Direito Tributário Internacional. Acordos de Bitributação. Imposto de Renda: Lucros Auferidos por Controladas e Coligadas no Exterior. Disponibilidade. Efeitos do Artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35 - Parecer

Luís Eduardo Schoueri

Professor dos Cursos de Pós-graduação stricto sensu da Universidade Mackenzie, em São Paulo. Professor na EAESP da Fundação Getúlio Vargas. Diretor Executivo do Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Mestre em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Munique - Alemanha. Doutor e Livre-Docente em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo.

A Consulente, por intermédio de seu Gerente Geral Jurídico, honra-nos com a apresentação da seguinte

Consulta

Como é do conhecimento de V. Sa., a Lei Complementar 104/2001 modificou o artigo 43 do Código Tributário Nacional, determinando que, na hipótese de receita ou rendimento oriundo do exterior, a lei estabeleceria as condições e o momento em que se daria sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto de renda.

Recentemente, a Medida Provisória 2.158-35 tratou deste assunto ao determinar, em seu artigo 74, o momento da tributação no Brasil dos lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior.

De acordo com o referido dispositivo, tais lucros deverão ser considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil na data do balanço no qual tiverem sido apurados pela controlada ou coligada no exterior.

A Consulente possui investimentos em várias empresas localizadas no exterior. Portanto, a forma e o momento de tributação no Brasil dos lucros auferidos por suas controladas e coligadas estrangeiras é de grande importância.

Gostaríamos de consultar V. Sa. acerca da aplicabilidade e alcance das alterações promovidas pela LC 104/201, combinadas com o artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35, especialmente em relação aos seguintes aspectos:

1. Determinação do momento em que o lucro auferido pela empresa estrangeira é disponibilizado para a controladora brasileira, em confronto com a presunção de disponibilização do lucro prevista no mencionado artigo 74;

2. Possibilidade de haver disponibilização de lucros de empresa estrangeira para empresa brasileira, quando esta for sua controladora indireta, em face da impossibilidade da controlada indireta distribuir lucros diretamente para a empresa brasileira. Nesta hipótese, a controlada direta da Consulente, também localizada no exterior para facilitar a consolidação contábil no Brasil, reconhece o resultado da controlada indireta via equivalência patrimonial;

3. Aplicabilidade dos dispositivos constantes nos tratados para evitar a dupla tributação da renda que, no nosso entender, não possibilitam a tributação pelo Brasil de renda potencial, ou seja, lucros não efetivamente distribuídos pela controlada no exterior da empresa brasileira.

Parecer

I. Introdução

1.1 O problema suscitado encontra-se no campo do que doutrinariamente se vem denominando Direito Tributário Internacional. Em síntese, pode-se definir tal disciplina como aquela que estuda o conjunto de normas jurídicas que disciplinam a tributação de fatos econômicos nos quais haja ao menos um elemento de estraneidade.

1.1.1 No caso em tela, apresenta-se a existência de lucros, auferidos no exterior, por coligadas ou controladas de empresa brasileira, submetidos à tributação pátria, conquanto ainda não destacados dos patrimônios daquelas.

1.2 Tendo em vista que a questão produz conseqüências não só nos ordenamentos tributários de cada um dos países envolvidos na relação internacional, mas também no campo dos acordos de bitributação, impõe-se, para a solução do problema proposto, prévio conhecimento das ferramentas oferecidas pelo Direito Tributário Internacional.

1.2.1 Efetivamente, sendo os acordos de bitributação tratados internacionais assinados pelo Brasil que, por força do artigo 98 do Código Tributário Nacional, prevalecem sobre as normas existentes do ordenamento interno, também o intérprete deve conhecer seu teor, antes de concluir acerca dos alcances de uma tributação efetiva.

1.3 Numa explicação figurativa bastante feliz, Vogel ensina que os acordos de bitributação servem como uma máscara, colocada sobre o direito interno, tapando determinadas partes deste. Os dispositivos do direito interno que continuarem visíveis (por corresponderem aos buracos recortados no cartão) são aplicáveis; os demais, não. Pouco interessa se a pesquisa se inicia a partir da máscara ou do texto, já que o resultado é o mesmo; logicamente inexiste qualquer preferência, devendo a pesquisa seguir, caso a caso, o caminho que for mais prático1.

1.3.1 Helmut Debatin, sustentando que o direito interno serve de fundamento para o nascimento da obrigação tributária, enquanto os acordos de bitributação, como lex specialis, servem para limitá-la, gera uma polêmica com Vogel, concluindo ser imposição lógica que primeiro se examine a lex specialis (os acordos). Somente depois de comprovado, a partir do acordo de bitributação, que o Estado Contratante teve preservado pelo acordo seu direito de tributar ou, nos termos como os acordos costumam dizer, os rendimentos “podem ser tributados”, é que se deve examinar a lei interna, para ver se, efetivamente, ocorre a tributação2.

1.3.2 Respondendo às críticas, Vogel esclarece que a questão da ordem de prova, i.e., se o início da pesquisa deve dar-se no direito interno ou no acordo de bitributação, não tem qualquer conseqüência prática, demonstrando, entretanto, que não há qualquer regra lógica que imponha um início pelos acordos nem pelo direito interno3. Debatin publicou uma réplica4 que, por não trazer novos argumentos, não foi respondida por Vogel.

1.3.3 O tema voltou a ser tratado com cuidado por Mössner. Este autor, com rigor científico, alega que no sentido restrito da metodologia jurídica, não se pode falar que um acordo de bitributação seja lex specialis em relação à lei tributária interna. Uma norma só se coloca em relação de especialidade em relação à outra, se apresentar uma hipótese de incidência completa, à qual acrescenta requisitos adicionais. As normas dos acordos de bitributação, entretanto, são incompletas, exigindo serem completadas por meio do direito interno. Materialmente trata-se, pois, de normas de exceção às regras do direito nacional. Assim sendo, conclui Mössner, no mesmo sentido de Vogel, que pouco interessa a ordem com que se enfoca a questão. Pode-se, assim, deixar de lado a regra de exceção, se estiver evidente que a situação fática não se enquadraria na regra geral. O caminho inverso, entretanto, também é viável5. Evidencia-se, aqui, que a polêmica criada por Debatin perde o sentido, quando se conclui que não se está diante de uma lei especial mas de uma regra que excepciona a aplicação do direito interno.

1.3.4 Portanto, é lícito ao jurista examinar o direito interno ou o acordo de bitributação, conforme o caso prático revelar mais fácil. Somente da (i) existência de uma norma de direito tributário interno, prevendo a incidência tributária no caso em análise e, cumulativamente, da (ii) ausência de norma de acordo de bitributação excluindo aquela tributação é que se pode concluir pelo nascimento da obrigação tributária no caso concreto.

1.4 Assim é que o presente parecer, seguindo a metodologia acima descrita, também se propõe a dilucidar a questão, com independência, nos dois momentos: o do direito interno brasileiro e o do direito dos acordos de bitributação.

II. A Tributação dos Lucros no Exterior numa Perspectiva do Direito Interno Brasileiro

Conceitos propedêuticos

2.1 Para que se possa compreender o alcance da legislação que se examina, mister se faz conhecerem-se alguns institutos próprios do Direito Tributário Internacional.

2.1.1 A tributação de situações internacionais - objeto do direito tributário internacional - é uma conseqüência da internacionalização da economia. À medida em que uma nação abre suas fronteiras ao comércio e às transações com outros países, surgem questões de natureza tributária cuja solução não pode ignorar estarem envolvidas pelo menos dois Estados pretendendo exercer - legitimamente - sua soberania.

2.1.2 No campo do imposto de renda, a conseqüência do exercício simultâneo de dois poderes tributários autônomos concentra-se na problemática denominada bitributação internacional, conceituada como “a exigência de impostos semelhantes, por dois (ou mais) Estados, incidentes sobre o mesmo contribuinte e referentes ao mesmo fato e a idêntico período”6.

2.1.3 Em síntese, pode-se dizer que a bitributação se deve ao fato de que cada país é livre para descrever suas hipóteses de incidência tributária, elegendo, no mundo dos fatos, alguns cuja ocorrência permite a exigência tributária. Como uma mesma realidade pode ser percebida a partir de diversos prismas, nada impede que dois ordenamentos, descrevendo fatos geradores completamente distintos, acabem por atingir uma única circunstância fática, dando-se a bitributação internacional.

2.1.4 A doutrina, tomando de empréstimo os ensinamentos do direito internacional privado, denominou “elementos de conexão”7 os aspectos que o legislador tributário elege para avocar a si a competência para a imposição tributária8.

2.1.5 Tendo em vista o abandono do critério da nacionalidade como elemento de conexão no direito tributário internacional (Estados Unidos, México e Filipinas ainda o mantêm), pode-se, de modo geral, dizer que prevalecem, hoje, dois elementos de conexão para a tributação da renda: o local da fonte dos rendimentos e o da residência do contribuinte. Dos conflitos daí resultantes decorre, em regra, a bitributação internacional9.

2.1.6 O conflito entre o “princípio da fonte” e o “princípio da residência” é a forma mais moderna para se qualificar o que antes se entendia como o “princípio da territorialidade da tributação”.

2.1.6.1 Efetivamente, quando se questiona a existência, ou não, de um “princípio da territorialidade”, pode-se estar falando de fenômenos diversos, cuja distinção se impõe antes que se possa firmar posição sobre o tema.

2.1.6.2 Como anotou Xavier, numa primeira acepção, o princípio da territorialidade apenas afirma que as leis tributárias internas se aplicam no território nacional de modo generalizado, inclusive aos não nacionais (territorialidade em sentido positivo), vedada a aplicação de leis estrangeiras pelos órgãos de jurisdição local (territorialidade em sentido negativo)10. Neste sentido, poder-se-ia dizer que o princípio da territorialidade é plenamente aceito.

2.1.6.3 Em outra acepção o princípio da territorialidade é aplicado na distinção entre a territorialidade em sentido material e formal, o último referindo-se à impossibilidade de a lei tributária ser imposta fora dos limites do território (o que implicaria uma violação, por um Estado, da soberania exercida por outro). Em sentido material, o princípio da territorialidade diria respeito, apenas, ao alcance abstrato das normas (i.e., acerca da possibilidade de a lei tributária contemplar fatos ocorridos em território estrangeiro)11.

2.1.6.3.1 Ensina Vogel que a inexistência de um princípio de direito internacional que impeça que uma lei atinja situações ocorridas no exterior (territorialidade material) já foi objeto de pronunciamento pela Corte Permanente de Justiça Internacional que, em decisão de 1927, no caso “Lotus”, julgou ser possível a extensão da lei de um país a situações ocorridas no exterior12. “Lotus” era uma embarcação francesa que, em 1926, colidiu com um barco turco, o “Boz-Kourt” que afundou, atingindo oito pessoas. Chegando o “Lotus” a Constantinopla, o oficial francês Desmons, convocado pelas autoridades locais a prestar depoimento, acabou sendo condenado a noventa dias de prisão por homicídio culposo, juntamente com o capitão do navio turco. O governo francês protestou contra a decisão, que acabou sendo levada à Corte Permanente. A Corte decidiu que a independência dos Estados é a regra em direito internacional; limitações a tal independência não se presumem, somente podendo decorrer de acordos internacionais ou de princípios de direito geralmente reconhecidos pelas nações civilizadas. No caso, o ato da Turquia não contrariava qualquer princípio de direito nem se limitava por acordos internacionais. Fixava-se, destarte, o princípio de que a liberdade dos Estados somente se limita por acordos internacionais ou por princípios comuns13, afastando-se, destarte, a territorialidade em sentido material. Na doutrina voltada ao direito tributário internacional, também se afasta a existência de um princípio da territorialidade em sentido material14.

2.1.6.4 Finalmente, refere-se Xavier à territorialidade em sentido pessoal e em sentido real, exigindo o primeiro que a tributação se limite a atingir pessoas sediadas, domiciliadas ou residentes no território, enquanto em sentido real, a territorialidade exigiria que a situação tributada tivesse vínculo com o território (local da fonte de produção ou pagamento de um rendimento, o local do estabelecimento permanente, o local do exercício da atividade ou da situação do bem etc.)15. Bulhões Pedreira denomina “econômico” o critério da determinação da competência tributária baseado no local da produção do rendimento e “político” o critério baseado no local de residência do beneficiário do rendimento16. A territorialidade em sentido real é o que a doutrina denomina, hoje, de princípio da fonte, enquanto o princípio da residência se vincula à territorialidade em sentido pessoal.

2.1.7 Rigorosamente, o conflito fonte versus residência não se confunde com o da territorialidade versus universalidade: no primeiro caso, estar-se-á falando em conexão da situação a um território, enquanto no último, falar-se-á em extensão do poder de tributar17. Assim se entende que a territorialidade poderá ser empregada tanto para a definição dos sujeitos passivos da obrigação tributária (caso em que somente as pessoas físicas residentes no País e as pessoas jurídicas ali sediadas é que estarão sujeitas à tributação) quanto da renda sujeita ao imposto18.

2.1.7.1 Via de regra, a aplicação do critério da fonte (territorialidade material na definição da renda sujeita ao imposto) implica uma limitação do alcance da lei tributária (beschränkte Steuerpflicht). Teoricamente, entretanto, nada impede que a lei tributária, pretendendo alcançar certa situação ocorrida em seu território (fonte), leve em consideração circunstâncias que ultrapassam os limites de seu território. Tal seria o caso, por exemplo, se o Estado da fonte do rendimento aplicasse alíquotas progressivas, exigindo que o contribuinte informasse o total de seu rendimento (universalidade), para a fixação do quantum devido.

2.1.7.2 Do mesmo modo, não há vinculação obrigatória entre o princípio da residência e a universalidade da tributação, podendo o Estado que adota o critério da residência da tributação limitar o alcance de sua lei a circunstâncias ocorridas em seu território. Tal o caso, por exemplo, quando não se levam em consideração manifestações de capacidade econômica ocorridas fora do território, para a fixação da alíquota progressiva a que se deve sujeitar o contribuinte.

Do princípio da territorialidade ao princípio da universalidade no direito brasileiro

2.2 No que concerne à tributação de não residentes, a tradição do imposto de renda brasileiro, até 1939, sempre esteve alicerçada na limitação de seu alcance a situações ocorridas no País (critério de fonte de produção).

2.2.1 Fundamentava-se a postura legislativa brasileira no princípio da soberania, de onde decorreria a territorialidade em sentido material. Destarte, não se poderia aceitar a incidência do imposto de renda sobre rendimentos decorrentes de atos ou contratos ocorridos no exterior, ainda que a fonte pagadora estivesse sujeita à soberania brasileira.

2.2.2 Ilustrativo, neste sentido, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal:

“Imposto de Renda. Juros remetidos para o exterior, como parte de pagamento de material importado, adquirido por contrato celebrado fora do País, e de vendedor que não opera no Brasil. Não se trata de rendimentos auferidos no Brasil, e, assim, não pode incidir a lei tributária brasileira, pois a prerrogativa de tributar é inerente à soberania, só podendo incidir sobre os nacionais ou sobre negócios ocorridos em território nacional. Recurso extraordinário da União não conhecido.” (RE 71.077-SP. DJU 26.3.71, p. 1.149 - Rel. Luiz Gallotti)

2.2.3 Não obstante, o estudo da evolução do imposto de renda no Brasil19 revela que já há muito se adotou, no País, para as pessoas físicas, o princípio da universalidade da tributação, presentemente positivado no § 4º do art. 3º da Lei 7.713/88, verbis;

“§ 4º - A tributação independe da denominação dos rendimentos, títulos ou direitos, da localização, condição jurídica ou da nacionalidade da fonte, da origem dos bens produtores da renda, e da forma de percepção das rendas ou proveitos, bastando, para a incidência do imposto, o benefício do contribuinte por qualquer forma e a qualquer título.”

2.2.4 No que se refere às pessoas residentes ou domiciliadas no exterior, estas somente passaram a ser atingidas pelo imposto brasileiro em 1968, por meio do Decreto-lei nº 401, de 30 de dezembro de 1968. Naquela oportunidade, entretanto, o legislador, em vez de nomear contribuinte do imposto o beneficiário do rendimento, pretendeu transformar em fato gerador a remessa de juros, sendo contribuinte o remetente:

“Art. 11 - Está sujeito ao desconto do Imposto de renda na fonte o valor dos juros remetidos para o exterior, devidos em razão da compra de bens a prazo, ainda quando o beneficiário do rendimento for o próprio vendedor.

Parágrafo único - Para os efeitos deste artigo, consideram-se fato gerador do tributo a remessa para o exterior e contribuinte o remetente.”

2.2.5 Nota-se, aqui, que o legislador ainda tinha pejo em considerar contribuinte do imposto brasileiro o residente ou domiciliado no exterior. Ao nomear contribuinte (não meramente responsável) o remetente dos recursos, acabou por criar um imposto sobre dispêndios, taxado de inconstitucional pela doutrina da época20.

2.2.6 Hoje, a tributação de não residentes está regulamentada nos artigos 682 e seguintes do vigente Regulamento do Imposto de Renda.

2.2.7 Finalmente, no que tange às pessoas jurídicas brasileiras, até 1995 vigiu norma afastando do alcance da tributação pátria os rendimentos produzidos fora do País (territorialidade material).

2.2.7.1 Uma primeira tentativa de se abolir o critério da territorialidade material na fixação da base de cálculo do imposto de renda das pessoas jurídicas deu-se por meio do Decreto-lei nº 1.987, cujo artigo 7º dispôs que “serão computados no lucro real das pessoas jurídicas de direito privado domiciliadas no País os resultados obtidos no exterior, diretamente ou através de filiais, sucursais, agências ou representações”; o parágrafo único do mesmo dispositivo acrescentava que “o imposto de renda pago no exterior será considerado redução do imposto de renda brasileiro, mas a redução não poderá implicar imposto menor que o que seria devido sem a inclusão dos resultados obtidos no exterior”. Tal norma foi logo substituída pelo artigo 8º do Decreto-lei nº 2.413, de 10 de fevereiro de 1987, segundo o qual passavam a ser “computados no lucro real das pessoas jurídicas de direito privado, domiciliadas no País, os resultados obtidos no exterior, diretamente ou através de subsidiárias, filiais, sucursais, agências ou representações”. Conforme anota Alberto Xavier, a inserção do Brasil entre os países que tributam a renda mundial das pessoas jurídicas ali domiciliadas implicaria um avanço além do que já se conhecia na legislação norte-americana e inglesa, já que estes países tributavam apenas os resultados das “explorações diretas”, enquanto o Decreto-lei nº 2.413/87 alcançava também as “explorações indiretas” através de subsidiárias, “à semelhança do lucro consolidado previsto na França que, porém, só o admite a título excepcional e a requerimento do contribuinte”21.

2.2.7.2 A tributação da renda mundial das pessoas jurídicas foi, entretanto, expressamente afastada de nosso regime jurídico, dois meses depois de sua introdução, pelo artigo 15 do Decreto-lei nº 2.429, de 15 de abril de 1988, consolidando-se, assim, o critério da territorialidade material no artigo 337 do Regulamento do Imposto de Renda editado em 1994 (Decreto 1.041/94 - RIR/94), verbis:

“Art. 337. O lucro proveniente de atividades exercidas parte no País e parte no exterior somente será tributado na parte produzida no País.

§ 1º. Considera-se lucro de atividades exercidas parte no País e parte no exterior o proveniente:

a) das operações de comércio e outras atividades lucrativas iniciadas no Brasil e ultimadas no exterior, ou vice-versa;

b) da exploração de matéria-prima no território nacional para ser beneficiada, vendida ou utilizada no exterior, ou vice-versa;

c) dos transportes e meios de comunicação com os países estrangeiros.

§ 2º. Para os efeitos da alínea “c” do parágrafo anterior, serão considerados:

a) resultados produzidos no País;

b) resultados produzidos no exterior aqueles derivados de fontes estrangeiras, provenientes de fretes, passagens ou outros, recebidos ou a receber de fontes sediadas, domiciliadas ou estabelecidas no exterior, irrelevante o local em que tal pagamento se efetue.

§ 3º.(...)

§ 4º. Se a pessoa jurídica que explorar atividades nas condições previstas neste artigo não puder apurar separadamente o lucro operacional produzido no País, será ele estimado ou arbitrado como equivalente a vinte por cento da receita bruta de vendas e serviços.

2.2.7.3 Coerentemente com a territorialidade material, o legislador limitava a tributação aos rendimentos de fonte brasileira.

2.2.7.4 O dispositivo legal acima é uma boa amostra do que já dizia Vogel, quando notou que a unanimidade acerca da legitimidade da tributação pelo Estado da fonte se encerra no momento em que esta é abstrata, já que o termo “fonte” não tem significado unívoco (“‘source’ is not self-defining”), variando de país a país e, mesmo em um mesmo país, conforme o contexto22.

2.2.7.5 Nos termos da legislação acima reproduzida, o critério da fonte apresenta dois sentidos, que se costumam denominar “fonte de produção” e “fonte de pagamento”, o primeiro de índole econômica, exigindo um nexo causal entre a renda e o fato que a determina e o segundo numa acepção fática, identificada com aquele de cujo patrimônio foram extraídos os recursos para o pagamento23. A regra era a tributação sujeita ao regime da “fonte de produção” (somente será tributado na parte produzida no País), excepcionando-se os serviços de transporte e de comunicação, cujas especificidades tornam difícil a determinação de um “local” onde se situaria sua produção24.

2.2.7.5.1 Mesmo nos casos, entretanto, em que não haja dúvida sobre a necessidade de aplicação do regime de “fonte de produção”, o aplicador da lei pode ver-se, com freqüência, diante de incerteza sobre sua localização. Assim, por exemplo, onde se produziu o rendimento decorrente da venda de um bem por uma pessoa residente no Estado A a outra no Estado B, se referido bem está estocado no Estado C e foi produzido no Estado D? A mera eleição do princípio da “fonte” não exclui de qualquer desses Estados a pretensão tributária, já que, nos termos da lição de Bulhões Pedreira, deve-se entender “como originária do Estado a renda produzida no território nacional, ou derivada de atividade exercida nesse território”25. Nos termos do dispositivo legal acima transcrito, poderia o Brasil pretender tributar o lucro auferido por pessoa jurídica aqui sediada, qualquer que fosse sua situação no exemplo dado, já que estaria caracterizado, sempre, lucro decorrente do “exercício de função empresarial no território nacional e, conseqüentemente, organização de produção, ou empresa, aqui localizada”26.

2.2.7.5.2 A par de tais hipóteses, em que se configura o lucro decorrente da produção, pela empresa, em seu próprio nome, deviam ser somados, como conformes ao princípio da territorialidade material então disciplinado pelo art. 337 do RIR/94, os rendimentos recebidos pela empresa em troca da cessão a terceiros do uso de fatores de produção de sua propriedade (aluguéis, juros, “royalties” ou assistência técnica), desde que os cessionários do uso dos fatores de produção fossem pessoas que exercessem atividade no território nacional, as participações no lucro produzido no País ganho por outra pessoa jurídica, as subvenções correntes recebidas de pessoas residentes ou domiciliadas no país e os ganhos de capital auferidos na alienação de bens aqui situados27.

A Lei 9.249/95, a Instrução Normativa (SRF) 38/96 e a Lei 9.532/97

2.3 No que se refere às pessoas jurídicas, o Princípio da Universalidade somente foi introduzido pela Lei 9.249/95.

2.3.1 Considerando-se a diminuta parcela de empresas brasileiras com envergadura suficiente para atuar no exterior e o fato de ser o Brasil um país predominantemente importador de capital, não haveria, em tese, motivos para a adoção do Princípio da Universalidade. Entretanto, uma incursão à exposição de motivos contida no Projeto de Lei levado ao Congresso Nacional, nos revela o verdadeiro intento do legislador:

“14. Adota-se, com a tributação da renda auferida fora do País, medida tendente a combater a elisão e o planejamento fiscais, uma vez que o sistema atual - baseado na territorialidade da renda propicia que as empresas passem a alocar lucros a filiais ou subsidiárias situadas em ‘paraísos fiscais’. Intenta-se, ainda, harmonizar o tratamento tributário dos rendimentos, equalizando a tributação das pessoas jurídicas à das pessoas físicas, cujos rendimentos externos já estão sujeitos ao imposto de renda na forma da legislação em vigor.”

2.3.2 Fica bem evidente no trecho reproduzido a preocupação do legislador no sentido de buscar mecanismos de combate à evasão fiscal praticada por meio de empresas constituídas no exterior, submetendo à tributação brasileira o rendimento estrangeiro. Assim, o abandono, por parte do Brasil, da aplicação estrita do Princípio da Territorialidade, tão arraigado nos países latino-americanos, se deu como reação à migração e alocação do capital em países de menor tributação.

2.3.3 Já naquela oportunidade, à semelhança do que ora se propõe por meio do artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35, pretendia o legislador que a tributação, pela empresa brasileira, dos lucros auferidos por controladas e coligadas no exterior se desse no próprio período em que fossem eles auferidos pelas últimas, independentemente de qualquer ato tendente a sua disponibilização. A pretensão do legislador não escapou de críticas, quando assim concluíamos:

“4.5.6.8.2 Imediata a conclusão de que, na sistemática do Código Tributário Nacional - na qual se insere a definição de renda - vedada é a tributação, pela União, de lucros ou dividendos ainda não distribuídos.

4.5.6.9 Conclui-se, pois, que - malgrado a intenção do legislador federal - os lucros auferidos por controladas e coligadas de empresas brasileiras no exterior não podem ser acrescidos ao lucro real da sócia brasileira, enquanto não forem efetivamente distribuídos (desde que, obviamente, a legislação do país onde se situa a controlada ou coligada não exija a automática e integral distribuição dos lucros).”28

2.3.4 Diante da falta de respaldo legal, houve por bem o fisco federal, através da Instrução Normativa (SRF) nº 38/96, determinar que a tributação somente se desse no momento da disponibilização dos lucros no exterior. O mesmo instrumento normativo definia, ainda, o que entendia por “lucro disponibilizado”.

2.3.4.1 Em tais circunstâncias, configurava-se o seguinte paradoxo: a Lei 9.249/95, ao pretender tributar lucros ainda não disponibilizados, era inconstitucional, por eleger fato gerador que não correspondia à definição do artigo 43 do Código Tributário Nacional. Já a Instrução Normativa 38/96, posto que definindo fato gerador conforme o Código Tributário Nacional, deslocava o seu aspecto temporal para momento posterior ao concebido pelo legislador ordinário. Tendo em vista que somente a lei (e não a Instrução Normativa) é que pode definir o fato gerador da obrigação tributária (inclusive em seu aspecto temporal), não servia aquele instrumento normativo para instituir obrigação tributária válida.

2.3.5 Finalmente, em dezembro de 1997, foi editada a Lei 9.532, cujo artigo 1º, notoriamente inspirado na ilegal Instrução Normativa 38/96, definia como fato gerador do imposto de renda o lucro auferido no exterior, quando disponibilizado:

“Art. 1º. Os lucros auferidos no exterior, por intermédio de filiais, sucursais, controladas ou coligadas serão adicionados ao lucro líquido, para determinação do lucro real correspondente ao balanço levantado no dia 31 de dezembro do ano-calendário em que tiverem sido disponibilizados para a pessoa jurídica domiciliada no Brasil.

§ 1º. Para efeito do disposto neste artigo, os lucros serão considerados disponibilizados para empresa no Brasil:

a) no caso de filial ou sucursal, na data do balanço no qual tiverem sido apurados;

b) o caso de controlada ou coligada, na data do pagamento ou do crédito em conta representativa de obrigação da empresa no exterior.

§ 2º. Para efeito do disposto na alínea b do parágrafo anterior, considera-se:

a) creditado o lucro, quando ocorrer a transferência do registro de seu valor para qualquer conta representativa de passivo exigível da controlada ou coligada domiciliada no exterior;

b) pago o lucro, quando ocorrer:

1. o crédito do valor em conta bancária, em favor da controlada ou coligada no Brasil;

2. a entrega, a qualquer título, a representante da beneficiária;

3. a remessa, em favor da beneficiária, para o Brasil ou para qualquer outra praça;

4. o emprego do valor, em favor da beneficiária, em qualquer praça, inclusive no aumento de capital da controlada ou coligada no exterior.(...)”

2.3.6 Fica claro, portanto, que a sistemática vigente até o final de 2000 previa, em plena conformidade com o artigo 43 do Código Tributário Nacional, que a tributação somente se efetivasse quando disponibilizado o lucro para o titular da renda.

A Lei Complementar 104/2001

2.4 Com a edição da Lei Complementar 104/2001 adicionou-se ao artigo 43 do Código Tributário Nacional um segundo parágrafo com a seguinte redação:

“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza, tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

(...)

§ 2º Na hipótese de receita ou rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo.”

2.4.1 Da leitura dos dispositivos acima transcritos, nota-se que o referido § 2º não constitui uma exceção à regra disposta no caput; antes, complementa-a para o caso particular.

2.4.1.1 Por se tratar de aspecto crucial, é bom que a afirmação acima fique bem demonstrada.

2.4.1.2 Nos termos da Lei Complementar nº 95/2000, que versa sobre as técnicas de redação de leis, um parágrafo introduzido em um artigo legal pode ter a função de complementá-lo ou excepcioná-lo. Cabe ao intérprete investigar, em cada caso, a função do parágrafo:

“Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas:

(...)

III - para a obtenção de ordem lógica:

(...)

c) expressar por meio de parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida; (...).”

2.4.1.2.1 Ora, a regra excepcional é aquela que se coloca em lugar da geral: o aplicador da norma decide se aplica ou a regra geral, ou a excepcional, conforme o caso; a regra complementar, por sua vez, se aplica em adição à regra geral.

No caso em análise, vê-se que a aplicação isolada da regra inserida no parágrafo não teria sentido. Fosse o parágrafo uma norma excepcional, então se teriam no dispositivo em análise, dois fatos geradores distintos para o imposto de renda: o (geral) descrito no caput e o (excepcional) do parágrafo em comento.

2.4.1.2.2 Ocorre que o referido parágrafo não é completo. Ele apenas autoriza que lei defina as condições e o momento em que se dará a disponibilidade da receita ou rendimento oriundos do exterior. Esta disponibilidade, por sua vez, é aquela a que se refere o caput do artigo 43.

2.4.1.2.3 Fica patente, portanto, que o § 2º do artigo 43 não dispensa o requisito da existência de disponibilidade, para fins de incidência do imposto de renda; apenas delega ao legislador ordinário a competência para definir as condições e o momento em que esta se dará.

Disponibilidade econômica ou jurídica

2.5 Diante da constatação de que o fato gerador do imposto de renda continua a exigir a disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou de proventos de qualquer natureza, mister o conhecimento do que se compreende em tais conceitos.

2.5.1 Numa primeira aproximação, tal exame exige que se investigue se há diferenças entre a disponibilidade “econômica” e a “jurídica”.

2.5.1.1 Em seu consagrado estudo crítico sobre o artigo 43 do CTN, Brandão Machado29 estabelece a relação entre renda e direito, sob o argumento de ser o patrimônio de uma pessoa sempre composto de direitos e, por decorrência, qualquer acréscimo, será sempre de direitos. Para esse jurista, se o contribuinte aufere renda ou provento sobre os quais detenha direito de propriedade, esse direito será real; caso o rendimento seja exigível no futuro, o direito será de crédito ou pessoal. E conclui de forma peremptória: “Rendas e proventos, portanto, são sempre objeto de direito real ou pessoal, mas sempre objeto de direito.30

2.5.1.2 Centra Brandão Machado sua crítica ao artigo 43 no emprego, por esse dispositivo, de expressões que, segundo ele, não trazem qualquer definição. Refere-se especificamente à expressão “disponibilidade econômica” ou “jurídica”, que poderia ser subtraída do artigo sem qualquer prejuízo para sua compreensão.

2.5.1.3 E observa argutamente: “Fica difícil explicar uma disponibilidade econômica de acréscimo de direitos. Se o acréscimo é sempre de direitos, não há como conceber que possam estar economicamente disponíveis. Todo acréscimo de direitos (reais ou pessoais, e, portanto, patrimoniais) estará necessariamente disponível, pelo fato singular de que os direitos acrescem ao patrimônio.”31

2.5.1.4 A inserção do termo “disponibilidade econômica ou jurídica”, atribui Brandão Machado à influência sofrida por Rubens Gomes de Sousa da doutrina alemã que superestima o econômico face ao jurídico.

2.5.1.4.1 Marcam indelevelmente o projeto de Rubens Gomes de Sousa as obras de Enno Becker e Dino Jarach, responsáveis pela elaboração dos códigos tributários alemão e o da província de Buenos Aires, respectivamente.

2.5.1.4.2 Becker insere no Direito Tributário o conceito de intepretação econômica, pelo qual sobreleva-se o aspecto econômico ao meramente jurídico. Jarach, por sua vez, alinhou-se à teoria de Becker relativa à interpretação econômica da norma tributária advogando a idéia de que “o poder sobre a renda vale mais que minúcias do título”32.

2.5.1.4.3 É principalmente pela sobreposição da feição econômica do fato tributável ao seu aspecto jurídico, que a influência dos autores citados no parágrafo anterior se fazem sentir na obra de Rubens Gomes de Sousa. Assim, segundo essa concepção, a aplicação da lei tributária se deveria ater aos resultados obtidos pelos negócios praticados pelo contribuinte. Em outras palavras, o fato gerador deveria atribuir maior ênfase à disponibilidade econômica que à jurídica, prevalecendo sobre o seu aspecto formal.

2.5.1.4.4 Posteriormente, Gomes de Sousa definiu o fato gerador, de forma mais específica, como sendo a disponibilidade de riqueza nova, em dinheiro ou suscetível de avaliação em dinheiro, proveniente do capital, do trabalho ou da combinação de ambos. Esta concepção do fato gerador foi defendida na época da elaboração do projeto, daí a sua aproximação com a atual redação do artigo 43 do CTN.

2.5.1.5 O fato é que o próprio autor do projeto do Código Tributário Nacional mostrou-se dúbio no uso dessas expressões. No ano de 1970, Rubens Gomes de Sousa estabeleceu33 a diferença entre as duas figuras, definindo disponibilidade econômica como o rendimento ou o provento realizado, e disponibilidade jurídica como o rendimento ou o provento adquirido, entretanto, ainda não realizado.

2.5.1.6 Em outra ocasião34, ainda naquele mesmo ano, o jurista indicou que a distinção entre os dois termos reside na diferença entre realização e separação do rendimento. Nesse sentido, disponibilidade econômica corresponderia à realização de uma riqueza, sendo realização definida como a verificação efetiva ou potencial de um acréscimo de valor patrimonial a que o titular do rendimento tem direito adquirido (ou virá a ter) em razão do título jurídico. No tocante à disponibilidade jurídica, sustentava Gomes de Souza, refere-se à separação do rendimento, à possibilidade de dele dispor, como a colheita do fruto produzido, mencionando como exemplos os dividendos e os lucros distribuídos por uma empresa.

2.5.2 A distinção entre disponibilidade econômica e disponibilidade jurídica tem suscitado caloroso debate na doutrina brasileira, encontrando-se os mais variados entendimentos.

2.5.2.1 Ricardo Mariz de Oliveira35 e José Eduardo Soares de Melo36, desenvolvem argumentação segundo a qual a disponibilidade jurídica estaria atrelada ao conceito de situações tuteladas legalmente, abrangendo todas as operações pelo Direito previstas e relacionadas ao trabalho e ao capital, tal como os salários, honorários, preços e juros. Por outro lado, disponibilidade econômica designaria, na perspectiva dos citados autores, a disponibilidade não jurídica, ou seja, o acréscimo decorrente de uma situação de fato não prevista pelo Direito como, por exemplo, a renda advinda de atividades ilícitas.

2.5.2.2 Ainda que respeitáveis, as vozes dos autores não encontram eco. Realmente, para a grande maioria dos estudos dedicados ao tema, a disponibilidade econômica traduziria a efetiva aquisição de renda, o seu efetivo recebimento ou, em palavras mais precisas, a receita realizada. Em contrapartida, a disponibilidade jurídica implica o direito a um crédito, ou seja, uma receita a realizar37.

2.5.2.2.1 Nesse sentido, os ensinamentos de Bulhões Pedreira, para quem a “disponibilidade jurídica é a presumida por força de lei, que define como fato gerador do imposto a aquisição virtual e não efetiva, do poder de dispor de renda. A disponibilidade é virtual quando já ocorreram todas as condições necessárias para que se torne efetiva”38.

2.5.2.2.2 Bulhões Pedreira39 destacou ainda que a disponibilidade de renda é a faculdade de utilizá-la prontamente (disponibilidade econômica), e que a aquisição do direito de receber a renda (disponibilidade jurídica) ainda não corresponde à aquisição do poder de utilização, limitando-se a configurar uma faculdade de obtê-la.

2.5.2.3 Também digna de nota, a doutrina de Luciano da Silva Amaro40, que se traduz no argumento de não serem disponibilidade econômica e disponibilidade jurídica conceitos que se possam fracionar, ou seja, não são alternativos. A questão seria, para ele, tipicamente terminológica, e a distinção feita pelo CTN teria o mero fito de justificar a tributação da renda já no momento em que, tendo sido produzida, se incorpore ao patrimônio do titular, seja na forma de dinheiro, bens ou créditos.

2.5.2.4 A idéia mais difundida e aceita propugna pela distinção entre disponibilidade econômica e disponibilidade jurídica, nos seguintes termos: disponibilidade econômica da renda seria “a posse física e efetiva do numerário que acresce ao patrimônio. Configura-se pelo recebimento financeiro da renda. A disponibilidade jurídica é a posse do direito à renda, representada por um bem ou um crédito líquido e certo, que embora temporariamente não represente a posse física da renda, já se agregou ao patrimônio da pessoa jurídica, sendo esta legalmente capacidade a dispor deste direito”41.

2.5.2.5 Destarte, a diferenciação entre disponibilidade econômica e disponibilidade jurídica da renda tem por escopo, no primeiro caso, alcançar os rendimentos que ingressam efetivamente no patrimônio do contribuinte, passando a lhes ser economicamente disponíveis, como também, no segundo caso, de modo potencial, quando a disponibilidade decorre de um título jurídico que atribui o domínio de uma determinada riqueza ao contribuinte, muito embora não possua ele ainda meios para dela dispor em caráter efetivo ou concreto.

2.5.2.6 Conforme salienta Wagner Balera42, tanto a disponibilidade econômica quanto a disponibilidade jurídica da renda são fatos que, embora tributáveis, distinguem-se pela própria atribuição que lhes é dada pela ordem jurídica, seja em razão do efetivo recebimento de rendimentos (modus adquirendi), seja pela obtenção do direito (titulus adquirendi) que habilita a aquisição da disponibilidade econômica, ainda que potencialmente. Noutras palavras, a aquisição da disponibilidade econômica traduz-se pelo ingresso físico da renda no patrimônio do contribuinte, ao passo que a aquisição da disponibilidade jurídica implica apenas o ingresso formal dos rendimentos no patrimônio do titular.

2.5.2.7 Não se pode deixar de mencionar a existência de autores que admitem como aquisição de disponibilidade jurídica o recebimento de contraprestação que, embora não seja monetária, consista em bens de pronta, fácil e certa liquidação ou conversão em dinheiro (“quasi-moeda”). Assim, a rigor, os conceitos de aquisição de disponibilidade jurídica e de aquisição de disponibilidade econômica ficariam intimamente vinculados, na medida em que a primeira dependeria, para caracterizar o fato gerador do tributo, de uma quase subsunção na segunda43.

2.5.3 As diversas visões acima reproduzidas servem para mostrar o quanto é possível divergir acerca das diferenças entre as disponibilidades “econômica” e “jurídica”. Ao mesmo tempo, fica claro que para os autores que encontram diferenças entre os dois conceitos, aparecem eles como complementares de um único gênero: a disponibilidade.

2.5.3.1 A referência do legislador à disponibilidade “econômica” ou “jurídica” não teve o escopo de escolher duas das diversas espécies de “disponibilidades” existentes. Ao contrário, qualquer que seja o conceito adotado, nenhum autor cogita de uma terceira espécie de “disponibilidade”, além da “econômica” e da “jurídica”. Buscou o legislador, portanto, ao se referir à “disponibilidade econômica ou jurídica” esgotar o gênero “disponibilidade”, à semelhança de outros textos legais, que se referem a “bens móveis ou imóveis”, “corpóreos ou incorpóreos” etc.

2.5.3.2 Noutras palavras: a “disponibilidade” ou será econômica ou será jurídica. Se não for econômica, será pelo menos jurídica. Se não for jurídica, será pelo menos econômica. Se não for nem econômica, nem jurídica, não haverá que se falar em “disponibilidade”.

2.5.4 Assim, fica claro que, em lugar de se cogitar da diferenciação entre disponibilidade econômica e jurídica, mais útil é saber o que é disponibilidade.

Disponibilidade como medida de capacidade contributiva

2.6 Para que se compreenda o conceito de “disponibilidade”, mister compreender que foi ele empregado pelo legislador complementar na definição do tipo referido pelo constituinte na previsão do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Tal premissa é relevante, porque lembra que o legislador complementar faz é dar contornos jurídicos a um fenômeno econômico indicativo de capacidade contributiva44.

2.6.1 Deveras, a inclusão do princípio da igualdade entre as limitações constitucionais ao poder de tributar - artigo 150 da Constituição Federal - a par da previsão genérica da isonomia, incluída no artigo 5º do mesmo texto constitucional impõe ao jurista a conclusão de que o nosso constituinte deu especial relevância a este princípio, verdadeiro pilar do Estado de Direito.

2.6.1.1 Do texto constitucional, por sua vez, verifica-se que não se impõe o tratamento igual a pessoas que se encontrem em situação idêntica, mas àqueles contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Extrai-se, daí, que o constituinte reconheceu que a igualdade é sempre relativa. É, aliás, o que já ensina Klaus Tipke:

“A igualdade, que se distingue da identidade, é sempre relativa; o que é completamente igual é idêntico; o princípio de que o igual deve ser tratado igualmente não quer dizer idêntico, mas relativamente igual. Quando se pretende aplicar corretamente o princípio da igualdade, deve-se apuar a exata relação, pergunta-se: igual em relação a quê (em que relação?). Quaisquer diferenças podem, pois, não justificar o tratamento desigual; para a comparação relativa torna-se necessário um critério de comparação. Logra-se extrair um critério concreto de comparação do princípio de sistematização, isto é, do motivo ou da valoração que constitui o fundamento da lei. O princípio é o critério de comparação ou de justiça estabelecido compulsoriamente pelo legislador para determinados assuntos legalmente disciplinados.”45

2.6.1.2 Vê-se, pois, da lição do professor emérito da Universidade de Colônia, que a aplicação do princípio da igualdade impõe que se paute o legislador por certos parâmetros (critérios de comparação) para diferenciar aqueles contribuintes que não se encontrem “em situação equivalente”.

2.6.1.3 Mais recentemente, num verdadeiro tratado (três volumes) versando sobre o ordenamento tributário, Tipke voltou a demonstrar que o princípio da igualdade exige a aplicação coerente dos parâmetros adotados pelo legislador.

2.6.1.4 Tratando-se de obra de fôlego, Tipke debruçou-se sobre a questão que interessa ao presente caso: não se põe em dúvida de que a liberdade do legislador, em matéria tributária, é bastante ampla; o que importa saber é se, uma vez tendo o legislador eleito certos critérios, pode ele aplicá-los aleatoriamente ou, ao contrário, impõe-se sua adoção consistente.

2.6.1.5 Note-se que Tipke já não se limita a dizer que o aplicador da lei deve tratar igualmente a todos os contribuintes. Ele discute até mesmo a liberdade do legislador, na criação de normas tributárias. Vale a pena, assim, ler o que ensina o catedrático emérito de Colônia, conforme se traduz livremente:

“A idéia de generalidade do conceito de justiça fundamenta-se no princípio da igualdade. Por isso, o princípio da igualdade exige substancialmente conseqüência valorativa da coerência. O legislador deve seguir até o fim os princípios materiais pelos quais ele se decidiu com coerência sistêmica ou valorativa; uma vez tendo ele tomado decisões valorativas, deve ele mantê-las coerentemente. Inconseqüência é medir com duas medidas, é uma ruptura sistêmica e leva a tratamento desigual de grupos que se encontram em situação equivalente, se medidas de acordo com os critérios originais que servem para a comparação.”46 (grifos nossos)

2.6.1.6 Embora escrita sob premissas do direito alemão, não há como deixar de estender as conclusões ao direito pátrio, tendo em vista que optou o contribuinte brasileiro por repetir, no âmbito tributário, o princípio da igualdade47.

2.6.1.7 Vê-se, assim, que uma vez eleitos os princípios básicos para a instituição de determinado imposto, fica o legislador obrigado a aplicar coerentemente os princípios que ele mesmo elegeu, sob pena de ferir o princípio da igualdade. Confira-se:

Sem a adoção de princípios, não há como comparar, carecendo a aplicação do princípio da igualdade de uma medida e, portanto, de uma fundamentação. Só à luz dos princípios abrangentes e relevantes é que se pode dizer se o princípio da igualdade foi observado ou ferido. Entretanto, pela falta de um parâmetro de comparação, a inexistência de princípios, o caos jurídico, não provoca uma ofensa ao princípio da igualdade e, pois, à justica. Ao contrário, a inexistência de princípios constitui abuso, por parte do legislador, de seu poder discricionário, ou arbítrio e, pois, uma ofensa básica ao princípio da igualdade e, ao mesmo tempo, à justiça.48 (grifos do original)

2.6.1.8 É pois, sob pena de caracterizar o arbítrio, que o legislador se vê obrigado a eleger princípios e, uma vez escolhidos, aplicá-los conseqüentemente.

2.6.2 Embora bem delineado conceitualmente, o princípio da igualdade traz uma série de dificuldades na sua aplicação prática. Assim, com vistas a operacionalizar a aplicação desse tão complexo princípio, deverão ser obedecidas as seguintes premissas:

- os critérios de discriminação devem ser previstos pela lei;

- o fator de discriminação deverá guardar uma relação lógica com a situação que deu origem ao fator de discriminação;

- o fim visado pelo fator de discriminação deve ser o de diminuir as desigualdades entre as pessoas49.

2.6.3 O papel desempenhado pela capacidade contributiva, consubstanciado no artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição Federal, é justamente operacionalizar o princípio da igualdade no campo do direito tributário, atribuindo tratamento desigual aos desiguais, segundo a sua capacidade de arcar com o ônus tributário. Serve, portanto, como fator de discriminação no campo tributário para mensurar a igualdade ou desigualdade dos contribuintes50.

2.6.4 Victor Uckmar define o princípio da igualdade em dois momentos: no primeiro, atribui o jurista conotacão “jurídica” ao aludido princípio, sustentando exigir a igualdade regime fiscal idêntico a contribuintes em situação idêntica. Num segundo momento, interpreta Uckmar o princípio da igualdade num sentido “econômico”, que implica o dever de contribuir em igual medida, ou seja, a imposição tributária segundo a capacidade contributiva dos indivíduos51.

2.6.5 É bastante evidente o caráter instrumental do princípio da capacidade contributiva relativamente ao da igualdade. Será aquele o fator de discriminação entre os sujeitos passivos, para que assim, seja possível implementar-se o princípio da igualdade na tributação.

2.6.6 As correntes da doutrina que predominam no estudo do princípio em comento atribuem à capacidade contributiva ora o caráter de um fator de discriminação ora a característica de um critério econômico útil a estabelecer a capacidade do contribuinte em arcar com a imposição tributária, chegando alguns a designar referido princípio por “capacidade econômica”52.

2.6.7 A questão seguinte que se coloca é a de saber qual o critério para auferir a capacidade contributiva do sujeito passivo. Ao longo do tempo sofreu o termo “capacidade” as mais diversas interpretações, na busca de um critério justo para a sua aplicação. Vários critérios foram eleitos para mensurar a capacidade de uma pessoa para pagar impostos. No início, considerou-se o capital como parâmetro de capacidade e, posteriormente, atrelou-se o conceito de capacidade a rendimento ou renda53.

2.6.7.1 Hoje é assente na doutrina que o critério para auferir a capacidade contributiva do sujeito passivo é a renda. Seja a renda acumulada, a consumida ou a auferida, será sempre a renda o parâmetro adotado para fins tributários, para que se atenda ao princípio constitucional da capacidade contributiva e, conseqüentemente, ao princípio da igualdade.

2.6.7.2 Nesse sentido, as palavras de Bernardo Ribeiro de Moraes54:

“A definição de ‘renda’ ou de ‘provento’, para fins tributários, deve ser determinada livremente pelo legislador, levando em conta, inclusive, a comodidade técnica da arrecadação fiscal, bem como a capacidade contributiva do contribuinte.”

2.6.7.3 Revela-se bastante útil para o deslinde da questão a distinção entre a capacidade econômica e a capacidade contributiva. A primeira corresponde à “aptidão dos indivíduos de obter riquezas - exteriorizada sob a forma de renda, consumo ou patrimônio”55. Portanto, será economicamente capaz aquele que disponha de alguma riqueza ou que possa obtê-la. A capacidade contributiva, por seu turno, implica a possibilidade do sujeito passivo pagar impostos.

2.6.8 Ora, se o princípio da capacidade contributiva implica localizar no índice “renda e proventos de qualquer natureza” elemento presuntivo da possibilidade de pagar tributos, fica claro que haverá disponibilidade quando o contribuinte tiver a possibilidade de pagar o imposto a partir da ocorrência do fato gerador.

2.6.8.1 A conclusão acima revela que o artigo 43 do Código Tributário Nacional, ao exigir a existência de disponibilidade, apenas concretiza o princípio da capacidade contributiva. Mais ainda, deixa claro que inocorre o fato gerador do imposto quando a situação descrita hipoteticamente pelo legislador não permitir ao sujeito passivo dispor de recursos para o pagamento do tributo exigido.

2.6.9 Imprescindível, portanto, que se estabeleca a exata conotação de “renda disponível”, seja sob o prisma econômico, seja sobre o jurídico. Obviamente, o que o contribuinte adquire é a renda e não a disponibilidade. O termo disponibilidade serve, na verdade, apenas para atribuir uma qualidade ao tipo de renda que o contribuinte adquire, qual seja, a renda disponível (i.e.: que indica a capacidade de seu titular pagar impostos). Deflui dessas considerações ser o fato gerador desse tributo a aquisição de “renda disponível”.

2.6.9.1 É essa, aliás, a conclusão Luciano Amaro56:

“A qualificação da renda (disponível) se completa com a discriminação de que, tanto a disponibilidade econômica como a jurídica (da renda) prestam-se a aperfeiçoar o modelo legal de incidência: ou seja, tanto realiza a hipótese legal a aquisição de renda economicamente disponível como a de renda juridicamente disponível”.

2.6.9.2 Outro não é o entendimento de Wagner Balera57:

“De um ponto de vista jurídico, só existe renda quando esta é disponível segundo as regras definidas pelo ordenamento jurídico.”

2.6.9.3 Bulhões Pedreira58 captou bem essa nuance do tributo quando afirmou:

“A designação dessa modalidade de disponibilidade como ‘jurídica’ - embora possa ser justificada com o argumento de que é disponibilidade presumida, ou por força de lei - não é feliz, porque contribui para difundir a idéia errada de que se trata de ‘disponibilidade de direito’ e não de renda; ou seja, que requer apenas a aquisição do ‘direito de receber’ a renda sem aquisição do ’poder de dispor’ da renda.”

2.6.9.4 E arremata, o jurista, em sua obra que se tornou referência ao estudo do imposto de renda, que a disponibilidade da renda corresponde à faculdade de utilizá-la desimpedida e imediatamente (disponibilidade econômica), enquanto a aquisição do direito de receber a renda (disponibilidade jurídica, na letra do CTN), não implica ainda a aquisição do poder de utilização mas mera faculdade de obtê-la59.

2.6.9.5 Promanam dos mais diversos pretórios nacionais decisões albergando o entendimento acima expendido:

2.6.9.5.1 No acórdão proferido em 29 de fevereiro de 199460, na Apelação em Mandado de Segurança 95.104, o antigo Tribunal Federal de Recursos, tendo como relator o Ministro Pedro Acioli, conclui-se pela inocorrência de aquisição de disponibilidade sobre rendimento decorrente da alienação de participação societária mediante pagamento do preço em parcelas ainda não efetivamente recebidas (Revista do Tribunal Federal de Recursos, nº 116, pp. 291 e seguintes).

2.6.9.5.2 O Tribunal Federal Regional da 4ª Região teve ensejo de manifestar-se sobre a matéria. Numa delas, a 1ª Turma, sendo relator o Juiz Ari Pargendler, em acórdão de 06.08.199261, na Remessa “Ex Officio” nº 90.04.05323-9/RS, repeliu a pretensão de ser considerado como disponível em determinado exercício honorário que o contribuinte não chegou a receber, porque no último dia do ano o estabelecimento bancário ao qual endereçado o alvará não funcionou. No segundo julgado, da 2ª Turma, relator Juiz Teori Albino Zavascki, por acórdão de 09.11.1989, a ementa afirmou, com grande felicidade:

“1- O pagamento de honorários advocatícios mediante endosso de notas promissórias de emissão de terceiros, não configura fato gerador do imposto de renda, mesmo que a doação tenha sido pro soluto.

2 - Disponibilidade econômica é a possibilidade, atual e efetiva, de dispor da renda constituída por moeda ou seu equivalente. Disponibilidade jurídica é a possibilidade, decorrente de adequada instrumentação jurídica, de colocar a renda à efetiva e atual disposição econômica.

E esse sentido, que figura no trecho transcrito em segundo lugar, que me parece ter sido empregado, no CTN, a expressão aquisição de disponibilidade jurídica de renda. Não basta, apenas, que seja adquirido o direito de auferir o rendimento (sua titularidade). É necessário que a aquisição desse direito assuma a forma de faculdade de adquirir disponibilidade econômica, mediante a simples tomada de iniciativa ou a prática de ato, que estejam no âmbito do arbítrio do interessado, a qualquer momento; em outras palavras, a disponibilidade jurídica não ocorre apenas com o aperfeiçoamento do direito à percepção do rendimento, sendo, mais do que isso, configurada somente quando o seu recebimento em moeda ou quase-moeda dependa somente do contribuinte.”

2.6.9.5.3 O Tribunal Federal de Recursos, apreciando a AC nº 46.904-RJ, da qual foi relator o eminente Ministro Justino Ribeiro, decidiu não haver renda em uma venda a prazo, antes do recebimento do preço. Naquele caso, disse o eminente relator, em seu voto:

“Vê-se que o Código fala em disponibilidade da renda. Ora, mesmo que se possa extrair alcance prático da distinção doutrinária entre a disponibilidade jurídica e econômica, é certo que qualquer delas só se compreende com a possibilidade, que lhes é imanente, da entrega da coisa”62.

2.6.9.5.4 Corroborando tal entendimento, o Ministro Carlos Velloso, no Acórdão proferido em 28.11.1995 pelo Supremo Tribunal Federal em face do Recurso Extraordinário nº 177301/PR, observou que no caso de acionista de sociedade anônima, a distribuição dos lucros depende de deliberação da Assembléia Geral, dessa forma, não há a ocorrência de disponibilidade jurídica pela simples apuração do lucro líquido. Entretanto, no que se refere à sociedade por quotas, deverá ser analisado o contrato social, se este dispuser que haverá a disponibilidade imediata do lucro líquido apurado na data do encerramento do período-base, apenas nesta hipótese haverá a aplicação do disposto no artigo 146, III, “a”, da Constituição Federal, no artigo 43 do CTN e no artigo 35 da Lei 7.713, de 22.12.1988.

2.6.9.5.5 No mesmo sentido, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 172.058-1/SC, o Ministro Marco Aurélio, em voto condutor, sustentou a impossibilidade de se presumir pela disponibilidade de lucro ainda efetivamente não distribuído aos acionistas de pessoa jurídica. Veja-se:

“(...) Pois bem, diante do conceito legal supra, impossível é dizer da aquisição da disponibilidade jurídica pelos acionistas com a simples apuração, e na data respectiva, do lucro líquido pelas pessoas jurídicas. O encerramento do período-base aponta-o, mas o faz relativamente a situação que não extravasa o campo de interesses da própria sociedade. Ocorre, é certo, uma expectativa, mas, enquanto simples expectativa, longe fica de resultar na aquisição da disponibilidade erigida pelo artigo 43 do Código Tributário Nacional como fato gerador. Uma coisa é a incidência do imposto de renda sobre o citado lucro e, portanto, a obrigação tributária da própria pessoa jurídica. Algo diverso é a situação dos sócios, no que não passam, com a simples apuração do lucro líquido na data do encerramento do período-base, a ter a disponibilidade reveladora do fato gerador. Imagine-se, apenas para exemplificar, quadro em que a assembléia de acionistas, respeitado o percentual alusivo aos dividendos obrigatórios, resolva promover investimentos. Descabe, na hipótese, partir para o campo da presunção, equiparando a apuração do lucro líquido à distribuição deste, ou mesmo, à aquisição da disponibilidade pelos sócios. É que o recurso a tal método normativo - da presunção legal - pressupõe harmonia com os princípios norteadores do direito, especialmente do direito constitucional e, mais do que isso, também com os princípios lógicos da identidade, não-contradição e do terceiro excluído. Os lucros apurados em balanço de pessoa jurídica integram o patrimônio desta e não dos sócios, já que estes, considerados isoladamente, deles não dispõem quer sob o ângulo econômico, quer, até mesmo, sob o jurídico.

2.6.9.6 Outro não é o entendimento da melhor doutrina. Antônio Carlos Garcia de Souza, Gilberto de Ulhôa Canto e Hian de Porto Alegre Muniz, aludindo à natureza das coisas, informam que não se pode cogitar do fato gerador do imposto sobre a renda com base no lucro líquido das pessoas jurídicas se os sócios destas não têm o poder de dispor, ou seja, não contam ainda com os atributos necessários para acionar a faculdade de dar ao bem a utilidade que desejem. E arrematam “não há aquisição de disponibilidade de bem ou direito de que alguém não tenha a faculdade de usar, ou em relação ao qual não se esteja em condições de exercer os demais atributos do domínio”.

2.6.9.7 Concluindo, a disponibilidade da renda é um atributo imprescindível à válida incidência do imposto de renda.

O Regime Jurídico da Medida Provisória nº 2.158-35

2.7 Pretendendo lastrear-se no recentemente introduzido parágrafo segundo do Artigo 43 do Código Tributário Nacional, acima discutido, que delega à lei ordinária a determinação das condições e do momento em que se dá a disponibilidade das receitas e rendimentos provenientes do exterior, o artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35 instituiu um novo regime de tributação dos lucros auferidos pelas controladas e coligadas sediadas no exterior ao dispor:

“Art. 74 - Para fim de determinação da base de cálculo do imposto de renda e da CSLL, nos termos do artigo 25 da Lei 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e do artigo 21 desta Medida Provisória, os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior serão considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil, na data do balanço no qual tiverem sido apurados, na forma do regulamento.

Parágrafo único. Os lucros apurados por controlada ou coligada no exterior até 31 de dezembro de 2001 serão considerados disponibilizados em 31 de dezembro de 2002, salvo se ocorrida, antes desta data, qualquer das hipóteses de disponibilização previstas na legislação em vigor.”

2.7.1 A análise do dispositivo deve ser feita por duas aproximações: a partir de sua finalidade, quando se estuda o dispositivo à luz do controle de planejamentos fiscais internacionais; e do ponto de vista de sua compatibilidade com a disciplina do Código Tributário Nacional.

O artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35 e as “Controlled Foreign Corporations”

2.8 O objetivo pretendido pelo artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35 é o de obstar a alocação dos lucros de residentes brasileiros em países de diminuta carga tributária, destacadamente, os paraísos fiscais, bem como impedir a prática do “deferral” (diferimento da tributação) desses lucros sob o escudo de jurisdição estrangeira.

2.8.1 Considerando o fim visado por referida medida, identifica-se o intuito da legislação brasileira de adequar-se a uma tendência mundial (verificada marcantemente nos países europeus e nos Estados Unidos), que institui o regime de transparência fiscal (comentado adiante) com o fim de inibir a evasão fiscal praticada por meio de sociedades constituídas em países de baixa tributação, cujos sócios são residentes de Estados de tributação normal, as denominadas Controlled Foreign Corporations - CFCs.

2.8.2 Em síntese, o fenômeno da transparência, na seara fiscal, implica a imputação automática (independente de distribuição), dos lucros gerados por sociedade não-residente aos seus sócios submetendo à tributação o lucro que tem sua fonte no exterior, como se houvessem sido produzidos internamente. Na observação de Heleno Tôrres: “como se vê, isso se dá por recurso a uma fictio iuris, segundo a qual, para efeitos tributários, considera-se que o sujeito interposto efetua uma automática e direta distribuição de lucros aos sujeito residente na data do balanço na qual os lucros são apurados”63.

2.8.2.1 Deve-se destacar ser o objeto de preceitos dessa natureza, essencialmente, não a renda que deriva da atividade produtiva, mas sim a renda passiva (tais como juros e dividendos), não relacionada à iniciativa produtiva econômica e que, por meio da interposição de sociedade em país de baixa tributação, acaba tendo sua tributação diferida64.

2.8.3 Assim, identificando-se a sociedade não-residente como uma CFC, mediante a aplicação de critérios estabelecidos na lei (adiante comentados), atribui-se a ela a condição de “sociedade transparente” com o propósito de submeter à tributação, na pessoa do sócio, controladora ou coligada, o lucro por ela obtido no exterior.

2.8.3.1 Decorre daí que, mesmo sendo o lucro mantido na sociedade não-residente (em tesouraria, por exemplo) sem a distribuição aos sócios, ocorrerá na pessoa destes, em seu país de residência, a tributação dos lucros da sociedade. No caso mais específico, imputam-se os lucros das controladas estrangeiras às sociedades controladoras, como sucede pelo art. 74 da Medida Provisória 2.158-39.

2.8.4 Não obstante o intento de perfilhar-se a essa legislação anti-evasão, deixou-se de atentar, ao contrário do que aconteceu na Europa e nos Estados Unidos, para o fato de nem sempre estar a sociedade controlada ou coligada em país da baixa tributação, tampouco ser o seu objetivo precípuo a economia de impostos. Desconsiderou, assim, a possibilidade de a controlada ou coligada no exterior estar servindo a propósitos outros como, por exemplo, a atuação no segmento internacional do mercado.

2.8.4.1 Somente por este aspecto, já se revela inadequada a medida contida no artigo 74 em discussão que, a pretexto de combater a sonegação fiscal, acabou por solapar as regras de repartição de competência estabelecidas mundialmente.

2.8.5 Com efeito, o caráter anti-elusivo do artigo 74 é inegável. Já se havia tentado, sem sucesso, implantar dispositivo semelhante por ocasião da edição da Lei 9.249/95, como anteriormente anotado. O alvo de medidas dessa natureza, presentes em praticamente todos os modernos ordenamentos jurídicos, são as sociedades constituídas em países de baixa tributação ou paraísos fiscais e controladas por residente de país de carga tributária mais expressiva, as denominadas “Controlled Foreign Corporations (CFCs)”.

2.8.5.1 Existe uma evidente coincidência entre o disposto no artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35 e o modelo encontrado em diversas legislações, que visa a combater a evasão fiscal praticada por meio das CFCs. Ambos buscam inibir a evasão fiscal praticada em âmbito internacional, mediante recurso idêntico, qual seja, regime de transparência (da sociedade) com imputação do lucro diretamente na pessoa do sócio.

2.8.5.2 Há um empenho mundial no sentido de inibir o diferimento (“deferral”) da tributação dos lucros mediante o emprego de mecanismos que impedem a alocação de lucros em países de baixa tributação. Mecanismos dessa natureza estão presentes destacadamente na legislação relativa às “Controlled Foreign Corporations” e na legislação dos Preços de Transferência.

2.8.5.2.1 Medidas tendentes a combater a evasão fiscal em patamares internacionais por meio das CFCs tiveram sua gênese em 1962 nos Estados Unidos (US Subpart F), quando então buscou-se limitar o tax deferral de algumas entidades não-residentes calculando seus lucros diretamente na pessoa dos sócios e compelindo-os a incluir os lucros dessas entidades na sua base tributável, tivessem ou não sido distribuídos. Posteriormente, medidas semelhantes vieram a ser adotadas pela grande maioria dos países integrantes da OCDE, preocupados pelo fato da alta carga tributária de seus países estar ocasionando o fenômeno da migração de capital, alocação de lucro e “deferral”, sob o resguardo de jurisdição estrangeira.

2.8.5.2.2 Nesse sentido, foi desenvolvida uma legislação que, à semelhança da figura da desconsideração da pessoa jurídica (embora com ela não se confunda), qualifica as sociedades em “sociedades transparentes” e “sociedades não-transparentes”, submetendo-as a regimes fiscais diversos. A caracterização de uma sociedade em transparente ou não-transparente pode se dar em virtude da sua natureza societária, como sucede no caso das partnerships ou das filiais, ou ainda, para o caso das controladas ou coligadas, como medida visando o combate à evasão fiscal65.

2.8.5.2.3 Em consonância com a legislação que busca coibir a utilização das CFCs como instrumento evasivo classificando-as como “sociedades transparentes”, imputam-se ao sócio ou proprietário da entidade não-residente, para fins tributários, os lucros da sociedade como se essa não existisse, como se fosse “transparente” ou uma pass-through entity.

2.8.5.2.4 Portanto, da qualificação de uma empresa como “transparente” ou “não transparente”, decorrerá tratamento tributário distinto. Ao ser reconhecida como não-transparente, confirma-se a distinção entre a figura da sociedade e a do sócio, impondo-se a cada um, destacadamente, a respectiva tributação. Na hipótese contrária, sociedade transparente, desconsidera-se para fins fiscais a existência da sociedade como pessoa distinta da do sócio, para imputar a esse último os lucros auferidos pela primeira. Daí por que se disse guardar essa situação certa semelhança com a figura da “desconsideração da pessoa jurídica”, embora com ela não se confunda pois naquela a fundamentação e os efeitos são meramente tributários.

2.8.5.3 Considerando-se o caráter excepcional do fenômeno sob análise (transparência) bem como dos seus efeitos, torna-se imperioso o estudo detido dos contornos de uma CFC, ou seja, dos requisitos necessários para que uma sociedade possa assim ser considerada, de forma a legitimar a imposição tributária diretamente na pessoa do sócio, controlador ou coligado.

2.8.5.3.1 Kees van Raad66, analisando a legislação de diversos países, identifica dois tratamentos distintos dispensados à matéria. Alguns países prevêem na sua legislação tributária um rol exaustivo de situações onde entidades organizadas, sob a lei nacional, estão sujeitas à tributação in their own capacity. Esse procedimento é definido como “definição específica de entidades tributáveis” (specific definition of taxable entities) e, dada a dificuldade (quando não a impossibilidade) de se prever em todas as hipóteses possíveis de entidades organizadas sob a lei estrangeira que como tais são submetidas ao seu imposto de renda, acaba-se tornando inviável.

2.8.5.3.2 Outra forma, adotada pela grande maioria dos países que dispõem de legislação de combate às CFCs, fornece a mera indicação das características gerais das entidades que como tais são submetidas ao imposto de renda da pessoa jurídica (corporate income tax). Assim, na Argentina e na Áustria, por exemplo, as leis tributárias citam entidades específicas constituídas sob a sua lei nacional e que são consideradas como entidades não-transparentes. As entidades constituídas sob legislação estrangeira, somente serão consideradas não-transparentes se os seus atributos legais e sua posição sob a lei geral desse país estrangeiro forem semelhantes aos das entidades não-transparentes mencionadas pela lei argentina e austríaca, respectivamente67.

2.8.5.4 Com relação ao seu objetivo, pode-se identificar uma CFC, pelo intento de manter em outro país, protegido da tributação no país da residência, os lucros que, de outro modo, somente seriam tributados quando da sua efetiva distribuição.

2.8.5.5 Como regra geral, são tomados em consideração os seguintes critérios para equiparar uma sociedade à uma CFC para então submetê-la ao regime de transparência fiscal:

- ser constituída em país diverso da do sócio;

- estar submetida a uma carga tributária inferior ao do país da residência do controlador;

- objetivo evidente de economizar imposto

2.8.5.6 Não se pode ignorar que as implicações do fenômeno da transparência destoam das regras gerais de tributação, exigindo uma análise casuística com o fim de apurar se, realmente, uma determinada entidade pode vir a ser considerada uma CFC e, conseqüentemente, aplicar-lhe o tratamento de sociedade transparente. Os três critérios mencionados no parágrafo anterior permitem uma análise prévia mas não satisfativa da situação.

2.8.5.6.1 Oportuno citar aqui o caso do Reino Unido, cuja legislação dispensa tratamento minucioso à matéria. Nesse país, são estabelecidas legalmente uma série de condições e exames prévios para que uma entidade possa ser considerada uma CFC68. Tem-se assim:

(i) Excluded Country List - o Statutory Instrument 1998/3081 arrola uma série de países excluídos da legislação de combate às CFCs. Vale lembrar que, muitas vezes (embora não sempre), as CFCs são constituídas em paraísos fiscais. Tendo sido a entidade constituída em um dos países arrolados na lista do Statutory Instrument 1998/3081, não há que se falar em CFC;

(ii) Motiv Test - caso a empresa esteja situada em um país de menor tributação do que o Reino Unido, terá o contribuinte a prerrogativa de demonstrar, que a redução do imposto que seria cobrado na Inglaterra foi mínima e de não ter sido essa a principal razão para constituir a sociedade nesse outro país. Assim, por exemplo, poderá provar que seu intento era o de atuar no mercado internacional por intermédio de uma nova sociedade. Trata-se, indubitavelmente, de um critério subjetivo: a aferição do verdadeiro intento do contribuinte, teria sido ou não a economia tributária. Na prática, no Reino Unido, entende-se que: se houve redução do imposto que deveria ser pago no Reino Unido, é normal que se presuma que essa redução foi desejada. Se a redução foi substancial, pode-se concluir que esse foi um dos principais objetivos visados pelo contribuinte.

(iii) Exempt Activities Test - segundo esse parâmetro, perquire-se sobre o número de pessoas empregadas que, nos termos da lei britânica, deverá ser adequado para lidar com o volume de negócios atribuídos à entidade não-residente.

(iv) Acceptable Distributions Test - a entidade deve, segundo esse critério, proceder a uma distribuição aceitável dos seus lucros. No caso do Reino Unido, 90% do lucro deverá ser distribuído para acionistas residentes no Reino Unido.

2.8.6 Comparando-se o modelo existente noutros países com o que prevê o artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35, constata-se que, ao pretender tributar o lucro das coligadas e controladas no exterior, deveria o dispositivo ter estabelecido critérios de discriminação, de tal forma que referida determinação incidisse apenas sobre as empresas constituídas com o exclusivo objetivo de escapar à tributação.

2.8.6.1 Tal o entendimento de Eivany Antonio da Silva69:

“A fim de serem plenamente atingidos os objetivos da tributação pelo princípio da universalidade da renda, o Governo deveria propor alteração no CTN, via Lei Complementar, alargando, para alcançar o caso das chamadas ‘empresas de papel’, o conceito de fato gerador. E mais, a fim de agir com justiça e sem ferir norma constitucional, seguir o que fazem países mais experientes na aplicação do princípio da universalidade da renda, ou seja, submeter, à incidência do imposto de renda, na matriz, já no momento de sua apuração, os resultados das filiais, sucursais, controladas ou coligadas, que exerçam atividades não operacionais (‘off shore’) e, somente no momento de sua distribuição, ou disponibilização, os resultados daquelas dependências, quando elas forem operacionais e não meras ‘empresas de papel’.”

O artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35 e o Código Tributário Nacional

2.9 Melhor sorte não merece o dispositivo, quando confrontado com o artigo 43, § 2º, do Código Tributário Nacional, em que se pretende escorar.

2.9.1 Com efeito, já ficou demonstrado acima que o referido parágrafo apenas complementa, não excepciona a definição do fato gerador do imposto, contida no caput do mesmo dispositivo. Assim, pode a lei, apenas, definir condições e o momento em que se dará a disponibilidade; não pode, outrossim, abrir mão desta que, como se mostrou, decorre do próprio mandamento constitucional da capacidade contributiva.

2.9.2 Ora, é notório que o texto legal em análise ultrapassa o ditame do legislador complementar, ao considerar “disponibilizados” lucros apurados no balanço, independentemente de qualquer outra consideração.

2.9.2.1 Efetivamente, se por disponibilidade se entende a possibilidade de o contribuinte lançar mão dos recursos para pagar o imposto, a mera existência de lucros no balanço não é, necessariamente, momento adequado para se considerar aquela ocorrida.

2.9.2.2 No que tange especificamente ao momento em que se pode julgar ocorrido o fato gerador do imposto de renda sobre lucros auferidos por coligadas ou controladas, importa repetir o precedente acima citado, da lavra do Supremo Tribunal Federal, por ocasião da exigência do Imposto sobre o Lucro Líquido - ILL - exigido antes que se desse a distribuição dos rendimentos.

2.9.2.3 Naquela ocasião, assim decidiu o Pretório Excelso:

“Imposto de Renda - Retenção na Fonte - Sócio Cotista. A norma insculpida no artigo 35 da Lei nº 7.713/88 mostra-se harmônica com a Constituição Federal quando o contrato social prevê a disponibilidade econômica ou jurídica imediata, pelos sócios, do lucro líquido apurado, na data de encerramento do período-base. Nesse caso, o citado artigo exsurge como explicitação do fato gerador estabelecido no artigo 43 do Código Tributário Nacional, não cabendo dizer da disciplina de tal elemento do tributo, via legislação ordinária. Interpretação da norma conforme o Texto Maior.

Imposto de Renda - Retenção na Fonte - Acionista. O artigo 35 da Lei nº 7.713/88 é inconstitucional, ao revelar como fato gerador do imposto de renda na modalidade ‘desconto na fonte’, relativamente aos acionistas, a simples apuração, pela sociedade e na data do encerramento do período-base, de lucro líquido, já que o fenômeno não implica qualquer das espécies de disponibilidade versadas no artigo 43 do Código Tributário Nacional, isto diante da Lei nº 6.404/76.”(RE - 172058-1-SC - Pleno - votação unânime - transcrição parcial da ementa)

2.9.2.4 Não é difícil o transplante do raciocínio adotado pelo Pretório ao caso ora examinado, implicando a conclusão de que - malgrado a intenção do legislador federal - os lucros auferidos por controladas e coligadas de empresas brasileiras no exterior não podem ser acrescidos ao lucro real da sócia brasileira, enquanto não forem efetivamente colocados à sua disposição.

2.9.2.4.1 Assim, conclui-se que, do ponto de vista do sistema tributário brasileiro, a constitucionalidade do referido artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35 fica condicionada à existência de disponibilidade, na data do balanço no qual sejam apurados os lucros de controladas ou coligadas no exterior. Se, no caso concreto, tiver o sócio, já naquela data, disponibilidade sobre os lucros auferidos (i.e., se puder lançar mão deles para o pagamento de tributo), então válida será a tributação. Inexistindo tal disponibilidade (por exemplo, porque esta depende de uma efetiva distribuição, a ser decidida por Assembléia, ou porque a empresa possui prejuízos acumulados em monta suficiente para tornar impossível a distribuição de lucros), então também inconstitucional será a exigência do imposto.

2.9.2.4.2 Apenas para que não se deixe incompleto o raciocínio, impõe que se esclareça que a conclusão acima condiciona-se à efetiva inexistência de disponibilidade, i.e., ao fato de o contribuinte não possuir, na data do balanço, condições de lançar mão dos recursos para o pagamento do imposto.

2.9.2.4.3 Tivesse o legislador brasileiro seguido o modelo internacional da legislação CFC, i.e., fosse o alcance da medida limitado aos casos em que o contribuinte, valendo-se de artifício, tornasse indisponíveis os recursos, então outra seria a conclusão, já que então - e apenas em tal caso - não poderia o contribuinte alegar falta de capacidade contributiva que ele mesmo motivou.

2.9.2.4.4 Noutras palavras: segundo a legislação CFC, a tributação não ofenderia o princípio da capacidade contributiva - e neste sentido atenderia ao conceito constitucional de renda - ao alcançar renda disponível ao contribuinte o qual a mantém inacessível. Afinal, só mantém inacessível aquele que tem a disponibilidade do recurso (e valendo-se da disponibilidade o torna inacessível). Quando, outrossim, a indisponibilidade é conseqüência do regime legal (ou estatutário) em que se insere a controlada ou coligada no exterior, então impossível a tributação enquanto inacessíveis os recursos ao contribuinte.

2.9.2.4.5 Fica clara, assim, a pedra-de-toque para a diferenciação proposta: no caso de investimentos CFC, basta o contribuinte manifestar sua vontade para ter acesso aos recursos financeiros (sem restrições); neste sentido, estão eles, sempre, à sua disposição, já que inexiste, no país de investimento, uma estrutura empresarial, mas mera “caixa postal”, onde um representante providenciará o emprego dos recursos segundo a ordem do investidor.

2.9.2.4.6 Na hipótese descrita pela Consulente, outrossim, dada a efetiva existência empresarial de suas controladas e coligadas no exterior, os lucros por estas auferidos não são disponibilizados à primeira, senão após uma distribuição de lucros, observadas as restrições legais e estatutárias locais, principalmente de ordem tributária, societária e trabalhista. Ainda que a Consulente detenha posição de controle, seu acesso aos recursos dependerá de fatores locais, dentre os quais contarão os interesses dos minoritários, dos administradores e empregados etc.

2.9.2.4.7 Indisponíveis os lucros auferidos nos balanços das coligadas e controladas, impossível sua tributação no Brasil.

III. A Tributação dos Lucros não Distribuídos numa Perspectiva do Direito dos Acordos de Bitributação

Considerações Gerais

3.1 Os acordos internacionais em matéria tributária (acordos de bitributação) são os instrumentos de que se valem os Estados para, através de concessões mútuas, diminuírem ou impedirem a ocorrência do fenômeno da bitributação internacional em matéria do imposto sobre a renda, além de meio para o combate à evasão fiscal.

3.1.1 Acordos de bitributação pertencem ao direito internacional público. Uma vez promulgados, por meio de Decreto (“ordem de execução” - “Anwendungsbefehl”), são adotados pelo ordenamento interno, sem, entretanto, perder sua natureza internacional70.

3.1.2 Na verdade, a questão da “adoção” dos acordos de bitributação não é pacífica, já que a esta teoria se opõe a da “transformação”, segundo a qual, com a promulgação, o acordo internacional seria “transformado” em direito interno, interpretando-se, por conseguinte, segundo os princípios a este aplicáveis.

3.1.2.1 A teoria da “transformação” encontra seu maior obstáculo no fato de que os acordos internacionais, mesmo ratificados, continuam a se submeter às normas de direito internacional, para sua entrada em vigor e rescisão. Com efeito, se o tratado se “transformasse” em direito interno, sua eventual denúncia, pelo outro Estado contratante, não poderia ter o efeito de retirá-lo da ordem jurídica do primeiro Estado. Se isso acontece, é porque o tratado, ainda que aplicável internamente, não deixa de ser norma de direito internacional.

3.1.2.2 Diante de dilemas como o acima exposto, os defensores da teoria da “transformação” passaram a se utilizar de argumentos auxiliares, sustentando que junto com a “transformação” do tratado, ocorreria a “transformação” das normas do direito internacional a ele aplicáveis, o que, na prática, implica afirmar que a teoria da “transformação” não difere, em seus resultados, do que se ensina na teoria da “adoção” condicionada à “ordem de execução”71.

3.1.3 Como normas de direito internacional, os acordos de bitributação prevalecem sobre as normas do direito tributário interno. Esta assertiva merece que nos aprofundemos sobre o tema.

3.1.4 Sustenta Alberto Xavier que, no Brasil, a afirmação de que os acordos de bitributação se sobrepõem ao direito interno já se poderia extrair do texto constitucional de 1988, cujo art. 5º, § 2º consagraria o sistema monista com cláusula geral de recepção plena.

3.1.4.1 Dispõe referido dispositivo constitucional:

“§ 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

3.1.4.2 Dispositivo assemelhado ao acima reproduzido possui a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, cujo artigo 25 dispõe que “as normas gerais do direito internacional público são parte do direito da Federação. Elas prevalecem sobre as leis e impõem direitos e obrigações diretamente aos habitantes do território federal”72.

3.1.4.3 Diferentemente, entretanto, no texto constitucional brasileiro, a Lei Fundamental alemã não se refere expressamente a direitos e garantias decorrentes de tratados. Daí decorre o entendimento, naquele país, de que somente as “normas gerais” é que devem ser auto-aplicáveis; não, entretanto, qualquer dispositivo constante de um acordo internacional73.

3.1.4.4 No direito brasileiro, entretanto, parece assistir razão a Xavier, já que toda vez que de um tratado internacional se puder extrair um direito ou garantia ao indivíduo, este estará incorporado, por força do § 2º do art. 5º da Constituição Federal, aos direitos e garantias fundamentais a que se refere o Título II daquele texto.

3.1.4.5 Com efeito, embora à primeira vista o dispositivo pareça referir-se, apenas, aos tratados concernentes aos direitos humanos74, a expressão “direitos e garantias” parece ter alcance mais amplo.

3.1.4.5.1 A inclusão, ou não, da matéria tributária entre os “direitos e garantias” a que se refere a “cláusula pétrea” acima foi objeto de discussão no Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade movida em face da introdução do IPMF - Imposto sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira - quando o Pretório decidiu ser o princípio da anterioridade abrangido pelo dispositivo constitucional acima referido75.

3.1.4.5.2 Por outro lado, há que se considerar que um acordo de bitributação não contém qualquer princípio geral. São, antes, regras cujo alcance é a auto-limitação recíproca de duas soberanias fiscais. Nem por isso, deixa de ser uma garantia, ao residente de um dos Estados Contratantes, de que estes tratarão seu rendimento do modo ali descrito. A garantia só faz sentido se nenhum dos Estados puder modificar seu compromisso mediante mera alteração legislativa interna, em total desrespeito ao direito internacional público e, em especial, a seu parceiro co-contratante76.

3.1.4.5.3 Assim, se os acordos de bitributação oferecem garantias, é de se concluir não poderem ser eles contrariados pela legislação interna.

3.1.4.6 No que tange à jurisprudência, vem ela se posicionando, pelo menos no que se refere à matéria dos acordos de bitributação, pela prevalência destes sobre a legislação interna77.

3.1.4.7 Também entre nossos tributaristas, encontramos franca maioria favorável à constitucionalidade do artigo 98 do Código Tributário Nacional, que assim dispõe:

“Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.”

3.1.4.7.1 Com o rigor que lhe é peculiar, Xavier alerta que, em verdade, “é incorreta a redação deste preceito, quando se refere à ‘revogação’ da lei interna pelos tratados. Com efeito, não se está aqui perante um fenômeno ab-rogativo, já que a lei interna mantém a sua eficácia plena fora dos casos subtraídos à sua aplicação pelo tratado. Trata-se, isso sim, de limitação da eficácia da lei que se torna relativamente inaplicável a certo círculo de pessoas e situa­ções, limitação esta que caracteriza precisamente o instituto da derrogação e decorre da relação de especialidade entre tratados e leis”78. Idêntico alerta é feito por Hugo de Brito Machado: “O que ela pretende dizer é que os tratados e convenções internacionais prevalecem sobre a legislação interna, seja anterior ou mesmo posterior”79.

3.1.4.7.2 Igualmente aprovando a aplicabilidade do art. 98 do Código Tributário Nacional, cite-se opinião da lavra de Ruy Barbosa Nogueira, que assim se pronuncia: “Isto é inconcusso e o Brasil não pode deixar de honrar o que contratou e assinou como Tratado Internacional. Aprovou, ratificou e incorporou como supra-ordenado à sua legislação interna, quando sua legislação tributária complementar à Constituição já reconhecida e reconhece como revogatório da legislação tributária interna e imperativamente manda que os tratados e convenções internacionais também serão observados pela legislação interna que lhes sobrevenha. A disposição do art. 98 do CTN, além de legislação paraconstitucional, é texto imperativo, dirigido ao legislador ordinário e regulativo da limitação do poder de tributar.80

3.1.4.7.3 No mesmo sentido, leciona Rothmann: “na existência de um acordo contra a bitributação, as partes contratantes não podem tomar medidas unilaterais, autônomas ou nacionais, modificando o conteúdo do acordo contra a bitributação”81.

3.1.4.8 Finalmente, apenas para encerrar a questão envolvendo a constitucionalidade do artigo 98 do Código Tributário Nacional, temos que ainda que o texto constitucional não exigisse (como exige) a prevalência das garantias conferidas por tratados internacionais sobre as normas do direito interno, ainda assim não estaríamos diante de uma inconstitucionalidade.

3.1.4.8.1 Para tal conclusão, valemo-nos da lição que extraímos do direito comparado, onde encontramos, na Alemanha, o § 2º da Abgabenordnung, cujo texto muito se assemelha ao nosso artigo 98 do Código Tributário Nacional. Confira-se:

“Tratados com outros Estados, no sentido do art. 59, nº 2, período 1, da Lei Fundamental, que dispuserem sobre tributação, prevalecem sobre as leis tributárias, desde que se tenham tornado direito interno de aplicação imediata.”82

3.1.4.8.2 Ocorre que, diferentemente do texto constitucional brasileiro, a Lei Fundamental Alemã não inclui dispositivo recepcionando as garantias decorrentes de tratados internacionais mas apenas os princípios do direito internacional público.

3.1.4.8.3 Tampouco existe, na Alemanha, lei de natureza complementar à Lei Fundamental (como o é, no Brasil, em relação à Constituição Federal, o Código Tributário Nacional), com força bastante para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária e regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.

3.1.4.8.4 Nem por isso o preceito legal acima citado levou a pecha da inconstitucionalidade. Ao contrário, a doutrina daquele país buscou uma interpretação do § 2º da Abgabenordnung conforme a Lei Fundamental, ainda que, segundo salienta Eilers, depois de pesquisa histórica da edição do texto legal, fosse a intenção do legislador de 1977 que nenhuma lei pudesse revogar o contratado pela República Federal da Alemanha internacionalmente83.

3.1.4.8.5 Assim, para não reproduzirmos a vasta literatura a respeito do tema, mencionamos o raciocínio de Vogel, que se manifesta no sentido de que tal dispositivo, na qualidade de lei federal, não é instrumento hábil para dar aos acordos de bitributação prevalência sobre as leis. Portanto, a única interpretação razoável para ele é a de que a Abgabenordnung exige que o acordo internacional seja considerado lex specialis em relação à lei interna. Deste modo, o autor conclui ser possível que uma lei federal posterior modifique ou revogue dispositivo do acordo de bitributação. No entanto, a lei deve ser expressa sobre o assunto, já que em caso contrário, o acordo será tido por lei especial e, como tal, prevalecerá sobre a lei federal posterior84. Afirma ele: “Portanto, se uma lei dispondo de modo diverso do disposto em um acordo de direito internacional não declarar expressamente que o pretende romper, então partimos do princípio de que, até onde o contrato alcançar, ele permanece aplicável, no círculo jurídico intra-estatal, aos casos por ele regulados, como lex specialis85.

3.1.4.8.6 No mesmo sentido, as opiniões de Klein e Orlopp86, Debatin87, Hübschmann, Hepp e Spitaler88, Weigell89, Tipke e Kruse90 e Mössner91.

3.1.4.8.7 Também nos Estados Unidos, para que uma lei interna prevaleça sobre um acordo internacional, exige-se que o legislador nacional declare expressamente ser esta sua intenção92.

3.1.4.8.8 Do mesmo modo, pensamos que no Brasil, ainda que não houvesse - como há - mandamento constitucional exigindo a observância, pelo legislador interno, das garantias decorrentes de acordos internacionais, o disposto no artigo 98 do Código Tributário Nacional continuaria aplicável, prevalecendo o acordo de bitributação sobre a lei interna, quando esta não dispusesse expressamente sua intenção de se sobrepor ao que foi contratado internacionalmente.

3.1.5 Configuradas a independência dos acordos de bitributação do direito interno e sua natureza de regra excepcional, impõe-se ao jurista indagar se a interpretação dos acordos de bitributação pode valer-se de institutos de direito interno.

3.1.5.1 Se o acordo de bitributação, embora adotado pelo ordenamento interno, não perde sua natureza internacional93, a ele permanecem aplicáveis as regras de interpretação válidas para os acordos internacionais em geral, positivadas pela Convenção de Viena, que privilegia, na interpretação, o texto escrito94.

3.1.5.2 No caso dos acordos de bitributação, um elemento muito importante para sua interpretação é a publicação oficial da OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, contendo comentários ao modelo oficial, cuja observância foi objeto de uma Recomendação do Conselho em 31 de março de 199495.

3.1.5.3 Obviamente, no caso de acordos de bitributação assinados pelo Brasil, aquela Recomendação não tem força vinculante, já que o País não é membro da OCDE. Entretanto, se o País se dispõe a assinar um acordo segundo o modelo da OCDE, parece válido - a não ser que as circunstâncias indiquem o contrário - supor que ambas as partes conheciam aquele modelo e, portanto, seus comentários.

3.1.5.4 O argumento mais forte, entretanto, contra uma interpretação internacional dos acordos de bitributação parece advir de seu próprio texto. Com efeito, tomando o artigo III (2) do Modelo da OCDE, temos que:

“2. Para a aplicação da Convenção por um Estado Contratante, qualquer expressão não definida terá, a não ser que o contexto exija interpretação diferente, o significado que lhe é atribuído pela legislação desse Estado Contratante relativamente aos impostos que são objeto da Convenção.”

3.1.5.4.1 Versa referido dispositivo sobre tema que a doutrina de direito tributário internacional decidiu denominar “qualificação”, tomando de empréstimo idêntico termo originário do direito internacional privado96.

3.1.5.4.2 Ainda partindo de termos do direito internacional privado, vemos que a qualificação poderia ser resolvida por três modos:

- cada Estado qualificaria a situação de acordo com seu próprio direito interno (“lex fori”);

- ambos os Estados adotariam a mesma qualificação, privilegiando o direito do Estado onde o rendimento foi “produzido”- qualificação pelo Estado da fonte (“lex causae”);

- ambos os Estados procurariam uma qualificação coincidente, extraída do contexto do acordo (qualificação autônoma)97.

3.1.5.4.3 Por sua redação ampla, o texto do artigo III (2) poderia levar a crer que se admitiria o uso das regras internas de interpretação tributária, para os acordos de bitributação98, privilegiando a regra do “lex fori”. Uma qualificação destes termos é, de início, indesejável, visto permitir que a mesma regra se interprete de modo diverso, conforme o tribunal que enfrentar a questão, o que pode levar, por diferenças de interpretação entre as duas Cortes, a uma bitributação ou a uma dupla não incidência99.

3.1.5.4.4 Seguindo Vogel, pensamos que o alcance da norma do art. III (2) se restringe à determinação do significado de uma expressão, não definida no acordo de bitributação. Ainda assim, o recurso às normas do direito interno se limita àquelas referentes aos impostos de que é objeto o acordo (e não às regras interpretativas em geral) e apenas se o contexto não impuser interpretação diversa100, privilegiando-se, destarte, a qualificação autônoma, quando exigida pelo contexto101.

3.1.5.5 Sendo os acordos de bitributação tratados internacionais, cuja interpretação independe, de regra, das legislações internas das partes contratantes, deve o intérprete ter presente a possibilidade de, por vezes, conceitos e definições dos acordos não se aplicarem ao direito interno e vice-versa. Exemplifiquemos.

3.1.5.5.1 Pedra de toque dos acordos de bitributação é o conceito de residência, positivado no artigo 4º do Modelo da OCDE. É a partir dele que se aplicam as regras de repartição (ou de renúncia), definindo qual dos Estados contratantes pode tributar determinado rendimento. Sempre, na aplicação de um acordo de bitributação, precisamos determinar qual dos dois Estados é o da residência. Se ambos os Estados se qualificarem como residência, a bitributação não será evitada.

3.1.5.5.2 Não obstante, as legislações internas são muito diversas, sendo bastante comum que um indivíduo ou empresa seja considerada, para fins das legislações internas de dois Estados, residente e, portanto, contribuinte em ambos os Estados.

3.1.5.5.3 Para não nos alongarmos, imaginemos que determinado país X adote regra semelhante à do art. 18 de nosso Regulamento do Imposto de Renda, considerando ali residentes todas as pessoas portadoras de visto permanente que transferirem residência para aquele território e, no mesmo ano, iniciarem a percepção de rendimentos tributáveis. Seja um país Y, que, adotando regra assemelhada ao artigo 20, inciso II, de nosso vigente Regulamento do Imposto de Renda, considere residente no país Y todo aquele que ali residir por mais de 12 meses. Suponha-se, ainda, que exista um acordo de bitributação entre X e Y, conferindo exclusivamente ao Estado de residência do contribuinte, o direito de tributar determinada espécie de rendimento. Imagine-se, finalmente, que X e Y adotam, internamente, o critério da tributação da renda mundial (universalidade) de seus residentes. Seja, ainda, o rendimento auferido pelo indivíduo no Estado X.

3.1.5.5.4 Caso o indivíduo seja residente no Estado X, poderá este Estado tributar aquele rendimento, nos termos do acordo, vedando-se a tributação pelo Estado Y. Ao contrário, se, nos termos do acordo, o indivíduo for residente em Y, X não poderá tributar o rendimento. Nesta última hipótese, ainda que X, internamente, pretenda tributar o rendimento por se considerar Estado da residência do contribuinte, será X, para fins do acordo, Estado da fonte do rendimento e, portanto, não terá legitimidade para a tributação.

3.1.5.5.5 É em virtude de casos como esses, que o artigo 4º do Modelo da OCDE apresenta regras cuja aplicação importará, sempre, a existência de um único Estado de residência.

3.1.5.5.6 Fica claro, outrossim, que quando o acordo apresenta a definição de um termo, deve ela prevalecer, ainda que contradizendo o direito interno. No caso do exemplo dado, se o acordo elegeu Y como Estado de residência, o aplicador da lei no Estado X deverá, no exame do direito interno, considerar o contribuinte como ali residente. Encerrada, entretanto, a fase da pesquisa do direito interno, com ela se encerram os conceitos ali empregados. O aplicador da lei examinará o acordo de bitributação e, nesse momento “esquecer-se-á” de que o contribuinte é, internamente, residente de X. Na aplicação do acordo, X não será o Estado de residência.

3.1.5.6 Finalmente, para encerrarmos estas considerações gerais sobre os acordos de bitributação, devemos tratar de sua estrutura.

3.1.5.6.1 Diversamente do direito internacional privado, as normas dos acordos de bitributação não determinam qual o direito aplicável ao caso concreto. Cada Estado aplica, exclusivamente, seu direito interno, não podendo um juiz determinar, à luz do acordo, que outro o Estado tribute ou se abstenha de tributar determinada situação fática. Daí ser perigosa a expressão “normas de conflito”102, para se designar as existentes em acordos de bitributação103. Tampouco se distribuem competências tributárias entre os Estados, já que os Estados, revestidos de soberania, não têm limitações à tributação; se eles iniciam as negociações dotados de soberania, é claro que seu poder de tributar não decorre de uma repartição de competências que pré-existiam plenamente104. Temos, assim, no acordo de bitributação, normas pelas quais os Estados renunciam a seu poder de tributar. Não há, destarte, possibilidade de um acordo de bitributação criar obrigação tributária nova, que não decorra da legislação interna. No caso brasileiro, tal conclusão se extrai do princípio da legalidade, que exige lei para a definição do fato gerador do tributo.

3.1.5.6.2 A limitação ao poder de tributar de cada Estado pode dar-se através da renúncia plena de cada um dos Estados, conforme o caso (método da isenção) ou por um Estado computar, no cálculo de seu imposto, o valor pago pelo contribuinte ao outro Estado (método do crédito fiscal, ou da imputação)105.

3.1.5.6.3 Conforme esclarece Vogel, o acordo de bitributação não impede, apenas, a bitributação efetiva, mas também a “virtual” (“virtuelle Doppelbesteuerung”), eis que, dando-se o método da isenção, esta deve dar-se independentemente do fato de, no outro Estado, a situação ser efetivamente tributada106.

3.1.5.6.4 O Modelo da OCDE possui sete capítulos. Os dois primeiros versam sobre o âmbito de aplicação da convenção (pessoas e impostos visados) e algumas definições. O terceiro possui normas de repartição (ou de renúncia) referentes à tributação da renda. O quarto, para a tributação do patrimônio. O capítulo cinco, complementando os dois anteriores, dispõe sobre as conseqüências para os casos em que as normas de distribuição não tenham, elas mesmas, encerrado a questão da tributação, disciplinando o emprego do método da isenção ou da imputação. O sexto capítulo contém regras sobre não-discriminação, procedimento amigável, troca de informações, funcionários diplomáticos e uma regra sobre ampliação da extensão territorial do acordo. O último capítulo possui disposições finais.

3.1.5.6.5 Ao apresentar regras de repartição (ou renúncia) referentes à tributação da renda, o texto do Modelo da OCDE trata de várias espécies de rendimentos, utilizando-se, sempre, de duas fórmulas: “só podem ser tributados no Estado” (o que implica a obrigatoriedade de o outro Estado isentar aquele rendimento) e “podem (...) ser tributados no Estado”. A última expressão (sem o “só”) refere-se, sempre, ao direito de o Estado da fonte do rendimento tributar o rendimento; nesse caso, o artigo 23 é que dirá se o Estado da Fonte isentará o rendimento ou imputará, no cálculo de seu tributo, o imposto pago ao Estado da Fonte.

3.1.5.6.6 Por sua vez, entre as espécies de rendimentos, podemos encontrar quatro classes, assim apresentadas por Vogel:

- normas sobre rendimentos decorrentes de determinadas atividades; estas, por sua vez, dividem-se em quatro tipos: lucros das empresas (art. 7º), profissões independentes (art. 14) e independentes (art. 15) e rendimentos decorrentes da agricultura e pecuária (art. 6º);

- normas sobre rendimentos patrimoniais; novamente, quatro tipos: dividendos (art. 10), juros (art. 11), “royalties” (art. 12) e bens imobiliários (art. 6º);

- normas sobre ganhos decorrentes da alienação de patrimônio: quatro grupos, correspondendo aos quatro parágrafos do art. 13;

- norma específica para estudantes (art. 20) e uma regra geral, para os casos não especificados (art. 21).

Os artigos não elencados acima são regras especiais em relação às ali apresentadas. Por exemplo: art. 8º (navegação marítima e aérea), em relação ao 7º; art. 17 (artistas e desportistas), em relação aos arts. 14, 15 e 7 etc.107

Acordos de bitributação: sua aplicabilidade ao caso concreto

3.2 Debruçando-nos sobre o caso concreto, tendo em vista que a Consulente nos informa que os investimentos diretos efetuados no exterior são feitos em empresas situadas em países com os quais o Brasil mantém acordos para evitar a bitributação, passamos a analisar sua aplicação. Ressaltamos que a análise se faz com base no Modelo da OCDE, cabendo, em cada caso concreto, testar a compatibilidade entre as regras do referido Modelo e o acordo de bitributação efetivamente assinado com cada país.

3.2.1 O exame quanto à aplicabilidade do acordo de bitributação ao caso concreto exige, de início, uma pesquisa quanto a seu âmbito de aplicação pessoal108.

3.2.1.1 Dispõe o artigo I:

“Artigo I

Pessoas visadas

A presente Convenção aplica-se a pessoas residentes de um ou de ambos os Estados Contratantes.”

3.2.1.2 Reportando-nos à consulta, verificamos que a Consulente, na terminologia do acordo, é empresa “residente” na República Federativa do Brasil, conformando-se à definição do Artigo IV:

“Artigo IV

Domicílio fiscal

1. Para efeitos da presente Convenção, a expressão ‘residente de um Estado Contratante’ significa qualquer pessoa que por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direção ou a qualquer outro critério de natureza similar.”

3.2.1.3 Também por premissa de raciocínio, admite-se que a controlada ou coligada em questão atenderá à definição de “residente”, acima transcrita.

3.2.2 Para a aplicação das regras de repartição (ou de renúncia), importa, antes, termos em mente quais os rendimentos de que se cogita. Temos:

- da Consulente:

(i) os lucros auferidos por sua controlada ou coligada, adicionados a seu lucro real e

(ii) os dividendos efetivamente distribuídos;

- da subsidiária:

(iii) os lucros por ela auferidos;

3.2.2.1 A tributação de lucros auferidos por controladas e filiais no exterior é matéria de inovação legislativa, introduzida pelo artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35, de cujo teor tratamos acima. No que tange ao lucro decorrente da exploração indireta de atividades no exterior (por meio de outras empresas), é figura esdrúxula e ímpar109 no direito comparado, oferecendo, daí, maiores dificuldades ao intérprete para sua subsunção ao acordo.

3.2.2.2 A questão da tributação dos lucros auferidos pela controlada ou coligada, no exterior, pode ser resolvida a partir da aplicação do artigo VII do Modelo, como segue:

“Artigo VII

Lucros das empresas

1. Os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer sua atividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável.

2. Quando uma empresa de um Estado Contratante exercer a sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado, serão imputados, em cada Estado Contratante, a esse estabelecimento estável os lucros que este obteria se fosse uma empresa distinta e separada, que exercesse as mesmas atividades ou atividades similares, nas mesmas condições ou em condições similares e transacionasse com absoluta independência.

3. Na determinação do lucro de um estabelecimento estável é permitido deduzir as despesas devidamente comprovadas que tiverem sido feitas para a realização dos fins perseguidos por esse estabelecimento estável, incluindo as despesas de direção e as despesas gerais de administração igualmente comprovadas e efetuadas com o fim referido.

4. Como tem sido habitual que um Estado Contratante determine os lucros a serem atribuídos a um estabelecimento permanente na base da proporção dos lucros totais da empresa a suas várias partes, nada no parágrafo 2 pode impedir o Estado Contratante de determinar os lucros a serem tributados naquela proporção costumeira; o método de repartição adotado deverá, entretanto, ser tal que o resultado deverá estar em acordo com os princípios contidos neste artigo.

5. Nenhum lucro será imputado a um estabelecimento estável pelo fato da simples compra de mercadorias, por esse estabelecimento estável, para a empresa.

6. Para os propósitos dos parágrafos anteriores, os lucros a serem atribuídos ao estabelecimento permanente deverão ser determinados pelo mesmo método ano por ano, a menos que haja uma razão suficientemente relevante para a adoção de outro.

7. Quando os lucros compreenderem elementos do rendimento especialmente tratados noutros Artigos da presente Convenção, as respectivas disposições não serão afetadas pelas deste Artigo.”

3.2.2.2.1 Adota, portanto, o Modelo da OCDE, o princípio do estabelecimento permanente, pelo qual os lucros de empresas são tributados exclusivamente por seu estado de residência, exceto se tais empresas mantiverem um estabelecimento permanente em outro Estado. Repudia, assim, o acordo, a idéia de que um rendimento possa ser considerado “produzido” em um Estado, em razão de ali ser celebrado o contrato que o originou110.

3.2.2.2.2 Pois bem. A regra proposta neste artigo já serve para resolver a questão da competência para tributar os lucros da controlada ou coligada no exterior.

3.2.2.2.2.1 Primeiramente, importa notar que o acordo não deixa dúvidas de que uma subsidiária deve ser tratada independentemente de sua controladora, não havendo, para os efeitos do acordo, qualquer integração entre elas. É o que dispõe o Parágrafo 6 do artigo V:

“6. O fato de uma sociedade residente de um Estado Contratante controlar ou ser controlada por uma sociedade residente do outro Estado Contratante ou que exerce a sua atividade nesse outro Estado, quer seja através de um estabelecimento estável, quer de outro modo, não é, por si, bastante para fazer de qualquer dessas sociedades estabelecimento permanente da outra.”

3.2.2.2.3 Assim, em princípio, a Consulente e sua subsidiária são tratadas, no acordo de bitributação, como dois contribuintes distintos.

3.2.2.2.4 Esta regra poderá não ter validade, como alerta o Comentário da OCDE111, caso a subsidiária venha a agir como comissária de sua controladora, possuindo poderes para concluir contratos em nome de sua controladora, em situação semelhante à que prevê o artigo 398 de nosso Regulamento do Imposto de Renda - RIR/99. Neste caso, aplica-se o disposto no parágrafo 4º do artigo V do acordo, que equipara a estabelecimento permanente o comissário, seja ele pessoa ligada ou não.

3.2.2.2.5 Não possuindo a subsidiária um estabelecimento no Brasil, a regra do parágrafo 1 do Artigo VII não deixa dúvidas de que seus lucros podem ser tributados no outro Estado Contratante. O termo “só”, utilizado no Acordo, implica tributação exclusiva naquele Estado, excluindo-se, no acordo, qualquer pretensão tributária brasileira sobre os lucros da subsidiária.

3.2.2.3 Resta examinar qual a abrangência do termo “lucros”, tendo em vista a atividade a ser exercida pela subsidiária.

3.2.2.3.1 Em sua pesquisa sobre o conceito de “lucros”, argumenta Klaus Vogel que o intérprete deve buscar um significado que se conforme ao contexto, à luz do artigo III (2)112. Tratando-se de rendimento decorrente de uma atividade, podemos cogitar de quatro artigos do acordo: VI (agropecuária), VII (ora examinado), XIV (profissões independentes) e XV (trabalho assalariado). Não são lucros, nos termos do artigo VII do acordo, aqueles rendimentos incluídos nos outros dispositivos elencados.

3.2.2.3.2 Não temos informação suficiente sobre a natureza das atividades exercidas pelas controladas e subsidiárias no exterior. Admitimos, para a finalidade deste parecer, que não se trata de qualquer das hipóteses elencadas acima, permitindo a aplicação do artigo VII ao caso.

3.2.3 Questão mais complexa é a da tributação, pelo Estado brasileiro, dos lucros auferidos por filiais, sucursais, controladas ou coligadas, no exterior, de pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil, nos termos propostos pelo artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35.

3.2.3.1 Abrem-se, aqui, três possibilidades.

3.2.3.2 Num primeiro raciocínio, poder-se-ia entender que o Brasil estaria tributando o próprio auferimento do lucro, no exterior, pela filial, sucursal, controlada ou coligada. Tratando-se de lucros auferidos por controlada ou coligada, a empresa brasileira seria sujeito passivo da obrigação tributária na qualidade de mera responsável (substituição), já que contribuinte seria a pessoa jurídica diretamente ligada ao fato gerador, no caso, à percepção da renda.

3.2.3.2.1 Se fosse assim entendido o mencionado dispositivo legal, i.e., se o próprio lucro, auferido no exterior, fosse tributável, teríamos, no caso de filiais ou sucursais, por aplicável o artigo VII do Modelo, cujo parágrafo 1º confere competência tributária, para a tributação de lucros das empresas, ao Estado onde ela é “residente”. Tratando-se de empresa brasileira, os lucros auferidos por suas filiais e sucursais são tributáveis no Brasil, podendo também ser tributados em outro Estado Contratante, na parte que for imputável à filial ou sucursal. Não se encontraria, pois, vedação a tal tributação no acordo.

3.2.3.2.2 Por outro lado, nos termos do mesmo dispositivo, os lucros auferidos por uma empresa sediada no outro Estado Contratante, sem filiais no Brasil, não podem ser tributados neste último.

3.2.3.2.3 Destarte, se a interpretação do diploma legal acima mencionado levar a compreender que o Brasil pretende estender sua pretensão tributária a contribuintes sediados no outro Estado Contratante que não possuam aqui qualquer estabelecimento permanente, teremos que o acordo de bitributação impedirá aquela tributação.

3.2.3.3 Alternativamente, pode-se entender que a legislação brasileira nada mais faz que desconsiderar, para efeitos tributários, a existência da pessoa jurídica no exterior, tributando o lucro da subsidiária como se fosse decorrente de exploração direta da atividade por sua controladora. Em outras palavras, a exploração indireta da atividade econômica seria equiparada, para efeitos tributários, à direta.

3.2.3.3.1 Se a desconsideração da personalidade jurídica é possível para o direito interno, ela não se estende, de imediato, para os acordos de bitributação.

3.2.3.3.2 Com efeito, já se esclareceu que os acordos de bitributação são tratados internacionais, não se influenciando por regras interpretativas do direito interno. Mais do que isso, da autonomia dos acordos de bitributação decorre a existência de dois momentos distintos de aplicação, não se estendendo, ao âmbito dos acordos, conclusões válidas para o direito interno113.

3.2.3.3.3 Assim, ainda que na legislação interna se possa considerar a controlada, no exterior, mera filial da empresa brasileira, para fins do acordo serão consideradas empresas distintas, a teor do disposto no parágrafo 6º do Artigo V, que não é demais repetir:

“6. O fato de uma sociedade residente de um Estado Contratante controlar ou ser controlada por uma sociedade residente do outro Estado Contratante ou que exerce a sua atividade nesse outro Estado, quer seja através de um estabelecimento estável, quer de outro modo, não é, por si, bastante para fazer de qualquer dessas sociedades estabelecimento permanente da outra.”

3.2.3.3.4 Destarte, qualquer que seja a decisão do legislador interno, para fins do acordo de bitributação a conclusão será sempre idêntica: não estão sujeitos ao imposto brasileiro os lucros auferidos pela subsidiária (tal como definida no acordo), no outro Estado Contratante. Não pode o legislador interno “transvestir” em lucro da controladora aquele auferido por sua subsidiária se este, enquanto não configurar dividendo, não pode ser tributado no Estado da controladora.

3.2.3.4 Por último, resta ver se o acordo de bitributação retiraria da pretensão tributária do Estado brasileiro tais rendimentos, caso se entendesse que não estaria sendo estendida às empresas sediadas no exterior a condição de contribuintes no Brasil nem se estariam tributando os lucros da subsidiária; apenas os ganhos decorrentes da participação societária da controladora é que estariam sendo tributados no momento de seu auferimento. A favor de tal entendimento, corre o argumento de que cada investidor só deve ser tributado na proporção de sua participação. Tributa-se, portanto, o lucro da pessoa jurídica brasileira, decorrente da exploração indireta de atividade econômica no exterior.

3.2.3.5 Neste caso, importa buscar a melhor classificação, no acordo, para a tributação dos ganhos da exploração indireta da atividade econômica.

3.2.3.5.1 O parágrafo 5º do artigo VII do Modelo impõe à regra dos “lucros das empresas” um caráter de subsidiariedade em relação a outros dispositivos do mesmo acordo.

3.2.3.5.2 No caso presente, importaria examinar a aplicabilidade do artigo X114, verbis:

“Artigo X

Dividendos

1. Os dividendos atribuídos ou pagos por uma sociedade residente de um Estado Contratante a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado.

2. Esses dividendos podem, no entanto, ser tributados no Estado Contratante de que é residente a sociedade que paga os dividendos e de acordo com a legislação desse Estado, mas o imposto assim estabelecido não excederá 15 por cento do montante bruto dos dividendos.

As autoridades competentes dos Estados Contratantes estabelecerão, de comum acordo, a forma de aplicar este limite.(...)”

3.2.3.6 Caso se conclua que estamos diante de uma tributação de dividendos, aplicável será o artigo X, que possibilitará ao outro Estado Contratante tributar tais rendimentos, à razão de 15%. Tal será o caso, quando houver uma disponibilidade efetiva sobre o rendimento, por parte do investidor.

3.2.3.7 Daí concluir-se ser válida, à luz do acordo de bitributação, a tributação dos lucros decorrentes da exploração direta da atividade econômica pelo contribuinte, se este, no momento da tributação, é titular do rendimento.

3.2.3.8 Se, por outro lado, inexistir qualquer titularidade, da parte da controladora, sobre os rendimentos sujeitos à tributação, não poderemos aplicar o artigo X do acordo de bitributação, já que o conceito de dividendo, nos termos do parágrafo 3 do artigo 3º, pressupõe, sempre, a existência de um rendimento. Confira-se:

“3. O termo ‘dividendos’ usado neste artigo, significa os rendimentos provenientes de ações, ações ou bônus de fruição, partes de minas, partes de fundador ou outros direitos, com exceção dos créditos, que permitam participar nos lucros, assim como os rendimentos derivados de outras partes sociais assimilados aos rendimentos das ações pela legislação fiscal do Estado de que é residente a sociedade que os distribui. O termo inclui também os lucros auferidos pelo sócio oculto, em regime de conta em participação.”

3.2.4 Finalmente, resta ver, no acordo, a possibilidade da tributação, pelo Brasil, dos dividendos efetivamente distribuídos pela controlada ou coligada no exterior. Neste caso, a resposta é imediata do artigo X, admitindo-se a tributação, no Brasil, além da tributação na fonte (no exterior), esta sujeita à limitação de 15% do rendimento bruto.

3.2.5 Resumindo, encontramos, no âmbito dos acordos de bitributação as seguintes conclusões:

- o Brasil não pode tributar o lucro auferido por empresa sediada no outro Estado Contratante que não possua aqui um estabelecimento permanente, o que exclui a possibilidade de a subsidiária se sujeitar ao imposto brasileiro;

- tampouco pode o Brasil tributar o lucro auferido por empresa brasileira por meio de exploração indireta da atividade econômica, já que, na aplicação do acordo e na investigação de suas conseqüências, não é possível a desconsideração da personalidade jurídica da subsidiária;

- já os lucros auferidos por exploração direta da atividade econômica no exterior (filiais e sucursais) podem ser tributados pelo Brasil, já que o acordo de bitributação, ao permitir a cobrança pelo Estado da fonte, usou a expressão “podem” e não “só podem” ser tributados;

- os lucros e dividendos distribuídos pela controlada ou coligada à Consulente estão sujeitos ao imposto brasileiro.

IV - Resposta aos Quesitos

1. Determinação do momento em que o lucro auferido pela empresa estrangeira é disponibilizado para a controladora brasileira, em confronto com a presunção de disponibilização do lucro prevista no mencionado artigo 74.

O lucro auferido pela empresa estrangeira é disponibilizado para a controladora brasileira no momento em que é acessível a esta. Para cada caso concreto, importará examinar a legislação aplicável e a forma societária em questão. Apenas na hipótese de a mera existência de lucros no balanço da empresa estrangeira gerar à controladora direito sobre seu quinhão é que será possível considerar a data do balanço como momento da disponibilização.

2. Possibilidade de haver disponibilização de lucros de empresa estrangeira para empresa brasileira, quando esta for sua controladora indireta, face a impossibilidade da controlada indireta distribuir lucros diretamente para a empresa brasileira. Nesta hipótese, a controlada direta da CVRD, também localizada no exterior para facilitar a consolidação contábil no Brasil, reconhece o resultado da controlada indireta via equivalência patrimonial.

Dada a premissa de que a controlada indireta está impossibilitada de distribuir lucros diretamente para a empresa brasileira, inexiste, por redundância, disponibilização daqueles lucros para a última.

Noutras palavras, ainda que a empresa estrangeira distribua lucros a sua controladora no exterior, tal fato será neutro para a controladora (indireta) brasileira, a quem importará, somente, o momento em que poderá dispor dos lucros de sua controlada direta.

3. Aplicabilidade dos dispositivos constantes nos tratados para evitar a dupla tributação da renda que, no nosso entender, não possibilitam a tributação pelo Brasil de renda potencial, ou seja, lucros não efetivamente distribuídos pela controlada no exterior da empresa brasileira.

Pelas razões expostas neste Parecer, entendemos que ainda que fosse constitucional a exigência do tributo nos moldes da Medida Provisória nº 2.158-35, encontraria ela óbice nos acordos celebrados pelo Brasil, que apenas permitem a tributação dos dividendos auferidos pela empresa brasileira, não dos lucros da controlada no exterior.

1 Klaus Vogel, p. 27.

2 Cf. Helmut Debatin, “System und Auslegung der Doppelbesteuerungsabkommen”, in Der Betrieb, 1985, Suplemento nº 23/85 ao Caderno nº 39, pp. 1 a 8 (2).

3 Cf. Klaus Vogel, “Zu einigen Fragen des Internationalen Steuerrechts”, in Der Betrieb, 1986, Caderno 10, pp. 507 a 509 (507).

4 Cf. Der Betrieb, 1986, Caderno 10, pp. 510-513.

5 Cf. Jörg Manfred Mössner, Neue Auslegungsfragen bei Anwendung von Doppelbesteuerungsabkommen, Hefte zur Internationalen Besteuerung, Caderno 38, Hamburgo, Institut für Ausländisches und Internationales Finanz- und Steuerwesen - Univesität Hamburg, 1987, p. 7.

6 Cf. OCDE, Model Double Taxation - Convention on Income and on Capital (Relatório do Comitê de Assuntos Fiscais), Paris, OCDE, publicação em folhas soltas, atualizada até 1º de março de 1994, p. I-1.

7 No Brasil, citem-se Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional do Brasil: tributação das operações internacionais, 4ª ed., atualizada, Rio de janeiro, Forense, 1995, pp. 193 e ss.; Gerd Willi Rothmann, Interpretação e Aplicação de Acordos Internacionais contra a Bitributação, tese de doutoramento apresentada junto à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, edição particular, p. 2.

8 O uso do termo “elementos de conexão”, embora largamente empregado, deve ser encarado com restrições, já que no direito internacional privado o elemento de conexão permite o emprego de direito alienígena regendo determinada relação jurídica, enquanto no direito tributário internacional o elemento de conexão apenas serve de parâmetro para a delimitação do alcance da lei tributária interna.

9 Obviamente, pode surgir a bitributação quando dois Estados usam critérios diferentes para a caracterização de seus residentes (por exemplo: local da constituição da empresa vs. local onde se encontra seu centro de decisão), dando-se conflito a partir do elemento de conexão pessoal ou, alternativamente, se houver a adoção de critérios diferentes para a fixação do Estado de fonte (por exemplo: local do pagamento vs. local do exercício da atividade).

10 Xavier, op. cit. (nota 7), p. 22.

11 Ottmar Bühler, Prinzipien des internationalen Steuerrechts - IStR - Ein Systematischer Versuch, Amsterdam, Internationales Steuerdokumentationsbüro, 1964, pp. 163-164.

12 Publications de la Cour Permanente de Justice Internacionale, série A nº 10, pp. 19 e ss. (apud Cf. Klaus Vogel, Theorie und Praxis im Internationalen Steuerrecht, Deutsches Steuerrecht, ano 6, 1968, pp. 427-434 (429-430).

13 Louis Le Fur, Précis de Droit International Public, 3ª ed., Paris, Dalloz, 1937, pp. 501 a 503.

14 Cf. Pitaler, Das Doppelbesteuerungsproblem bei den direkten Steuern, 2ª ed., Colônia, Otto Schmidt, 1967, pp. 163-164; Vogel, op. loc. cit. (nota 12).

15 Xavier, op. cit. (nota 7), p. 23.

16 José Luiz Bulhões Pedreira, Imposto de Renda, Rio de Janeiro, Justec, 1971, pp. 2-67.

17 Xavier, op. cit. (nota 7), p. 201.

18 José Luiz Bulhões Pedreira, Imposto sobre a Renda - Pessoas Jurídicas, vol. I, Rio de Janeiro, Justec/Adcoas, 1979, pp. 201-202.

19 Evolução do Imposto de Renda no Brasil, Fundação Getúlio Vargas, Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda, 1966, passim.

20 Ruy Barbosa Nogueira, Imposto de Renda e Soberania Tributária, in Ruy Barbosa Nogueira (direção e colaboração), Direito Tributário (3 ª Coletânea), São Paulo, Bushatsky, 1971, pp. 9 a 29.

21 Alberto Xavier, op. cit. (nota 7) , pp. 308-209.

22 Klaus Vogel, World-wide vs. Source Taxation of Income - A Review and Reevaluation of Arguments, Influence of Tax Differentials on International Competitiveness, Amsterdam Kluwer, 1989, pp. 117 a 166 (127).

23 Alberto Xavier, op. cit. (nota 7), pp. 251-254.

24 Bulhões Pedreira demonstra a ilegalidade do atual art. 337 do RIR/94, eis que o dispositivo em que se baseia (art. 35 do Decreto-lei 5.844/43) foi revogado pelo art. 63 da Lei nº 4.506/64 - cf. op. cit. (nota 18), p. 208.

25 Bulhões Pedreira, op. loc. cit. (nota 18).

26 Bulhões Pedreira, op. cit. (nota 18), p. 203.

27 Bulhões Pedreira, op. cit. (nota 18), p. 204.

28 Cf. o parecer do autor, publicado na Revista Dialética de Direito Tributário nº 17, pp. 91 a 127 (122).

29 Brandão Machado, Breve Exame Crítico do art. 43 do CTN, Estudos sobre o Imposto de Renda. (em memória de Henry Tilbery), Ives Gandra Martins (coord.), São Paulo, Resenha Tributária, 1994, p. 114.

30 Idem, p. 114.

31 Idem, p. 115.

32 Op. cit. (nota 29), p. 117.

33 Imposto de Renda, edição póstuma, São Paulo, Resenha Tributária, 1975, p. 70.

34 Idem, pp. 117/118.

35 Guia IOB Imposto de Renda Pessoa Jurídica, Procedimento nº 13; Assunto: Fato Gerador do Imposto de Renda - Disponibilidade econômica e jurídica. Atualização nº 02/95, pp. 3 a 7.

36 Caderno de Pesquisas Tributárias, vol. 11, O Fato Gerador do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. São Paulo, Resenha Tributária, co-edição Centro de Estudos de Extensão Tributária, 1986, pp. 298 a 310.

37 Fábio Junqueira de Carvalho e Maria Inês Murgel, IRPJ - Teoria e Prática Jurídica, São Paulo, Dialética, 1999, p. 28.

38 Op. cit. (nota 18), p. 28.

39 Gilberto Ulhôa Canto, A Aquisição de Disponibilidade e o Acréscimo Patrimonial no Imposto de Renda, Estudos sobre o Imposto de Renda, São Paulo, Resenha Tributária, 1994, p. 37.

40 Luciano Amaro, O Fato Gerador do Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza, Caderno de Pesquisas Tributárias, vol 11, São Paulo, Resenha Tributária, co-edição Centro de Estudos de Extensão Tributária, 1986, pp. 391-392.

41 Op. cit. (nota 37), p. 29.

42 Wagner Balera, Caderno de Pesquisas Tributárias, vol. 11, O Fato Gerador do Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza. São Paulo, Resenha Tributária, co-edição Centro de Estudos de Extensão Tributária, 1986, pp. 460-461.

43 Op. cit. (nota 39), p. 38.

44 Luís Eduardo Schoueri, Discriminação de Competências e Competência Residual, Direito Tributário. Estudos em Homenagem a Brandão Machado. Luís E. Schoueri e Fernando A. Zilvetti (coords.), São Paulo, Dialética, 1998, pp. 82 a 115.

45 Klaus Tipke, Princípio da Igualdade e Idéia de Sistema no Direito Tributário, Direito Tributário; Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira, Brandão Machado (coord.), São Paulo, Saraiva, 1984, pp. 515 a 520.

46 No original: Im Gleichheitsatz wurzelt der Gedanke der Generalitäat des Gerechtigkeitsgedankes. Daher verlangt der Gleichheitssatz wesentlich wertungsmässige Konsequenz oder Folgerichtigkeit. Der Gesetzgeber muss das sachgerechte Prinzip, für das er sich entschieden hat, system- oder ­wertungskonsequent zu ende ausführen, er muss seine einmal getroffene Wertentscheidung folferichtig durchhalten. Inkonsequenz ist Messen mit zweierlei Mass, ist Systembruch und führt zu Ungleichbehandlung mehrerer Gruppen, die sich in gleichen relevanten - d.h. gemessen na dem als Vergleichsmaßtab dienenden sachgerechten Prinzip gleichen - Verhältnissen befinden, in Klaus Tipke, Die Steuerrechtsordnung, Colônia, Verlag Dr. Otto Schmidt, 1993, Vol I, p. 354.

47 Sobre o princípio da igualdade, importa referir à obra de Ricardo Lobo Torres, Os Direitos Humanos e a Tributação. Imunidade e Isonomia, Rio de Janeiro, Renovar, 1995, pp. 259 e ss.

48 No original: Ohne ein Prinzip ist Vergleichung nicht möglich, fehlt der Anwendung dês Gleichheitsatzes der maßtab und damit die Grundlage. Ob der Gleichheitsatz beachtet oder verletzt worden ist, kann nur auf grund des inschlhägigen, relevanten Prinzips beurteilt werden. Prinzipienlosigkeit, rechtliches Chaos, bewirkt jedoch nicht mangels eines Vergleichsmaßtabs die Verneinung eines Verstoßen gegen den Gleichheitsatz und damit gegen die Gerechtigkeit. Vielmehr ist Prinzipienlosigkeit Mißbrauch de gesetzgeberischen Gestaltungsmacht oder Willkür und damit ein Grundverstoß gegen die Gleichheitssatz oder Willkür und damit ein Grundverstoß gegen die Gleichheitssatz und zugleich gegen die Gerechtigkeit, ind Die Steuerrechtsordnung, op. cit. (nota 46), p. 345.

49 Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário, Revista dos Tribunais, 1976, p. 26.

50 Gonçalves, José Artur Lima. Isonomia na Norma Tributária. São Paulo, Malheiros, 1993, pp. 64 a 69.

51 Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário, Revista dos Tribunais, 1976, p. 53.

52 Nesse sentido, Geraldo Ataliba para quem a capacidade econômica corresponde “a real possibilidade de diminuir-se patrimonialmente o contribuinte, sem destruir-se e sem perder a possibilidade de persistir gerando riqueza como lastro à tributação” (In Mauricio Conti, p. 32).

53 Bernardo Ribeiro de Moraes. O Objeto e o Fato Gerador do Imposto de Renda, Estudos sobre o Imposto de Renda (em memória de Henry Tilbery), Ives Gandra Martins (coord.); São Paulo, Resenha Tributária, 1994, p. 65.

54 Idem, p. 65.

55 Idem, p. 67.

56 Op. cit. (nota 40), p. 387.

57 Op. cit. (nota 42), p. 462.

58 José Luiz Bulhões Pedreira, Imposto sobre a Renda - Pessoas Jurídicas, vol 1, São Paulo, Justec, 1979, p. 199.

59 Op. cit. (nota 39), p. 37.

60 Op. cit. (nota 39), p. 39.

61 Op. cit. (nota39), p. 39.

62 Hugo de Brito Machado, O Fato Gerador do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, Caderno de Pesquisas Tributárias, vol. 11, Ives Gandra Martins (coord.); São Paulo, Resenha Tributária, co-edição Centro de Estudos de Extensão Universitária, 1986, p. 249.

63 Heleno Tôrres, Pluritributação Internacional sobre as Rendas das Empresas, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2001, p. 207.

64 “At present the CFC system tends to have a clear purpose against tax avoidance, which exceeds rectification of the mere deferral or postponement in the profit allocation to the resident shareholders. In effect, the area of regulation in question is aimed, abovel all, at neutralizing those resident taxpayer activities that divert or accumulate passive income to foreign non-resident, located or not in territories considered to be tax havens.”

65 No original: “The tax system, which is affected, reacts by means of simulation concurrence in fraus legis. To sham conduit company entity conceals the illicit deferral of payment of tax in the residence state of the principal shareholder, so as to avoid the application of a higher tax that he is meant to pay.” (Tulio Rosembuy, Controlled Foreign Corporations - Critical Aspects. Intertax, volume 26, issue II, Kluwer Law International, 1998, p. 341)

66 Cahiers de Droit Fiscal International; Recognition of foreign enterprises as taxable entities; General Report, Amsterdam, 1988.

67 Op. cit., nota 71.

68 David Hughes, The U.K.’s Controlled Foreign Companies Legislation: A Very Real Threat; Tax Notes International, 2000, p. 2.529.

69 Eivany Antônio da Silva, Imposto sobre a Renda: Teoria e Prática, Justiça Tributária, 1999, p. 114.

70 Luís Eduardo Schoueri, Planejamento Fiscal através de Acordos de Bitributação - “Treaty Shopping”, São Paulo, Rev. dos Tribunais, 1995, pp. 31 a 39.

71 Jörg Manfred Mössner, Einführung in das Völkerrecht, Munique, Beck, 1977, pp. 57-58.

72 No original: “Die allgemeinen Regeln des Völkerrechtes sind Bestandteil des Bundesrechts. Sie gehen den Gesetzen vor und erzeugen Rechte und Pflichten unmittelbar für die Bewohner des Bundesgebietes.”

73 A este respeito, confiram-se nossas observações em outro estudo (op. cit. nota 70, p. 95), com referências bibliográficas.

74 Celso D. de Albuquerque Mello, Direito Constitucional Internacional - uma Introdução, Rio de Janeiro, Renovar, 1994, pp. 187-188.

75 ADIn 939-7-DF-medida cautelar - Rel. Min. Sydney Sanches - j. 15.09.93 - Reqte: Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio; Reqdos: Presidente da República e outro - DJU 17.12.93, p. 28.067 - Cf. Repertório IOB de Jurisprudência, 994, 1/7025.

76 Em nosso trabalho anterior (nota 70), chegamos à conclusão da prevalência dos tratados pela lei interna sem, entretanto, nos debruçarmos sobre o dispositivo constitucional ora examinado. A referida decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, estendendo os “direitos e garantias” à matéria tributária, obriga-nos a concordar com a posição de Xavier no sentido de que, efetivamente, os acordos de bitributação estão protegidos constitucionalmente.

77 Para exame da jurisprudência, cf. Luís Eduardo Schoueri, Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro, São Paulo, Dialética, 1999, pp. 156 a 164.

78 Op. cit. (nota 7), p. 116.

79 Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 43.

80 Ruy Barbosa Nogueira, Tratados Internacionais em Matéria de Tributação, Direito Tributário Atual, v. 3 (1983), pp. 341 a 379 (354).

81 Op. cit. (nota 7), p. 81.

82 Trad. por Alfred Schmidt et al., Novo Código Tributário Alemão, Rio de Janeiro, Forense, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Tributário, 1978. No original, encontramos: “Verträge mit anderen Staaten im Sinne des Artikels 59, Abs. 2 Satz 1 des Grundgesetzes über die Besteuerung gehen, soweit sie ­unmittelbar anwendbares innestaatliches Recht geworden sind, den Steuergesetzen vor.”

83 Stephan Eilers, Overide of Tax Treaties under the Domestic Legislation of the U.S. and Germany, Tax Management International Journal, Washington DC, v. 19, 1990, pp. 295 a 304 (296-297).

84 Klaus Vogel, Doppelbesteuerungsabkommen der Bundesrepublik Deutschland auf dem Gebiet der Steuern vom Einkommen und Vermögen: Kommentar auf der Grundlage der Musterabkommen, 2ª ed., revista, Munique, Beck, 1990, pp. 20-21; ibdem.

85 Klaus Vogel (org.), Grundfragen des Internationalen Steuerrechts, Colônia, Otto Schmidt, 1985, p. 266.

86 Franz Klein e Gerd Orlopp, Abgabenordnung - einschließlich Steuerstrafrecht, 4ª ed., rev. e atualizada, 1989, Munique, Beck, pp. 15-16.

87 Helmut Debatin, “Die Abkommen der Bundesrepublik Deutschland zur Vermeidung der internationalen Doppelbesteuerung (Doppelbesteuerungsabkommen) ”, in Rudolf Korn e Helmut Debatin, Doppelbesteuerung - Sammlung der zwischen der Bundesrepublik Deutschland und dem Ausland bestehenden Abkommen über der Vermeidung der Doppelbesteuerung, 8ª (fls. soltas), Systematik - III, Munique, Beck, 1989, p. 89.

88 Hübschmann, Hepp e Spitaler, Kommentar zur Abgabenordnung und Finanzgerichtsordnung, 9ª ed., Colônia, Otto Schmidt, § 2º, Anm. 15.

89 Jörg Weigell, “Das Verhältnis der Vorschrift des § 2a EStG zu den Doppelbesteuerungsabkommen”, Recht der Internationalen Wirtschaft, 1987, pp. 122 a 140 (124-125).

90 Klaus Tipke e Heirich Wilhelm Kruse, Abgabenordnung, Finanzgerichtsordnung: Kommentar zur AO 1977 und FGO (ohne Steuerstrafrecht), 14ª (folhas soltas), Colônia, Otto Schmidt, 1991, § 2º, Tz 1.

91 Jörg M. Mössner, “Zur Auslegung von Doppelbesteuerungsabkommen”, in KARL BOCKSTIEGEL (org.), Völkerrecht, Recht der Internationalen Organisationen, Weltwirtschaft - Festschrift für Ignaz Seidl-Hohenveldern, Colônia, Berlim, Bonn e Munique, Carl Heymanns, pp. 403 a 426 (413).

92 Luís Eduardo Schoueri, Validade de Normas Internas Contrárias a Dispositivos de Acordos de Bitributação no Direito e na Prática Norte-Americana, Revista dos Tribunais - Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, ano 1 (1993), nº 3, pp. 147 a 155, passim, com bibliografia sobre o tema.

93 Cf. parágrafo 2.2 deste estudo.

94 A este respeito, v. Klaus Vogel, op. cit. (nota 84), pp. 30-36.

95 Cf. op. cit. (nota 6), p. A-34.

96 Daí algumas confusões que surgem, já que no direito internacional privado, o termo “qualificação” é empregado quando, numa remissão da lei nacional à lei estrangeira, deseja-se saber como subsumir um fato àquela norma; no direito tributário internacional, a “qualificação” é empregada para se saber qual instituto jurídico do direito nacional corresponde àquele mencionado pelo acordo de bitributação.

97 Cf. Klaus Vogel, op. cit. (nota 84), pp. 46-47.

98 Tal o entendimento de Rothmann (op. cit., nota 7, p. 158).

99 Cf. Klaus Vogel, op. cit. (nota 84), p. 48.

100 Cf. Klaus Vogel, op. cit. (nota 84), pp. 156 e ss.

101 Cf., sobre o assunto, nosso parecer publicado na Revista Dialética de Direito Tributário nº 54, março de 2000, pp. 125 a 139.

102 Cf. Klaus Vogel, op. cit. (nota 84), p. 22; Helmut Debatin, op. cit. (nota 87), Systematik I 37.

103 Alberto Xavier usa a expressão “normas de conflitos internacionais”, embora tenha clara consciência de seu papel. Cf. op. cit. (nota 7), p. 46.

104 Cf. Klaus Vogel, op. cit. (nota 84), p. 22; Helmut Debatin, op. cit. (nota 87), Systematik I 37.

105 Uma explicação sobre ambos os métodos e suas variantes pode ser encontrada em Xavier, op. cit. (nota 7), pp. 541 e ss.

106 Cf. Klaus Vogel, op. cit. (nota 84), p. 23.

107 Cf. Klaus Vogel, op. cit. (nota 84), pp. 26-27.

108 Deixamos de lado a pesquisa quanto aos impostos visados, já que a consulta versa apenas sobre o imposto de renda brasileiro, expressamente nomeado no Artigo II, 1, “b” do acordo.

109 Existe, é verdade, exemplo próximo na França; naquele país, entretanto, tal integração é feita à opção do contribuinte. Outro exemplo a se notar é o da Alemanha, onde existe a “Zugriffsbesteuerung”, disciplinada pelos §§ 7 a 14 da Lei de tributação estrangeira (“Außensteuergesetz”). Diferentemente da solução brasileira, entretanto, o legislador alemão apenas previu uma tributação integrada entre a controladora e a controlada se preenchidos três critérios cumulativos, que revelam a intenção do legislador em somente atingir as operações que caracterizem evasão tributária internacional, a saber: a) somente se imputam à empresa alemã o lucro de empresas controladas; b) localizadas em países com baixa tributação (com os quais, de regra, a Alemanha não possui acordo de bitributação); c) cujo lucro não seja obtido em virtude de participação ativa em atividade econômica. A este respeito, v. Kay-Michael Wilke; Lehrbuch des internationalen Steuerrechts, 3ª ed., revista, Berlim, Neuw Wirtschaftsbriefe, 1990, pp. 28-29.

110 Cf. Klaus Vogel, op. cit. (nota 84), p. 357.

111 Op. cit. (nota 6), Com. ao artigo 5, parágrafo 41: “However, a subsidiary company will consitute a permanent establishment for its parent company under the same conditions stipulated in paragraph 5 as are valid for any other unrelated company, i.e., if it cannot be regarded as an independent agent in the meaning of paragraph 6, and if it has and habitually exercises an authority to conclude contracts in the name of the parent company. And the effects would be the same as for any other unrelated company to which paragraph 5 applies”.

112 Cf. Parágrafo 3.1.5.4.4 deste Parecer.

113 Cf. Parágrafo 3.1.5 e seguintes deste Parecer.

114 Tendo em vista que de regra os acordos de bitributação assinados pelo Brasil prevêem a tributação no Estado da fonte, até certo limite, optamos por nos afastar do Modelo da OCDE, neste particular, adotando a regra brasileira.