O Regime Fiscal das Sociedades Corretoras de Seguros

João Francisco Bianco

Advogado em São Paulo. Mestre em Direito pela USP. Conselheiro do IBDT.

A Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991, sabemos todos, instituiu a contribuição de financiamento da seguridade social sobre o faturamento, denominada Cofins, com o objetivo de substituir a incidência do antigo Finsocial que havia sido objeto de acirrada polêmica nos nossos Tribunais. A nova contribuição, então instituída, passou a incidir sobre o faturamento mensal, assim entendida a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza.

Ocorre que as instituições financeiras, tendo em vista desenvolverem atividade específica não caracterizada pela venda de mercadorias - nem tampouco essencialmente dedicadas à prestação de serviços - conseguiram do legislador complementar um regime tributário diferenciado de financiamento da seguridade social.

Assim, o art. 11 dessa mesma lei determinou que elas, as instituições financeiras, estariam sujeitas ao pagamento da contribuição social sobre o lucro, instituída pela Lei nº 7.689, de 15 de dezembro de 1988, a uma alíquota mais elevada que os demais contribuintes - de 23% enquanto os demais sujeitavam-se à alíquota de 15% - mas em compensação estavam dispensadas do pagamento da Cofins.

E estabeleceu o legislador complementar que as instituições submetidas a esse regime excepcional de financiamento da seguridade social eram aquelas a que se referia o parágrafo 1º do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de setembro de 1991.

Pois bem. Esse dispositivo elenca taxativamente as seguintes instituições: bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização, agentes autônomos de seguros privados e de crédito e entidades de previdência privada abertas e fechadas.

A questão que se coloca, e que é objeto do presente estudo, diz respeito ao possível enquadramento das sociedades corretoras de seguros dentre as instituições listadas pelo parágrafo 1º do art. 22 da Lei nº 8.212. Estariam elas, da mesma forma que as instituições financeiras, dispensadas do recolhimento da Cofins e, ao mesmo tempo, sujeitas ao pagamento da contribuição social sobre o lucro à alíquota de 23%, enquanto vigente?

O fisco posicionou-se a respeito do assunto através do Ato Declaratório (Normativo) Cosit nº 23, de 29 de junho de 1993, sustentando que “as sociedades corretoras de seguros não são contribuintes da contribuição social sobre o faturamento, instituída pela Lei Complementar nº 70/91, mas contribuintes da contribuição social sobre o lucro à alíquota estabelecida pelo art. 11 da mesma Lei Complementar”. E pouco tempo depois, para melhor esclarecer esse posicionamento, a Cosit publicou o Parecer Normativo nº 1, de 3 de agosto de 1993, cuja ementa dizia que “as sociedades corretoras de seguros, com o advento da Lei nº 8.212/91, estão sujeitas ao pagamento da CSLL à mesma alíquota aplicável às instituições financeiras”.

O Parecer Normativo fundamentou seu ponto de vista com base no seguinte argumento. Na relação do parágrafo 1º do art. 22 constam, além das cooperativas de crédito, as empresas de seguros privados e de capitalização, os agentes autônomos de seguros privados e de crédito e as entidades de previdência privada abertas e fechadas, estas sujeitas à fiscalização da Superintendência de Seguros Privados - Susep.

Assim, nas palavras do parecerista, “quis o legislador, portanto, para fins da CSLL, estender a todas as pessoas jurídicas cuja constituição, organização, funcionamento e operações são fiscalizadas pela Susep, o mesmo tratamento conferido às instituições financeiras. Assim, tanto as empresas seguradoras como as sociedades corretoras de seguros, na qualidade de agentes autônomos de seguros privados (...) recebem esse tratamento” (item 10).

Como se vê, o parecer normativo fundamentou em dois argumentos sua conclusão. O primeiro deles baseia-se em uma interpretação teleológica do dispositivo: foi intenção do legislador submeter ao regime excepcional de incidência da contribuição social sobre o lucro todas as pessoas jurídicas fiscalizadas pela Susep. O segundo argumento fundamenta-se no fato de as sociedades corretoras de seguros serem equiparadas a agentes autônomos de seguros, agentes estes que constam expressamente da lista do parágrafo 1º do art. 22.

Examinemos cada um desses argumentos separadamente.

Carlos Maximiliano, no seu Hermenêutica e Aplicação do Direito (Forense, Rio de Janeiro, 1996, p. 151), já anotava que “toda prescrição legal tem provavelmente um escopo, e presume-se que a este pretenderam corresponder os autores da mesma, isto é, quiseram tornar eficiente, converter em realidade o objetivo ideado. A regra positiva deve ser entendida de modo que satisfaça aquele propósito; quando assim não se procedia, construíram a obra do hermeneuta sobre a areia movediça do processo gramatical.”

Mais adiante, porém, adverte aquele jurista que “não se deve ficar aquém, nem passar além do escopo referido; o espírito da norma há de ser entendido de modo que o preceito atinja completamente o objetivo para o qual a mesma foi feita, porém dentro da letra dos dispositivos. Respeita-se esta e concilia-se com o fim.” (n.g.)

O ensinamento que se pode tirar dos trechos acima transcritos é claro. A norma deve ser interpretada de modo a satisfazer o propósito pretendido pelos seus autores; e o intérprete não pode ficar aquém do espírito da norma. Quanto a isso, não se discute.

Isso não quer dizer, entretanto, que o intérprete possa, na busca da teleologia da norma, desrespeitar a letra da lei, ou ir além do que dispõe o seu texto. Os limites da determinação do escopo da lei são aqueles fixados pelo seu texto, ou seja, por aquilo que está escrito na norma legal. Não se trata de construir castelo sobre a areia movediça do processo gramatical mas de reconhecer que não se pode ir além do que está expressamente disposto no texto legal.

Pois bem. Qual a indicação existente no texto do art. 22, parágrafo 1º, que levou o redator do Parecer Normativo nº 1, de 1993, a concluir que o legislador pretendeu estender um determinado regime jurídico a todas as pessoas jurídicas que operem sob a fiscalização da Susep? Absolutamente nenhuma pois não há nada no texto legal sob exame que autorize semelhante conclusão. Releie-se o teor do dispositivo legal. Nele não há qualquer menção à Susep.

Nem tampouco há qualquer indicação no texto legal de que o legislador tenha tido o objetivo de estender esse regime a pessoa jurídica que não esteja expressamente elencada no dispositivo. Trata-se de evidente exagero de interpretação do redator do Parecer Normativo, tentando colocar no texto da lei palavras que lá não constam, sob o argumento de que essa teria sido uma suposta intenção do legislador.

Desse modo, parece-me claro que o Parecer Normativo nº 1, de 1993, foi além do espírito da norma, ou seja, pretendeu ampliar o seu alcance através de pura interpretação, sem que haja qualquer justificativa a fundamentar sua conclusão.

O segundo argumento utilizado pelo Parecer Normativo para submeter as sociedades corretoras de seguros ao regime de tributação das instituições financeiras foi equiparando-as aos agentes autônomos de seguros. Assim, segundo o parecerista da CST, os corretores de seguros e os agentes autônomos de seguros seriam a mesma pessoa. Logo, estariam sujeitos ao mesmo regime de tributação.

Examinemos essa segunda linha de argumentação.

Inicialmente é preciso deixar claro que não é qualquer tipo de instituição que deverá submeter-se ao regime excepcional de tributação previsto no art. 11 da Lei Complementar nº 70 mas única e exclusivamente as instituições relacionadas no parágrafo 1º do art. 22 da Lei nº 8.212. Essa enumeração de instituições, portanto, é claramente taxativa e não exemplificativa.

Sim, porque o parágrafo 1º não indica uma categoria de contribuintes sujeitos ao regime excepcional de tributação e depois enumera exemplificativamente aqueles que se enquadrariam na categoria mencionada. Não foi esse o procedimento utilizado pelo legislador. Pelo contrário, o dispositivo enumera exaustivamente as instituições sujeitas ao regime excepcional. Daí por que a lista é taxativa, sendo impossível pretender submeter a esse regime as entidades que não estejam expressamente relacionadas no parágrafo 1º.

Feito esse esclarecimento preliminar, cumpre examinar as figuras do corretor de seguros e do agente autônomo de seguros para verificar se os dois podem ser equiparados. E desde logo já se pode concluir que os corretores de seguros e os agentes autônomos de seguros desempenham funções totalmente distintas, são submetidos a regimes jurídicos reguladores de suas atividades completamente distintos e relacionam-se com as companhias seguradoras e com os respectivos clientes de forma totalmente distinta, o que torna impossível a equiparação entre ambos.

Com efeito, a doutrina de direito securitário já examinou o assunto em profundidade, distinguindo com clareza as figuras do agente de seguros privados e do corretor de seguros, sem confundi-las.

Segundo Elcir Castello Branco1, o agente de seguros é a pessoa física ou jurídica que age em nome próprio por conta alheia, com desenvoltura, mas no âmbito dos poderes que lhe são traçados pela companhia seguradora. O vínculo jurídico que o agente mantém com a companhia seguradora é de mandatário, pois atua em nome dela, representando-a nas suas contratações com terceiros.

O agente, portanto, desempenha tarefas que são atribuíveis à própria seguradora, como a contratação com terceiros em nome da companhia seguradora, por exemplo. O agente nunca age em seu próprio nome. A tônica, portanto, do agenciamento é a representação da seguradora.

A figura dos agentes de seguros pode ser dividida em duas categorias, a saber: os agentes emissores, que são aqueles capacitados a aceitar propostas, registrar sua aceitação e a emitir as respectivas apólices de seguros; e os agentes representantes, que são aqueles capacitados a praticar, em nome da seguradora, os atos discriminados nos respectivos contratos de representação.

Já o corretor de seguros, também segundo Elcir Castello Branco2, é a pessoa física ou jurídica que tem por atividade a aproximação das partes integrantes de um contrato de seguros. É o intermediário entre o cliente e a seguradora. Sua atividade consiste em angariar clientes para a companhia seguradora.

Outra não é a posição de De Plácido e Silva, que define a figura do agente como sendo: “a pessoa que trata de negócios ou interesses de outrem, como mandatário ou como preposto. E, daí, o se diferençar de agenciador, que nem sempre age com essa dependência de mandato ou preposição”3.

Ainda segundo o mesmo jurista, o corretor é aquele que pratica a corretagem, ou seja, “a pessoa que se interpõe entre duas ou mais pessoas, para que se aproximem e realizem uma operação ou negócio comercial”4. Neste sentido, a figura do corretor deve ser vista como a de um mero intermediário de negócios.

A doutrina, portanto, caracteriza a figura do agente de seguros como sendo aquela pessoa que possui autonomia para firmar em nome da seguradora os contratos de seguro; ao passo que o corretor é quem angaria os contratos, ou seja, quem faz apenas a aproximação, a intermediação, do cliente com a seguradora.

A legislação reguladora das atividades dos agentes de seguros e dos corretores de seguros confirma o entendimento doutrinário.

Assim, a antiga Portaria nº 3 - MTIC 553.577, de 1 de junho de 1948, baixada pelo Departamento Nacional de Seguros Privados e Capitalização, já regulava a forma como deveria ser feita a nomeação de agentes e representantes pelas companhias seguradoras.

Seu art. 1º dispunha que “as sociedades que operam em seguros e capitalização constituirão seus agentes, gerentes, representantes e procuradores diversos por meio de procurações de que constem, conforme o caso, todos os poderes constantes do art. 7º e 8º da presente”. E dentre os poderes conferidos aos agentes de seguros estava o de pagar indenizações, receber citação e representar a seguradora junto ao DNSPC.

Ora, pelo acima exposto, parece evidente que nenhuma dessas funções é própria do corretor de seguros. Mesmo porque o agente de seguros é constituído através de procuração outorgada pela companhia seguradora, nos termos do art. 1º, justamente porque o agente deve atuar em nome da seguradora. Já o corretor de seguros age em nome próprio, intermediando operações. Daí por que não depende de qualquer instrumento de procuração da seguradora para exercer suas atividades.

Posteriormente, em 20 de julho de 1978, foi baixada a Resolução nº 19 pelo Conselho Nacional de Seguros Privados, cujo item 2.2 definiu o agente emissor como sendo a pessoa física ou jurídica com poderes para aceitar ou recusar propostas de seguros; emitir apólices, bilhetes, aditivos, averbações, endossos, faturas, contas mensais e outros documentos relativos a contratos de seguros; efetuar pagamento de indenizações; receber citação; representar a seguradora em juízo e perante as entidades fiscalizadoras de suas atividades.

Novamente verifica-se que as atividades acima enumeradas, próprias do agente de seguros, não guardam nenhuma relação com a atividade do corretor de seguros.

Por outro lado, o exercício da profissão de corretor de seguros foi expressamente regulamentado pela Portaria Ministerial nº SC m-571, de 10 de dezembro de 1940. Nessa ocasião já se reconhecia que “a aquisição dos contratos de seguros dos ramos elementares, bem como o pagamento da respectiva corretagem, só poderão ser feitos através da mediação de corretor habilitado”.

Como se vê, logo no nascimento da profissão reconheceu-se o caráter exclusivo de mediação da atividade do corretor de seguros.

Mais tarde, o art. 1º da Lei nº 4.594, de 29 de dezembro de 1964, definiu o corretor de seguros como sendo o intermediário, pessoa física ou jurídica, “legalmente autorizado a angariar e a promover contratos de seguro, admitidos pela legislação vigente, entre as sociedades de seguros e as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado”, definição essa que foi mantida pelo Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, art. 122.

Assim, enquanto o corretor de seguros aproxima a companhia seguradora do cliente, intermediando a realização do contrato de seguro, o agente de seguros atua em nome da companhia seguradora, representando-a no contrato, aceitando propostas e emitindo apólices.

Onde há semelhança de atuação entre o corretor e o agente?

Como é possível confundir-se as figuras do agente com a do corretor?

Parece claro, diante de tudo o que foi exposto, que o agente de seguros é figura completamente distinta do corretor de seguros. Ambos desenvolvem suas atividades de forma a complementar as operações da empresa de seguros; mas não há sombra de dúvidas de que cada um deles atua em áreas específicas e distintas, não podendo ser confundidos.

Por esta razão evidencia-se que é equivocado o entendimento sustentado pelo Parecer Normativo CST nº 1, de 1993, segundo o qual o enquadramento das sociedades corretoras de seguros no regime tributário das instituições financeiras se dá na qualidade de agentes autônomos de seguros privados.

De tal sorte que pretender incluir as sociedades corretoras de seguros na lista taxativa de entidades sujeitas ao regime excepcional de tributação de que trata o art. 11 da Lei Complementar nº 70, de 1991, quando a própria lei não a relaciona, configura violação frontal aos princípios da estrita legalidade e da tipicidade cerrada, que regem o Direito Tributário pátrio.

Na verdade, o que a CST pretendeu com o Parecer Normativo nº 1, de 1993, foi “inserir na regra de direito o próprio juízo”, fato esse condenado pelo Supremo Tribunal Federal no REx. nº 166.772-9-RS, de 12 de maio de 1994, quando do exame da constitucionalidade da expressão “autônomos e administradores” contida no inciso I do art. 3º da Lei nº 7.787, de 30 de junho de 1989.

Com essa decisão, o STF pacificou o entendimento no sentido de ser vedado ao legislador ordinário fiscal alterar a definição de conceitos estabelecidos pelo direito privado, conforme previsto no art. 110 do CTN. E se nem mesmo o legislador ordinário fiscal pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas do direito privado, para definir competências tributárias, como poderia o intérprete assim proceder?

Parece claro que a resposta à indagação é necessariamente negativa.

Quando a lei ordinária fiscal prevê que o agente autônomo de seguros privados - conceito técnico definido pelo direito privado - está sujeito ao pagamento de um tributo de acordo com determinado regime jurídico, não pode o intérprete pretender incluir dentro desse conceito, e submeter a esse regime jurídico tributário, alguém que não seja um agente autônomo de seguros privados.

Como visto acima, a figura do agente autônomo de seguros privados é definida pelo direito privado como sendo o representante da companhia seguradora, que age por procuração para desempenhar atividades próprias da companhia seguradora como a emissão de apólices e a aceitação de propostas de seguros. Confira-se novamente a Portaria nº 3 - MTIC 553.577, de 1 de junho de 1948, baixada pelo Departamento Nacional de Seguros Privados e Capitalização.

Já a sociedade corretora de seguros é definida pelo direito privado como sendo a intermediária entre a companhia seguradora e o cliente; é quem está legalmente autorizado a angariar contratos de seguros, agindo em nome próprio e não por delegação da companhia seguradora. Confira-se mais uma vez a Portaria Ministerial nº SC m-571, de 10 de dezembro de 1940.

É evidente, portanto, que as figuras do agente autônomo de seguros e da sociedade corretora de seguros são inconfundíveis, conforme a regulamentação legislativa específica e pacífico entendimento doutrinário.

Daí por que não poderia jamais o intérprete da lei fiscal pretender aplicar à sociedade corretora de seguros o regime jurídico tributário próprio dos agentes de seguros.

Essa conclusão se impõe inclusive se considerarmos os motivos que levaram o legislador a conceder um tratamento diferenciado, no tocante ao recolhimento da CSL, às instituições relacionadas no parágrafo 1º do art. 23 da Lei nº 8.212.

Como visto acima, as instituições financeiras não desenvolvem uma atividade que possa enquadrar-se propriamente como venda de mercadorias, nem essencialmente como venda de serviços. Assim sendo, as receitas que elas auferem - de natureza financeira - não se adequam ao conceito constitucional de faturamento.

Desse modo, diante desta inegável situação de fato, preferiu o legislador elevar a alíquota da CSL das instituições financeiras e conceder-lhes isenção do pagamento da Cofins a submetê-las ao regime de financiamento da seguridade social aplicável às demais pessoas jurídicas. Tudo isso porque o legislador complementar reconheceu que as instituições bancárias não possuíam faturamento sujeito à incidência da Cofins. Mas em contrapartida foram elas submetidas à incidência mais gravosa da CSL, para que não fosse prejudicada a arrecadação.

Ora, não é esse o caso das sociedades corretoras de seguros pois, sendo elas tipicamente empresas prestadoras de serviços, suas receitas de vendas enquadram-se perfeitamente no conceito de faturamento sujeito à incidência da Cofins. Daí por que não haveria motivos para desonerá-las da Cofins e gravá-las com uma incidência mais onerosa da CSL.

Assim sendo, até se fizermos uma interpretação histórica do art. 11 da Lei Complementar nº 70 iremos concluir pela não inclusão das sociedades corretoras de seguros na relação taxativa do parágrafo 1º do art. 22 da Lei nº 8.212.

Aliás, do entendimento aqui sustentado não discorda a própria Procuradoria Geral da Susep que, por intermédio de resposta a consulta formulada pela Associação Brasileira das Empresas Corretoras de Seguros - ABECOR5, concluiu - com apoio em respeitável doutrina - que:

“O corretor de seguros tem natureza jurídica de mediador, de mero intermediário, conforme traduz a terminologia latina intermedius, que significa estar no meio.

(...)

A questão da verdadeira natureza dos corretores de seguros já foi amplamente discutida, há tempos, na justiça do trabalho, em controvérsia a respeito da competência daquela justiça para decidir das reclamações destas categorias de trabalhadores. Como sempre, dissentiram as opiniões. Uns os reputaram como locadores de serviços, devendo merecer o apoio da legislação social, outros como prepostos comerciais, sujeitos às mesmas do Código Comercial e a maioria, em decisões que consagraram o assunto, como mediadores, sujeitos à justiça comum.

(...)

O corretor de seguros, no seu mister, não é parte, posto que não contrata, não realiza operação de seguros. Não fica nem de um lado nem de outro de qualquer dos contratantes. Permanece no meio.

É um terceiro que não figura no contrato. Caracteriza-o o fato de ficar alheio aos contratos que agencia, de não se confundir com eles, como o procurador, o comissário, o locador de serviços, que figuram como partes contratantes.

(...)

É interessante ressaltar que o corretor de seguros não se confunde com o chamado agente representante (agente autônomo de seguros). De ordinário, isso acontece não só pela semelhança das funções que exerce, a ponto de todo agente representante (agente autônomo) ser sempre um corretor eventual, como pelo fato desses corretores atuarem com exclusividade para determinada companhia. Lapidar, entretanto, é a distinção entre essas duas figuras: o corretor de seguros, ao tratar de um seguro, procura um vendedor (a companhia) para seu comprador (o cliente), ao passo que o agente representante (agente autônomo), desempenhando trabalho pessoal, aparentemente idêntico, procura um comprador para seu vendedor - sua representada.”

Por fim, concluiu o parecerista:

“O agente representante (agente autônomo) exerce um mandato nas suas atividades, representando as companhias de seguros, agindo em nome delas. Já os corretores de seguros não são empregados, nem mandatários. Não representam as companhias, nem os pretendentes, sendo meramente o intermediário de ambos.”

Como se vê, restou evidenciado que não há qualquer fundamento válido que justifique a conclusão sustentada pelo Parecer Normativo nº 1, de 1993, de equiparar as sociedades corretoras de seguros a agentes autônomos de seguros privados, com o objetivo de exigir das primeiras a alíquota majorada da contribuição social sobre o lucro.

A jurisprudência do 1º Conselho de Contribuintes, no início, pareceu impressionada com os argumentos da Cosit e proferiu decisões na linha sustentada pela fiscalização. Nesse sentido são os Acórdãos nº 108-04555, de 16 de setembro de 1997, e nº 103-19922, de 16 de março de 1999, sendo este último assim ementado:

“Contribuição Social sobre o Lucro - Com o advento da Lei nº 8.212/91, a alíquota da contribuição social sobre o lucro exigida das sociedades corretoras de seguros passou a ser a mesma das instituições financeiras. Com a edição da Lei Complementar nº 70/91, artigo 11, a alíquota foi majorada para 23%, exigível a partir do mês de abril de 1992.”

Esse entendimento inicial, entretanto, acabou não prevalecendo na jurisprudência administrativa. Com efeito, decisões mais recentes já foram prolatadas em sentido contrário, reconhecendo serem completamente distintas as figuras do corretor de seguros e do agente autônomo de seguros, estando somente este elencado dentre as instituições de que trata o art. 22, parágrafo 1º, da Lei nº 8.212, e não aquele.

Nesse sentido são as decisões cujas ementas vão abaixo transcritas:

“A alíquota da CSL, prevista no art. 11 da Lei Complementar nº 70/91, incide para agente de seguro. Portanto, por força do princípio da tipicidade e da proibição do emprego da analogia para exigência de tributo, a corretora de seguro não deve estar sujeita à norma estabelecida para agente autônomo de seguro, por serem institutos jurídicos distintos.”

Acórdão nº 108-06191, de 16.08.2000, DOU de 14 de novembro de 2000

“Em prestígio à estrita legalidade, certeza e segurança jurídica, as corretoras de seguro não podem ser equiparadas aos agentes autônomos de seguro, tendo em vista tratar-se de pessoas jurídicas submetidas a diferentes regimes e institutos jurídicos, revestindo-se cada uma das atividades de natureza e características específicas, sendo vedado o emprego de analogia para estender o alcance da lei, no tocante à fixação de alíquota de tributo e do pólo passivo da relação jurídico-tributária, a hipóteses que não estejam legal e expressamente previstas.”

Acórdão nº 103-20436, de 8 de novembro de 2000, DOU de 3 de julho de 2001

Igual ementa foi adotada no Acórdão nº 103-20498, de 24 de janeiro de 2001, publicada no DOU de 9 de março de 2001.

Desse modo, acatando as manifestações doutrinárias da unanimidade dos autores especializados em direito securitário, o 1º Conselho de Contribuintes vem entendendo que não são equiparáveis as sociedades corretoras de seguros e os agentes autônomos de seguros privados. Conseqüentemente, não há como exigir-se das primeiras a submissão ao mesmo regime tributário que é aplicável aos segundos.

1 Enciclopédia Saraiva do Direito, verbete “agente de seguros”.

2 Enciclopédia Saraiva do Direito, verbete “corretor de seguros”.

3 Vocabulário Jurídico, Forense, volume I, 1967, p. 84.

4 Vocabulário Jurídico, Forense, volume I, 1967, pp. 448/449.

5 Parecer/PRGER/Coordenadoria/nº 4206, de 26.02.1999.