do voto foi referenciado no Acórdão n. 1201-003.588 (de 12.02.2020), de relatoria do conselheiro Luis Henrique Marotti Toselli.

No mesmo diapasão, nos Acórdãos n. 1201-003.561 (de 22.01.2020), n. 1201-004.330 (de 16.10.2020), n. 1201-004.456 (de 12.11.2020), a conselheira Gisele Barra Bossa pontua que há zonas cinzentas na interpretação dos planejamentos tributários, isto é, “casos em que a autoridade fiscal se vale das figuras relacionadas ao abuso de direito, abuso de forma, negócio jurídico indireto e inexistência de propósito negocial, que não tem amparo do Direito Tributário Brasileiro. E, conforme sinalizado pelo próprio STF, no julgamento ainda em curso da ADI 2.446, faz-se necessária a regulamentação do parágrafo único do artigo 116, do CTN, para fins de legitimar a aplicação desta potencial norma geral antiabuso”.

Por fim, também há acórdãos com referência ao § 3º do art. 14 da Medida Provisória n. 66/2002, dispositivo normativo que não foi convertido na Lei n. 10.637/02, e que trazia uma definição de abuso de forma jurídica como “a prática de ato ou negócio jurídico indireto que produza o mesmo resultado econômico do ato ou negócio jurídico dissimulado”. Isso ocorreu nos Acórdãos n. 2402-008.110 (de 04.02.2020) e n. 2402-008.111 (de 04.02.2020).

A partir da análise dos precedentes do CARF publicados desde 2019 em que o tema do negócio jurídico indireto foi analisado, verifica-se que ele vem sendo tratado de forma superficial, sem que haja um aprofundamento sobre o seu conceito, sendo que na maior parte das vezes ele é usado como sinônimo de simulação ou no contexto das formas de combate ao planejamento tributário.

6. Conclusões

Muito se tem discutido a respeito da utilização do negócio indireto no âmbito do Direito Tributário, em especial na busca da denominada economia fiscal lícita.

Quando as partes celebram um negócio típico com um fim indireto, a isso se denomina de negócio indireto ou negócio com fins indiretos.

No negócio indireto recorre-se a um negócio típico buscando, por meio dele, alcançar, de maneira consciente e consensual, um escopo que não é típico do negócio realizado. Ocorre uma discordância entre o meio adotado e o fim que se persegue. Isso é possível pela distinção entre causa e motivo do negócio jurídico, dada a irrelevância jurídica do motivo.

No negócio indireto ocorre uma incongruência entre o fim visado e a causa típica do negócio escolhido. A característica do negócio indireto é constituída pela distinção entre o objetivo típico do negócio, em abstrato, e os eventuais objetivos ulteriores visados pelas partes no caso concreto, o que permite que um negócio possa, indiretamente, desempenhar funções que não correspondem à função típica decorrente da sua estrutura.

Os negócios indiretos, ou negócios com fins indiretos, são utilizados com frequência, nos vários sistemas jurídicos.

Os negócios indiretos são criação da prática contratual e surgem, em princípio, como aplicações anormais de determinados negócios jurídicos. Constituem um meio para coadunar os institutos tradicionais com as novas exigências práticas.

Com o passar do tempo, os negócios indiretos sofrem uma transformação e, por obra da jurisprudência e da doutrina, vão sendo, aos poucos, reconhecidos e transformados, adquirindo, por vezes, disciplina própria e autônoma.

O negócio indireto não é um tipo específico de negócio jurídico, mas o resultado do emprego instrumental de um negócio típico existente ou da combinação de vários deles, buscando a realização de fins diferentes dos usuais. Por isso, a doutrina afirma que o negócio jurídico não constitui uma categoria jurídica. Ele indica apenas a possibilidade de poder um determinado negócio jurídico alcançar – em virtude da vontade de todas as partes que nele participam – um objetivo diverso daquele que lhe é típico.

A doutrina dos negócios indiretos nasceu da necessidade de distinguir da simulação e da fraude à lei os negócios celebrados com um fim indireto. Portanto, a qualificação de um negócio como indireto tem como consequência, no plano jurídico, mais o afastamento dos regimes da simulação e da fraude à lei do que a atribuição de uma disciplina específica.

A adoção de determinado negócio, para fins indiretos, não é feita por acaso. Tem explicação no intuito de se sujeitarem as partes, não apenas às formas, mas também à disciplina do negócio adotado. A realização do negócio indireto não contraria, mas pressupõe a do fim típico do negócio adotado.

O motivo das partes sujeitarem o negócio indireto à disciplina do negócio direto é o desejo consciente de se afastar o menos possível do terreno conhecido dos negócios nominados ou típicos.

O negócio indireto não se confunde com a simulação, apesar de a linha divisória entre ambos poder ser tênue.

Ao contrário da simulação, o negócio indireto é um negócio jurídico intrinsecamente verdadeiro, que traduz a real intenção das partes, que querem aquilo que deliberaram fazer. O negócio indireto é sério e real, apesar de realizado pelas partes para alcançar um resultado distinto daquele normalmente alcançado com o tipo de negócio praticado.

O negócio indireto não é sempre válido, quaisquer que sejam os seus fins. Se o escopo visado pelas partes for ilícito, o negócio indireto será ilícito e, portanto, nulo. Se o resultado buscado pelas partes for lícito, o negócio indireto será lícito e plenamente válido.

Os negócios jurídicos indiretos não podem ser considerados, por definição, como negócios em fraude à lei, dependendo, em cada caso, do resultado perseguido pelas partes e do que dispõem as regras imperativas do ordenamento jurídico considerado.

O negócio indireto encontra aplicação mais frequente no Direito Privado, mas não deixa de ter aplicação também no Direito Tributário.

A utilização pelos contribuintes de um negócio jurídico indireto não configura, por si só, um planejamento tributário agressivo, como estipulava a Medida Provisória n. 685/2015.

Se a prática do negócio indireto na seara fiscal não está codificada como um fator de antijuridicidade, como ocorre no Brasil, resta difícil admitir que por si só leve a que a conduta seja qualificada de ilícita para efeitos fiscais.

Mesmo que houvesse lei nesse sentido, seria questionável a sua constitucionalidade, já que a possibilidade de utilização do negócio jurídico indireto não é contestada nem pela doutrina e nem pela jurisprudência, sendo as partes, com base nos princípios da autonomia da vontade e da liberdade contratual, livres para celebrar os contratos que melhor lhes aprouver, ainda que com o objetivo ulterior de conseguir uma economia tributária.

No negócio indireto, há uma contraposição entre a causa do negócio e o motivo que induziu as partes, no caso concreto, a realizá-lo. No Brasil, a ordem jurídica tradicionalmente não leva em consideração os motivos que levaram as partes a realizar um negócio jurídico, sendo os motivos individuais, próprios ou exclusivos do autor da declaração de vontade, irrelevantes na celebração do negócio e no domínio da sua vigência.

Como no negócio jurídico indireto ocorre uma contraposição entre a causa do negócio e o motivo que induziu as partes, no caso concreto, a realizá-lo, ele é muitas vezes apto a ser utilizados como forma de realizar um planejamento tributário. Os motivos que levaram à realização de um negócio indireto, sejam eles tributários ou extratributários, são irrelevantes para apurar sua existência ou validade no plano jurídico, não podendo ser utilizados pelo Fisco para a requalificação de tal negócio quando este conduza à economia lícita de tributos.

A escolha de um negócio com preferência de outro pela simples razão de que é mais vantajoso do ponto de vista fiscal, desde que a atuação do contribuinte seja lícita, válida e real é inatacável.

Pelo exposto concluímos que, não se confundindo o negócio indireto com a simulação nem sendo praticado em fraude à lei, é válido o seu uso como instrumento de obtenção de economia fiscal lícita.

A utilização de um caminho legal alternativo não pode ser considerada ilícita ou abusiva, pois decorre do exercício da autonomia da vontade, vinculada à liberdade patrimonial, princípios norteadores do direito contratual.

Não há fraude nos casos em que se pode escolher entre diversas regras jurídicas aplicáveis, pois não defrauda a lei quem afasta a sua aplicação por um meio legal.

A partir da análise dos Acórdãos proferidos no âmbito do CARF em que havia citação ao negócio jurídico indireto, nota-se uma superficialidade no que tange ao seu próprio conceito, sendo que muitas vezes o negócio indireto é tratado como simulação ou é apenas referido no contexto de institutos alienígenas usados para combater o planejamento tributário, tais como o abuso de forma, abuso de direito, fraude à lei ou o teste do propósito negocial.

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1 Cf. LIMA, Alvino. A fraude no direito civil. São Paulo: Saraiva, 1965, p. 80.

2 A retrovenda. 2. ed. São Paulo: RT, 1987, p. 5. É interessante notar que Orlando Gomes discordava desse entendimento. Para o jurista baiano, quando as partes empregam a retrovenda “com escopo de garantia estão a falsear a sua causa. Por conseguinte, realizam negócio simulado”. E esclarece: “O uso da retrovenda para esse fim não a converte em negócio indireto conforme a intenção das partes, pois estarão sempre a ocultar o negócio verdadeiro, queiram ou não celebrar o pacto, visto que não é possível querer a retrovenda como empréstimo e garantia.” (Alienação fiduciária em garantia. 4. ed. São Paulo: RT, 1975, p. 31).

3 A retrovenda. 2. ed. São Paulo: RT, 1987, p. 6.

4 A retrovenda. 2. ed. São Paulo: RT, 1987, p. 13. Como explica o jurista em outra obra, “a compra e venda tem como causa a troca da coisa por dinheiro, e como escopo último (motivo) qualquer utilização da coisa pelo comprador como proprietário; já a compra e venda com fim de garantia (negócio jurídico indireto) é uma compra e venda (negócio jurídico típico) em que a causa é a desta (troca de coisa por dinheiro), mas em que o escopo último (motivo) não é aquele a que normalmente se visa quando se celebra uma compra e venda (qualquer utilização da coisa pelo comprador como proprietário), mas o da coisa adquirida servir ao seu proprietário como garantia do pagamento de crédito” (Da alienação fiduciária em garantia. São Paulo: Saraiva, 1973, p. 7, nota 12).

5 El negocio indireto. Tradução de L. Rodriguez-Arias. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1953, p. 78.

6 Introdução ao direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 314. Tullio Ascarelli afirma que “todo negócio é caracterizado por um escopo típico que se destina a realizar e no qual se identifica precisamente a sua causa econômica e jurídica (por exemplo, a troca da coisa pelo preço, na venda), mas nada impede, no entanto, seja ele, embora dentro de certos limites, disciplinado pelas partes de modo tal que não só possa realizar, imediatamente, o escopo que lhe é típico, mas também, mediatamente, outros objetivos que até adquirem importância predominante na vontade das partes (Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Bookseller, 1999, p. 172).

7 Cf. ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Bookseller, 1999, p. 173 e 174.

8 Contratos atípicos. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2009, p. 248.

9 Contratos atípicos. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2009, p. 250.

10 Contratos atípicos. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2009, p. 253.

11 Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Bookseller, 1999, p. 154.

12 Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Bookseller, 1999, p. 254 e 255.

13 Outro exemplo de negócio indireto é o uso do chamado cheque “pré-datado”. Tal cheque é emitido com o caráter de promessa de pagamento, quando o adequado para esse fim seria a nota promissória (cf., a respeito, GAINO, Itamar. A simulação dos negócios jurídicos. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 51).

14 Cf. ROSEMBUJ, Tulio. El fraude de ley, la simulación y el abuso de las formas en el derecho tributário. 2. ed. Madrid/Barcelona: Marcial Pons, 1999, p. 301.

15 Cf. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 314. No mesmo sentido, o magistério de Moreira Alves: “Por isso, ensinam os autores que não existe a categoria dogmática negócio jurídico indireto, porquanto, e a observação é de GRAZIANI, ‘Existendo la causa, il negozio produce i suoi effetti ed è valido, può la causa non corrispondere all’elemento determinante del negozio, nel caso ch’esso sai considerato non come scopo ultimo, ma come mezzo per uno scopo ulteriore: tutto ciò è dogmaticamente irrilevanza dei motivi’ (GRAZIANI, ‘Negozi indiretti e negozi fiduciari’, in Studi di Diritto Civile e Commerciale, págs. 330-331).” (A retrovenda. 2. ed. São Paulo: RT, 1987, p. 5, nota 11). Analogamente, Tulio Rosembuj afirma: “El contrato indirecto – que no es uma clase ni categoria de contrato, sino, como afirma SANTORO PASSARELLI, un fenómeno o una realidade sociológica – pretende com su realización conseguir el resultado típico de um tipo de contratos o negocio jurídico a través de un medio jurídicamente válido e realmente querido por las partes, pero formalmente diferente a los que la ley prevé.” (El fraude de ley, la simulación y el abuso de las formas en el derecho tributário. 2. ed. Madrid/Barcelona: Marcial Pons, 1999, p. 303). No mesmo sentido, Domenico Rubino, El negocio jurídico indireto. Tradução de L. Rodriguez-Arias. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1953 p. 143.

16 Contratos atípicos. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2009, p. 254.

17 No caso do direito tributário, esta poderia ser uma maneira de burlar o pagamento do imposto sobre doações, da competência privativa dos Estados.

18 Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Bookseller, 1999, p. 156.

19 Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Bookseller, 1999, p. 160.

20 Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Bookseller, 1999, p. 178.

21 Teoria geral do negócio jurídico. Campinas: Servanda Editora, 2008, p. 564.

22 Teoria geral do negócio jurídico. Campinas: Servanda Editora, 2008, p. 563 e 564.

23 El negocio jurídico indireto. Tradução de L. Rodriguez-Arias. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1953, p. 76, nota 28.

24 Introdução ao direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 314.

25 Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Bookseller, 1999, p. 181.

26 No novo Código Civil, a norma correspondente é o caput do art. 1.428, assim redigido: “Art. 1.428. É nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento.”

27 Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p. 63 e 64.

28 FERRARA, Francisco. A simulação dos negócios jurídicos. Campinas: R.E.D. Livros, 1999.

29 Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Bookseller, 1999, p. 231 e 232. O jurista cita, ainda, o exemplo do mandato de venda concedido pelo vendedor ao comprador que deseje revender, mandato esse que, praticamente, substitui a primeira venda, bem como do uso dos contratos preliminares de venda e a cessão deles, tendo em vista a diferença entre contrato preliminar e definitivo, em ambos os casos visando-se evitar o pagamento do imposto sobre transmissão de imóveis. Sobre o tema, conclui o jurista: “É parece-me, impossível, na falta de disposição legal, tributar com imposto de transmissão operações que não substanciam uma transmissão imobiliária, com a alegação que, por meio delas, se substitui uma transmissão que, de outra forma, teria sido realizada.” (Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Bookseller, 1999, p. 241 e nota 396). É o que se convenciona chamar de mandato “em causa própria”, que tem previsão legal, atualmente, no art. 685 do Código Civil.

30 Planejamento tributário: elisão e evasão fiscal. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de direito tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 332.

31 Planejamento tributário: elisão e evasão fiscal. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de direito tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 347.

32 Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p. 60.

33 Planejamento tributário. São Paulo: Dialética, 2004, p. 255.

34 É importante ressaltar que a aludida Medida Provisória foi editada na expectativa de implementar o Plano de Ação 12 do Projeto BEPS, que, em nome da transparência internacional e da necessidade de antecipação dos riscos causados por esquemas abusivos, requer que os contribuintes revelem seus esquemas de planejamento tributário agressivos, conforme consta da sua Exposição de Motivos. O projeto BEPS (Base Erosion Profit Shifting), desenvolvido no âmbito da OCDE/G20, conta com a participação do Brasil, e tem como objetivo o combate a práticas internacionais de erosão da base tributária por meio de planejamentos tributários agressivos.

35 Confira-se, a respeito, acórdão do Superior Tribunal de Justiça, assim ementado: “Compra e venda de ações, com pacto de retrovenda. Negócio jurídico indireto. Direito de resgate abrangente de ações acrescidas em razão de bonificações e do direito de subscrição. Desistência de recurso não devidamente formalizado. Qualificada a avença como negócio jurídico indireto, não contraria o art. 1.140 e par. único do C.C. a decisão que considera como compreendido no direito de resgate tudo quanto se acrescentou às ações vendidas, quer por força de bonificações, quer em razão do direito de subscrição. Não veda a lei tenha a retrovenda por objeto bem móveis.” (STJ, REsp n. 28.598/BA, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 05.11.1996)

36 A liberdade de contratar, segundo Victor Borges Polizelli e Luiz Carlos de Andrade Júnior, compõe-se de três dimensões: a liberdade de escolher celebrar o contrato; a liberdade de escolher qual contrato celebrar; e a liberdade de escolher o conteúdo do contrato a celebrar (O problema do tratamento tributário dos contratos atípicos da economia digital: tipicidade econômica e fracionamento de contratos. Revista Direito Tributário Atual vol. 39. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Tributário, 2018, p. 457 e 458).

37 El negocio jurídico indireto. Tradução de L. Rodriguez-Arias. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1953, p. 44.

38 Moreira Alves explica a distinção entre causa e motivos no que se refere ao contrato de compra e venda: “No contrato de compra e venda, a causa é a permuta entre a coisa e o preço (essa é a função econômico-social que lhe atribui o direito objetivo; essa é a finalidade prática a que visam, necessária e objetivamente, quaisquer que sejam os vendedores e quaisquer que sejam os compradores); os motivos podem ser infinitos (assim, por exemplo, alguém pode comprar uma coisa para presentear com ela um amigo).” (Direito romano. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. vol. 1, p. 153)

39 O contrato. Coimbra: Almedina, 2009, p. 197.

40 Custodio da Piedade Ubaldino Miranda, ao explicar a teoria subjetivista sobre o conceito de causa, explica bem a diferença entre o motivo e a causa do negócio jurídico: “Esta teoria procura, antes de mais, distinguir os motivos ou as representações psicológicas, íntimas, individuais, da mais variada natureza, que agem no ânimo do sujeito e o levam a contratar, do fim típico, sempre o mesmo, impessoal, para cada uma das partes e qualquer que seja o negócio jurídico. Aqueles, os fins remotos, que são os mais diversos de pessoa para pessoa, são os simples motivos; este último, o fim próximo e constante em cada negócio jurídico, para cada uma das partes, é a causa. Assim, por exemplo, quem vende um imóvel, pode fazê-lo por variados motivos: por querer acorrer aos gastos com a festa de casamento do filho, por querer empreender uma viagem, ou enfrentar uma doença com despesas que ela necessariamente acarreta etc. Entretanto, para além dessas razões psicológicas, íntimas, há um motivo típico, constante, que pode considerar-se o fim próximo da venda, que existe em todas as compras e vendas e que é a obtenção do preço. É precisamente esta a causa.” (Teoria geral do negócio jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 107)

41 O contrato. Coimbra: Almedina, 2009, p. 198 e 199.

42 Sobre a importância da causa, escreve Luciano de Camargo Penteado: “Há uma necessidade prática da categoria da causa para bem julgar situações contratuais que foram identificadas pela jurisprudência nacional. Essa necessidade se torna muito maior nas circunstâncias em que os contratos não aparecem tal e qual estudados no complexo normativo que os regula. Nem sempre o contrato é simples como a articulação legal do mesmo induziria o estudioso desavisado a acreditar. Na realidade cotidiana, a prática negocial, principalmente em regime de empresa, mostra a crescente atipicidade de figuras e, quando estas ensejam lides que são postas para apreciação pelo judiciário, a vedação ao non liquet coloca o órgão de poder na parede. A criatividade precisa ser exercida. Muitas soluções engenhosas recorrem à analogia com os contratos típicos, ou aos princípios do direito contratual. Entretanto, parece estar latente a necessidade do conceito de causa, da causa concreta, categorial, presente em cada contrato como ato humano dotado de estatuto ontológico único, singular e irrepetível e de onde o juiz deve partir para, através do sistema, captar uma intenção axiológica e poder, corretamente, julgar, adjudicando o justo.” (Doação com encargo e causa contratual: uma nova teoria do contrato. 2. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 125). Sobre o assunto, confira-se, ainda, a lição de Orlando Gomes: “Com esta e outras funções, a causa é um requisito útil, particularmente como o meio de se recusar proteção jurídica a negócios sem significação, ou ilícitos. Se não se leva em consideração o propósito negocial definido no ordenamento jurídico – a causa final dos negócios jurídicos –, o exercício da autonomia privada não pode, como deve, ser fiscalizado e limitado.” (Introdução ao direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 330)

43 Dispõe o aludido artigo: “Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.” Sobre este artigo, explica Custodio da Piedade Ubaldino Miranda: “O que o art. 140 quer dizer é que o falto motivo, isto é, o erro (que já vimos ser o desconhecimento ou uma falsa representação que uma pessoa tem da realidade) sobre o motivo só vicia o negócio, só constitui causa de anulação, quando esse motivo for expresso (não basta que seja implícito, que se possa deduzir do texto ou do contexto da declaração) na declaração como razão determinante da celebração do negócio jurídico.” (Teoria geral do negócio jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 207, nota 29)

44 Comentários ao novo Código Civil. T. 1: livro III – dos fatos jurídicos: do negócio jurídico. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. vol. 3, p. 88.