A Tributação das Entidades Fechadas de Previdência Privada - Uma Visão Geral

John William Anderson Jr.

Advogado em São Paulo.

I - Introdução

Recentemente, a tributação das chamadas Entidades Fechadas de Previdência Privada (EFPPs) tem sido objeto de discussão na mídia e no Congresso Nacional. O tema assume grande relevância no âmbito do mercado financeiro e de capitais, dado o notório volume de investimentos realizados por esse tipo de entidade, tanto no mercado financeiro brasileiro, como nos mercados internacionais. Além disso, trata-se de tema no campo previdenciário, cuja importância social é inegável, uma vez que qualquer mudança na tributação de tais entidades, além de trazer certamente alterações na configuração atual dos investimentos nos mercados financeiro e de capitais, poderá, de forma mais ampla, afetar a própria viabilização dessa forma de previdência complementar.

De forma geral, pode-se dizer que a Previdência Complementar tem sido objeto de discussões em seus vários aspectos. Em abril do ano corrente, a Resolução nº 2.720 do Conselho Monetário Nacional - CMN1 alterou a regulamentação sobre os investimentos das EFPPs. No tocante ao seu aspecto estrutural, a Lei nº 6.435, de 15 de julho de 1977, que dispõe sobre as Entidades de Previdência Privada de maneira geral, igualmente tem sido objeto de discussões, sendo que já existem projetos de lei visando à sua alteração, cujo conteúdo também será abordado ao longo do presente trabalho.

Com relação ao aspecto tributário, dúvidas têm sido levantadas quanto à imunidade tributária de que gozariam tais entidades, principalmente com relação à tributação dos rendimentos e ganhos de capital auferidos através de suas aplicações financeiras. A problemática envolve a análise dos dispositivos constitucionais pertinentes ao tema, bem como das legislações promulgadas na esteira das disposições maiores, e também dos julgados a respeito da matéria, que já têm galgado as instâncias superiores do Poder Judiciário brasileiro.

A título de introdução, deve-se ainda mencionar que a discussão tributária, em última instância, nos levará à discussão de conceitos estruturais do sistema previdenciário e securitário brasileiro, através da discussão do conceito de entidades de assistência social, e de sua eventual aplicabilidade às EFPPs.

Em vista do exposto, coloca-se como o escopo do presente trabalho a discussão da tributação das EFPPs, através da análise do regime tributário atual aplicado às mesmas, bem como do acompanhamento das discussões a esse respeito em âmbito judicial. Por fim, analisaremos as recentes propostas de alteração da legislação tributária referente às EFPPS, encerrando a visão panorâmica do tema ora proposto.

II - A Seguridade Social

Para falarmos sobre as EFPPs, faz-se necessário, ainda que de forma breve, discorrermos sobre a Seguridade Social, uma vez que as mencionadas entidades surgem em caráter complementar a esse regime jurídico.

Para os fins deste trabalho, entenderemos o direito da Seguridade Social como “o conjunto de princípios, de normas e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social aos indivíduos contra contingências que os impeçam de prover as suas necessidades pessoais básicas e de suas famílias, integrado por ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, visando assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”2. A esse respeito, José Afonso da Silva3 coloca a Seguridade Social como “instrumento mais eficiente da liberação das necessidades sociais, para garantir o bem-estar material, moral e espiritual de todos os indivíduos da população”.

Conforme depreendemos do conceito acima descrito, a Seguridade Social tem por finalidade amparar os segurados nas hipóteses em que não possam prover suas necessidades e as de seus familiares por seus próprios meios.

O sistema da Seguridade Social está inserido no âmbito dos direitos sociais do ser humano, mundialmente consagrados nas mais diversas constituições e declarações de direitos humanos. A própria Declaração dos Direitos do Homem, de 1948 reconhece a Seguridade Social em seu art. 85, dispondo que “todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, o direito à seguridade no caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle” (grifos nossos).

Na Constituição Federal Brasileira de 1988, tais direitos são consagrados no artigo 6º, in verbis: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma da Constituição”. Além disso, o diploma constitucional brasileiro regulamentou a Seguridade Social (art. 194 e seguintes), definindo-a como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.

Para fins didáticos, utilizaremos a subdivisão do tema feita pela Carta Magna brasileira, a saber, em Previdência Social, Assistência Social e Saúde. Tal estudo será de extrema utilidade para o tema proposto, uma vez que dos conceitos aqui discutidos depende a aplicação das normas tributárias pertinentes.

Deve-se no entanto notar que, historicamente, a Seguridade Social não apresentava tal divisão tríplice, sendo que a Constituição Federal de 1969 apresentava suas disposições referentes à matéria no art. 165, da seguinte forma:

“Art. 165. A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social:

(...)

II - salário-família aos dependentes;

(...)

XI - descanso remunerado da gestante, antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego e do salário;

(...)

XV - assistência sanitária, hospitalar e médica preventiva;

XVI - previdência social nos casos de doença, velhice, invalidez e morte, seguro-desemprego, seguro contra acidentes do trabalho e proteção da maternidade, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado;

(...)

XIX - aposentadoria para a mulher aos trinta anos de trabalho, com salário integral;

(...)

Parágrafo único - Nenhuma prestação de serviço de assistência ou de benefício compreendidos na previdência social será criada, majorada ou estendida, sem a correspondente fonte de custeio total.”

Como pode ser observado, as disposições a respeito da Previdência Social, Assistência Social e Saúde misturavam-se ao longo do art. 165. Como veremos adiante, a mudança de classificação é importante, e gera efeitos no âmbito fiscal.

A previdência social

Segundo José Afonso da Silva4, a previdência social é um conjunto de direitos relativos à Seguridade Social. Conforme veremos abaixo, os objetivos deste sistema baseiam-se no princípio do seguro social, no âmbito do qual os benefícios destinam-se a cobrir as eventuais contingências do segurado e seus dependentes. William Novaes Martinez, citado por Sérgio Pinto Martins5, conceitua a previdência social como “a técnica de proteção social que visa a propiciar os meios indispensáveis à subsistência da pessoa humana quando esta não pode obtê-los ou não é socialmente desejável que os aufira pessoalmente através do trabalho, por motivo de maternidade, nascimento, incapacidade, invalidez, desemprego, prisão, idade avançada, tempo de serviço ou morte - mediante contribuição compulsória distinta, proveniente da sociedade e de cada um dos participantes”.

Semelhantemente, o art. 1º da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, coloca como o fim da Previdência Social “assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente”, por meio de contribuição.

Para tanto, a Previdência Social abrange a cobertura de contingências decorrentes de doença, invalidez, velhice, desemprego, morte e proteção à maternidade mediante contribuição, concedendo auxílio na forma de aposentadoria, pensões, entre outros. O art. 201 da Constituição Federal determina que ela “será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá nos termos da lei a: I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; e V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º”.

Convém também destacar os princípios norteadores da política de Previdência Social Brasileira, segundo o professor Sérgio Pinto Martins6, quais sejam: (i) a universalidade de participação nos planos previdenciários; (ii) a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; (iii) a seletividade e distributividade na prestação dos benefícios; (iv) o cálculo dos benefícios considerando-se os salários de contribuição corrigidos monetariamente; (v) a irredutibilidade do valor dos benefícios de forma a preservar-lhes o poder aquisitivo; (vi) o valor da renda mensal dos benefícios substitutos do salário de contribuição ou do rendimento do trabalho do segurado não inferior ao do salário mínimo; (vii) a previdência complementar facultativa, custeada por contribuição adicional; e (viii) o caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação do governo e comunidade, em especial de trabalhadores em atividade, empregadores e aposentados.

Observa-se apenas que a universalidade de participação acima mencionada, no âmbito dos planos de Previdência Social, deve ser entendida como “universalidade mediante contribuição”, como pode-se depreender da letra do § 1º do art. 201 da Constituição Federal, o qual preconiza que “qualquer pessoa poderá participar dos benefícios da previdência social, mediante contribuição na forma dos planos previdenciários”. O princípio da universalidade será trazido à baila por ocasião da análise da tributação das EFPPs. Por hora, planta-se apenas o gérmen da discussão vindoura, referente a uma possível relativização do princípio no âmbito da Previdência Social.

A assistência social

Além da pertinência didática com o panorama da Seguridade Social ora proposto, o tema da Assistência Social será crucial para o entendimento das questões tributárias atinentes às EFPPs, razão pela qual o presente tema será analisado com maior profundidade.

Em linhas gerais, a Assistência Social tem por escopo o atendimento dos hipossuficientes, destinando pequenos benefícios a pessoas que nunca contribuíram para o sistema. Wladimir Novaes Martinez, conforme citado por Sérgio Pinto Martins7, define a Assistência Social como “um conjunto de atividades particulares e estatais direcionadas para o atendimento dos hipossuficientes, consistindo os bens oferecidos em pequenos benefícios em dinheiro, assistência à saúde, fornecimento de alimentos e outras pequenas prestações”. O autor continua sua definição, dizendo que o sistema de Assistência Social “não só complementa os serviços de Previdência Social, como a amplia, em razão da natureza da clientela e das necessidades providas”.

Com relação aos escopos da Assistência Social, esclarecedor é o conteúdo dos incisos do art. 203 da Constituição Federal de 1988, que os lista na seguinte ordem: (i) proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; (ii) amparo às crianças e adolescentes carentes; (iii) promoção da integração ao mercado de trabalho; (iv) habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; e (v) garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Ainda para fins de conceituação, é interessante observar algumas referências legislativas:

O art. 4º da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, dispõe que a Assistência Social é “a política social que provê o atendimento das necessidades básicas, traduzidas em proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice e à pessoa portadora de deficiência, independentemente de contribuição à Seguridade Social”.

Já a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, estabelece que seu artigo primeiro que a Assistência Social “é direito do cidadão e dever do Estado, sendo política de Seguridade Social não contributiva, que prevê os mínimos sociais, realizada por meio de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade para garantir o atendimento às necessidades básicas”.

O art. 4º da Lei nº 8.742/93, para fins do esclarecimento do escopo da assistência social, dispõe reger-se a mesma pelos seguintes princípios, in verbis:

I - supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica;

II - universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;

III - respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;

IV - igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;

V - divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão.

A partir das definições legais e princípios elencados acima, algumas considerações a respeito do regime da Assistência Social precisam ser ressaltadas. Deve-se ter em mente que as definições e princípios delineados tanto em nível constitucional como legislativo deverão permear as discussões e conclusões no âmbito tributário, a fim de restar garantida a harmonia e unicidade do complexo de normas do ordenamento jurídico brasileiro e de evitar-se erros na exegese das normas tributárias.

A primeira característica da Assistência Social a ser ressaltada é a sua universalização. O próprio art. 203 da Constituição fundamenta tal princípio, ao preconizar que a assistência social “será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição”. Em comparação com o sistema da Previdência Social, observamos um escopo ampliado, uma vez que procura-se auxiliar a quem necessitar, de forma indistinta, e independentemente de contribuição por parte do beneficiário.

Mais além, observa-se, em comparação com a Previdência Social, uma diferença no tocante ao objeto da Assistência Social, o qual possui um caráter mais específico, dizendo respeito às necessidades básicas do indivíduo. Dada a relevância pública de tal objeto, deve a Assistência Social ser implementada através de política ampla, envolvendo os entes públicos e a sociedade como um todo.

Além dos princípios, a Lei nº 8.742/93 apresenta em seu art. 5º as diretrizes da Assistência Social, ou seja, uma orientação para a condução de sua política. Seriam elas: (i) a descentralização político-administrativa para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e comando único das ações em cada esfera de governo; (ii) a participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis; e (iii) a primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social em cada esfera de governo.

Finalmente, para completar a descrição do sistema, deve-se mencionar sua forma de custeio, elemento intrínseco ao seu próprio conceito. Dispõe o art. 204 da Constituição Federal, que “as ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da Seguridade Social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: (i) descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; (ii) participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.”

A saúde

A Constituição Federal de 1988 elevou a Saúde à categoria de direito fundamental do homem. Dispõe o texto constitucional, conforme a letra dos artigos 196 e 197, ser a saúde direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, bem como ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, serviços e ações que são de relevância pública.

A saúde é basicamente regulamentada pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, contando com princípios, diretrizes e custeio próprios. Cabe aqui observar alguns dos princípios que norteiam a área da saúde, tais como (i) o acesso universal e igualitário; (ii) a descentralização; (iii) a participação da comunidade na gestão, fiscalização e acompanhamento das ações e serviços de saúde: e (iv) a participação da iniciativa privada na assistência à saúde, respeitados os limites constitucionais.

A partir do exposto, pode-se observar que a divisão proposta é bastante esclarecedora, demonstrando os diferentes alcances do sistema de Seguridade Social. Mais do que uma divisão meramente didática, a divisão constitucional demonstra a separação da Seguridade Social em três distintos regimes jurídicos, com regras e princípios próprios. Passemos adiante à análise de nosso objeto de estudo, a saber, as EFPPs, tendo sempre em mente o arcabouço institucional do direito da Seguridade Social, do qual os princípios e regras da previdência complementar derivam.

III - A Previdência Complementar

Antecedentes e justificativas

Os antecedentes históricos da Previdência Complementar8 devem ser buscados na Previdência Social, notadamente nos problemas e insuficiências deste sistema. A partir do exposto no tópico correspondente, inegável é a importância da Previdência Social, como sistema que ampara o cidadão em caso de perda de sua capacidade laborativa, e de seu caráter universal, conforme garantido em sede constitucional.

Historicamente, o sistema de Previdência Social enfrentou, de forma geral, problemas com o seu financiamento. Nos últimos anos, o sistema previdenciário brasileiro, especificamente o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e o Regime Jurídico Único para Servidores Públicos (RJU), que operam em regime de repartição simples, têm sido objeto de discussão por parte da sociedade. Esse regime é organizado de forma que os trabalhadores de hoje financiem as pensões dos atuais beneficiários, com a expectativa de que as futuras gerações possam fazer o mesmo por eles. No entanto, essa premissa do sistema vem perdendo seu realismo em face de fatores de natureza demográfica e devido ao impacto de transformações tecnológicas nos mercados de trabalho, gerando grande insegurança no tocante à eficácia do sistema previdenciário.

O curioso é que a insuficiência do benefício previdenciário oficial para atender às necessidades do segurado foi reconhecida e ao menos prevista pelo legislador constituinte. Não é outro o motivo da criação, no § 7º do art. 201 da Constituição Federal, do seguro coletivo, de caráter complementar e facultativo, a ser custeado por contribuições adicionais.

Diante de uma situação como essa, deve-se também acrescentar que as soluções que poderiam ser adotadas pelo governo para tal problemática são praticamente inviáveis, e implicariam, em última instância, na retirada de recursos de outras áreas de igual ou superior importância.

Como resposta a esse anseio, abre-se espaço para o desenvolvimento de iniciativas privadas de poupança, especialmente dirigidas para os grupos de maior renda da sociedade, sem prejuízo da previdência básica. A Previdência Complementar, como o próprio nome já indica, oferece complementos às aposentadorias, garantindo, àqueles que podem dispor de tais contribuições adicionais, benefícios previdenciários (complementares) mais adequados.

Regime jurídico atual

A Previdência Complementar encontra-se atualmente regulamentada pela Lei nº 6.435, de 15 de julho de 1977, que dispõe sobre as Entidades de Previdência Privada (EPPs), definindo-as, em seu artigo 1º, como entidades “que têm por objeto instituir planos privados de concessão de pecúlios ou de rendas, de benefícios complementares ou assemelhados aos da Previdência Social, mediante contribuição de seus participantes, dos respectivos empregadores ou de ambos”, sendo que sua constituição, organização e funcionamento dependem de prévia autorização do Governo Federal.

A Lei nº 6.435/77 classifica as EPPs em fechadas e abertas. As EFPPs, são aquelas acessíveis exclusivamente aos empregados de uma só empresa ou de um grupo de empresas (para os fins da lei, denominadas como patrocinadoras). As demais entidades são classificadas como Entidades de Previdência Privada Abertas (EAPPs). As EFPPs não podem apresentar fins lucrativos, e as EAPPs têm a faculdade de decidir entre o fazerem ou não. Com relação à organização societária das mesmas, dispõe a lei a obrigatoriedade de constituição de sociedade anônima para as entidades com fins lucrativos, e a constituição de sociedades civis ou fundações para as entidades sem fins lucrativos.

Os tipos de EPPs ora descritos também diferenciam-se no tocante à sua regulamentação e fiscalização. As EAPPs estão, por força de lei (art. 7º), integradas ao Sistema Nacional de Seguros Privados. Por conseqüência, estão submetidas à normatização por parte do Conselho Nacional de Seguros Privados, e fiscalização pela Superintendência de Seguros Privados - Susep. A regulamentação aplicável às EAPPs encontra-se também no Decreto nº 81.402, de 23 de fevereiro de 1978.

Por outro lado, as EFPPs, nos termos do art. 3º do Decreto nº 81.240, de 20 de janeiro de 1978, são consideradas complementares ao sistema oficial de Previdência e Assistência social, enquadrando-se suas atividades na área de competência do Ministério da Previdência e Assistência Social - MPAS. A normatização das EFPPs cabe ao Conselho de Previdência Complementar - CPC, e sua fiscalização à Secretaria de Previdência Complementar - SPC.

Enfim, temos que as EFPPs, cuja tributação é o objeto do presente estudo, como Entidades de Previdência Complementar, de caráter fechado (que portanto somente são acessíveis aos empregados ou dirigentes de uma empresa ou grupo de empresas), que necessariamente organizam-se sob a forma de sociedades civis ou fundações, sem fins lucrativos, submetidas à competência do MPAS, sujeitas às normas gerais emanadas pelo CPC, e à fiscalização da SPC. Através de contribuições periódicas, as quais podem ser feitas tanto pelos empregados (participantes) como pelos empregadores, os participantes adquirem o direito a benefícios complementares, que podem ser concedidos através de pecúlios ou de renda. Vejamos agora o regime de tributação ao qual as EFPPs estão submetidas.

IV - Regime Tributário das EFPPs

Historicamente, o tratamento tributário concedido às EFPPs tem sido controverso, e muito tem-se discutido a respeito de sua imunidade, em tese garantida desde sua criação, por serem consideradas entidades de assistência social. Já o § 3º do art. 39 da Lei nº 6.435/77 (atualmente revogado) estabelecia: “as entidades fechadas são consideradas instituições de assistência social, para os efeitos da letra c do item III do artigo 19 da Constituição”. Apesar de tal dispositivo não possuir o condão de conceder a imunidade, era forte indicativo do entendimento do legislador quanto ao tratamento tributário das EFPPs.

A imunidade às entidades de assistência social já era contemplada nas constituições anteriores, e atualmente o é pelo art. 150 da Constituição Federal, inciso VI, alínea “c”, in verbis:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(…)

VI - instituir impostos sobre:

(…)

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

(…)

§ 4º As vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.”

Como já é de conhecimento geral, trata-se a imunidade de uma vedação ao poder de tributar, estabelecida em nível constitucional, impedindo que tal poder seja exercido em situações específicas que seriam, em princípio, passíveis de tributação. A imunidade em tela está inserida no que a doutrina tem chamado de imunidades genéricas, inseridas no âmbito da proteção de determinados valores éticos juridicizados, protegidos e garantidos em sede constitucional.

A Constituição de 1946 concedia imunidade apenas a “bens e serviços” dos partidos políticos e entidades filantrópicas, conforme a letra do art. 31, inciso IV, alínea “b”. O texto magno então vigente fazia referência às rendas aplicadas integralmente no país, como condição para o privilégio da imunidade.

Já a Constituição de 1967 teve conteúdo mais claro, no art. 19, III, “c”, estendendo o privilégio ao patrimônio, à renda e aos serviços das instituições de assistência social, desde que as rendas de tais instituições fossem aplicadas integralmente no país e para os fins de assistência social.

A Constituição de 1969 manteve a imunidade, deixando contudo um espectro maior para a regulamentação por parte do legislador ordinário, sendo mais flexível quanto a algumas das proibições constantes no diploma constitucional anterior, como, por exemplo, em relação a investimentos fora do país.

A Constituição vigente estabeleceu a imunidade ao patrimônio, renda ou serviços das instituições de assistência social, sem fins lucrativos, mediante o atendimento aos requisitos legais. É importante ressaltar o conteúdo do § 4º do artigo 150, o qual esclarece que a imunidade em tela compreende somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades de assistência social.

Com relação aos requisitos legais mencionados no texto constitucional (alínea “c”), são eles os descritos no art. 14 do Código Tributário Nacional - CTN, a serem observados pelas entidades de assistência social, quais sejam:

i) não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou participação no seu resultado;

ii) aplicarem integralmente, no país, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; e

iii) manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

Em seus parágrafos, o dispositivo do CTN estabelece que a autoridade competente poderá suspender a aplicação do benefício, na falta do cumprimento dos requisitos acima descritos.

Em suma, o tratamento tributário das EFPPs, em virtude da controvérsia existente, oscilaria entre considerar-se a imunidade de tais entidades, na qualidade de instituições de assistência social, e não considerá-la.

Na primeira hipótese, admitindo-se que as mesmas atendam aos requisitos constitucionais e legais, a União, os Estados e os Municípios, cada qual no âmbito de sua competência tributária, não poderiam tributar a renda, o patrimônio e os serviços relacionados com suas finalidades essenciais. Nesse mister, surgiria uma nova controvérsia, com relação à caracterização de suas atividades como “essencialmente de assistência social”. Na hipótese mais favorável, a imunidade seria estendida à coleta de contribuições e distribuição de benefícios, aí incluídas as atividades de aplicação financeira dos recursos recebidos, bem como os rendimentos oriundos das mesmas. É oportuno notar que a imunidade aqui discutida não se estenderia aos beneficiários, os quais teriam os rendimentos auferidos a partir de seus benefícios tributados, e tampouco às entidades administradoras das EFPPs, sujeitas a regime diverso de tributação.

Na segunda hipótese, teríamos a não aplicabilidade da imunidade às EFPPs, o que acarretaria um tratamento tributário em conformidade com a legislação ordinária em vigor. Tal tratamento incluiria a tributação dos rendimentos obtidos a partir de suas aplicações financeiras.

No entanto, a discussão referente à aplicabilidade da imunidade das EFPPs tem apresentado vários aspectos, e já se encontra em grau avançado perante os tribunais brasileiros, conforme veremos a seguir.

Discussões a respeito do regime tributário

A discussão a respeito da imunidade das EFPPs não é assunto novo, sendo que é possível delimitar, como marco inicial de tal discussão perante o Poder Judiciário, a promulgação do Decreto-lei nº 2.065, de 26 de outubro de 1983. Tal normativo determinava, no § 1º do art. 6º, que as EFPPs estariam sujeitas à tributação no pagamento dos dividendos, juros e demais rendimentos de capital recebidos, sendo consideradas tão-somente como entidades isentas e não imunes. Além disso, o referido Decreto-lei revogava o § 3º do art. 39 da Lei nº 6.435/77, dispositivo que dava o contorno à imunidade garantida em nível constitucional9.

Por esta ocasião, ações foram ajuizadas visando ao reconhecimento da imunidade tributária de tais entidades, mediante a declaração da inconstitucionalidade do art. 6º do mencionado Decreto-lei. Muitas destas ações aguardam julgamento de mérito pelo Supremo Tribunal Federal - STF, dentre os quais pode-se mencionar o Recurso Extraordinário nº 202.700-DF, interposto pela Fazenda Nacional contra a Ceres Fundação de Seguridade Social dos Sistemas Embrapa e Embrater, sob julgamento pelo pleno do STF.

Até o presente momento, os Ministros Maurício Corrêa (relator) e Carlos Velloso votaram, no âmbito do citado recurso, no sentido de que “as entidades fechadas de previdência privada não podem ser comparadas às instituições assistenciais, uma vez que estas possuem o caráter de universalidade e generalidade, enquanto aquelas conferem benefícios apenas aos seus filiados mediante o recolhimento de contribuições”. Por outro lado, os Ministros Marco Aurélio e Ilmar Galvão proferiram voto no sentido de que “a imunidade prevista no art. 150, VI, c, da CF alcança as pessoas jurídicas de direito privado que exerçam atividade de previdência sem fins lucrativos, não cabendo perquirir sobre a gratuidade dos serviços prestados, a origem da receita, ou se os benefícios são acessíveis a todas as pessoas indistintamente”.

Com relação a esse recurso em especial, o Ministro Sepúlveda Pertence deverá pronunciar-se a seu respeito no dia 7 de dezembro de 2000, conforme noticiado na imprensa.

Além da discussão acima descrita, a promulgação da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, suscitou novos questionamentos. O art. 12 da referida lei veio a estabelecer novos critérios para o reconhecimento da imunidade prevista em âmbito constitucional, bem como determinações fiscais, conforme transcrevemos abaixo:

“Art. 12. Para efeito do disposto no art. 150, inciso VI, alínea ‘c’, da Constituição, considera-se imune a instituição de educação ou de assistência social que preste os serviços para os quais houver sido instituída e os coloque à disposição da população em geral, em caráter complementar às atividades do Estado, sem fins lucrativos.

§ 1º Não estão abrangidos pela imunidade os rendimentos e os ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável.

§ 2º Para o gozo da imunidade, as instituições a que se refere este artigo, estão obrigadas a atender aos seguintes requisitos:

a) não remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados;

b) aplicar integralmente seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos seus objetivos sociais;

c) manter escrituração completa de suas receitas e despesas em livros revestidos das formalidades que assegurem a respectiva exatidão;

d) conservar em boa ordem, pelo prazo de cinco anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem de suas receitas e a efetivação de suas despesas, bem assim a realização de quaisquer outros atos ou operações que venham a modificar sua situação patrimonial;

e) apresentar, anualmente, Declaração de Rendimentos, em conformidade com o disposto em ato da Secretaria da Receita Federal;

f) recolher os tributos retidos sobre os rendimentos por elas pagos ou creditados e a contribuição para a Seguridade Social relativa aos empregados, bem assim cumprir as obrigações acessórias daí decorrentes;

g) assegurar a destinação de seu patrimônio a outra instituição que às condições para gozo da imunidade, no caso de incorporação, fusão, cisão ou de encerramento de suas atividades, ou a órgão público;

h) outros requisitos, estabelecidos em lei específica, relacionados com o funcionamento das entidades a que se refere este artigo;

§ 3º Considera-se entidade sem fins lucrativos a que não apresente superávit em suas contas ou, caso o apresente em determinado exercício, destine referido resultado integralmente ao incremento de seu ativo imobilizado.

De início, pode-se destacar o conteúdo do § 1º, que excluiu expressamente do âmbito da imunidade constitucional os rendimentos e ganhos de capital obtidos através de aplicações de renda fixa ou renda variável. Dessa forma, as EFPPs, independentemente das ações judiciais em trâmite, passaram a ter os seus rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras sujeitos à tributação pelo imposto de renda retido na fonte (IRRF).

Além disso, conforme transcrevemos acima, o art. 12 colocou, entre os requisitos para o gozo da imunidade do art. 150, VI, “c”, da Constituição Federal, a disponibilização dos serviços da instituição de assistência social à população em geral, em caráter complementar às atividades do Estado, sem fins lucrativos. Tais requisitos vêm aumentar os requisitos já elencados pelo art. 14 do CTN, para o gozo da referida imunidade.10

A promulgação da lei em tela, notadamente em virtude dos artigos mencionados, trouxe novos questionamentos perante o Poder Judiciário. A Confederação Nacional de Saúde - Hospitais, Estabelecimentos e Serviços (CNS) ajuizou, perante o Supremo Tribunal Federal, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.802-3, questionando a constitucionalidade de alguns dispositivos da Lei nº 9.532/97, dentre eles o art. 12. Nos autos da referida ADIn, foi concedida medida liminar, publicada em 9 de setembro de 1998, a qual suspendeu a vigência do § 1º e da alínea “f” do § 2º do art. 12; do art. 12, caput; e do artigo 14 da mencionada lei.

A decisão provisória, no sentido da inconstitucionalidade do art. 12, § 1º, exonerou as instituições de assistência social da incidência do IRRF sobre rendimentos e ganhos de capital auferidos mediante suas aplicações financeiras de renda fixa ou variável. No entanto, especificamente com relação às EFPPs, a decisão liminar não afastou a aplicabilidade do novo critério para o gozo da imunidade, a saber, a disposição de serviços para a população em geral, o que poderá afastar a extensão dos efeitos de tal decisão às EFPPs.

Além da ADIn acima descrita, é importante mencionar que muitas EFPPs ajuizaram ações individuais com o intuito de afastar a incidência do IRRF sobre suas aplicações financeiras, sendo que muitas delas tiveram seus pedidos atendidos através da concessão de medidas liminares.

No mesmo sentido dos questionamentos acima descritos, a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Privada - ABRAPP, representando suas associadas, impetrou o Mandado de Segurança Coletivo de nº 98.34.2542-4, perante a 8ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, obtendo medida liminar satisfativa em 10 de março de 1998. Tal decisão afastou a incidência do IRRF sobre os rendimentos e ganhos de capital auferidos nas aplicações financeiras efetuadas pelas EFPPs associadas à ABRAPP.

Contudo, o pedido do Mandado de Segurança Coletivo foi julgado improcedente, conforme sentença publicada em 12 de novembro de 1998, sendo cassada portanto a liminar concedida. Em sua sentença, o Juiz do feito manifestou entendimento no sentido de que as EFPPs não seriam instituições de assistência social, e dessa forma, não poderiam gozar da imunidade prevista na Constituição. Tal é a discussão fundamental da questão tributária das EFPPs, sobre a qual tem divergido a doutrina e a jurisprudência, cujos aspectos analisaremos em tópico próprio.

Após a denegação da segurança pretendida, interpôs a ABRAPP apelação (AMS nº 1998.01.00.019346) em 16 de novembro de 1998, a qual, a partir do indeferimento da concessão de efeito suspensivo, deu origem ao Agravo de Instrumento nº 1998.01.90224-2. Através deste recurso, o efeito pretendido foi obtido, sendo que a apelação aguarda julgamento perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

A esse respeito, é importante mencionar que, em 9 de outubro de 2000, foi juntada aos autos petição do advogado da ABRAPP, Antonio Villas Boas de Carvalho, requerendo o sobrestamento do feito, até que uma posição definitiva fosse adotada pelo STF a respeito da imunidade das EFPPs. Em sua petição, o advogado não fez referência a uma ação específica, mas a qualquer decisão que pudesse clarificar a questão da imunidade das EFPPs.

A partir da situação apresentada, a liminar concedida ainda no âmbito do Mandado de Segurança Coletivo em questão, até o julgamento da respectiva apelação, afasta, ainda que de forma precária, a incidência do IRRF sobre as aplicações financeiras das EFPPs associadas à ABRAPP. Cabe ressaltar que, além do Mandado de Segurança aqui comentado, existem ações individuais ajuizadas por parte das EFPPs, incluindo aquelas que desistiram da ação de cunho coletivo, gerando os mesmos efeitos para fins de arrecadação.

É mister tecer algumas considerações em vista do exposto. Temos uma questão oriunda da promulgação de leis e regulamentos correlatos, que vem sendo discutida através dos meios judiciais cabíveis, ainda sem uma conclusão final. Tal situação tem gerado grande insegurança no âmbito dos mercados financeiro e de capitais, principalmente no tocante à responsabilidade tributária das instituições financeiras e demais entes aos quais cabe o dever jurídico do recolhimento do tributo na fonte. Contudo, a análise das questões oriundas dos dispositivos legais, que mais uma vez demonstram ao menos falta de coerência e rigor legislativo, colocados mais uma vez em detrimento da voracidade fiscal do governo brasileiro, nos trazem uma questão efetivamente intrínseca à análise do regime tributário das EFPPs, a saber, a sua efetiva caracterização como instituições de assistência social.

Tal questão será de crucial importância para a determinação de novos paradigmas para o desenvolvimento e mesmo para a continuidade das atividades das EFPPs. Passemos à sua análise.

V - EFPPs versus Entidades de Assistência Social

Conforme já colocado no presente trabalho, a imunidade das instituições de assistência social tem encontrado amparo em nosso ordenamento jurídico desde a Constituição Federal de 1946. Como também já mencionamos, o disciplinamento atual da matéria, em nível constitucional, é dado pelo art. 150, inciso VI, alínea “c”, o qual condiciona a imunidade à inexistência de fim lucrativo por parte da entidade de assistência social, devendo esta, entretanto, atender aos requisitos constantes em lei. Condiciona-se portanto a imunidade das instituições de assistência social à observância de requisitos de ordem constitucional e infraconstitucional.

Expusemos também os pressupostos e princípios da assistência social em nosso ordenamento jurídico, a sua característica de direito fundamental do ser humano, bem como o caráter axiológico e programático presentes nos dispositivos constitucionais e legais supracomentados. Observa-se ainda que a imunidade em questão, uma vez que inserida no mesmo ordenamento jurídico e no mesmo diploma constitucional, é parte da política nacional de Assistência Social, e foi considerada pelo legislador constituinte como elemento necessário à consecução e implementação desta política.

Também mencionamos os “requisitos legais” que se aplicam à imunidade ora comentada. Encontram-se os mesmos no art. 14 do CTN, supratranscrito, rol este que foi modificado e ampliado pela Lei nº 9.532/97, a qual tem sido objeto de inúmeras ações judiciais.

Para o melhor entendimento da questão, deve-se primeiro determinar o verdadeiro alcance da expressão “instituições de assistência social”. Para Sérgio Pinto Martins11, são consideradas entidades e organizações de assistência social “aquelas que prestam, sem fins lucrativos, atendimento e assessoramento aos beneficiários, bem como as que atuam na defesa e garantia de seus direitos”. Interpretando tal conceito à luz das disposições constitucionais referentes à matéria, deve-se entender, no contexto de “atendimento e assessoramento aos beneficiários”, a persecução e a execução dos objetivos consagrados no art. 203 da Constituição, já descritos no tópico referente à assistência social, bem como dos princípios intrínsecos ao sistema de assistência social.

A partir do exposto, deve-se questionar se de fato as EFPPs estariam enquadradas nos conceitos até agora delineados. Certamente o tema é complexo, e merece reflexões cuja profundidade extravasam os limites do presente trabalho. Para os fins aqui propostos, nos limitaremos a analisar, a grosso modo, o que a jurisprudência tem falado sobre o assunto, destacando alguns pontos relevantes para a elucidação da questão.

José Maurício Conti apresenta interessante coletânea de jurisprudência referente à matéria12, da qual passamos a apresentar algumas ementas.

Primeiramente, com relação ao entendimento da não aplicação da imunidade às EFPPs:

“A entidade fechada de previdência privada mantida por contribuição dos empregados e dos patrocinadores, por não possuir os caracteres de instituição de assistência social referida no art. 150, VI, c, da Constituição Federal, não é destinatária da imunidade tributária, não bastando para esse feito, que ela preencha os requisitos do art. 14 do CTN.” (Ac. un. da 2ª CCiv do TJMG - AC 36.146/9 - j. 9.5.95, rjiob 1/9352)

“Se a instituição é de previdência privada, limitada aos seus associados e beneficiários, não pode ser considerada como de assistência social, para efeitos de gozar da imunidade tributária de que cogitam os arts. 150, VI, c, da Constituição da República, e 14 do Código Tributário Nacional, eis que não tem finalidade pública.” (Ap. 51.666/6 - 4ª C. - j. 15.2.96, RT 729/278).

Como já vimos, tal é o entendimento dos Ministros Maurício Corrêa e Carlos Velloso do STF, que não vêem nas EFPPs caráter de universalidade e generalidade caracterizados das entidades de assistência social, uma vez que sua atividade se dá mediante o recolhimento de contribuições de um determinado grupo de empregados.13

De outro lado, há decisões que apontam no sentido da aplicação da imunidade às EFPPs:

“Às entidades de previdência privada, desde que preenchidos os requisitos do art. 14, incisos I a III, do CTN, beneficiam-se da imunidade prevista na Constituição Federal (art. 150, VI, c), uma vez que inconstitucionais os §§ 1º e 2º do art. 6º do DL 2.065/83, que sujeitam ao Imposto de Renda os rendimentos por ela auferidos.” (Ac. un. da 6ª T. do TRF da 3ª R. - MAS 89.03.042069-1 - j. 13.11.95, RDDT 6/201)

“As entidades fechadas de Previdência Privada, não obstante a onerosidade dos serviços prestados, estão abrigadas pela imunidade tributária, inclusive quanto ao Imposto de Renda incidente sobre os rendimentos obtidos com aplicação no mercado financeiro.” (Ac. un. da 3ª T. do TRF da 1ª R. - AC 94.01.30395-9 - DF - j. 6.11.95, RDDT 6/203)

“As entidades fechadas de previdência privada gozam de imunidade tributária, nos termos do art. 150, VI, c, da CF 88. Devem ser atingidos pela imunidade, tanto os impostos sobre o patrimônio, serviços e rendas, como também os impostos da área financeira, no caso o IPMF.” (Ac. un. da 2ª T. do TRF da 5ª R. - Remessa ex-officio 48911-CE - j. 19.12.95, RDDT 8/197)

“As entidades de previdência privada se inserem dentre as instituições imunes à tributação (arts. 14 do CTN e 150 da CF). Cuidando-se de fundação que exerce atividade complementar à Seguridade Social, em consonância com os termos da Constituição (art. 194 e ss.), faz jus à benesse e por isso, indevido se torna o recolhimento do ITBI feito quando da aquisição de imóvel, justificando-se o pleito de repetição do indébito.” (Ap. 510.172-4 - 4ª C - j. 15.6.94 - Rel. Juiz Carlos Bittar, RT 707/81)

“Se a própria Lei Orgânica da Previdência Privada estabelece, em seu art. 39, § 3º, que as entidades fechadas de previdência privada são consideradas instituições de assistência social, para o fim de imunidade tributária, perde relevo qualquer discussão em torno da negativa dessa qualidade. Não obstante a atuação assistencial das entidades fechadas de previdência privada seja limitada a um grupo de pessoas e não abrangente à população, esta circunstância não retira das mesmas a legitimidade para usufruir da imunidade fiscal, pois é certo que, mesmo limitadamente, colabora, de modo indireto, com o Estado, no atendimento dos benefícios previdenciários aos seus associados.” (Ac. un. da 4ª CCiv do TJMG - AC 17.191/8 - Rel. Des. Caetano Arelos - j. 14.4.94, RJIOB 1/8546)

As decisões apresentam aspectos diferentes do tema, devendo-se levar em consideração que algumas delas datam de períodos anteriores à promulgação da Constituição em vigor. Não obstante, trazem elementos importantes para uma conclusão a respeito do tema.

Quanto ao aspecto formal da questão, aguarda-se um pronunciamento final dos tribunais superiores quanto à constitucionalidade dos dispositivos do Decreto-lei nº 2.065/83 e da Lei nº 9.532/97. De especial interesse será a decisão a respeito do Decreto-lei, o qual foi promulgado ainda em face da Constituição anterior, pois determinou de forma expressa a não aplicabilidade da imunidade.

Por outro lado, com relação ao aspecto material da questão, cabem aqui algumas conclusões em razão dos dados fartamente expostos neste trabalho, tanto com relação à evolução histórica do instituto, como no tocante à contribuição jurisprudencial para a sua definição.

Em primeiro lugar, deve-se atentar para o fato de que, conforme descrito acima, a Constituição de 1969 não adotava a classificação tríplice apresentada pela Constituição em vigor. O diploma Constitucional então vigente colocava a Assistência Social e a Previdência Social como direitos da mesma espécie, dispostos como incisos do mesmo artigo, e sujeitas portanto aos mesmos princípios e diretrizes.

A Lei nº 6.435/77, promulgada na vigência de tal Constituição, apresenta coerência com a norma superior, sendo que estabeleceu em seu art. 34 o caráter complementar de tais entidades, tanto ao sistema oficial de Previdência Social como ao sistema oficial de Assistência Social. Dessa forma, a lei estabelecia diferentes escopos para as EFPPs, em ambas as áreas, que confundiam-se em seu disciplinamento, mesmo em nível constitucional. Tais escopos eram reforçados pela previsão do art. 39 da lei, que estabelecia no seu caput o objeto eminentemente previdenciário das EFPPs (“as entidades fechadas terão como finalidade básica a execução e operação de planos de benefícios para os quais tenham autorização específica (…)”), em conjunto com a previsão do § 1º do mesmo artigo, que facultava às EFPPs, “independentemente de autorização específica, incumbir-se da prestação de serviços assistenciais”, desde que as operações fossem “custeadas pelas respectivas patrocinadoras e contabilizadas em separado”.

Mesmo o regime societário restrito destinado às EFPPs, bem como a proibição da persecução do lucro pelas mesmas, estavam conformes aos anseios legais e constitucionais vigentes, tornando-as coerentes com o perfil de entidades de assistência social, conforme os princípios e metas daquele sistema.

Assim sendo, o primeiro entendimento a respeito da questão deve levar em conta o posicionamento histórico da matéria em nível constitucional, segundo o qual estariam sobre o mesmo manto de regras e princípios a Previdência Social e a Assistência Social. Portanto, e conforme já decidiu o Pleno do STF a esse respeito, a imunidade prevista no art. 19, III, “c” da Constituição de 1969 seria aplicada às EFPPs em sua plenitude, tanto no campo previdenciário como no campo assistencial, desde que os requisitos legais aplicáveis (no caso, o art. 14 do CTN) fossem observados.

Existem outros julgados da suprema corte nesse sentido, como, por exemplo, o Agravo Regimental de número 120744, julgado em 17 de novembro de 1987, relatado pelo Ministro Francisco Rezek, cuja ementa passamos a transcrever:

“Imunidade tributária. Entidade privada de assistência social. Inocorrência de ofensa ao art. 19-III, “c” da Constituição Federal. Agravo Regimental a que se nega provimento.”

Admitindo-se uma interpretação mais conservadora a esse respeito, a imunidade deveria estender-se ao menos ao patrimônio, à renda e aos serviços de tais entidades, os quais fossem direcionados ao seu ramo assistencial, que por expressa determinação legal seriam contabilizados de forma separada.

Tal foi o entendimento expresso no Recurso Extraordinário nº 108120, julgado em 8 de março de 1988, relatado pelo Ministro Sidney Sanches, cuja ementa dispõe:

“Imunidade tributária (ISS). Instituição de Assistência Social. Art. 19, III, ‘c’, da CF c/c arts. 9, IV, ‘c’, e 14, III, do Código Tributário Nacional. Não basta, para esse efeito, que a entidade preencha os requisitos do art. 14 e seus incisos do CTN. É preciso, além disso e em primeiro lugar, que se trate, de instituição de Assistência Social. Hipótese não caracterizada, pois a recorrente, conforme os estatutos, só presta serviços de assistência onerosa a seus associados, mediante contraprestação mensal, como entidade de previdência privada ou de auxílio mútuo, sem realizar atendimento de caráter estritamente social, como o de assistência gratuita a pessoas carentes.”

No entanto, o entendimento deve ser alterado a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988. Conforme descrevemos no início de nosso trabalho, a Constituição em vigor faz uma divisão diversa no tocante ao direito da Seguridade Social, separando a Previdência Social da Assistência Social, e submetendo cada uma das áreas a diferentes plexos de regras e princípios, os quais encontram-se listados acima. Pode-se até dizer que o Decreto-lei nº 2.065/83 já representava uma tendência de discussão do modelo constitucional anteriormente adotado, a qual culminou, em 1988, com a redefinição da matéria em âmbito maior.14

Conforme veremos adiante, a tendência mostra-se cada vez mais crescente, podendo ser vislumbrada nos projetos de lei em tramitação, que contemplam mudanças nos mais variados aspectos, e retiram das EFPPs suas atividades de caráter assistencial.

Dessa forma, primando-se sempre pela coerência e homogeneidade das normas e pela coesão do ordenamento jurídico nacional, deve-se perceber que a imunidade do art. 150, VI, “c”, foi destinada às instituições de assistência social que observem, além dos requisitos previstos em sede infraconstitucional, os princípios e diretrizes constantes no título próprio à Assistência Social, descritos nos arts. 203 e seguintes da Constituição.

Cabe aqui portanto o questionamento a respeito da persecução dos escopos constitucionais, estabelecidos no âmbito da Assistência Social, pelas EFPPs, para o que encontraremos resposta negativa. Nos dias atuais, as EFPPs, exceto em caráter eventual e excepcional, não visam à proteção da família, maternidade, infância, adolescência ou velhice. Tampouco buscam amparar crianças e adolescentes carentes ou promover a integração de indivíduos ao mercado de trabalho. Dentre os seus objetivos, também não se encontra a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária ou então a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que não possuir meios para manter-se por seus esforços ou através de sua família.

Como é notório, tais entidades possuem caráter eminentemente previdenciário, a saber, a concessão de renda ou pecúlio aos participantes que contribuam para tanto. A este caráter primordial das EFPPs são aplicados os princípios constantes dos arts. 201 e 202 da Constituição Federal, estando mesmo tais entidades expressamente previstas no art. 202. Mais além, reconhece-se em tais entidades verdadeiros entes de aplicação no mercado financeiro e de capitais, cujos beneficiários, com renda suficiente para efetuar as contribuições adicionais, geralmente pertencem às altas classes de empregados, incluindo membros de conselhos e diretorias.

Enfim, a simples separação sistemática e principiológica é elemento suficiente para determinar a mudança de qualquer entendimento que suporte a imunidade irrestrita às EFPPs, uma vez que passam a estar sujeitas ao regime jurídico previdenciário e não mais assistencial, sendo assim imerecedoras da respectiva imunidade. Em outras palavras, as EFPPs deixam de ser instituições de assistência social, sofrendo as conseqüências pertinentes no âmbito fiscal.

Mais além, deve-se estar ciente que a imunidade em tela tem caráter subjetivo, e não é baseada no exercício de certas atividades ou na prestação de determinados serviços.

Sendo assim, ainda que as EFPPs façam uso de sua faculdade estabelecida por lei de realizarem atividades de cunho assistencial, não serão consideradas instituições de assistência social, razão pela qual a imunidade do art. 150, VI, “c”, não se aplica, uma vez que mudou-se o paradigma de organização da Seguridade Social, e a Assistência Social e a Previdência não mais se confundem em sede constitucional.

Observa-se, contudo, que a matéria é polêmica e controversa, e que existem entendimentos de grande autoridade que colocam-se de forma contrária à posição aqui adotada. Nessa esteira, é oportuno citar a exposição feita por Sacha Calmon Navarro Coêlho15 a esse respeito, na qual aborda com maestria as questões semânticas envolvidas no tema, e após citar diversos previdencialistas, conclui pela irrestrita aplicabilidade da imunidade às EFPPs. Mais ainda, com relação à Constituição Federal de 1988, afirma o mestre mineiro que “o fato de a Constituição de 88 ter reunido sob a égide da expressão ‘seguridade’ a previdência, a saúde e a assistência social não tem o condão de afastar a imunidade das entidades em tela que fazem previdência e assistência social complementares da ação governamental”. Acrescenta ainda o autor a característica polissêmica da expressão “Assistência Social” na Constituição Federal vigente, a qual referir-se-ia, além de ao contexto disposto nos artigos 203 e 204, a outras formas de assistência, dentre elas a forma praticada pelas EFPPs.

No entanto, com o devido respeito à autoridade incontestável do autor citado, primamos pela coerência sistemática da Constituição em vigor, e pela já demonstrada evolução do instituto e da conotação das EFPPs, tanto nos campos da jurisprudência, doutrina, legislação, como no próprio âmbito da realidade, das funções efetivamente exercidas pelas mesmas.

Resta o aguardo pelas definições das cortes superiores, para que as situações pendentes neste sentido possam ser resolvidas, e que novas determinações e esclarecimentos possam ser firmados.

VI - Atualidades: Tributação das EFPPs frente ao Aumento do Salário Mínimo

As implicações e discussões a respeito do regime tributário ao qual as EFPPs estão submetidas baseiam-se em um complexo de normas promulgadas ainda na década de 70. Observa-se, nos dias atuais, uma tendência de revisão de tais normas, o que implicaria em uma total reformulação da previdência complementar, e conseqüentemente das EFPPs.

Alguns projetos de lei, no sentido apontado no parágrafo anterior, já encontram-se em discussão no Congresso Nacional, dentre os quais mencionamos os seguintes16:

i) Projeto de Lei nº 01/2000: Este projeto já foi aprovado pela Câmara dos Deputados, e, no Senado, já passou pelas comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e de Assuntos Sociais (CAS), tendo sofrido emendas no plenário. Recentemente, foi noticiada a aprovação do projeto pela CCJ, tendo como relator o senador José Fogaça (PMDB-RS). Em linhas gerais, o projeto define as relações institucionais entre a administração pública e os planos de previdência complementar, abrangendo a União, Distrito Federal, Estados e municípios.

ii) Projeto de Lei nº 09/99: Este projeto ainda encontra-se em exame na Câmara dos Deputados, tendo sido objeto de exame de comissão especial. Em linhas gerais, procura oferecer alternativas para que a União, Estados e municípios possam liquidar suas pendências no âmbito previdenciário, obrigando os entes da administração pública a instituírem planos de previdência complementar, sendo que inclui a obrigatoriedade de admissão aos planos pelos funcionários que ingressarem na administração após a promulgação da lei.

iii) Projeto de Lei nº 63/99: Este projeto já foi aprovado na Câmara dos Deputados, sendo que, no Senado, passou pela CCJ e está na CAS, tendo como relator o senador Romero Jucá (PSDB/RR). O projeto refere-se ao sistema de previdência complementar como um todo, prevendo uma verdadeira reformulação do mesmo. Comentaremos o projeto com mais detalhes a seguir, uma vez que o mesmo poderá trazer inovações no campo fiscal.

Além de medidas de universalização do acesso aos planos de previdência complementar e de maior transparência de informações a seus beneficiários, entre outras mudanças de nítido caráter estrutural, o Projeto de Lei nº 63/99 propõe algumas medidas de cunho fiscal, que passaremos a analisar.

Para os fins do presente trabalho, alguns dos artigos propostos, já aprovados na Câmara dos Deputados, são dignos de nota, a saber:

“Art. 32 As entidades fechadas têm como objeto a administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária.

Parágrafo único. É vedado às entidades fechadas a prestação de quaisquer serviços que não estejam no âmbito de seu objeto, observado o disposto no art. 76.”

Para melhor compreensão do alcance do dispositivo, vejamos o art. 76 do projeto:

“Art. 76 As entidades fechadas que, na data da publicação desta Lei Complementar, prestarem a seus participantes e assistidos serviços assistenciais à saúde, poderão continuar a fazê-lo, desde que seja estabelecido um custeio específico para os planos assistenciais e que a sua contabilização e o seu patrimônio sejam mantidos em separado em relação ao plano previdenciário.

§ 1º Programas assistenciais de natureza financeira deverão ser extintos a partir da data de publicação desta Lei Complementar, permanecendo em vigência, até o seu termo, apenas os compromissos já firmados.

§ 2º Consideram-se programas assistenciais de natureza financeira, para os efeitos desta Lei Complementar, aqueles em que o rendimento situa-se abaixo da taxa mínima atuarial do respectivo plano de benefícios.”

Os artigos aqui transcritos revelam-nos a tendência legislativa para a nova configuração das EFPPs, e corroboram a linha de raciocínio adotada no presente trabalho. Percebe-se nitidamente a intenção do legislador de retirar o caráter assistencial das EFPPs, o que trará definições mais precisas quanto à aplicabilidade da imunidade de que gozam as instituições de assistência social às EFPPs.

Inicialmente, o art. 32 é enfático ao limitar o escopo das EFPPs à função de previdência complementar, a ser exercida de forma exclusiva. Tal idéia é reforçada pelo parágrafo primeiro do mesmo artigo, o qual veda a prestação de outros serviços, fora dos limites deste escopo.

Diferentemente do que fez o legislador da década de 70, não abriu-se a possibilidade de prestação de serviços de cunho assistencial pelas EFPPs, conforme permitia o § 1º do art. 39 da Lei nº 6.435/77. A medida representa a confirmação de que a Constituição Federal de 1988, ao dividir a Seguridade Social da maneira como o fez, estabeleceu novo paradigma para a conceituação de suas diversas vertentes, e conseqüentemente, do tratamento tributário aplicado a cada uma delas, em comparação aos ditames da Constituição anterior.

Se o projeto em questão fosse aprovado, não mais restariam dúvidas com relação à não caracterização das EFPPs como instituições de assistência social, o que afastaria a aplicação da imunidade prevista no art. 150, VI, “c”.

É importante observar que o legislador preocupou-se com o tratamento de entidades que porventura realizassem atividades de cunho assistencial antes da promulgação da lei. Conforme a letra do art. 76, é permitida a continuidade da prestação de serviços de caráter assistencial17, desde que o custeio de tais serviços, sua contabilização e seu patrimônio sejam realizados e mantidos de forma separada e inconfundível com os serviços de caráter previden­ciário. Vale observar que o legislador deu a essa matéria verdadeiro caráter de exceção, o que vem a confirmar a nova regra introduzida.

Ainda no âmbito fiscal, outros artigos do Projeto de Lei nº 63/99 merecem análise:

“Art. 69 As contribuições vertidas para as entidades de previdência complementar, destinadas ao custeio dos planos de benefícios de natureza previdenciária, são dedutíveis para fins de incidência de imposto sobre a renda, nos limites e nas condições fixadas em lei.

§ 1º Sobre as contribuições de que trata o caput não incide tributação e contribuições de qualquer natureza.

§ 2º Sobre a portabilidade de recursos de reservas técnicas, fundos e provisões entre planos de benefícios de entidades de previdência complementar, titulados pelo mesmo participante, não incidem tributação e contribuições de qualquer natureza.”

E ainda, o art. 70:

“Art. 70 Os investimentos e os rendimentos provenientes das aplicações dos recursos das reservas técnicas, provisões e fundos, constituídos com recursos das contribuições e que garantam os benefícios, poderão ser incentivados, na forma da lei, e deverão ter a tributação diferida em relação ao imposto sobre a renda.”

O exame da tributação proposta através do projeto merece algumas considerações. Trata o art. 69 da tributação à qual estão sujeitos os participantes e beneficiários das EFPPs, sendo medida acertada a manutenção da dedutibilidade das contribuições destinadas ao custeio do plano de benefícios. De certa forma, manteve-se o regime atual de tributação dos participantes e suas contribuições, sendo que, atualmente, a dedutibilidade permitida por lei, segundo a letra do art. 11 da Lei nº 9.532/97, é limitada a “doze por cento do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimentos”.

No entanto, deve-se analisar o art. 70 dentro do contexto no qual é proposto, a saber, no calor gerado pelas discussões a respeito da “taxação dos fundos de pensão” e do aumento do salário mínimo. No âmbito da tributação das próprias EFPPs, o projeto de lei procurou, de forma nítida, estabelecer regime tributário semelhante ao regime aplicável às EAPPs, sendo louvável a disposição no sentido do diferimento do imposto de renda para o momento de resgate. A partir dessa medida, evita-se os efeitos nocivos da tributação na fonte, dentre os quais destaca-se a diminuição de recursos a serem investidos. No entanto, o que deve ser percebido, a partir da leitura do art. 70, é a expressa admissão da tributação dos rendimentos obtidos pelas EFPPs, deixando-se de lado a imunidade, por completo.

O texto da lei não menciona, mas permite-se concluir que, uma vez que somente ao IR foi garantida a tributação diferida, e levando-se em consideração a não aplicabilidade da imunidade às EFPPs, em virtude da mudança de paradigma constitucional (o que é corroborado no projeto), tais entidades estariam sujeitas à grande carga tributária, que envolveria, em sua atividade ordinária, a incidência típica de tributos aplicáveis ao mercado financeiro em geral, tais como o IOF, a CPMF, Cofins18 e IPTU.

Ainda sobre o art. 70, acreditamos caber algum reparo à forma de tributação adotada, especialmente com relação à tributação dos rendimentos das aplicações financeiras das EFPPs associada à tributação dos rendimentos dos beneficiários.

A menos que a versão final do projeto apresente alguma espécie de dedutibilidade com relação a alguma das duas incidências tributárias, estaríamos diante de um caso de bitributação. Se tivermos em mente que, do ponto de vista do beneficiário, tributar-se-á a parcela que constituir o efetivo rendimento acrescido à sua contribuição, à parte de acréscimos ordinários de atualização monetária, teríamos o mesmo rendimento sendo tributado, em momento anterior a esse resgate, por ocasião do cômputo global dos rendimentos das aplicações financeiras das EFPPs. Dessa forma, os rendimentos seriam calculados em momentos diferentes, sendo tributados nas duas ocasiões. Acreditamos ser esse aspecto do projeto digno de revisão pela Casa Legislativa.

No campo político, a idéia do aumento da tributação das EFPPs vem sido difundida como uma providência para o aumento do salário mínimo, dos atuais R$ 151,00 para R$ 180,00.

Com relação ao mérito da voracidade fiscal do governo com vistas ao aumento do salário mínimo, tal medida tem sofrido duras e severas críticas por parte de especialistas na área econômica. A medida de caráter populista do governo, de aumentar o salário mínimo, acarretou o surgimento de inúmeras medidas para este custeio, destacando-se, no âmbito fiscal: (i) a tributação das EFPPs; (ii) a tributação das EAPPs e dos planos geradores de benefícios livres (PGBL); e (iii) a criação do chamado “fundo de solidariedade”, a ser formado pela contribuição de indivíduos com renda superior a R$ 10.000,00, o que oneraria sobremaneira a classe média do país. Além das medidas de cunho fiscal, estão sendo discutidos cálculos, remanejamentos e especulações com relação ao Orçamento.

Sobre os fundos de pensão em geral, acreditam os especialistas que tal medida do governo põe em risco “a mais promissora fonte de poupança surgida nestes últimos anos”, sendo que o governo estaria comprometendo o aumento de sua taxa de poupança doméstica. A tributação poderia inviabilizar o desenvolvimento da indústria dos fundos, inibir a formação de poupança e enfim, reduzir as chances de criação de um mercado de capitais sólido e competitivo.

Além disso, o crescimento das distorções fiscais brasileiras aumentaria a desconfiança do mercado internacional com relação ao Brasil, uma vez que aquele observa de perto o cumprimento das metas fiscais brasileiras. Um exemplo da política avaliatória pode ser encontrado no recente caso da Argentina, que teve o seu “rating”, ou seja, o seu risco, avaliado pelo mercado de forma negativa, devido à renúncia de seu vice-presidente, aliada à desconfiança generalizada no Presidente De la Rúa com relação ao futuro das reformas anteriormente anunciadas, bem como da contenção de gastos proposta.

Dessa forma, em um momento no qual discute-se, além das medidas fiscais de risco e conseqüência duvidosos, e que podem comprometer o crescimento da economia nacional, aspectos conceituais e estruturais no âmbito da previdência complementar, deve-se atentar para que tais mudanças sejam conduzidas de forma a preservar os progressos obtidos até o momento.

O fortalecimento do mercado de capitais brasileiros, amplamente discutido nos últimos meses na mídia e no âmbito Poder Legislativo, além da reforma estrutural anunciada e negociada no âmbito da Lei das S.As., necessita de medidas coerentes no campo fiscal, que viabilizem o fortalecimento do mercado interno, a formação de poupança, o aumento da confiabilidade internacional no país, e em última instância, o crescimento da economia.

VII - Conclusão

Almejamos, ao longo do presente trabalho, apresentar de forma panorâmica a questão da tributação das EFPPs, procurando fornecer dados, informações e princípios que possam nortear o leitor para análises mais profundas sobre o tema.

Trata-se de terreno em processo de terraplanagem, no qual arestas e sulcos necessitam de correção, para que uma visão correta possa ser finalmente estabelecida.

Ficamos no aguardo das decisões judiciais e das inovações legislativas, com a esperança de que sejam revestidas da coerência lógico-formal e da racionalidade econômica necessária, para que a matéria seja eficiente em seus sentidos formal e material, atendendo não somente a procedimentos e normas, mas também aos anseios mercadológicos e sociais de maneira geral.

1 A vigência da Resolução CMN nº 2.720/00 foi suspensa através da Resolução CMN nº 2.791, de 30 de novembro de 2000, até a conclusão de estudos relativos à revisão das disposições da Resolução nº 2.720/00. Tal fato corrobora a assertiva segundo a qual a Previdência Complementar tem sido objeto de discussões, em seus variados aspectos.

2 Cf. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social, 9ª ed., São Paulo, Atlas, 1998.

3 Curso de Direito Constitucional Positivo, 16ª ed., São Paulo, Malheiros, 1999.

4 Idem.

5 Ob. cit.

6 Ob. cit.

7 Ob. cit.

8 Conforme informações obtidas no “website” da Secretaria de Previdência Complementar - SPC - www.spc.gov.br .

9 Não pretendemos aqui expressar o entendimento de que o § 3º do art. 39 da Lei nº 6.435/77 tinha o efeito de caracterizar a imunidade, uma vez que tratar-se-ia de hipótese ilógica, em que uma norma de hierarquia inferior determinou a aplicabilidade de norma superior. Tal dispositivo teria apenas um caráter indicativo, e nunca foi suficiente para esclarecer ou evitar as controvérsias a respeito da aplicabilidade da imunidade.

10 A esse respeito, é relevante ressaltar a discussão doutrinária e jurisprudencial a respeito da Lei nº 9.532/97, a qual, para o atendimento dos fins específicos do art. 150,VI, deveria ser uma lei complementar, e não lei ordinária. Já é pacífico que o CTN seria considerado lei complementar rationae materiae, a despeito de não o ser no aspecto formal, sendo que, atualmente, só pode ser alterado por lei complementar. Dessa forma, não existiriam óbices para que os dizeres do art. 14 continuassem a estabelecer os parâmetros legais solicitados pelo texto constitucional. Contudo, à Lei nº 9.532/97 não poderia ser conferido tal atributo, e dessa forma, questionável é a validade dos requisitos estabelecidos por tal lei com relação ao gozo da imunidade constitucional.

11 Ob. cit.

12 CONTI, José Maurício. Sistema Constitucional Tributário Interpretado pelos Tribunais, 1ª ed., 2ª tir., São Paulo: Oliveira Mendes, 1998.

13 Deve-se fazer uma breve consideração quanto ao argumento relativo à ausência da universalidade nos serviços prestados pelas EFPPs. Conforme já mencionamos de forma breve anteriormente, o princípio da universalidade, o qual deve permear todo o sistema brasileiro da Seguridade Social, apresenta certo caráter de relativização. Tal princípio pode perfeitamente ser encontrado no âmbito da Previdência Social, cuja universalidade torna-se relativa, a partir do momento em que benefícios são concedidos a todos os que para ela contribuírem, e não à coletividade de forma indistinta (lembremos que a universalidade é princípio referente à Seguridade Social como um todo, e que portanto permeia cada uma de suas vertentes). Nas EFPPs, ocorre apenas uma diminuição do universo de beneficiários, circunscritos a uma única empresa ou grupo de empresas, havendo porém a universalidade dentro deste limite, conforme estabelecido por lei. Mais ainda, é perfeitamente lógico que tal limite seja inferior, uma vez que as EFPPs apresentam, acima de tudo, o caráter de complementaridade aos sistemas de Previdência Social e Assistência Social.

14 Nesse sentido, observa-se a evolução da matéria no mesmo sentido no âmbito jurisprudencial.

15 Curso de Direito Tributário Brasileiro, 4ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1999.

16 Conforme o jornal Gazeta Mercantil, Ano LXXX, nº 21.953, edição de segunda-feira, 6 de novembro de 2000, p. A-8.

17 Nesse mister, ressaltamos a infelicidade da linguagem utilizada neste artigo, que fez referência a “serviços assistenciais à saúde”, o que pode prejudicar a interpretação do artigo e certamente dará ensejo a questionamentos futuros.

18 Atualmente, as EFPPs encontram-se isentas do pagamento de CPMF e Cofins, por força das legislações pertinentes.