Imunidade Tributária das Instituições de Assistência Social na Constituição Federal de 1988

Emerson Drigo da Silva

Advogado em São Paulo. Mestrando pela Faculdade de Direito da USP.

1. À Guisa de Introdução: Razões da Imunidade das Instituições de Assistência Social

Tema de extrema importância no âmbito do sistema tributário brasileiro é a questão das imunidades tributárias reconhecidas pela Constituição Federal de 05.10.1988 (“CF/88”).

Dentre elas, encontramos as imunidades quanto a impostos e quanto a contribuições sociais, reconhecidas às instituições de assistência social, respectivamente, pelo art. 150, inciso VI, alínea “c” e pelo § 7º do art. 195, ambos da CF/88.

São estas imunidades - não obstante tenham as demais igual importância - ao estudo das quais pretendemos nos dedicar no presente trabalho.

Dessa forma, a primeira questão que se coloca é saber quais os motivos que levaram o legislador constitucional a reconhecer tais imunidades.

Muito nos ensina Ruy Barbosa Nogueira a esse respeito. Para este autor as imunidades descritas pelos dispositivos acima citados decorrem diretamente do princípio da capacidade contributiva, constante do § 1º do art. 145 da CF/881:

“Art. 145 (...)

§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” (g.n.)

Assim, somente poderiam estar sujeitas à imposição tributária, por meio de impostos, as verdadeiras expressões de riqueza tributável, de capacidade contributiva.

Por outro lado, como as instituições de assistência social sem fins lucrativos não seriam capazes de contribuir, com valores ou bens, para a manutenção do Estado, na medida em que contribuem integralmente para a manutenção de suas atividades assistenciais, com todo o seu patrimônio e recursos disponíveis, não poderiam, em conformidade com o próprio princípio da capacidade contributiva, ter seus rendimentos, patrimônio ou serviços sujeitados ao pagamento de impostos.

Nas palavras do próprio Ruy Barbosa Nogueira, “‘o patrimônio’, ‘as rendas’, e os ‘serviços’ ou atividades dessas instituições são a sua ‘universitas facti’, toda ela afetada a seus objetivos, pois um dos requisitos para a própria criação, existência e operatividade dessas instituições, como tais, é precisamente a de ‘aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais’. (...) Logo, é evidente (...) que tais instituições efetivamente contribuem para o Estado não com imposto in pecunia, mas in natura e in labore, cuja capacidade econômica ou contributiva já ficou integralmente esgotada. (...) São imunes do imposto in pecunia, porque realmente não têm, nem podem ter, ‘capacidade econômica’ ou contributiva in pecunia, uma vez que a integralidade de seus recursos, ex vi legis tem que ser, como são, integralmente aplicados na manutenção dos seus objetivos institucionais.”2

Como se vê, as instituições de assistência social atuam como substitutas do Estado, em suas funções de atuação em áreas ligadas à assistência à sociedade.

Dessa forma, já contribuem para a atividade estatal com toda a sua capacidade, com cem por cento de suas rendas e de seu patrimônio, e impor-lhes a obrigação de contribuir para o Estado por meio de imposto equivaleria a, com o objetivo de financiar atividades estatais, retirar parcela da capacidade das instituições de assistência social de fomentar atividades sociais, que contribuem para a manutenção do bem-estar social do próprio Estado.

Parece-nos, assim, que buscar tolher parte das rendas ou do patrimônio das instituições de assistência social, por meio da cobrança de impostos, apenas acabaria por gerar gastos (desnecessários) da administração pública, com a finalidade de possibilitar tal cobrança, sem que o Estado obtivesse um efetivo benefício dessa arrecadação.

Isto porque, ao adotar este procedimento, estaria apenas fazendo com que as instituições assistenciais deixassem de investir em áreas nas quais o próprio Estado seria obrigado, então, a investir mais do que o faz.

Em outras palavras, estaria atingindo os mesmos fins atingidos pelas instituições de assistência social, tendo, entretanto, um gasto adicional para tanto, qual seja, o gasto com a manutenção de uma estrutura apta a promover a arrecadação de impostos provenientes destas instituições.

Estes, portanto, seriam os motivos que levaram o legislador constitucional de 1988 a reconhecer, em dois dos dispositivos da CF/88, a imunidade das instituições de assistência social.

Após esta breve introdução, passaremos a estudar as características e limites de cada uma das imunidades reconhecidas pela CF/88 em favor das instituições de assistência social.

2. Imunidade Tributária das Instituições de Assistência Social na CF/88

Como anteriormente visto, podemos identificar no sistema jurídico-tributário brasileiro, instituído pela CF/88, duas espécies de imunidade tributária reconhecidas às instituições de assistência social. São elas:

(i) imunidade quanto a impostos, reconhecida pelo art. 150, inciso VI, alínea “c” e seu § 4º da CF/88; e

(ii) imunidade quanto a contribuições sociais, reconhecida pelo § 7º do art. 195 da CF/88.

Assim, procuraremos estudar, separadamente, as características de cada uma dessas espécies de imunidade tributária, buscando discutir as características de cada uma e os pontos controversos que as cercam.

2.1. A imunidade das instituições de assistência social quanto a impostos: art. 150, inciso VI, alínea “c” da CF/88

Assim dispõe o art. 150, inciso VI, alínea “c” da CF/88:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI - instituir impostos sobre:

(...)

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

(...)

§ 4º As vedações do inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.” (g.n.)

Assim, as instituições de assistência social, desde que não possuam finalidade de obtenção de lucros e cumpram os requisitos estipulados por lei, gozariam de imunidade quanto ao pagamento de impostos, como o imposto de renda, dentre outros.

Entretanto, dois pontos da imunidade reconhecida pelo dispositivo constitucional acima transcrito têm sido amplamente discutidos pelos doutrinadores pátrios, quais sejam:

(i) a “lei” que irá disciplinar os requisitos a serem atendidos para gozo da imunidade, a que se refere a alínea “c” do inciso VI do art. 150, deve ser entendida como sendo lei complementar, ou mesmo lei ordinária seria suficiente para disciplinar tais requisitos?

(ii) quanto à limitação trazida pelo § 4º do art. 150, como devem ser entendidas as “finalidades essenciais” das instituições de assistência social: são elas apenas aquelas descritas em seus estatutos sociais e diretamente relacionadas à assistência da população, ou qualquer atividade econômica exercida pelas instituições de assistência social também gozariam da imunidade, desde que seus resultados fossem destinados ao financiamento de seus objetivos sociais?

Torna-se importante, assim, a busca de resposta a estas duas questões, com a finalidade de entender o verdadeiro sentido da imunidade reconhecida pela CF/88 às instituições de assistência social.

Além dessas questões, entendemos ter igual importância a resposta à seguinte questão, diretamente relacionada com a primeira daquelas acima descritas: a “lei” disciplinadora dos requisitos para gozo da imunidade poderia impor qualquer requisito, ou, antes, a imposição desses requisitos deveria, necessariamente, respeitar a determinadas limitações, sob pena de, não o fazendo, impedir ou limitar o gozo da imunidade, tornando letra morta a disposição do art. 150, inciso VI, alínea “c”, da CF/88?

Tentaremos, agora, responder às questões propostas.

2.1.1. A natureza (complementar ou ordinária) da “lei” disciplinadora dos requisitos para gozo da imunidade a impostos reconhecida a instituições de assistência social e os limites para disciplina de tais requisitos

Para responder à primeira questão que se coloca, quanto à natureza da “lei” disciplinadora dos requisitos para gozo da imunidade a impostos pelas instituições de assistência social, faz-se necessário analisar outro dispositivo constitucional, qual seja o art. 146, inciso II da CF/88, assim redigido:

“Art. 146. Cabe à lei complementar:

(...)

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

(...)”

Da leitura do dispositivo acima transcrito, depreende-se facilmente que não poderia, em hipótese alguma, o legislador brasileiro buscar disciplinar qualquer das limitações ao poder de tributar impostas pela CF/88 por meio de mera lei ordinária, devendo aprovar, para este fim, lei complementar.

Por outro lado, a imunidade concedida pelo art. 150, inciso VI, alínea “c”, da CF/88 outra coisa não é senão uma limitação constitucional ao poder de tributar.

Não apenas pelo fato de encontrar-se esta limitação, “topograficamente”, situada na Seção II do Capítulo I do Título VI da CF/88. Isto porque, ainda que o legislador constitucional, por qualquer motivo, resolvesse inserir referida limitação em Título, Capítulo ou Seção diversa da CF/88, não deixaria ela de ser, por sua própria natureza, uma limitação ao poder de instituir tributos (no caso, impostos), devendo, em conseqüência, ser regulada por meio de lei complementar.

Com efeito, parece-nos que uma norma de natureza limitativa, ainda que “topograficamente” situada em parte da CF/88 distinta daquela em que se encontra outra norma, de natureza impositiva, à limitação da qual se destina, poderia, por meio de interpretação sistemática da CF/88, cumprir seus objetivos, limitando a aplicação da norma impositiva.

Dessa forma, entendemos que os requisitos para gozo da imunidade, a que se refere a alínea “c” do inciso VI do art. 150 da CF/88, devem ser regulados por lei complementar, não podendo mera lei ordinária servir a este fim.

Aliás, nas palavras de Ives Gandra da Silva Martins, “se se admitisse que as leis ordinárias de cada uma das 5.500 entidades federativas do país é que deveriam definir tais requisitos, poderíamos ter 5.500 proposições diferentes para a aceitação da imunidade por parte dos poderes tributantes, com razoáveis possibilidades de se eliminar tal imunidade pela criação de requisitos inviáveis de serem atendidos”3.

Assim, delegar ao legislador ordinário a competência para regular os requisitos para gozo da imunidade poderia levar, até mesmo, à inaplicabilidade, na prática, da imunidade concedida às instituições de assistência social.

Por outro lado, atualmente, no Brasil, a imunidade a impostos determinada pelo art. 150, inciso VI, alínea “c”, da CF/88, encontra-se regulada pelo art. 14 e seus parágrafos, c/c o art. 9º, inciso IV, alínea “c”, ambos do Código Tributário Nacional (CTN), o qual foi recepcionado pela CF/88 com status de lei complementar. Senão, vejamos:

“Art. 9º. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios:

(...)

IV - cobrar impostos sobre:

(...)

c) o patrimônio, a renda ou serviços de partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, observados os requisitos fixados na Seção II deste Capítulo;4

(...)

§ 1º O disposto no inciso IV não exclui a atribuição, por lei, às entidades nele referidas, da condição de responsáveis pelos tributos que lhes caiba reter na fonte, e não as dispensa da prática de atos, previstos em lei, assecuratórios do cumprimento de obrigações tributárias por terceiros.

(...)

Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do art. 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:

I - não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;5

II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

§ 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do art. 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.

§ 2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do art. 9º são exclusivamente os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previsto nos respectivos estatutos ou atos constitutivos.” (g.n.)

Com isto, as instituições de assistência social que não possuam finalidade lucrativa, não distribuam parcelas de seu patrimônio ou de suas rendas a terceiros e apliquem no Brasil, de forma integral, seus recursos, estariam, de acordo com o art. 14 do CTN, e em conformidade com o art. 150, inciso VI, alínea “c”, da CF/88, imunes ao pagamento de impostos.

Falta-nos, ainda, responder à questão sobre se a imposição de requisitos para gozo da imunidade pelas instituições de assistência social deveria respeitar determinados limites, ou se o legislador (complementar) poderia, livremente, fixar tais requisitos.

Parece-nos não ser razoável o entendimento de que o legislador (complementar) poderia fixar livremente os requisitos para gozo da imunidade por essas instituições, sem estar sujeito a respeitar quaisquer limites.

Com efeito, entendemos que não poderia a lei complementar, justamente por ser “complementar” à CF/88 - e não extensiva ou restritiva do conteúdo desta -, fixar requisitos que acabassem por restringir, ou até mesmo eliminar, o campo de aplicação da imunidade reconhecida pela CF/88. A lei complementar poderia apenas explicitar o sentido e a amplitude desse campo de aplicação.

É exatamente nesse sentido que, ao analisar o art. 146 da CF/88, Ives Gandra Martins caminha ao afirmar que “em direito tributário, como, de resto, na grande maioria das hipóteses em que a lei complementar é exigida pela Constituição, tal veículo legislativo é explicitador da Carta Magna. Não inova, porque senão seria inconstitucional, mas complementa, esclarecendo, tornando clara a intenção do constituinte, assim como o produto de seu trabalho, que é o princípio plasmado no Texto Supremo.”6

Assim, a lei referida no inciso VI do art. 150 da CF/88, além de, como visto, ter de ser lei complementar, deve observar como limite à fixação dos requisitos para gozo da imunidade a mera explicitação de tal imunidade, evitando, sob pena de nascer inconstitucional, limitar o campo de abrangência da imunidade reconhecida às instituições de assistência social.

Seria inconstitucional, p. ex., a lei, ainda que complementar, que fixasse, como requisito ao gozo da imunidade pelas instituições de assistência social, a obtenção por estas instituições de certificados emitidos pelo poder público competente para a imposição tributária.7

Isto porque, fazer com que as instituições de assistência social sejam obrigadas, com a finalidade de usufruir da imunidade reconhecida pela CF/88, a obter certificados ou autorizações junto a órgãos do próprio poder competente para instituir tributos, equivaleria a submeter exclusivamente à vontade (política, ideológica ou mesmo econômica) desse poder tributante o gozo de referida imunidade, o que, obviamente, estaria ferindo as disposições da CF/88, ao limitá-las.

2.1.2. O sentido das “finalidades essenciais” mencionadas no § 4º da CF/88

Procuraremos, agora, responder à questão relativa ao que se poderia entender da limitação à imunidade imposta pelo § 4º do art. 150 da CF/88, e refletida no § 2º do art. 14 do CTN.

Para responder esta questão, acreditamos ser necessária, antes, a leitura de outros dispositivos constitucionais, de forma a permitir uma análise sistemática, e não isolada, das disposições contidas na CF/88.

Vejamos, assim, o que diz o art. 173 e seus parágrafos da CF/88, os quais cuidam de disposições relativas à ordem econômica e financeira nacionais:

“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1º A empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias.

§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.

§ 3º A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade.

§ 4º A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

§ 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.” (g.n.)

Como se depreende dos dispositivos acima transcritos, o sistema constitucional brasileiro abriga, dentre seus princípios, o de defesa e proteção à livre concorrência, de forma a evitar a concentração de mercados e o abuso do poder econômico, com o que a concessão de privilégios a determinado agente do mercado seria incompatível com o sistema constitucional, na medida em que permitiria a este concorrer com os demais agentes do mercado em condições mais favoráveis.

Dessa forma, com a finalidade de delimitar o verdadeiro campo de aplicação da imunidade reconhecida pelo art. 150, inciso VI, alínea “c”, da CF/88 às instituições de assistência social, a questão central que se coloca é a de procurar compatibilizar essa imunidade ao princípio constitucional da proteção da livre concorrência, abrigado nos dispositivos constitucionais acima transcritos.

Em outras palavras, entendemos que o legislador constitucional de 1988, ao restringir a aplicação da imunidade reconhecida pelo art. 150, inciso VI, alínea “c”, da CF/88, às “atividades essenciais” desenvolvidas pelas instituições de assistência social, buscou fazer com que não fosse concedida a essas instituições quaisquer privilégios, quando passassem a atuar como agentes do mercado.

Isto porque, caso essas instituições pudessem, como agentes do mercado, usufruir da imunidade constitucional, poderiam elas, de um lado:

(i) praticar preços consideravelmente inferiores aos de seus concorrentes comerciais (que possuíssem finalidade lucrativa); e/ou, de outro lado,

(ii) obter ganhos excessivos de suas atividades no mercado, por meio da conversão dos valores que seriam, normalmente, destinados ao pagamento de tributos, em recursos destinados ao caixa das próprias instituições.

Com tais práticas, poderiam as instituições de assistência social, ao dedicarem-se também a atividades comerciais, ainda que destinadas à obtenção de recursos para que pudessem desenvolver suas atividades assistenciais, acabar desvirtuando o mercado em que estivessem inseridas, eliminando seus concorrentes e dominando esse mercado.

Esta conduta, parece-nos, infringiria diretamente o princípio da livre concorrência e da proteção dos mercados competitivos, inserido no § 4º do art. 173 da CF/88.

Por outro lado, devemos observar que não é permitido ao Estado, em razão do disposto no § 2º do art. 173 da CF/88, conceder privilégios fiscais nem mesmo a empresas administradas diretamente pelo Estado, como é o caso das empresas públicas e das sociedades de economia mista.

Como visto no item de introdução ao presente trabalho, as instituições de assistência social acabam funcionando como “substitutas do Estado”, em suas respectivas áreas de atuação, na assistência prestada à população.

Ora, se nem mesmo a empresas controladas pelo Estado que atuem em atividades comerciais é possível estender benefícios ou privilégios de natureza fiscal, não nos parece que seria possível estender tais benefícios ou privilégios a instituições “substitutas do Estado”, enquanto estas atuarem como agentes de um mercado competitivo.

Assim, entendemos que, por “atividades essenciais” das instituições de assistência social devem ser entendidas aquelas atividades desenvolvidas por essas instituições que:

(i) destinem-se ao atendimento da população, ou de parcela definida desta, em suas respectivas áreas de atuação, de forma gratuita ou, mesmo, onerosa; e

(ii) não representem a atuação das instituições assistenciais num mercado (comercial) sujeito à regras da livre concorrência, em que poderiam competir com agentes comerciais sem qualquer possibilidade de usufruir da imunidade concedida às instituições de assistência social.

É claro que não queremos dizer, com isto, que as instituições de assistência social não poderiam atuar em atividades comerciais, ou que se o fizessem, perderiam automaticamente sua imunidade.

Na realidade, somos da opinião de que tais instituições poderiam dedicar-se, com a finalidade de obter recursos que seriam empregados em suas atividades assistenciais, a atividades típicas de um mercado sujeito a regras comerciais.

Entretanto, neste caso, apenas estariam livres de tributação as atividades assistenciais desenvolvidas por essas instituições, bem como seu patrimônio empregado em tais atividades e a renda delas proveniente, em razão da imunidade que lhes é reconhecida constitucionalmente, enquanto o patrimônio e os rendimentos oriundos das atividades comerciais continuariam sujeitando-se à tributação normal a que se submetem as empresas comerciais.

Neste sentido, acompanhamos, mais uma vez, a lição de Ives Gandra Martins, para o qual “se uma entidade imune explorasse atividade pertinente apenas ao setor privado, não haveria a barreira e ela teria condições de dominar mercados e eliminar a concorrência ou pelo menos obter lucros arbitrários, na medida em que adotasse idênticos preços de concorrência, mas livre de impostos. (...) a junção do princípio estatuído nos arts. 173, § 4º, e 150, § 4º, impõe a exegese de que as atividades, mesmo que relacionadas indiretamente com aquelas essenciais das entidades imunes enunciadas nos incs. b e c do art. 150, VI, se forem idênticas ou análogas às de outras empresas privadas, não gozariam da proteção imunitória.”8

2.2. A imunidade das instituições de assistência social quanto a contribuições sociais: § 7º do art. 195 da CF/88

Vejamos o que dispõe o art. 195 e seu § 7º da CF/88:

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita e o faturamento;

c) o lucro;

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;

III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

(...)

§ 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.

(...)”

Como se depreende do dispositivo acima transcrito, a exemplo do que acontece com a imunidade reconhecida pelo art. 150, inciso VI, alínea “c”, da CF/88, as instituições de assistência social, desde que cumpridos os requisitos previstos em lei, poderiam usufruir da imunidade - e não isenção, como erroneamente prevê o § 7º acima transcrito, na medida em que reflete categoria de exclusão constitucional da incidência tributária9 - quanto às contribuições sociais.

Resta saber, como também ocorre com a imunidade a impostos, se a “lei” a que se refere o § 7º do art. 195 da CF/88 também deveria ser lei complementar ou se esta poderia ser lei ordinária.

Caso prevalecesse o entendimento de que a lei ordinária seria suficiente para fixar os requisitos de gozo da imunidade, a lei aplicável seria, atualmente, a Lei nº 8.212/91, que, em seu art. 55 e parágrafos, dispõe:

“Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta Lei a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes requisitos cumulativamente:

I - seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal;

II - seja portadora do Certificado e do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos; (Redação dada pela Lei nº 9.429, de 26.12.1996)

III - promova, gratuitamente e em caráter exclusivo, a assistência social beneficente a pessoas carentes, em especial a crianças, adolescentes, idosos e portadores de deficiência; (Redação dada pela Lei nº 9.732, de 11.12.98)

IV - não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qualquer título;

V - aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais apresentando, anualmente ao órgão do INSS competente, relatório circunstanciado de suas atividades. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)

§ 1º Ressalvados os direitos adquiridos, a isenção de que trata este artigo será requerida ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, que terá o prazo de 30 (trinta) dias para despachar o pedido.

§ 2º A isenção de que trata este artigo não abrange empresa ou entidade que, tendo personalidade jurídica própria, seja mantida por outra que esteja no exercício da isenção.

§ 3º Para os fins deste artigo, entende-se por assistência social beneficente a prestação gratuita de benefícios e serviços a quem dela necessitar. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.732, de 11.12.98)

§ 4º O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS cancelará a isenção se verificado o descumprimento do disposto neste artigo. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.732, de 11.12.98)

§ 5º Considera-se também de assistência social beneficente, para os fins deste artigo, a oferta e a efetiva prestação de serviços de pelo menos sessenta por cento ao Sistema Único de Saúde, nos termos do regulamento. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.732, de 11.12.98).”

Entretanto, não nos parece correto afirmar que, neste caso, a imunidade poderia ser regulada por requisitos fixados em lei ordinária, sendo necessária a edição de lei complementar para fixar tais requisitos de gozo da imunidade.

Nosso entendimento deve-se a uma interpretação sistemática da CF/88, cujos dispositivos devem ser entendidos em seu conjunto, e não apenas de forma isolada.

Dessa forma, não pode prevalecer o argumento “topográfico” de que, por encontrarem-se previstas em Título diverso da CF/88, as contribuições sociais não poderiam ser encaradas como sendo tributos, na medida em que tais contribuições reúnem características que permitem classificá-las como tais.

Com efeito, tratam-se as contribuições sociais de “prestações pecuniárias compulsórias” (na medida em que a ninguém é dado não recolhê-las por sua própria vontade), “expressa em moeda”, “instituída por lei” (conforme se depreende do caput do art. 195 da CF/88) e “cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” (exercida pelos agentes arrecadadores estatais10), reunindo, dessa forma, todas as características de um tributo, constantes do art. 3º do CTN.

Tanto podem ser as contribuições sociais classificadas como tributos, do ponto de vista constitucional, que o art. 149 da CF/8811 (inserido no Capítulo I do Título VI desta) a elas faz referência, para determinar que se subordinem a determinados princípios reguladores do Sistema Tributário Nacional.

Esta, também, a opinião de José Eduardo Soares de Melo - dentre outros autores por este citados em seu livro “Contribuições Sociais no Sistema Tributário” -, para o qual “o elemento topográfico é de todo irrelevante para a caracterização de um instituto jurídico, ou o tipo tributário. A circunstância de as contribuições sociais estarem mencionadas nos quadrantes da ‘seguridade social’ não pode ter a virtude de interferir na essência da figura jurídica. (...) não é fundamental a asserção de que as contribuições não são tributos porque não lhes são aplicáveis todos os princípios conferidos aos impostos e taxas. Cada tipo tributário apresenta uma conotação distinta, regras diferenciadas; enfim, não são rigorosamente idênticos. Exemplificativamente: a) as imunidades genéricas só se aplicam aos impostos (art. 150, VI); b) admite-se certa excepcionalidade ao princípio da legalidade para alguns impostos (art. 153, § 1º); c) a anterioridade não se aplica a determinados impostos (art. 153, I, II, IV, VI); d) as alíquotas seletivas só são previstas para o IPI (art. 153, IV, § 3º, I), ICMS (art. 155, II, e § 2º, III), IR (art. 153, III, e § 2º) e IPTU (art. 156, I, e § 1º e art. 182, §§ 2º e 4º).”12

Em conseqüência, por tratarem-se as contribuições sociais previstas no art. 195 da CF/88 de espécie tributária, não poderíamos, partindo de uma análise sistemática da CF/88, considerar a imunidade prevista no § 7º de seu art. 195 como outra coisa que não uma limitação ao poder de instituir tributo, a qual, nos termos do art. 146, inciso II, da CF/88, dependeria de regulação por meio de lei complementar, não sendo suficiente para tanto mera lei ordinária, como a Lei nº 8.212/91.

Além disso, ainda que, apenas por hipótese, admitíssemos a regulação da imunidade a contribuições sociais por meio de lei ordinária, entendemos que a Lei nº 8.212/91 não poderia prestar-se a tal fim, na medida em que estaria excedendo sua competência, ao limitar a fruição dessa imunidade pelas instituições de assistência social, subordinando essa fruição a:

(i) obtenção do reconhecimento, junto ao poder tributante, de tratarem-se de entidades de utilidade pública, bem como à obtenção de Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos, emitido pelo Conselho Nacional de Assistência Social;

(ii) prestação, de forma gratuita e exclusiva, de assistência social a determinadas categorias da população, consideradas carentes;

(iii) não remuneração dos diretores, cargos da administração, de caráter meramente executivo, que poderiam ser ocupados por funcionários de carreira competentes, os quais, por outro lado, não poderiam sujeitar-se a trabalho em regime de voluntariado; e

(iv) requisição prévia para seu gozo, junto ao órgão responsável pela arrecadação dessas contribuições (o INSS).

Ora, como exposto no item 2.1.1, parte final, deste trabalho, entendemos não ser possível à lei (ainda que complementar) limitar o campo de aplicação de um dispositivo constitucional, podendo esta, apenas, explicitar o conteúdo da CF/88.

Assim, a Lei nº 8.212/91 estaria, em nossa opinião, eivada de dupla inconstitucionalidade; em primeiro lugar por ser lei ordinária, a qual não poderia fixar requisitos para gozo de imunidade reconhecida pela CF/88; em segundo lugar, por extrapolar a competência legislativa outorgada ao legislador complementar, limitando, e não apenas explicitando, o campo de aplicação de dispositivos constitucionais.

Por outro lado, entendemos que poderiam ser aplicados ao gozo da imunidade a contribuições sociais, pelas instituições de assistência social, e até que seja editada nova lei complementar que trate especificamente desse assunto, os requisitos previstos no art. 14 e seus parágrafos do CTN.

Isto porque, indiscutivelmente, foi o CTN recepcionado pelo sistema constitucional tributário instituído pela CF/88, com status de lei complementar, categoria esta competente para regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, dentre as quais a limitação à imposição de contribuições sociais prevista no § 7º do art. 195.

Muitos poderiam alegar, é verdade, que o art. 9º, inciso IV, alínea “c”, do CTN fala apenas em “impostos”, deixando de lado as contribuições sociais, com o que o art. 14 do CTN, que remete àquele dispositivo, não seria aplicável às contribuições sociais, mas apenas a impostos. Poder-se-ia, aliás, entender como confirmação dessa tese o fato de, recentemente, a Lei Complementar nº 104, de 10.01.2001, ter alterado a redação da alínea “c” do inciso IV do art. 9º do CTN, mantendo, no entanto, a menção apenas a “impostos” no referido inciso IV.

Entretanto, devemos lembrar que a imunidade a tributos decorre da própria CF/88, não sendo necessária sua expressa previsão em lei (seja esta complementar, seja ordinária) para que se efetive o direito concedido ao contribuinte de não sujeitar-se à incidência do tributo.

Assim, poderíamos entender que o CTN não prevê expressamente a imunidade a contribuições sociais - até porque não é necessário que o faça, na medida em que tal previsão está contida na CF/88 -, mas sim, e apenas, prevê os requisitos para seu gozo, que seriam os mesmos requisitos aplicáveis ao gozo da imunidade a impostos e estariam contidos em seu art. 14.

No entanto, ainda que se considerasse não aplicável, à imunidade a contribuições sociais reconhecida pelo § 7º do art. 195 da CF/88, o disposto no art. 14 do CTN, estaríamos diante de omissão do legislador complementar, que teria deixado de fixar os requisitos para gozo dessa imunidade.

Ora, assim como não nos parece adequado que lei ordinária fixe tais requisitos, parece-nos menos adequado ainda entender que as instituições de assistência social não poderiam gozar da imunidade a contribuições sociais, enquanto não fosse editada lei complementar que fixasse os requisitos para seu gozo.

Tal entendimento equivaleria a dizer que o gozo da imunidade dependeria de “autorização” do legislador complementar, desqualificando a imunidade para categoria inferior, de verdadeira isenção, um favor fiscal concedido pelo legislador infraconstitucional, e que por este poderia ser extinto a qualquer momento.

Não nos parece ter sido esta a intenção do legislador constitucional de 1988, na medida em que, se fosse este o caso, poderia ter deixado de reconhecer a imunidade descrita no § 7º do art. 195 da CF/88, prevendo-a, como isenção, em mera norma infra-constitucional.

Nosso entendimento, de qualquer forma, é de que não haveria a necessidade de nova lei complementar para fixar os requisitos de gozo da imunidade a contribuições sociais pelas instituições de assistência social, na medida em que tais requisitos já teriam sido fixados pelo art. 14 do CTN.

3. Extensão das Imunidades a Instituições de Assistência Social Estrangeiras

Questão que, com a crescente integração econômico-social e política global, vulgarmente conhecida como a “globalização”, assume posição de destaque está em saber se instituições de assistência social de origem estrangeira, com estabelecimento situado no Brasil, poderiam gozar das imunidades reconhecidas pelo art. 150, inciso VI, alínea “c” e pelo art. 195, § 7º, ambos da CF/88.

Ao analisar questão da mesma natureza, no âmbito internacional, Paul Bater13 acabou por constatar que os diversos países, em regra, relutam em estender benefícios fiscais para instituições assistenciais estrangeiras. Tal relutância resultaria de cinco motivos principais, quais sejam14:

(i) os objetivos que teriam de ser perseguidos por instituições assistenciais, lhes possibilitando o gozo de benefícios fiscais, diferem de país para país;

(ii) normalmente, os países entendem que a extensão de benefícios fiscais a instituições estrangeiras não lhes traria qualquer benefício, na medida em que os recursos dessas instituições fossem empregados na promoção de assistência social em seus países de origem;

(iii) não seria possível obrigar as instituições estrangeiras a aplicar seus recursos no país concedente dos benefícios fiscais;

(iv) muitas vezes, não existe controle efetivo da aplicação dos recursos, por essas instituições, em atividades sociais, mesmo em seus países de origem; e

(v) as políticas nacionais (de assistência social) de cada país não poderiam ser afetadas por tratados.

Assim, a regra, internacionalmente praticada, seria de não estender os benefícios fiscais concedidos a instituições assistenciais nacionais às instituições assistenciais estrangeiras, na medida em que o país de origem dos recursos, em regra, não disporia de meios para fiscalizar a efetiva aplicação de tais recursos em programas de assistência social, ou, ainda que dispusessem desses meios, não lhes seria interessante promover a assistência social fora de suas fronteiras.

Com o advento da globalização, parece-nos provável que este quadro tenda a se alterar, ao menos no âmbito dos “blocos econômicos”, formados para possibilitar a integração econômica regional.

Isto porque, dentro de um mesmo bloco econômico, é sempre interessante promover a equalização econômico-social entre as populações dos diversos países que o compõem, sendo comum a atribuição de um mesmo regime jurídico (no qual enquadra-se o aspecto tributário) aos diversos agentes e instituições oriundos desses países.

Voltando ao âmbito nacional, entendemos não haver, na legislação brasileira, restrições diretas ao gozo de imunidades tributárias por instituições de assistência social de origem estrangeira que aqui se estabeleçam.

Entretanto, essas instituições assistenciais de origem estrangeira teriam um forte limitador, no âmbito nacional, do gozo de imunidades tributárias, limitador este que, em muitos casos, acabaria por impossibilitar referido gozo.

Isto porque, ao se estabelecerem no Brasil, essas instituições estrangeiras deveriam, com o objetivo de usufruir das imunidades tributárias reconhecidas pelo art. 150, inciso VI, alínea “c” e pelo art. 195, § 7º, ambos da CF/88, obedecer aos requisitos constantes do art. 14 do CTN, dentre os quais encontra-se a obrigatoriedade de investir todos os seus recursos, na promoção de assistência social, dentro dos limites territoriais brasileiros.

Na medida em que passassem a remeter parte de seus recursos para seus países de origem, ou para outros países em que atuem, entendemos que as instituições de assistência social de origem estrangeira acabariam não podendo usufruir das imunidades tributárias acima referidas.

Em outras palavras, apesar de sua origem estrangeira, essas instituições deveriam, com o objetivo de gozar de imunidade tributária, transmudar-se em verdadeiras instituições de assistência social brasileiras, com âmbito de atuação estritamente nacional.

Diferente seria a situação se o art. 14, inciso II, do CTN, em lugar de dizer “aplicarem integralmente, no País (...)”, falasse em “aplicarem integralmente, no interesse do País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais”, na medida em que, ao efetivamente aplicarem recursos na promoção de assistência social, ainda que em outros países, as instituições estrangeiras, estariam, neste caso e à luz do Art. 4º, inciso IX da CF/8815, atendendo a interesses brasileiros, consubstanciados na cooperação internacional para resolução de problemas sociais.

No entanto, não é este - ainda - o caso brasileiro, cuja legislação veda o gozo de imunidade tributária por instituições que destinem recursos ao exterior.

Com isso, entendemos ser possível, no Brasil, que as imunidades tributárias reconhecidas pelo art. 150, inciso VI, alínea “c” e pelo art. 195, § 7º, ambos da CF/88 sejam estendidas às instituições de assistência social de origem estrangeira, desde que essas instituições não realizem remessas de seus recursos para o exterior.

4. Conclusões

Diante de todo o exposto no presente trabalho, podemos chegar às seguintes conclusões:

(i) as imunidades reconhecidas, pelos arts. 150, inciso VI, alínea “c”, e 195, § 7º, da CF/88, às instituições de assistência social, decorrem do fato de tais instituições, na medida em que empreguem todo o seu patrimônio, rendas e esforços na realização de atividades assistenciais (inicialmente de competência estatal, por sua natureza), não possuírem qualquer capacidade de contribuir, in pecunia, para a manutenção do Estado, faltando-lhes “capacidade contributiva”;

(ii) além disso, as instituições de assistência social atuam como “substitutas do Estado”, em áreas cuja atuação é, por excelência, delegada a este, com o que tributá-las equivaleria a retirar recursos do próprio Estado (ou empregados em atividades que deveriam ser por este exercidas), para entregá-los ao Estado, gerando apenas gastos (desnecessários e excessivos) para possibilitar a arrecadação dos tributos;

(iii) quanto à imunidade a impostos, descrita no art. 150, inciso VI, alínea “c”, da CF/88, entendemos tratar-se de competência de lei complementar a fixação de requisitos para seu gozo pelas instituições de assistência social;

(iv) entretanto, nem mesmo a lei complementar poderia fixar requisitos para gozo da imunidade que acabassem por limitar, em lugar de disciplinar, o campo de abrangência dessa imunidade, tais como requisitos que subordinassem o gozo da imunidade a autorização do próprio poder competente para instituição de impostos;

(v) referida lei complementar, no direito brasileiro, é hoje representada pelo CTN, o qual, em seu art. 14, fixa os requisitos para gozo, pelas instituições de assistência social, da imunidade relativa a impostos;

(vi) por outro lado, somente gozariam da imunidade a impostos as atividades, desenvolvidas por instituições de assistência social, que não representassem a atuação dessas instituições em mercados comerciais, sujeitos aos princípios da livre concorrência;

(vii) tal fato decorre da compatibilização dos preceitos contidos no § 4º do art. 150 e no art. 173, § 4º, ambos da CF/88, com o que não poderiam as instituições de assistência social gozar de privilégios que lhes permitissem concorrer de forma desleal, praticando preços subsidiados e dominando determinado mercado, ou praticar ganhos arbitrários e excessivos, na medida em que não se sujeitassem, mesmo em atividades comerciais, ao pagamento de impostos;

(viii) quanto à imunidade a contribuições sociais, contida no § 7º do art. 195 da CF/88, entendemos, na medida em que se tratam de espécie do gênero tributo, ser-lhes aplicável, também, a regra de que apenas lei complementar poderá fixar os requisitos para seu gozo, limitando-se esta lei complementar, ainda, a explicitar, mas nunca a restringir, o campo de abrangência dessa imunidade;

(ix) com isto, poder-se-ia aplicar, subsidiariamente, para tal fim, o disposto no art. 14 do CTN, o qual, originalmente, prevê os requisitos para gozo da imunidade relativa a impostos;

(x) as imunidades descritas no art. 150, inciso VI, alínea “c” e no art. 195, § 7º, ambos da CF/88, respeitados os requisitos constantes do art. 14 do CTN (dentre eles não remeter recursos para o exterior), poderiam ser estendidas a instituições de assistência social de origem estrangeira estabelecidas no Brasil.

Assim, esperamos ter contribuído para o debate relativo a pontos polêmicos, discutidos pela doutrina e pela jurisprudência brasileiras, que se originam das imunidades reconhecidas, às instituições de assistência social, pelo art. 150, inciso VI, alínea “c”, e pelo art. 195, § 7º, ambos da CF/88.

1 Ver, a respeito: NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Imunidades contra Impostos na Constituição Anterior e sua Disciplina mais Completa na Constituição de 1988, 2ª edição (revista e atualizada), São Paulo: Saraiva, 1992.

2 Op. cit., p. 95.

3 MARTINS, Ives Gandra da Silva. “Imunidades Tributárias” in VV.AA.; Pesquisas Tributárias - Nova Série - 4: Imunidades Tributárias; Ives Gandra da Silva Martins (coord.); São Paulo: RT/ Centro de Extensão Universitária, 1998, p. 43.

4 Redação determinada pelo art. 1º da Lei Complementar nº 104, de 10.01.2001.

5 Idem.

6 BASTOS, Celso Ribeiro, e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil; vol. 6, tomo I; São Paulo: Saraiva, 1990, p. 146.

7 Como veremos no item 2.2 do presente trabalho, é o que acontece no caso da imunidade a contribuições sociais - reconhecida às instituições de assistência social pelo § 7º do art. 195 da CF/88 - em que a Lei nº 8.212, de 24.07.1991, além de ser lei ordinária, fixa como requisito para gozo da imunidade, dentre outros, a obtenção de “Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos”.

8 MARTINS, Ives Gandra da Silva. “Imunidades Tributárias” in VV.AA.; Pesquisas Tributárias - Nova Série - 4: Imunidades Tributárias; Ives Gandra da Silva Martins (coord.); São Paulo: RT/ Centro de Extensão Universitária, 1998, p. 45.

9 Ver, a respeito da diferença entre as categorias da imunidade e da isenção, dentre outras, excelente lição de Ruy Barbosa Nogueira, em: NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário; 14ª edição (atualizada); São Paulo: Saraiva, 1995, pp. 165 a 175.

10 No Brasil, conforme o caso, representantes do Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) ou da Secretaria da Receita Federal (SRF).

11 Assim dispõe referido dispositivo constitucional:

“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

Parágrafo único. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social.” (g.n.)

12 MELO, José Eduardo Soares de. Contribuições Sociais no Sistema Tributário; 2ª edição (revista, atualizada e ampliada); São Paulo: Malheiros, 1996, p. 74.

13 BATER, Paul. “International Tax Issues Relating to Non-Profit Organizations and Their Supporters”, in Bulletin for International Fiscal Documentation, vol. 53, out.99; pp. 452 a 465.

14 Op. cit., p. 458.

15 Com efeito, eis a redação de referido dispositivo constitucional:

“Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

(...)

IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

(...)” (g.n.)