Encargo Financeiro - Artigo 12 da Lei nº 7.738/89

José Roberto Dias da Silva

Advogado em São Paulo.

Editada em 9 de março de 1989, a Lei nº 7.738, no seu art. 12, trouxe para o mercado de câmbio uma inovação que consistiu na instituição da cobrança de encargo financeiro incidente nos casos de cancelamento ou baixa de contratos de câmbio de exportação, previamente ao embarque das mercadorias ao exterior.

Estabelece, textualmente, aquele dispositivo legal:

“Art. 12. O cancelamento ou baixa na posição de câmbio, de contrato de câmbio de exportação, previamente ao embarque das respectivas mercadorias para o exterior, sujeitará o exportador ao pagamento de encargo financeiro calculado:

I - sobre o valor em moeda nacional correspondente à parcela do contrato de câmbio cancelado ou baixado;

II - com base no rendimento acumulado da Letra Financeira do Tesouro - LFT durante o período compreendido entre a data da contratação e a do seu cancelamento ou baixa, deduzidos a variação cambial ocorrida no mesmo período e o montante em moeda nacional equivalente a juros calculados pela taxa de captação interbancária de Londres (“Libor”) sobre o valor em moeda estrangeira objeto do cancelamento ou baixa.

§ 1º - O banco comprador das divisas é o responsável pelo recolhimento do encargo financeiro de que trata este artigo, ao Banco Central do Brasil.

§ 2º - O disposto neste artigo não se aplica a cancelamento ou baixa:

a) de contratos de câmbio celebrados até 13 de janeiro de 1989, inclusive;

b) de valor igual ou inferior a US$ 5.000,00 (cinco mil dólares dos Estados Unidos) ou equivalente em outra moeda, desde que, cumulativamente, não representem mais de 10% (dez por cento) do valor total do contrato de câmbio”.

O artigo em tela foi regulamentado, inicialmente, no que tange ao seu recolhimento, pela Resolução nº 1.590/89, revogada pela Resolução nº 1.964/92, que, posteriormente teve o seu art. 4º alterado pela Resolução nº 2.393/97, todas do Banco Central do Brasil, que assim estabelece:

“Art. 4º O valor em moeda nacional do encargo financeiro de que trata a Lei nº 7.738, de 9 de março de 1989, será levado a débito da conta ‘Reservas Bancárias’ do estabelecimento comprador da moeda estrangeira, no 2º dia útil subseqüente ao do cancelamento ou baixa do contrato de câmbio de exportação.

§ 1º O disposto no caput deste artigo não se aplica na ocorrência de:

I - decretação de falência do exportador;

II - intervenção no banco comprador da moeda estrangeira ou a sua liquidação extrajudicial.

§ 2º Na ocorrência das situações previstas no parágrafo anterior devem ser observados os procedimentos estabelecidos pelo Banco Central do Brasil, para fins da cobrança do referido encargo.”

Os procedimentos previstos pelo Banco Central do Brasil para a cobrança do encargo financeiro constam da Consolidação das Normas Cambiais - CNC, editada por aquele Órgão, no Capítulo 5, Título 10.

Mais recentemente, com a edição da Medida Provisória nº 1.829, de 8 de junho de 1999, e, posteriormente das Medidas Provisórias nos 1.830-1 e 1.830-2, respectivamente, de 29 de junho e 27 de julho de 1999, esta última convolada na Lei nº 9.813, de 23 de agosto de 1999, houve a modificação da sistemática do encargo financeiro, com a alteração do § 2º ao art. 12 da Lei nº 7.738/89, e a renumeração do seu antigo § 2º para 3º, a fim de que fossem abrangidos, além dos contratos de exportação de mercadorias, também os contratos de exportação de serviços cancelados ou baixados previamente à prestação ou conclusão dos serviços e os de transferência financeira do exterior, que passaram a estar sujeitos à cobrança do encargo financeiro.

Note-se que a norma primeira que determinou a cobrança do encargo financeiro acha-se inserida numa lei de cunho fiscal e tributário, calcada na necessidade de se promover ajustes na economia do País, que combalida, se encontrava, à época, na esteira do Plano Verão, mais um dos diversos planos que foram propostos para recuperá-la.

No entanto, é de todo necessário entender-se a sistemática do mercado de câmbio para se ter uma noção mais adequada do porquê da instituição do encargo financeiro de que se trata.

Todo aquele que necessita vender ou comprar moeda estrangeira proveniente de operações comerciais (exportadores e importadores) ou de qualquer outro negócio, deve valer-se da intermediação de uma instituição financeira autorizada a operar em câmbio pelo Banco Central do Brasil, autorização esta prevista no art. 192, I, da Constituição Federal, e conforme o art. 18 da Lei nº 4.595/64. Agem, portanto, os bancos no mercado de câmbio por autorização do Banco Central do Brasil, este o agente da União, a quem compete administrar as reservas cambiais do País (art. 21, VIII, da Constituição Federal).

Vemos, então, que as operações de câmbio constituem-se em monopólio estatal, uma vez que é a União que administra nossas reservas cambiais.

A respeito da estrutura do mercado de câmbio, é a seguinte a explanação de Bruno Ratti:

“O mercado cambial compreende, além dos exportadores e importadores, também bolsas de valores, bancos, corretores e outros elementos que, por qualquer motivo, tenham transações com o exterior. Eventualmente, poderá abranger as chamadas autoridades monetárias (Tesouro e bancos centrais).

Assim vamos ter, de um lado, o grupo vendedor, representado por todos aqueles elementos (especialmente exportadores) que desejam vender divisas (representadas por moeda em espécie, depósitos no exterior, cheques e letras de câmbio a pagar no estrangeiro), provenientes de exportações ou outra operação qualquer.

De outro lado, temos o grupo comprador, onde se incluem todos aqueles elementos (especialmente importadores), que desejam adquirir divisas, a fim de liquidar seus compromissos no exterior, provenientes de importações, remessas de dividendos, juros, viagens etc.

Agindo como intermediários entre esses dois grupos vamos encontrar os bancos, os quais centralizam as compras e vendas de divisas. Aliás, essa intervenção bancária é obrigatória, não podendo, pois, haver entendimentos diretos entre o grupo comprador e o grupo vendedor. No Brasil é considerada operação ilegítima aquela que não transitar por estabelecimento autorizado pelas nossas autoridades monetárias (Banco Central da República do Brasil), a operar em câmbio (Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, artigo 10, inciso IX, letra ‘d’).”1

Temos, pois, uma situação interessante. Os bancos servem de intermediários entre aqueles que vendem e os que compram divisas, assim entendidas as disponibilidades no exterior. Ocorre que, ultimamente, até para atender determinações que nos foram impostas pelo Fundo Monetário Internacional, busca-se sempre que haja mais ingresso de divisas do que saída, o que é chamado de superávit da balança comercial, a fim de que se mantenham limites adequados de divisas em moeda estrangeira de posse da União, de forma a garantir o pagamento das obrigações assumidas perante diversos organismos internacionais, obrigações estas que constituem nossa dívida externa.

Assim é que, numa situação em que há escassez de divisas, quando um exportador dirige-se a um banco para celebrar com este um contrato de câmbio de exportação, há um comprometimento da posição de câmbio deste estabelecimento (já que os bancos operam dentro de determinados limites contábeis de posição comprada e vendida de câmbio), que o leva a recompor esta posição valendo-se de linhas de crédito externas, assumindo o custo gerado ao tomar recursos perante instituições financeiras estrangeiras, custo esse que vai se refletir, em última análise, nas reservas cambiais do País que ficam comprometidas.

A esse respeito, a elucidativa lição de Diógenes Setti Sobreira:

“4. Obrigação de vendedores de divisas em contratos de câmbio - O contrato de câmbio gera para o Banco a obrigação de pagar no vencimento o valor em cruzeiros da soma em moeda estrangeira comprada a prazo. O vendedor se obriga, a seu turno, à entrega daquela moeda a prazo certo. Esta ocorrerá, em câmbio sacado, através de cambiais contra seus devedores no exterior, na maioria dos casos importadores de seus produtos ou banqueiros que os representam. Essa forma de adimplemento contratual suscita a liquidação normal do contrato. O Banco, em ocasiões freqüentes, negocia antecipadamente essas ‘posições’ compradas em moedas, vendendo-as a terceiros a taxas compensadoras. Não entregando as divisas contratadas, o vendedor inadimplente deixa o Banco sem recursos para cumprir a entrega das vendas antecipadas que fez da moeda estrangeira. Registra-se, então, uma posição ‘descoberta’ perante o banqueiro manipulador do câmbio. Obrigam os regulamentos da espécie que o Banco readquira posição, comprando, ao preço do dia (taxa de câmbio da época da liquidação forçada do contrato inadimplido) moeda estrangeira de reposição. Essa diferença de taxa constitui perda efetiva do Banco por ato do vendedor inadimplente. Tem o crédito assim instituído, por força do art. 75 da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, a via executiva contra o inadimplente, desde que protestado o contrato. Assim o admite, ainda, o art. 585, VII do Código de Processo Civil. Em caso de falência ou concordata do devedor, nenhum título de privilégio tem esse crédito, impondo-se sua habilitação na forma regular.

5. Obrigação de tomadores de recursos por adiantamentos em moeda nacional - Os regulamentos aplicáveis às operações de câmbio sacado, ou seja, de saques sobre o exterior (distinto do câmbio manual, o de compra e venda de moeda em espécie) especialmente os relativos às divisas obtíveis pela exportação de produtos fora de pautas restritivas, como ocorre com o café, contemplam financiamentos percentuais antecipados sobre os cruzeiros devidos no vencimento ao vendedor de câmbio, no caráter de adiantamentos sobre contratos de câmbio. Os Bancos compradores de câmbio utilizam os recursos de sua carteira de crédito geral, para tal fim, posteriormente apropriados às suas carteiras de câmbio, ou obtêm fundos de outrem (‘pré-export’), que repassam aos clientes vendedores de câmbio. Esses adiantamentos e seus encargos, por força do § 2º do art. 75 da Lei 4.728/65 devem ser averbados nos respectivos contratos de câmbio para ensejarem sua recuperação pela via executiva. São um crédito aberto e utilizado em ‘decorrência’ do contrato de câmbio, seu pressuposto indispensável.”2

Ora, se o próprio banco, ou instituição financeira, autorizado a operar em câmbio está sujeito aos efeitos do inadimplemento por parte do vendedor da moeda estrangeira, é de se entender que também sofrem perdas as reservas cambiais do País, e com o desfazimento do negócio, por via do cancelamento ou baixa do contrato de câmbio, embora haja toda uma sistemática legal para a composição quanto ao valor em moeda nacional entre as partes contratantes, é bem verdade que a frustração quanto ao ingresso das divisas certamente representa uma perda para o País em termos econômicos, que sempre tem de valer-se de créditos externos para recompor as suas reservas cambiais.

Na verdade, ao fechar o contrato de câmbio, o banco tem de abastecer-se de moeda estrangeira por meio de recurso a uma linha de crédito no exterior. Assim, sendo nossas divisas escassas, e a nossa posição subordinada no cenário do comércio internacional, o banco, quando diante de uma situação de inadimplência, está limitando o acesso de outro exportador ou mais sério, ou mais competente, a linhas de crédito externas.

Assim, o legislador ao instituir a cobrança do encargo financeiro de que trata o art. 12 da Lei nº 7.738/89, e diante da fórmula apresentada para o seu cálculo, pensou, somente, numa forma de que o erário público viesse a ter a possibilidade de restabelecer a sua capacidade financeira para recompor, nos mesmos níveis da data da contratação da operação de câmbio, as reservas cambiais do País na data do cancelamento do contrato.

Outra forma de pensar, mas unicamente para os casos em que se valha o vendedor da moeda estrangeira do Adiantamento sobre Contrato de Câmbio, conhecido no jargão bancário por ACC, o que se buscou com a instituição da cobrança daquele encargo foi a restituição aos cofres públicos do possível ganho, por parte do vendedor da moeda estrangeira, equivalente a uma aplicação do valor que lhe foi adiantado em moeda nacional e a variação da taxa cambial entre a data da tomada do adiantamento e a do cancelamento do contrato de câmbio, variação esta acrescida, no período, da taxa Libor de juros.

Pode-se ter uma noção mais próxima da tomada do adiantamento pelo exportador, pela descrição das etapas concernentes ao ACC: o exportador, para conseguí-lo, celebra com o banco autorizado a operar em câmbio um contrato de câmbio de exportação para liquidação futura. Sobre o valor desse contrato solicita o adiantamento, que lhe é deferido em moeda nacional; com a importância recebida a título de ACC, o exportador adquire a matéria-prima, processa-a e, de posse do produto final, vende-o ao exterior, auferindo moeda estrangeira (divisas).

Com a disponibilidade das divisas, entrega-as ao mesmo banco com o qual celebrou o contrato de câmbio e do qual obteve o adiantamento, pagando a este banco o ACC. De posse dessas divisas, o banco pode liquidar sua posição comprada no exterior, ficando livre para novos negócios.

Desta forma, a moeda estrangeira recebida em pagamento das exportações vai formar, de maneira substancial, as reservas cambiais do País; segundo dados estatísticos disponíveis, 85% (oitenta e cinco por cento) das exportações brasileiras são possibilitadas mediante a utilização daquele adiantamento e as receitas originadas das exportações são, praticamente, a única fonte de divisas com as quais podemos contar para fazer face às importações de bens dos quais necessitamos, tais como: petróleo, medicamentos, aparelhos médico-cirúrgicos e outros que, ainda, não são produzidos aqui, apesar de sua extrema importância.

Essa acepção técnico econômica, em linhas gerais, da sistemática que envolve a utilização do ACC pelos exportadores, bem como os benefícios determinantes da formação de reservas cambiais - suprir o País dos produtos faltantes em seu mercado interno, deixam claro o seu aspecto de incentivo financeiro.

Indubitável, destarte, que os bancos autorizados a operar em câmbio são as peças-chaves no funcionamento do ACC, pois são eles que operam diretamente com os exportadores, concedendo-lhes esse crédito, após analisado o interesse da operação, convindo, somente, ressaltar que o Banco Central do Brasil, por força de lei, não opera com particulares (Lei nº 4.595/64, art. 12), sendo exigida a intermediação dos agentes financeiros.

Por outro lado, em certos casos, o tomador do ACC em vez de direcionar o valor do financiamento incentivado que recebera para os fins de produção de bens destinados à exportação, direcionava-os para fins diversos, tais como composição de capital de giro da empresa, aplicações financeiras etc., com efeitos danosos para a economia nacional, frustrando a geração de divisas, uma vez que os valores que levantavam deixavam de ser entregues a outros exportadores mais conscientes de suas obrigações.

Vistos alguns aspectos básicos que envolvem as negociações que envolvem contratos de câmbio, mais especificamente os de exportação de mercadorias, com a concessão de ACC, podemos passar à análise do encargo financeiro propriamente dito.

A questão que de pronto se apresenta é sobre a natureza de tal encargo financeiro. Tem ele a natureza de pena? Não nos parece. Não foi, efetivamente, a vontade do legislador a de aplicar uma penalidade ao vendedor da moeda estrangeira que vem a cancelar o contrato de câmbio, por qualquer motivo. A esse título, ainda está em plena vigência o art. 75 da Lei nº 4.728/65, que determina os ônus com os quais terá de arcar aquele que cancela contrato de câmbio.

Somos do entendimento que se trata, aquele encargo financeiro, de um tributo. Um tributo indireto é bem verdade, pelo que a seguir vai delineado.

“Encargo sm (der. regressiva de encargar) 1 ... 2 ... 3 ... 4 Imposto, tributo.” (Michaelis: Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998. p. 794)

Encargos fiscais: Expressão usada para significar, genericamente, toda soma de tributos ou impostos que pesam à responsabilidade de uma pessoa ou firma comercial.

É, assim, a soma de impostos ou mesmo de taxas que deve, normalmente, ser paga pelo contribuinte.

Encargos, aí, tem pois o sentido de ônus. (Silva, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, vol. II. Rio de Janeiro/ São Paulo: Forense, 2ª ed., 1.967. p. 596)

Temos tanto na definição do dicionarista do léxico, quanto na do especializado na linguagem técnica do direito, que o termo encargo encerra a noção de tributo.

Mas certo é também, que o encargo financeiro não está descrito dentre as modalidades diretas de tributos: impostos, taxas e contribuições.

Neste ponto cabe-nos utilizar o valioso ensinamento de J. Petrelli Gastaldi:

“22 - Teoria da Parafiscalidade

A teoria da parafiscalidade significa que o Estado pode criar tributos com objetivos não propriamente fiscais, ou essencialmente tributários.

Sabemos que os impostos decorrem forçosamente da lei e que esta lei é elaborada pelo legislativo, visando suprir as entidades de direito público dos necessários meios para fazer face aos seus múltiplos e crescentes encargos.

Atualmente, porém, observa-se a participação ou intervenção cada vez mais presente do Estado na economia, Tal participação ativa, vai desde a produção ao consumo das riquezas. O Estado, assim, foi sendo sempre mais solicitado para fazer face aos fenômenos da dinâmica econômica moderna, passando a regular aspectos produtivos, da circulação, da repartição e do consumo, sob o princípio da eqüidade. Tal atividade determinou a necessidade do Estado ir se desmembrando, pela criação de entidades autônomas.

Além dessas entidades propriamente de direito público (Estados, Municípios, Territórios), surgiram, ainda, as denominadas autarquias, entidades descentralizadas do poder originário ou criador, com vida própria e orçamento autônomo.

Tais entidades parafiscais possuem autonomia fiscal. Mas os tributos que lhes são específicos também decorrem de lei ou de princípio constitucional, embora integrando outro ramo, dentro da classificação geral dos tributos e taxas.

Temos, desse modo, como caracterizados estes dois pontos: o do sistema tributário, que pode ser o da unidade ou da pluralidade dos impostos e taxas, e o da parafiscalidade, representando um sistema tributário próprio ou específico das entidades autárquicas, descentralizadas do Estado. Isto explicado, prosseguiremos, agora, na análise da classificação dos tributos e taxas.

23 - Impostos Diretos e Impostos Indiretos

Encarando os tributos sob o aspecto jurídico, verificamos a existência de dois grandes ramos ou categorias - dos tributos diretos e dos indiretos.

Tal análise, sob o prisma jurídico, vai nos conduzir, novamente, ao denominado fato gerador, pois será com base neste fato gerador que poderemos dizer se um determinado imposto será direto ou indireto.

Diz-se que um imposto é direto quando o fato gerador constitui uma situação permanente, isto é, com durabilidade ou prevalência no tempo e no espaço.

...

O tributo será indireto sempre que o fato gerador seja praticamente instantâneo ou transitório.

Portanto, a classificação doutrinária inicial a respeito dos impostos e taxas é a seguinte: os impostos e as taxas ou serão diretos ou indiretos, conforme se nos apresente o fato gerador ou a origem do tributo, ou seja, com um caráter de permanência ou de transitoriedade.”3

Podemos entender, então, o encargo financeiro, como um tributo indireto, fruto da atividade parafiscal do Estado, uma vez que recolhido por uma Autarquia e tendo como fato gerador de caráter transitório, instantâneo, o cancelamento do contrato de câmbio. Não bastasse isso, é notória a conotação econômica que reveste o encargo financeiro.

Ainda a embasar tal entendimento, o legado do emérito mestre Geraldo Ataliba:

“9. Conceito de Tributo

9.1. O Código Tributário Nacional conceitua tributo de forma excelente e completa. Prescreve:

“Art. 3º - Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”

...

9.8. O objeto do direito tributário é o estudo do direito tributário positivo ou objetivo. O instituto jurídico central desse estudo é o tributo.

9.9. Juridicamente se define tributo como obrigação jurídica pecuniária, ex lege, que se não constitui em sanção de ato ilícito, cujo sujeito ativo é, em princípio uma pessoa pública, e cujo sujeito passivo é alguém nessa situação posto pela vontade da lei.

9.10. A análise dos termos da disposição evidenciará o significado de seus elementos:

Obrigação - vínculo jurídico transitório, de cunho econômico, que atribui ao sujeito ativo o direito de exigir do passivo determinado comportamento e que a este põe na contingência de praticá-lo, em benefício do sujeito ativo.

9.11. Pecuniária - circunscreve-se, por este adjetivo, o objeto da obrigação tributária: para que esta se caracterize, hodiernamente, há a necessidade de que seu objeto seja: o comportamento do sujeito passivo consistente em levar dinheiro ao sujeito ativo.

9.12. ‘Ex lege’ - a obrigação tributária nasce da vontade da lei, mediante a ocorrência de um fato (fato imponível) nela descrito. Não nasce, como as obrigações voluntárias (ex voluntate), da vontade das partes. Esta é irrelevante para determinar o nascimento deste vínculo obrigacional.

9.13. Que não se constitui em sanção de ato ilícito - acatamos as razões que convenceram a douta comissão elaboradora do Código Tributário Nacional a incluir esta cláusula no conceito jurídico de tributo (art. 3º), para dele excluir as multas, como já exposto.

9.14. Cujo sujeito ativo é em princípio uma pessoa pública política ou ‘meramente administrativa’ - como bem designa às autarquias Ruy Cirne Lima. Nada obsta, porém, a que a lei atribua capacidade de ser sujeito ativo de tributos a pessoas privadas - o que, embora excepcional, não é impossível - desde que estas tenham finalidades de interesse público.

9.15. Cujo sujeito passivo é uma pessoa posta nesta situação pela lei - a lei designa o sujeito passivo. Geralmente são as pessoas privadas colocadas na posição de sujeito passivo. Em se tratando de impostos, devido ao princípio constitucional da imunidade tributária. Já no que se refere a tributos vinculados, nada impede que, também, pessoas públicas deles sejam contribuintes.”4

Assim é que se submetermos o encargo financeiro ao crivo do conceito de tributo do art. 3º do CTN, e de acordo com as explanações acima, teremos o seguinte resultado:

a) o encargo financeiro é uma prestação pecuniária compulsória, em moeda, a que está obrigado o vendedor da moeda estrangeira que tiver o seu contrato cancelado ou baixado;

b) também é uma obrigação jurídica pecuniária, ex lege, instituída que foi pela Lei nº 7.738/89, não se constituindo em sanção de ato ilícito, cujo sujeito ativo é pessoa pública - o Banco Central do Brasil, uma Autarquia Federal;

c) a obrigação, como vínculo jurídico transitório, concretiza-se com o cancelamento ou baixa do contrato de câmbio, e

d) o sujeito passivo é uma pessoa de direito privado.

Não há dúvida, pois, quanto ao fato de que o encargo financeiro instituído pela Lei nº 7.738/89 é um tributo.

Evidente, também, que foram determinantes mais de concepção econômica as que trouxeram à existência aquele encargo financeiro, visando o fim precípuo de resguardar as reservas cambiais do País. Nada a se estranhar quanto ao fato de que mais uma vez o Estado tenha se valido do mecanismo da tributação para reparar uma situação que, em última análise, colocava em risco as divisas que compõem as nossas reservas cambiais, pois isto tem sido uma constante nos últimos tempos no Brasil, já que é a atividade econômica a que tem preponderado nas tomadas de decisões de cunho político, a ponto de se utilizar de normas infra legais para o estabelecimento de medidas que visam incrementar ou não determinadas atividades dos mercados financeiro e de capitais.

No meu entender, tal situação somente faz com que nos defrontemos com um verdadeiro emaranhado de normas editadas pelos mais diversos órgãos governamentais, cada qual buscando, atabalhoadamente, disciplinar as atividades por ele fiscalizadas, sem se ater, mais adequadamente, aos princípios gerais que devem nortear a elaboração das leis, que deve ser, em última análise, a preservação do estado de direito.

Neste ponto, vemos como oportuno, antes de adentrarmos mais em outros aspectos que concernem ao encargo financeiro, colacionar os ensinamentos do Professor Roberto Quiroga Mosquera a respeito das operações de câmbio:

“O câmbio representa a operação por intermédio da qual uma pessoa entrega determinada quantia de moeda a outra pessoa e recebe em troca outra moeda em valores equivalentes. É a permuta de moedas de diferentes espécies. Não se há de falar em câmbio de moedas idênticas, sem diferenciações quanto à sua natureza.

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, tratando do tema, acentua que no câmbio há necessariamente duas moedas diversas, as quais mudam reciprocamente de mãos de uma parte para as da outra. Para esse autor, “o contrato de câmbio pode ser conceituado como a operação segundo a qual alguém entrega uma determinada espécie de moeda, recebendo outra em contrapartida”. Aponta, ainda que, quanto à natureza jurídica do contrato de câmbio, o Código Comercial, artigo 191, 2ª parte, parece enquadrá-lo como caso típico de compra e venda mercantil e não propriamente de troca. Isto porque nesta se considera que ocorre uma permuta de mercadoria (moeda) por mercadoria (moeda), enquanto naquela uma das moedas é considerada coisa e a outro moeda preço.

Cabe-nos também ponderar que o objeto da operação de câmbio poderá ser a moeda, ou documento que a represente. Tal característica possibilita classificar o câmbio em duas espécies, ou seja: a) o câmbio manual, onde a troca de moeda se faz contra moeda, de mão em mão; b) câmbio trajectício ou sacado, no qual a troca se opera por meio de títulos de crédito representativos da moeda e em praças diferentes. A distância entre o local da entrega e o local do recebimento da moeda impulsiona a emissão de um título de crédito que a represente, a fim de viabilizar a liquidação da operação.

...

Na atualidade, as operações de câmbio estão sob o controle estatal, sendo de competência do Conselho Monetário Nacional fixar as diretrizes e normas da política cambial, sobretudo naquilo que diz respeito à compra e venda de moeda estrangeira, conforme expressa previsão da Lei nº 4.595/64, artigo 4º, inciso V. Por sua vez, ao Banco Central do Brasil, como órgão executivo das políticas ditadas pelo Conselho Monetário Nacional, caberão as funções de fiscalização e operacionalização das operações de câmbio. O mercado de câmbio como subsistema do sistema financeiro nacional encarrega-se de dar liquidez às operações de comércio exterior, captação de recursos externos, financiamento a projetos industriais e comerciais etc.”5

Podemos ver, claramente, pelo que se compreende da lição acima colacionada, o forte componente econômico que envolve as operações de câmbio, aliás, conforme já mencionado anteriormente neste trabalho.

Contudo, é necessário reforçar os aspectos que caracterizam a operação de câmbio para afastar a idéia de que o encargo financeiro incide nos casos de cancelamentos de contratos de câmbio onde tenha havido a tomada do Adiantamento sobre Contrato de Câmbio - ACC, que, nada mais é do que um contrato de mútuo, firmado entre o vendedor da moeda estrangeiro e o banco negociador do câmbio, negócio este derivado daquele primeiro.

Cabe, assim, relembrar, que o que se buscou com a instituição da cobrança do encargo financeiro, foi possibilitar a recomposição das reservas cambiais do País, na data do cancelamento da operação de câmbio, nos mesmos níveis verificados na data da celebração do contrato.

Ousaremos, agora, ainda no intento de justificar a caracterização do encargo financeiro como tributo, estabelecer para este instituto a mesma sistematização utilizada pelo Professor Roberto Quiroga Mosquera, em seu livro supracitado, na tentativa de decompormos a Regra-Matriz do Encargo Financeiro. (Pedimos antecipadamente nossas desculpas pela tremenda ousadia, porém, aí vai.)

A regra-matriz do encargo financeiro incidente sobre o cancelamento de operações de câmbio

O Encargo Financeiro está disciplinado no art. 12 da Lei nº 7.738/89, com as alterações trazidas pela Lei nº 9.813/99, sendo neste dispositivo legal que vamos identificar os critérios da regra-matriz de incidência do encargo financeiro, segundo a decomposição a seguir:

a) O Critério Material da Regra-Matriz Tributária do Encargo Financeiro

O critério material da regra-matriz do Encargo Financeiro é cancelar ou baixar contratos de câmbio de exportação previamente ao embarque de mercadorias, ou à execução dos serviços, no caso de exportação de serviços, e, ainda, os contratos de transferência financeira do exterior.

b) O Critério Espacial da Regra-Matriz Tributária do Encargo Financeiro

O critério espacial do Encargo Financeiro coincide com o âmbito de validade da Lei nº 7.738/89, qual seja, o território nacional. Como a Lei é Federal, o Encargo Financeiro incidirá nos limites espaciais do território nacional e desde que ocorrido in concreto o fato tributado.

c) O Critério Temporal da Regra-Matriz Tributária do Encargo Financeiro

Com relação ao aspecto temporal do Encargo Financeiro, somos obrigados a entender que o legislador ordinário deixou de estabelecê-lo estando, portanto, eivada de vício de inconstitucionalidade a cobrança, nos dias atuais, do tributo referido, por infringência ao princípio da legalidade tributária. É certo que, pela leitura do dispositivo que instituiu a cobrança do Encargo Financeiro, não podemos identificar o momento no qual a Lei considera ocorrido o fato passível de tributação. A ressaltar tal insconstitucionalidade o fato de que foi por meio da edição da Resolução nº 1.590/89, revogada pela Resolução nº 1.964/92, que, posteriormente teve o seu art. 4º alterado pela Resolução nº 2.393/97, todas do Banco Central do Brasil, que se regulamentou o recolhimento do valor do encargo financeiro. Ora, resolução não é lei. Ferido de morte, pois, in casu, o princípio da legalidade e prejudicado o critério temporal da regra-matriz.

d) O Critério Pessoal da Regra-Matriz Tributária do Encargo Financeiro

O sujeito ativo na relação jurídica tributária que se instaura, quando da exigência do encargo financeiro, é a União Federal, sendo o seu agente arrecadador o Banco Central do Brasil, por força do disposto no art. 4º da Resolução nº 1.964/92, daquela Autarquia.

São sujeitos passivos os vendedores de moeda estrangeira nas operações referentes a exportações de mercadorias ou de serviços e de transferências financeiras do exterior, que venham a cancelar seus contratos de câmbio nos moldes descritos no art. 12 da Lei nº 7.738/89.

Os responsáveis tributários são os estabelecimentos bancários e as instituições financeiras autorizados a operar em câmbio, que terão suas contas de “Reservas Bancárias” debitadas no valor relativo ao encargo financeiro pelo Banco Central do Brasil, no segundo dia útil após o cancelamento ou baixa da operação de Câmbio, conforme disposto no art. 4º da Resolução nº 1.964/92, daquela Autarquia Federal.

e) O Critério Quantitativo da Regra-Matriz Tributária do Encargo Financeiro

A base de cálculo do encargo financeiro é o valor cancelado ou baixado do contrato de câmbio que não seja de valor igual ou inferior a USD 5.000,00 (cinco mil dólares dos Estados Unidos) ou equivalente em outra moeda, desde que, cumulativamente, não representem mais de 10% (dez por cento) do valor total do contrato de câmbio. No entanto, a este valor não é aplicada uma alíquota, mas sim elaborado um cálculo matemático, de acordo com a seguinte fórmula, estabelecida pela Circular nº 2.763, de 25 de junho de 1997, do Banco Central do Brasil:

(RLFT - VTC) x VME x TX1 VME x J x t x TX2

EF = ————————————— - —————————

100 36.000

onde:

a) EF = valor do encargo financeiro, em moeda nacional;

b) RLFT = fator de remuneração da LFT entre a data da contratação da operação de câmbio e a data do seu cancelamento ou baixa;

c) VTC = variação da taxa de câmbio de compra para a moeda da operação, entre a data da contratação da operação e a data do seu cancelamento ou baixa;

d) VME = valor em moeda estrangeira do cancelamento ou baixa;

e) TX1 = taxa de câmbio da operação que se cancela ou se baixa;

f) J = taxa Libor para 1 (um) mês, divulgada pelo Banco Central do Brasil para a moeda da operação, para vigência no segundo dia útil seguinte ao da contratação de câmbio, deduzida de ¼ (um quarto) de 1% (um por cento);

g) t = número de dias transcorridos entre a data da contratação e a data do cancelamento ou da baixa;

h) TX2 = taxa de compra, para a moeda, disponível no Sisbacen, transação PTAX800, opção 5 - cotações para contabilidade, referente ao dia do cancelamento ou baixa.

De se notar que, desde a edição da Lei nº 7.738/89, não houve, por parte dos vendedores de moeda estrangeira, qualquer insurgência quanto à cobrança do encargo financeiro. Surpresa sim. Estranhavam, principalmente os exportadores, o fato de que, a partir de então, teriam de “devolver mais dinheiro ao governo” quando viessem a cancelar seus contratos de câmbio. Isto fez com que houvesse um maior cuidado no planejamento dos seus negócios e estabeleceu um novo comportamento no mercado de câmbio. Já não se tomava mais ACCs indiscriminadamente, mas somente em valores realmente necessários para o financiamento da produção dos bens que viriam, efetivamente, a ser exportados.

Já por parte dos bancos, não tanto nos casos de cancelamento dos contratos, onde os vendedores assumiam a responsabilidade pelo pagamento do encargo financeiro, mas especialmente nos casos de baixa da operação da posição de câmbio, situação em que, por inadimplência do vendedor da moeda, o banco tomava a decisão, unilateralmente, de desfazer o contrato de câmbio com o seu cliente, houve casos de inconformismo, mormente nas ocasiões em que o valor que lhes fora debitado era de grande monta, a ponto de se impetrar segurança contra aquela cobrança pelo Banco Central do Brasil, sem que, contudo, se tenha notícia de que qualquer banco tenha tido sucesso no seu intento de não ver o valor do encargo ser levado a débito da sua conta de “Reservas Bancárias” nos termos dos normativos em vigor na ocasião da impetração dos mandados.

A argumentação que os bancos apresentavam em juízo, em síntese, e com pequenas variações, era a de que o encargo financeiro consistia em uma das espécies de sanção a que se sujeitam os tomadores de ACCs que deixam de realizar suas exportações a que se vinculam os respectivos adiantamentos.

Explanavam, erroneamente, que o motivo que havia originado a cobrança do encargo financeiro fora a distorção que freqüentemente ocorria no passado em relação às operações de ACCs e que o encargo financeiro teria a finalidade de, como penalidade ao exportador, coibir essa prática que, segundo alegavam, além de distorcer o mecanismo de financiamento da produção de bens exportáveis, somente fomentava a chamada “ciranda financeira”, sem qualquer benefício para o País, retirando, assim, do exportador qualquer benefício que este pudesse vir a auferir no jogo das taxas de juros internas e externas (chamado de arbitragem de taxas de juros). Viam, então, o encargo financeiro como uma pena imposta, de início, ao mau exportador que se valia do ACC com finalidades de especulação financeira.

Diziam, mais, que tal “penalidade”, principalmente pelo seu mecanismo de cobrança, acabava por penalizar, também, os bancos negociadores da moeda estrangeira e fornecedores do financiamento aos exportadores mediante a concessão dos ACCs, sendo tal mecanismo equivocado porque, em primeiro lugar, em nenhum momento fora atribuída à instituição financeira a qualidade de fiadora do exportador, e, ainda, que esta instituição tinha o seu patrimônio onerado com o recolhimento compulsório de uma pena pecuniária sem que tivesse culpa pelo fato de ter sido o contrato de câmbio cancelado ou baixado.

Por sua vez, a autoridade impetrada do Banco Central do Brasil baseava as informações que prestava ao judiciário nos seguintes argumentos de que:

Os bancos autorizados a operar em câmbio são fundamentais para o funcionamento do segmento exportador do nosso mercado externo e para o funcionamento do ACC, pois são eles que operam diretamente com os exportadores, concedendo-lhes crédito, após estudado o interesse da operação.

Ressaltava que o Banco Central do Brasil, por força de lei, não opera com os particulares (Lei nº 4.595/64, art. 12), sendo necessária a intermediação de agentes financeiros.

Em se tratando de um país extremamente pobre em divisas (que correspondem à moeda do comércio internacional), o sistema financeiro está calcado na centralização e controle das operações de câmbio em mãos do Banco Central, que autoriza certas instituições a operar em câmbio. (Lei nº 4.595/64, art. 10, IX, “a”, c/c. o art. 11, III)

Tais empresas, ao receberem a autorização para operar em câmbio o fazem sob grande responsabilidade devendo zelar na defesa intransigente das receitas cambiais do Brasil, provenientes de exportações. Esses cuidados são estabelecidos, entre outros normativos, na Instrução nº 98, da Sumoc, de 29 de julho de 1954, e na Resolução nº 1.620, de 26 de julho de 1989, do Conselho Monetário Nacional - DOU de 27 de julho de 1989, itens II e IV.

Quanto aos efeitos do descumprimento do uso do ACC em sua finalidade, aduziam nas informações prestadas que:

Em certos casos, o titular do valor em moeda nacional originado dos ACCs em vez de direcioná-los para a atividade produtiva para a qual foram solicitados, desviava-os com fins diversos dos previstos, causando efeitos danosos os interesses da nação.

Esses efeitos ocorrem no setor externo e interno da economia nacional.

Quanto aos efeitos externos, verifica-se, inicialmente, que frustrava-se a geração de divisas, necessárias à formação das nossas reservas cambiais.

Quanto aos efeitos internos, muitas vezes ocorria aplicação dos valores em moeda nacional originados dos ACCs em operações financeiras internas, com interesse na obtenção de uma remuneração vantajosa.

Notável é que tanto a argumentação dos impetrantes quanto a da autoridade impetrada eram semelhantes nos seus fundamentos, mas não atingiam o âmago da questão que era discutir se o encargo financeiro era ou não tributo e a legalidade de sua exigência pelo Estado.

O certo é que não prosperaram as pretensões dos impetrantes que, sistematicamente, tiveram a segurança denegada pelo judiciário que decidiu sempre pela legalidade da cobrança efetuada pelo Banco Central do Brasil nos termos previstos no art. 12 da Lei nº 7.738/89. (Vide Mandado de Segurança - autos nº 92.0075487-2 - Impetrante: Banco Chase Manhattan S.A. - Impetrado: Chefe do Banco Central do Brasil em São Paulo)

Restou aos bancos compradores da moeda estrangeira, como responsáveis tributários, além dessa responsabilidade, arcar com o pagamento do encargo financeiro.

Cobrados, pois, compulsoriamente, por meio do débito do valor do encargo financeiro da sua conta de “Reservas Bancárias” pelo Banco Central do Brasil, viam-se aquelas instituições financeiras na contingência de fazer a cobrança de tais valores dos contratantes inadimplentes das operações de câmbio, valendo-se, muitas vezes, da via judicial.

É a seguinte a decisão final de um dos processos de execução de contrato de câmbio não honrado:

“Contrato de Câmbio (Exportação)

Vendedora de divisas que recebe o numerário antecipadamente e, depois, não exporta as mercadorias, deixando o comprador impossibilitado de se ressarcir do valor adiantado, fica sujeita às sanções do art. 12, da Lei nº 7.738, de 09.03.1989, respondendo pelo pagamento de todos os encargos financeiros decorrentes do contrato inadimplido. Embargos julgados procedentes, em parte. Recurso do Embargado provido e improvido o dos embargantes.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 785.495-7, da Comarca de Franca, sendo apelantes e reciprocamente apelados (...) Ltda. e Outros e Banco (...) S.A.

Acordam, em Segunda câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso.

Trata-se de Embargos opostos por (...) Ltda. E outros à Execução que lhes move o Banco (...) S.A., que foram julgados procedentes, em parte, para o fim de limitar e indicar a forma de apuração do crédito, isto é, considerando-se os valores apontados, via títulos, junto ao Cartório de Protesto, com correção monetária desses apontamentos, pelos índices das TR, com incidência de juros de 0,5% ao mês.

...

É o relatório.

Verifica-se, pela prova documental acostada aos autos da Execução, que as partes celebraram diversos “Contratos de Câmbio de Compra - Tipo 1, Exportação”, através dos quais o Banco (...) S.A. figurava como comprador e a firma (...) Ltda. Como vendedora, envolvendo a moeda estrangeira, o dólar dos Estados Unidos.

...

A vendedora comprometeu-se a entregar ao comprador os documentos de exportação até 29 de fevereiro de 1996; e a liquidação ocorreria em 10 de março de 1996; a forma de entrega da moeda estrangeira era a de crédito em conta e a natureza da operação era a de exportação de mercadorias.

Na realidade, apesar dos termos do contrato, figurando o Banco como comprador e a empresa como vendedora, pelo citado contrato o Banco adianta o dinheiro que a firma receberia pela exportação das mercadorias e, após esta ocorrer, com o pagamento pelo firma importadora, o Banco se ressarciria.

Mas, por esse contrato, como bem salienta o credor, o Banco, no contrato de câmbio, não empresta reais, mas faz uma compra e venda a futuro de moeda estrangeira, e o adiantamento nada mais é do que mera antecipação da fase de execução do contrato.

Com esse tipo de contrato a empresa obtém recursos para exportar e, quando a exportação ocorre, ela tem de entregar os documentos ao Banco, para que este possa receber os dólares.

Mas no caso “sub judice”, o que se observa é que a empresa recebeu os reais correspondentes aos dólares, mas não exportou as mercadorias, de modo que o Banco ficou sem recebê-los.

...

Como já se salientou, o contrato, nos moldes em que está redigido, não espelha a realidade: a firma de calçados não os exportou, recebendo dólares, que está vendendo ao Banco.

Promete exportar os calçados, procura o Banco, para receber, adiantadamente, em reais, os dólares que receberá com a exportação; a instituição financeira adianta esse numerário, mas evidentemente cobrando encargos por essa operação e fica no aguardo da entrega dos documentos referentes à exportação, para poder receber os dólares.

Se a exportação ocorrer, o Banco, com os documentos relacionados com a exportação, receberá as divisas negociadas, pois o importador estrangeiro pagará as mercadorias e o contrato ficará concluído.

Mas, se não houver a exportação das mercadorias ou se o importador não pagar por elas, o Banco ficará sem receber os dólares que adiantou à exportadora.

E, neste caso, esta responderá pelo inadimplemento.

No caso “sub judice” o que se constata é que a denominada vendedora dos dólares não exportou as mercadorias e, portanto, o Banco deixou de receber as divisas, isto é, os dólares que adiantou, passando a executar os “Contratos de Câmbio”. Este é um contrato especialíssimo, com características próprias e regido por legislação também especial.

...

Trata-se de contrato bancário, com cláusulas particulares e especiais, regidas por legislação própria, não se vislumbrando qualquer ofensa ao Código de Defesa do Consumidor.

Conforme salienta Aamy Dornelles da Luz, em sua obra Negócios Jurídicos Bancários:

“O adiantamento sobre contrato de câmbio de exportação configura-se juridicamente como uma antecipação parcial do preço. Já deu margem a muitas dúvidas e controvérsias sobre sua natureza, especialmente por seu caráter nitidamente financeiro, semelhante a um financiamento à produção. Com o valor adiantado, o exportador não precisa recorrer a empréstimos. Por isso viam nele ora um empréstimo, ora uma abertura de crédito, ou mesmo antecipação bancária.

Atualmente não se questiona mais isso.

O fundamento que respalda a prática do adiantamento sobre o contrato foi encontrado no artigo 218 do C. Comercial...” (obra citada, RT, p. 148).

E quanto ao inadimplemento, esse autor afirmou:

“A obrigação principal do vendedor de divisas é entregar no seu devido tempo a documentação relativa a faturamento e embarque juntamente com as cambiais respectivas giradas contra o importador, ou só as últimas quando as primeiras tiverem sido remetidas diretamente ao comprador, uma vez prevista contratualmente essa hipótese. Isto porque a obrigação de entregar a moeda ou responder pela não entrega só será sua se o obrigado principal, o importador, inadimplir. É uma ‘delegatio solvendi’.” (obra citada, p. 149)

E em consonância com esse autor, o inadimplemento se reduz a uma só espécie: do vencimento do contrato, sem satisfação da dívida, o que implica que o vendedor das divisas fique sujeito ao pagamento dos custos financeiros do contrato, tais como diferença de taxa, juros contratados e de mora, deságio, despesas de protesto, etc. ... (pp. 149/150)

No caso “sub judice” o que se constata é que a apelante recebeu o adiantamento em dólares para exportar, isto é, vendeu as divisas e não exportou nenhuma mercadoria, ficando sujeita, portanto, às conseqüências do seu inadimplemento, consoante a legislação que rege a matéria.

Estabelece o art. 12, da Lei nº 7.738, de 9 de março de 1989, que:

“...

As Circulares nos 2.231, de 25 de setembro de 1992, e 2.408, de 2 de março de 1994, estabelecem sanções para o inadimplemento do contrato.

E os encargos incidem até o efetivo pagamento e não até a data do protesto, tão-somente.

...

Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso do embargado, a fim de se incluir no débito exeqüendo todos os encargos pactuados nos títulos, na forma contratada pelas partes e em consonância com a legislação especial que rege esse tipo de contrato.

Em conseqüência, nega-se provimento ao recurso dos embargantes que, em conseqüência, ficam condenados ao pagamento das verbas de sucumbência, arbitrados os honorários advocatícios em quinze por cento (15%) sobre o valor do débito exeqüendo, com todos os seus acréscimos.

Presidiu o julgamento, com voto, o Juiz Morato de Andrade e dele participou o Juiz Ribeiro de Souza (Revisor).

São Paulo, 1 de setembro de 1999.

Alberto Tedesco

Relator”

(1º TACIVIL - 2ª Câm.; Ap. nº 785.495-7 - Franca - SP; Rel. Juiz Alberto Tedesco; j. 1 de setembro de 1999; v. u.). (BAASP, 2156/1380-j, de 24 de abril de 2000 - Compra e Venda de Moeda Estrangeira)

Pode-se avaliar, então, que os bancos autorizados a operar em câmbio viram-se duplamente onerados no caso de serem cobrados no valor dos encargos financeiros no caso de vendedores de moeda inadimplentes. Primeiro, porque devem arcar com o pagamento do valor do encargo, de imediato. E, segundo, porque, no mais das vezes, precisam recorrer ao judiciário para reaver o que pagaram de encargo dos vendedores da moeda estrangeira.

Dessa maneira, o poder público vê-se satisfeito na sua gana arrecadadora, e com mais esse tributo, atinge os seus fins de política econômica, buscando atingir, sempre, e de forma servil, os ditames de organismos financeiros internacionais.

1 RATTI, Bruno. Comércio Internacional e Câmbio. São Paulo : Bentivegna, 1966, p. 62.

2 SOBREIRA, Diógenes Setti. Uma Abordagem aos Aspectos Jurídicos dos Créditos Originários de Adiantamento sobre Contratos de Câmbio, Garantidos por Títulos Cambiais em face da Flutuação das Taxas e de Sucessivas Prorrogações. Revista de Direito Mercantil, São Paulo, nº 51, pp. 45/6.

3 GASTALDI, J. Petrelli. Iniciação ao Curso de Direito Tributário. São Paulo : Saraiva, 1965, pp. 34-36.

4 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2ª ed., 1978, pp. 25-28.

5 MOSQUERA, Roberto Quiroga. Tributação no Mercado Financeiro e de Capitais. 2ª ed. rev. e atual., São Paulo : Dialética, 1999, pp. 120-121.