Tributação dos Fundos de Pensão: Conveniência ou Equívoco?

Raphael Velly de Castro

Advogado em São Paulo.

Am I supposed to feel sorry for the Knights, pensioners who have to live on less than pounds 12,000 a year (report, 28 September)? Well I don’t, because my wife and myself, who are also pensioners, have to live on less than pounds 9,000 a year. (...). I feel sorry for my son because by the time he reaches pensionable age the state pension will be totally inadequate. He is obliged to pay National Insurance contributions to pay for the people already receiving a state pension and contributions for a pension for himself. Pensioners believe that they paid in for their own pension, but there is no state pension fund and they were actually paying in for the pensions of people who had already retired, and that still applies.”

(Carta de um leitor remetida ao jornal The Independent, Londres, publicada na edição de 10 de fevereiro de 2000)

1. Introdução

Em meados do ano de 2000, ocorreu a primeira emissão dos chamados Brazilian Depositary Receipts (BDRs) em nosso País.

O mercado estava entusiasmado com a novidade: a operação destinava-se à troca de ações dos minoritários de companhias da área de telecomunicações - uma das quais recém privatizada (mais precisamente a Telecomunicações de São Paulo S.A. - Telesp) - por recibos de ações lastreados em títulos da Telefónica de España, a qual detinha o controle indireto da Telesp por meio de sua holding brasileira (Tele Sudeste Celular Participações S.A. - também envolvida na operação).

Sendo uma considerável parte das ações, à época, detida por fundos de pensão de empresas estatais, como a Previ (do Banco do Brasil) e a Petros (Petrobrás), já vinham essas entidades há tempos discutindo na Justiça a sua condição de entidades assistenciais, para escapar da tributação de suas operações: alegavam estas, com fulcro no art. 150, VI, letra “c”, da Constituição Federal (“CF/88”)1, que estariam compreendidas na imunidade prescrita pelo comando constitucional, não sendo, portanto, devidos quaisquer tributos pelas mesmas ao realizarem as suas atividades.

Ante a possibilidade de aumentar a arrecadação mediante a taxação desses fundos, a Secretaria da Receita Federal (SRF) pôs-se a maquinar a imposição fiscal que atenderia a seus objetivos. No dia 18 de abril de 2000, as más expectativas do mercado se justificariam, em vista da edição, pela SRF, do Ato Declaratório nº 25 (AD 25/00), o qual, considerando que i) o Certificado de Depósito de Valores Mobiliários (no caso, BDRs) representaria valores mobiliá­rios de emissão de companhia aberta, ou assemelhada, com sede no exterior; ii) para a emissão do BDR por instituição depositária no Brasil, tornar-se-ia necessário adquirir os correspondentes valores mobiliários, com a conseqüente transferência de recursos para beneficiário domiciliado em outro país, configurando assim um investimento no exterior; e iii) que, embora a negociação do BDR fosse realizada exclusivamente no mercado brasileiro, existiria a possibilidade de o investidor receber rendimentos do exterior, determinou a tributação dos fundos de pensão nessas operações nos seguintes termos:

a) os ganhos auferidos na alienação dos BDRs seriam tributados pelo imposto de renda de acordo com as regras aplicáveis à negociação, no Brasil, de valores mobiliários emitidos por pessoas jurídicas domiciliadas no País; e

b) seriam tributados pelo imposto de renda de acordo com as regras aplicáveis a investimentos realizados no exterior por residentes ou domiciliados no País as seguintes modalidades de ganhos:

I - os rendimentos pagos pela companhia emissora dos valores mobiliários representativos do BDR; e

II - os ganhos de capital apurados na alienação desses valores mobiliários no exterior, na hipótese de cancelamento do BDR.

Obviamente, ao sabê-lo, o mercado demonstrou toda a sua insatisfação, sendo que arrefeceu por completo o anterior ânimo dos administradores dos fundos de pensão com o programa de BDRs, o que desencadeou uma irrefreada corrida pela venda das ações da Telesp ainda em suas carteiras. O preço das mesmas, como não poderia deixar de ser, sofreu uma queda bastante considerável. O mais grave porém, era o temor de que os pequenos investidores, ao constatarem a movimentação dos fundos, fizessem a mesma coisa, baixando ainda mais o preço das ações, além do risco de a primeira operação dessa espécie no Brasil ser percebida como um fiasco pelo mercado, uma vez que os fundos não estariam dela participando, em decorrência da tributação que recentemente lhes havia sido imposta pela SRF.

Nem seria preciso dizer, o resultado do primeiro programa de BDRs realizado no País ficou aquém das expectativas de seus maiores interessados.

2. Colocação do Problema

O exemplo acima descrito parece-nos ser bastante representativo da influência fundamental sofrida pelo mercado de capitais em razão de medidas tributárias, sobretudo no que diz respeito aos fundos de pensão. O tema reveste-se de atualidade mais uma vez, em vista da disposição do Governo - municiado pela eventual cassação da imunidade constitucional dos fundos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) - em tributar essas entidades não mais apenas quando do recebimento dos benefícios pelos seus participantes, mas também nas suas operações e investimentos.

As autoridades fiscais tencionam poder contar com os recursos oriundos dessa eventual cobrança, com vistas a um reajuste do salário mínimo acima dos 5,57% propostos pelo Governo Federal. Segundo as estimativas da SRF, caso o STF emita decisões a favor do Governo nos processos referentes à matéria, haverá arrecadação extra de R$ 9 bilhões por débitos atrasados, além da arrecadação anual de R$ 2 bilhões. Pressionado pelo anseio de aumento do salário mínimo, ao qual também estão atrelados os proventos e a aposentadoria do funcionalismo - daí a sensibilidade para o problema da concessão do aumento sem rombo no erário público - não há dificuldade em concluir que o Governo dispenderá sensíveis esforços para a aprovação de tais medidas. Como se vê, é questão que apresenta fortes contornos políticos, além dos puramente jurídicos, econômicos e fiscais.

O presente trabalho é uma modesta tentativa de contribuição para esse debate, com o objetivo de trazer à reflexão os eventuais vícios e virtudes de medidas dessa monta.

3. Entidades de Previdência Complementar: Conceitos e Questões Básicas

Os chamados fundos de pensão são o braço instrumental das entidades de previdência privada (também chamada de complementar). Estas, em contraposição à previdência pública patrocinada e administrada pelo Estado (no Brasil representado pelo Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS), são entidades privadas, cuja principal atividade consiste na captação junto ao público em geral (no caso de entidades abertas de previdência privada) ou de empregados de uma mesma empresa ou grupo de empresas - sejam estas públicas ou privadas (quando então se trataria de entidades fechadas de previdência privada), para custear a aposentadoria daqueles que nelas aportam seus recursos e contribuições.

O instituto da previdência privada nasceu na esteira da falência do modelo estatal puro do Welfare State, sobretudo nos Estados Unidos e na Inglaterra, durante a primeira metade do século XX: impossibilitados de manter o mesmo padrão social com base apenas nos recursos provindos do Estado, os agentes econômicos se viram obrigados a buscar alternativas para custear a própria aposentadoria, mediante a administração de recursos captados junto a terceiros, para posterior aplicação dos mesmos e repartição de seus rendimentos entre os participantes dos fundos.

Modernamente, em países europeus como a França, a Itália e a Alemanha, o instituto da previdência privada reveste-se de fundamental importância, tendo em vista o estágio de envelhecimento de sua população, o que reduz drasticamente a disponibilidade de recursos estatais para custear a previdência da população que vai se retirando (ou já se encontra fora) do contingente economicamente ativo. Já em outros, principalmente a Dinamarca, a Suécia e a Noruega, não são poucos a afirmar que o atual estágio de desenvolvimento e padrão de vida desses países só teria sido possível graças, dentre outros fatores, à cultura de adoção e aplicação em fundos de previdência privada, cujo fluxo de investimentos garante a liquidez da economia e o altíssimo nível social da população.

Por outro lado, como representante típico das chamadas nações “em desenvolvimento”, o Brasil não dispõe de importâncias suficientes para garantir aos trabalhadores um padrão de vida pós-aposentadoria similar ao dos tempos da ativa, pelo menos no âmbito estritamente público (INSS). Daí vai que, nos países em desenvolvimento, a manutenção de um nível de vida aceitável na aposentadoria necessitaria tanto (ou mais) da poupança privada quanto qualquer país desenvolvido que não apresente problemas fiscais crônicos; por outras palavras - ao menos estritamente sob o prisma da disponibilidade de recursos - seria absolutamente fundamental a via das entidades de previdência complementar para assegurar seu nível de vida, quando de seu egresso da população economicamente ativa.

Os fundos de pensão (mais precisamente as entidades de previdência privada) foram disciplinados pela primeira vez no País pela Lei nº 6.435, de 15 de julho de 1977 (Lei 6.435/77).2 O conceito legal dessas entidades foi definido como “as que têm por objeto instituir planos privados de concessão de pecúlios ou de rendas, de benefícios complementares ou assemelhados aos da Previdência Social, mediante contribuição de seus participantes, dos respectivos empregadores ou de ambos” (grifamos) - divididas em fechadas e abertas,3 conforme acima exposto.

Consoante dispõem os Decretos que regulamentaram a lei,4 os diferentes tipos de entidades de previdência privada estão subordinados a autoridades diversas, no âmbito da Administração Pública: as entidades fechadas estão sob jurisdição do Conselho de Previdência Complementar (CPC) e Secretaria de Previdência Complementar (SPC), ambos compreendidos na estrutura do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS). No caso das entidades abertas, encontram-se estas subordinadas ao Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), no âmbito do Ministério da Fazenda.

Munido dos elementos acima mencionados, o intérprete já teria à sua disposição elementos importantes na determinação da natureza de cada uma dessas modalidades de previdência complementar, com vistas a aferir o exato alcance da imunidade constitucional: ao determinar a inclusão das entidades de previdência aberta na esfera de atuação do Ministério da Fazenda, mais precisamente sob jurisdição em última instância do CNSP, quis o legislador aproximar os planos oferecidos por tais entidades aos contratos de seguro. Aliás, semelhante previsão consta expressamente do art. 10, caput e § 2º, da Lei 6.435/77.5

De fato, a Exposição de Motivos da Lei 6.435/77 já evidenciava a necessidade de tratamento diverso entre as entidades voltadas ao público em geral (abertas) e as destinadas especificamente aos empregados de uma determinada empresa ou grupo de empresas (fechadas), adotando como parâmetro justamente a diferença de natureza e de finalidade entre os tipos de contribuição existentes entre umas e outras. No caso de entidades fechadas, seria exatamente o vínculo dos participantes com a empresa patrocinadora que possibilitaria “a elaboração de planos efetivos de previdência, ou seja, planos em que existe um relacionamento direto com os proventos do trabalho, cuja continuidade se intenta garantir, na inatividade ou após a morte, em benefício dos dependentes”.6 Relativamente aos planos oferecidos por entidades abertas, não se sobressairia a natureza assistencial de suas atividades, até porque a lei admitiu, ao contrário do previsto para as entidades fechadas, que tivessem finalidade lucrativa, e fossem constituídas sob a forma de sociedade anônima.7

Interpretando-se todas as previsões legais e regulamentares acima elencadas, e assumindo-se portanto que as entidades abertas de previdência privada têm seus planos aproximados à natureza dos contratos de seguro, é possível vislumbrar um forte argumento contra o seu possível caráter assistencial, além da sua possibilidade de lucro: os seguros, sendo contratos aleatórios8, não admitiriam jamais a qualificação de assistência, pois, no momento da sua celebração, nem ao menos seria possível determinar se a prestação do segurador será efetivamente devida ou não - daí a alea do contrato -, em oposição à prestação do segurado (prêmio) que é devida desde o início da vigência contratual. Assim, como a prestação do segurador só será implementada mediante a verificação de certas condições, não haveria que se falar em assistência, pois o objeto de sua obrigação, além de futuro e incerto, não seria fornecer ao segurado assistência de qualquer tipo, mas apenas e tão-somente ressarci-lo por despesas e prejuízos sofridos, oriundos estes do sinistro contra o qual o segurado quis se prevenir. Ou seja: nos seguros, ontologicamente considerados, a prestação da entidade seguradora não é a ajuda, assistência ou auxílio de qualquer espécie, mas apenas ressarcimento de prejuízos sofridos pelo segurado em decorrência do sinistro, e nada mais.

Entendendo então o legislador que as entidades abertas de previdência privada têm como única finalidade a “instituição de planos de concessão de pecúlios ou de rendas”, cuja natureza se aproxima àquela dos seguros, terminou ele na verdade por retirar o caráter assistencial das mesmas, pois, não fosse suficiente o fato de que tais instituições podem auferir e distribuir lucros (já que podem ser constituídas sob a forma de sociedade anônima) - o que lhes confere um viés de prestadora de serviços, isso além de ter a sua prestação devida em momento futuro e indeterminável - ainda encontram-se as mesmas sob competência do Ministério da Fazenda (mais precisamente o CNSP); não haveria mesmo sentido em se entender a questão de maneira diversa, até porque a aprovação dos planos de benefícios por elas ofertados seguem critérios determinados “segundo normas gerais e técnicas aprovadas pelo órgão normativo do Sistema Nacional de Seguros Privados”.9 Caso a natureza desses planos fosse efetiva e essencialmente diversa daquela dos seguros (e portanto próxima da assistência social) estar-se-ia certamente em face de previsão legal teratológica, por absurda.

Já relativamente às entidades fechadas, não só a lei e a regulamentação em vigor destacam como elemento nuclear de seu conceito o caráter complementar ou semelhante aos benefícios da Previdência Social, como incluem expressamente tais entidades na esfera de atuação do MPAS, cujas funções, segundo a Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998, que “dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios e dá outras providências” (Lei 9.649/98), compreendem, dentre outras, a previdência social, a previdência complementar e a assistência social.10

Por derradeiro, conforme já dito acima, e uma vez devidamente esclarecidos os conceitos de entidades de previdência complementar abertas e fechadas, os fundos de pensão são os instrumentos de que se servem as últimas para administração e multiplicação das contribuições efetuadas por seus participantes, de sorte a provê-los de uma aposentadoria mensal fixa e vitalícia, em complementação à pensão governamental concedida pelo INSS. Dito isto, deve restar claro que entidades fechadas de previdência privada e fundos de pensão são entes jurídicos diversos: os últimos são mero instrumento financeiro daquelas, e com estas não devem ser confundidos, até porque as mesmas são as únicas dotadas de real personalidade jurídica, pois os fundos formados para investimento de qualquer tipo, seja de cunho social ou especulativo, são entes despersonalizados.11

Assim sendo, por mais que se traga à lembrança o vulto das quantias movimentadas por essas entidades, não se há de olvidar o seu objeto que, em essência, é nitidamente social. Ademais, principalmente no caso de entidades fechadas, por lhes ser imposta por lei a inexistência de finalidade lucrativa, a idéia da tributação de suas aplicações se nos assevera ainda mais estranha, pois ainda que se argumente que muitas vezes são privilegiados os aspectos financeiros e especulativos de suas atividades (o que nos parece, no máximo, uma meia-verdade), também é fato que os mesmos se constituem de importantes veículos de melhora de padrão de vida, distribuição de renda, democratização do acesso ao mercado e otimização de gerência das companhias abertas. No caso das entidades fechadas, frise-se mais uma vez que, além dos argumentos já elencados até aqui para justificar a sua condição de merecedoras de benefícios fiscais em suas atividades, os recursos são apenas administrados por estas, as quais não se beneficiam dos rendimentos das aplicações dos fundos, em razão justamente da vedação de finalidade lucrativa que lhes é cominada em lei - até porque não seria a estas que pertenceriam os rendimentos, mas sim aos seus pensionistas e beneficiários.

4. Função Econômica dos Fundos de Pensão

Vimos, até o momento, os conceitos básicos relativos à problemática das entidades de previdência complementar, e porque estariam as entidades fechadas a merecer maior amparo contra a tributação de suas operações. Passaremos, agora, à investigação do impacto socioeconômico da eventual adoção dessa taxação, tendo em vista o papel fundamental desempenhado pelos fundos de pensão no desenvolvimento do mercado de capitais nacional, sobretudo nesses tempos em que se pretende dotar a instituição mercado de capitais de maior transparência e eficiência, ao escopo de atrair cada vez mais investimentos para o País, liberando assim as empresas - na medida do possível - dos empréstimos bancários e dos financiamentos internacionais.

Modernamente, sobretudo em países cuja tradição jurídica é mais avançada do que no Brasil, passou-se a se pensar o Direito também em termos de sua eficiência social, de forma a produzir reflexões também acerca das conseqüências econômicas da aplicação das normas jurídicas. Evidentemente, alguns ramos do Direito se prestam mais imediata e visivelmente a essas preocupações, dentre estes se destacando, por óbvio, o Direito Tributário - mormente em se tratando de tema relacionado ao mercado de capitais.

Nessa análise econômica (por assim dizer) da questão - poderíamos dizer até análise pré ou extrajurídica - caberia então investigar basicamente três fatores, a saber: i) tipo de poupança alocada nos fundos de pensão em relação às demais formas de poupança na economia; ii) sensibilidade dessa poupança às mudanças no regime fiscal; e iii) efeito econômico e social de uma redução nos volumes de contribuições destinados aos fundos de pensão.12

Claro está que, neste ponto, a questão se reveste muito mais de um caráter de política econômica - no sentido que lhe emprestam Farjat13 e Washington Peluso de Souza14 - do que propriamente de questão jurídica; ou seja, diante de um dado contexto fático-econômico, estaria o Estado diante da decisão de tributar (ou não) um dado segmento do mercado. Que contexto, portanto, seria este?

Segundo entrevista recentemente concedida pelo Presidente da Associação Brasileira de Entidades Fechadas de Previdência Privada - ABRAPP, Carlos Duarte Caldas15, as entidades fechadas de previdência privada mantêm atualmente um patrimônio de aproximadamente R$ 135 bilhões, o que corresponderia a uma parcela de 12% a 13% do PIB nacional - o que é bastante inferior aos percentuais de países desenvolvidos, os quais têm mais tradição nesse tipo de investimento,16 ainda que se trate de volume considerável de recursos disponíveis para investimento no mercado nacional.

Mesmo assim, conforme argumentam as entidades representativas dos fundos, a idéia da tributação tem por pressuposto um grande equívoco, qual seja, a de que os fundos seriam opulentos veículos de investimento, centrados mais nas questões e aspectos financeiros de suas atividades. Tal, de fato, no mínimo, não seria inteiramente verdadeiro, uma vez que os fundos (das entidades fechadas) apenas captam recursos de trabalhadores de quem i) não se pode exatamente dizer que sejam especuladores, ou que visem ao enriquecimento como causa primordial de sua aplicação; e ii) ainda que movimentem vultosas somas de dinheiro, não se poderia perder de vista, ainda mais no Brasil, que os fundos são participantes fundamentais (portanto catalisadores) do mercado de capitais, e que, desta forma, é grande a necessidade de seus recursos para desenvolver o mercado enquanto instituição. Seus quotistas, ressalta Carlos Flory, da Petros, “são pessoas que estão abrindo mão do consumo e constituindo poupança” para as suas aposentadorias e pensões.17 O reflexo da tributação consoante os objetivos da SRF, segundo alguns especialistas, seria, inclusive, diametralmente oposto ao visado: argumenta-se que, ao fazê-lo, os indivíduos terminariam optando por deslocar suas poupanças para outros veículos, que apresentassem maiores vantagens fiscais, e que a provável queda nos benefícios pagos pelas entidades fechadas de previdência privada também levaria, em última análise, a uma perda de receita fiscal, pois estes rendimentos são tributáveis no Brasil.18

Logo, aos poucos, a questão vai se direcionando ao que Rabelo denomina “decisão crucial”, “quando se trata de elaborar um sistema tributário dirigido a um sistema privado de pensão”19, qual seja, a escolha do momento exato (ou mais economicamente eficiente) em que o fundo garantidor dos benefícios de seus contribuintes e pensionistas deveria ser tributado.

Segundo o autor, existem basicamente quatro tipos de tributação para os fundos de pensão, conforme o momento (ou momentos) em que o fundo se submete à imposição tributária, ilustrados no quadro a seguir:

IIT

TII

TTI

ITT

Contribuições

Isentas

Tributadas

Tributadas

Isentas

Rendimentos

Isentos

Isentos

Tributados

Tributados

Benefícios

Tributados

Isentos

Isentos

Tributados

Fonte: Flávio Marcílio Rabelo, Tributação dos Fundos de Pensão, p. 14 (elaboração do autor).

A tabela acima ilustra bastante bem a questão, que, como já pode ser intuído, é absolutamente crucial no correto entendimento do problema, bem como na busca de uma solução mais adequada para a realidade nacional.

O grande nó da tributação dos fundos de pensão é a descoberta do momento mais eficiente para tributá-los, se e quando for o caso de fazê-lo. Basicamente, os dois princípios fundamentais que norteiam a tributação dos fundos são o imposto sobre o gasto (expenditure tax) e o imposto amplo sobre a renda (comprehensive income tax).20 A distinção entre estes é o tipo de neutralidade - aqui entendida no sentido econômico de que a tributação não deveria influenciar na escolha dos agentes de mercado - que os mesmos visam a alcançar: entre consumo e poupança, ou entre o consumo em diferentes períodos no tempo.21 Nos regimes nos quais se tributam exclusivamente os benefícios (IIT) ou as contribuições (TII), temos o imposto sobre o gasto; nos demais (TTI e ITT), ter-se-ia o imposto amplo sobre a renda.

Outra utilidade do quadro acima exposto é que ele permite uma valiosa conclusão, sobretudo no que diz respeito à tributação de um veículo no mercado de capitais: ao mostrar o exato momento da incidência do imposto, ele ilustra de maneira facilmente inteligível o diferimento do tributo, ou seja, quais são - e em que momento estariam disponíveis - os fundos para investimento e acumulação.

Aparentemente, estaríamos diante de hipóteses de tributação similares, em se tratando dos sistemas IIT e TII, porquanto, em ambos, os rendimentos das aplicações efetuadas pelos fundos não são tributados. Não obstante, e aqui demonstramos a utilidade da tabela mencionada acima, a conclusão é errônea justamente em vista do momento da tributação: conforme demonstra Rabelo,22 supondo-se um sistema de alíquotas progressivas de Imposto de Renda, bem como uma menor renda pós-aposentadoria (como, aliás, ocorre no Brasil), ao tributar a renda pré-acumulação, o Fisco estaria, na verdade, arrecadando menos imposto ao final - isto sem contar a possibilidade de posterior mudança das regras do jogo, com cassação, pelo Governo, da isenção final, quando da distribuição do benefício.

Por outro lado, no sistema IIT, o diferimento significa que a renda pré-imposto é que estará disponível para acumulação, de forma que os benefícios outorgados constituem simplesmente uma forma de transferir poder de compra ao longo do tempo,23 já que, em vez de consumir agora, o pensionista, movido pelo estímulo fiscal, prefere alocar sua renda para poupança, de forma a ganhar maior poder aquisitivo para o futuro, quando não terá mais condições de seguir trabalhando e, logo, de auferir renda.

Vê-se, portanto, que a vantagem do sistema IIT é justamente o estímulo à poupança, ao contrário dos sistemas calcados no imposto amplo sobre a renda (TTI e ITT), que, ao tornarem a taxa de retorno pós-imposto menor do que a taxa pré-imposto (vide tabela acima) - mediante a tributação também dos rendimentos -, reduzem o incentivo ao ato de poupar.

Outro dado bastante característico a respeito das aplicações em fundos de pensão, seria a “inamovibilidade” da poupança alocada para esses veículos. De fato, outras formas de investimento são mais facilmente desconstituíveis para a satisfação de necessidades imediatas do que as aplicações em fundos de previdência complementar fechada, uma vez que são contratualmente impostas penalidades e desestímulos a um saque antecipado dos recursos anteriormente aplicados. Óbvio então está que isso lhe confere um viés desestimulante como investimento, o qual só pode ser remediado por meio de incentivos de ordem fiscal, visto que seriam estes que estimulariam os aplicadores a conservar a sua poupança, e não a dissipá-la com consumo imediato. Logo, conclui-se que o tipo de poupança e de aplicador em fundos de pensão são bastante sensíveis aos movimentos fiscais do Governo, uma vez que estes constituem o atrativo básico para quem deseja “imobilizar” recursos nesse tipo de investimento, quando poderia facilmente destiná-los ao consumo e satisfação imediata de necessidades.

Como prova disso, fazemos menção a uma notícia publicada na edição de 24 de novembro de 2000, no jornal Gazeta Mercantil, onde se percebe até que ponto iriam os investidores para transferir recursos de entidades fechadas para entidades abertas de previdência privada. A notícia trata da chamada “portabilidade” (ou transferência entre diferentes entidades de previdência complementar): desejando transferir seus recursos de uma entidade a outra, sem a incidência de Imposto de Renda, os pensionistas não hesitam em ingressar na Justiça contra a tributação imposta pela Fazenda, a qual seria incidente em virtude da inexistência de previsão legal para esse tipo de operação (transferência); caso o investidor assim procedesse, deveria resgatar a poupança alocada em uma entidade (quando então incidiria o IR), para posterior reaplicação em outra. Destaque-se que a operação encontra previsão regulamentar em texto editado pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), mas apenas quando se dá entre entidades abertas. Já foram concedidas liminares a favor dos pensionistas, tendo como fundamento, inclusive, o desrespeito a preceitos constitucionais - como os princípios da igualdade e da legalidade.

A razão para a menção da notícia acima, não obstante, é a causa por trás do anseio de transferência de recursos de um tipo de entidade a outro: a composição da carteira de investimentos por entidades fechadas de previdência privada (através dos fundos de pensão) é determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), o qual emitiu a Resolução nº 2.720, de 24 de abril de 2000 (Res. 2.720/00)24. A Res. 2.720/00, em seu Regulamento Anexo (RA), aprova e consolida as normas que disciplinam a aplicação de recursos das entidades fechadas de previdência privada, as quais, observadas as limitações estabelecidas relativamente aos correspondentes requisitos de composição e de diversificação de suas carteiras, devem alocar os seus recursos, dentre outros segmentos, em ações negociadas em mercado, além de outros valores mobiliários, como as debêntures, por exemplo.25 Ou seja, esses fundos, que, conforme visto acima, são participantes fundamentais do mercado de capitais nacional, são obrigados a nele aportar recursos, o que não ocorre com as entidades abertas de previdência complementar. Daí decorre que, nos termos da notícia acima, já se vislumbra o que poderia ocorrer caso o tratamento tributário dispensado a esses fundos fosse considerado desvantajoso pelo mercado: uma debandada geral para as entidades abertas, inclusive com a propositura de um sem-número de medidas judiciais visando a afastar qualquer tributação no momento da transferência.

Por derradeiro, outros argumentos a justificar a necessidade de privilégios tributários para os fundos de pensão seriam o seu já mencionado impacto positivo no mercado de capitais,26 e a capacidade desses fundos de lidar com questões de governança corporativa.27

5. Análise Jurídico-formal da Tributação das Entidades de Previdência Complementar

A análise empreendida no item 4 acima procurou mostrar, em breves contornos, como funciona a dinâmica econômica dos fundos de pensão e de suas operações, além dos impactos causados pela eventual tributação de suas aplicações, tendo em vista a natureza dos recursos que neles são aportados, e, principalmente, do tipo de poupador que deles participa. Assim, após a exposição supra, já seria possível a determinação acerca da conveniência dessa tributação (como forma de política econômica; ou, no caso, de política fiscal). Inobstante, o objetivo, agora, é aprofundarmos essa investigação, mediante o empreendimento de uma análise intra-sistema do assunto, auxiliada esta tanto pelas conclusões a que já chegamos até aqui, como por teorias jurídicas àquele porventura aplicáveis.

5.1. Disciplina constitucional da matéria: a imunidade

A imunidade de entidades assistenciais já vem sendo consignada em nível constitucional desde o texto da Carta Magna de 1946.28 Conforme já visto, na CF/88, a mesma vem exposta no art. 150, VI, letra “c”, vedando a imposição tributária sobre o patrimônio, renda ou serviços das “instituições de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; (...)” Frise-se, mais uma vez, que se está diante do benefício fiscal da imunidade.

A imunidade consiste precisamente na impossibilidade de se instituir tributo, em virtude de determinação constitucional, relativamente a certos fatos, atos ou pessoas expressamente definidos; nos dizeres de Gilberto de Ulhôa Canto, “é a impossibilidade de um ente público dotado de poder impositivo exercê-lo em relação a certos atos, fatos ou pessoas”, a qual “decorre de uma proibição imanente, porque constitucional”.29 Importantíssimas as conseqüências que decorrem desse fato: em primeiro e evidente lugar, ao vedar a instituição de tributo relativamente às entidades de assistência social em nível constitucional, portanto dotando-as de imunidade tributária, o legislador constituinte, seguindo tradição já consagrada no Direito Pátrio, automaticamente revestiu o mencionado benefício da maior solidez e segurança possíveis no sistema jurídico brasileiro, exatamente porque o fez em nível constitucional. Ou seja, uma vez decididos pela cassação do benefício, os congressistas só poderiam fazê-lo mediante Emenda Constitucional, ou, querendo aclarar ou qualificar o texto constitucional sobre a imunidade em tela, só poderiam implementá-lo mediante Lei Complementar, sendo certo que ambas necessitam de trâmite diferenciado para a sua válida aprovação.30

No sistema brasileiro, não existe, portanto, outra alternativa tendente à cassação ou esclarecimento dos benefícios fiscais de que são titulares as entidades assistenciais constantes do art. 150, VI, “c”, porque assim foram agraciadas constitucionalmente. O reflexo disso é fundamental, pois consagra, pela elevação ao nível do Texto Supremo, a função social das referidas entidades, uma vez que não é dado ao legislador ordinário alcançar o benefício. Logo, é evidente que o constituinte reputou de tal importância as atividades empreendidas por tais entes, que a cristalizou no bojo da Carta Magna.

Mesmo assim, alguns há que confundem a imunidade com institutos outros que, mesmo tendo reflexo econômico idêntico (o não recolhimento do tributo), com a imunidade não se podem identificar no plano jurídico. Estamos ora a falar sobre a isenção e a nãoincidência. Ensina Ulhôa Canto que a isenção é “expressa, deliberada e taxativa omissão, pelo ente público que tem competência para instaurar determinado tributo, do exercício dessa competência, quanto a fatos, atos ou pessoas. A lei que emana do próprio ente público que, dotado de competência, renuncia, em razão de circunstâncias de ordem vária (social, política e econômica), ao respectivo exercício”.31 A isenção é, portanto, estabelecida em lei ordinária, relativamente a determinadas pessoas, atos ou fatos, e, em assim sendo, igualmente por lei ordinária pode ser retirada. Já a não incidência “(...) tem a significação rigorosa de inexistência de disposição prevendo o fato gerador”.32

Como se vê, não podem ser confundidas as três categorias, pois são distintos os seus efeitos jurídicos, sobretudo no que tange à cassação do benefício anteriormente concedido: na imunidade e na isenção, o ente público competente para instituir tributo renuncia expressamente à faculdade de fazê-lo; inobstante, tal é feito em sedes legislativas diversas, porquanto a primeira fica consignada em nível constitucional, e a última em lei ordinária, característica essa fundamental para a determinação tanto do alcance do benefício quanto de sua magnitude, por assim dizer. Em se tratando de não incidência, nem mesmo norma existe que defina uma dada hipótese fática como pressuposto de incidência tributária, de sorte que, nesse caso, tributo algum há.

5.2. O Código Tributário Nacional (CTN)

Note-se que, ao final da alínea “c”, a própria CF/88 faz remissão ao texto da lei, de forma que se chega então à conclusão de que a norma constitucional não seria autoexecutável. Sistematicamente interpretada, a norma prevista na referida alínea remete o intérprete à conclusão de que a vedação de cominação tributária - expressão da própria CF/88 - estaria condicionada ao atendimento, pelas respectivas entidades, de requisitos previstos em textos infraconstitucionais; por outras palavras: estaria alcançada pelo benefício constitucional da imunidade (vedação de tributação), a instituição que, “nos termos da lei”, preenchesse a qualidade de “assistência social”.

De que lei, portanto, estaria tratando o texto constitucional? Mais uma vez, socorremo-nos do magistério de Ulhôa Canto:33

“Somente lei complementar pode qualificar, esclarecer as disposições constitucionais sobre imunidade tributária, ou estabelecer requisitos que a letra “c” do item III do art. 19 da Carta Magna comete ao legislador o encargo de definir, como condição de prevalência do benefício que assegura”. (grifamos)

É à Lei Complementar que cabe o preenchimento do conceito esboçado na CF/88. Com efeito, ao tratar da matéria, Ulhôa Canto menciona que constava do art. 2º, IV, letra “c”, da Emenda Constitucional nº 18, de 1º de dezembro de 1965, expressa alusão a certos “(...) requisitos fixados em lei complementar”.34 O ilustre tributarista prossegue, explicando que, ao regular a matéria, a Constituição Federal de 1967, no item III de seu art. 20, excluiu a menção a “lei complementar”, deixando apenas a expressão “observados os requisitos fixados em lei”. De notar, não obstante, que a própria Carta de 1967, em seu art. 19, § 1º, determinava que “lei complementar estabelecerá normas de direito tributário, disporá sobre os conflitos de competência tributária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações constitucionais ao poder de tributar” (grifamos).

Ou seja, já à época, não caberia, como chegaram a entender alguns, o preenchimento, por lei ordinária, das condições necessárias à concessão do benefício tributário endereçado às entidades de assistência social, em virtude da supressão da palavra “complementar” no item III do art. 20 em questão. Da mesma forma, não há razão para assim entender atualmente, já que a CF/88 determina expressamente que cabe à Lei Complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, nos termos de seu art. 146, II. A questão, com efeito, não poderia mesmo ser entendida de maneira diversa, sob pena de se inutilizar por completo o instituto da imunidade, ao deixá-lo alcançável pelo legislador ordinário.

Logo, a “Lei Complementar” de que ora se trata é a Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, ou Código Tributário Nacional (CTN).35 Diz o CTN em seus arts. 9º e 14, respectivamente, que (i) “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (...) cobrar imposto sobre (...) o patrimônio, a renda ou serviços de (...) instituições (...) de assistência social (...)”; e (ii) “o disposto na alínea “c” do inciso IV do art. 9º36 é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I) não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou participação no seu resultado; II) aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; e III) manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. (...)”

O art. 9º do CTN basicamente repete o comando constitucional imunitório do art. 150, VI, “c”, enquanto o art. 14 é que efetivamente complementa a referida imunidade, ao prescrever os requisitos a serem preenchidos pelas entidades que se pretendam titulares do benefício fiscal. Estariam aí, portanto, os pressupostos legalmente definidos como requisitos para a concessão do benefício da imunidade.

Muito se tem discutido na doutrina a respeito do caráter gratuito dos serviços dessas entidades. A corrente que prevaleceu ensina que a gratuidade dos serviços não é pressuposto do gozo da imunidade, até porque o “lucro” - entendido aqui como resultado positivo dos investimentos desses entes - é expressamente mencionado no inciso I do art. 14 do CTN. Escreve Sacha Calmon Navarro Coêlho que “o que o CTN veda é tão-somente a apropriação particular do lucro. Este há de ser reinvestido no ‘munus’ educacional (...). Quanto mais se faça pela educação e a assistência, melhor” (destacamos).37 É a apropriação particular dos resultados, outrossim, que é proscrita pelo CTN, e não a simples auferição de lucros, os quais, inclusive, são pressupostos da atividade dessas entidades; e tanto assim é, que tais instituições são imunes à tributação dos mesmos.

Ulhôa Canto vai no mesmo sentido:38

“Que as instituições podem ter rendas é claro, não só porque a própria Constituição as imuniza dos correspondentes impostos, como porque os requisitos constantes dos ítens I e II do art. 14 do CTN pressupõem que haja receita e resultados, tanto que o primeiro deles veda sua distribuição e o segundo exige a sua aplicação integral no Brasil e na manutenção de seus objetivos institucionais.”

Outro questionamento digno de nota diz respeito à “publicidade” dos serviços, ou seja, se o alcance geral dos mesmos seria também requisito a ser preenchido para a aquisição da imunidade. Note-se que em nenhum texto legislativo referente à matéria encontra-se referência expressa ao caráter “geral” dos serviços: não é necessariamente da essência dos mesmos que estes sejam distribuídos à totalidade da população, até porque a própria Lei 6.435/77 admite, no caso das entidades fechadas, que os serviços sejam distribuídos somente aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas. De forma que seria até mesmo contraditório com a letra da lei o requerimento de tal qualidade, até porque, não sendo previsto em nível constitucional, não seria dado à legislação ordinária ultrapassar os limites impostos pela Carta Magna, ao exigir tal requisito para a concessão da imunidade; a uma, porque não lhe compete a matéria; e a duas, porque não é esta sua razão de ser, relativamente ao texto constitucional, mas apenas integrá-lo, qualificá-lo ou complementá-lo, rigorosamente dentro dos confins da Carta de 1988.

A última grande questão que surge no âmbito da Lei Complementar que regulamenta a matéria (ou seja, o CTN) diz respeito ao conceito de “instituição”, ínsito na letra “c”, inciso VI, do art. 150 da CF/88. Em que pesem as já numerosas opiniões de grandes juristas sobre a interpretação de textos normativos a esse nível de minúcia, pensamos mesmo ser a discussão algo inócua, uma vez que não se trata de conceito essencialmente jurídico, mas fático (mormente em se tratando de tema cuja relevância social é tão pronunciada). Em outras palavras: “a palavra instituição não tem nada a ver com tipos específicos de entes jurídicos, à luz de considerações estritamente formais (...). O que as caracteriza é exatamente a função e os fins que exercem e buscam (...). O destaque deve ser para a função, os fins”.39

Assim, se nos assevera inútil a discussão acerca do conceito aqui empregado de “instituição”, bastando portanto que a entidade preencha os requisitos constantes do CTN, de forma a atender ao interesse coletivo, ao suprir ou complementar as atividades previdenciárias e assistenciais do Estado.

5.3. “Cassação” da imunidade

A idéia da tributação das aplicações dos fundos de pensão e ganhos de capital dessas oriundos não é exatamente nova. As tentativas mais representativas (por assim dizer) de cassação da imunidade conferida às entidades de previdência complementar são o Decreto-lei nº 2.065, de 26 de outubro de 1983 (DL 2.065/83) e a Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997 (Lei 9.532/97).

O DL 2.065/83 assim dispõe em seu art. 6º:

“Art. 6º - As entidades de previdência privada referidas nas letras “a” do item I e “b”, do item II, do art. 4, da Lei nº 6.435, de 15 de julho de 1977, estão isentas do Imposto sobre a Renda de que trata o art. 24 do Decreto-lei nº 1.967, de 23 de novembro de 1982.

§ 1º - A isenção de que trata este artigo não se aplica ao imposto incidente na fonte sobre dividendos, juros e demais rendimentos de capital recebidos pelas referidas entidades.

§ 2º - O imposto de que trata o parágrafo anterior será devido exclusivamente na fonte, não gerando direito à restituição.

§ 3º - Fica revogado o § 3º, do art. 39, da Lei nº 6.435, de 15 de julho de 1977.” (nossos, os grifos)

Várias são as implicações e os comentários sobre o artigo citado supra. Primeira e obviamente, a suposta “isenção” concedida pelo DL 2.065/83 não teria jamais o condão de suprimir a imunidade concedida pelo anterior texto constitucional, que, aliás, compreende serviços, patrimônio e renda das entidades de assistência social. A imunidade não se confunde com a isenção - conforme exposto supra - vez que é concedida em sede legislativa hierarquicamente superior, mais precisamente a constitucional. Ora, se a imunidade já compreendia tudo o que a isenção “revoga” (e, pior ainda, posteriormente “revoga” disposição coadunante com o texto consitucional então vigente), fica claro que se está diante de previsão nitidamente inconstitucional.40 Portanto, jamais poderia o legislador transformar, num “passe de mágica”, imunidade em isenção, de sorte a lhe retirar os efeitos por meio de outro texto infraconstitucional: o benefício imunitório só poderia ser retirado por Emenda à Constituição; nunca, jamais, por meio de um Decreto-lei (!). Foi esse entendimento, inclusive, que deu ensejo à propositura de inúmeras ações judiciais já à época, visando justamente ao reconhecimento jurisprudencial da imunidade prescrita em sede constitucional.41 Portanto, absolutamente inválido (inclusive na vigência da Constituição anterior) o malsinado Decreto-lei. É de tempos que já vêm pleiteando as entidades de previdência complementar o reconhecimento de sua imunidade, que por uma “desatenção” do legislador ordinário, foi transformada em isenção, por certo na vã esperança de que tamanho deslize não fosse notado pelos maiores interessados no tema. Inúmeras liminares foram obtidas com base em tal argumento, o que possibilitou aos fundos licitamente não recolher o imposto indevido.

Não obstante, e agora revestido de uma roupagem mais sofisticada, o Fisco voltou à carga, mediante a promulgação da Lei 9.532/97, a qual, em seu art. 12, assim prescreve:

“Art. 12 - Para efeito do disposto no art. 150, inciso VI, alínea “c”, da Constituição, considera-se imune a instituição de educação ou de assistência social que preste os serviços para os quais houver sido instituída e os coloque à disposição da população em geral, em caráter complementar às atividades do Estado, sem fins lucrativos.

§ 1º - Não estão abrangidos pela imunidade os rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável.

§ 2º - Para o gozo da imunidade, as instituições a que se refere este artigo, estão obrigadas a atender aos seguintes requisitos:

a) não remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados;

b) aplicar integralmente seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos seus objetivos sociais;

c) manter escrituração completa de suas receitas e despesas em livros revestidos das formalidades que assegurem a respectiva exatidão;

d) conservar em boa ordem, pelo prazo de cinco anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem de suas receitas e a efetivação de suas despesas, bem assim a realização de quaisquer outros atos ou operações que venham a modificar sua situação patrimonial;

e) apresentar, anualmente, Declaração de Rendimentos, em conformidade com o disposto em ato da Secretaria da Receita Federal;

f) recolher os tributos retidos sobre os rendimentos por elas pagos ou creditados e a contribuição para a seguridade social relativa aos empregados, bem assim cumprir as obrigações acessórias daí decorrentes;

g) assegurar a destinação de seu patrimônio a outra instituição que atenda às condições para gozo da imunidade, no caso de incorporação, fusão, cisão ou de encerramento de suas atividades, ou a órgão público;

h) outros requisitos, estabelecidos em lei específica, relacionados com o funcionamento das entidades a que se refere este artigo.

§ 3º - Considera-se entidade sem fins lucrativos a que não apresente superávit em suas contas ou, caso o apresente em determinado exercício, destine referido resultado, integralmente, à manutenção e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais.” (destacou-se)

Se bem que já ventilados acima diversos dos argumentos bastantes para a declaração da inconstitucionalidade também deste artigo, percebe-se desde logo que o vício de validade do qual o mesmo é eivado é, por assim dizer, “menos flagrante” do que a previsão constante do DL 2.065/83. Nota-se, novamente, que o legislador ordinário teima em usurpar a competência constitucionalmente estabelecida para a Lei Complementar, qual seja, a fixação de critérios para regulação das limitações ao poder de tributar (CF/88, art. 146, II).

Repita-se para que este ponto fique bem vincado: não pode uma lei ordinária como a Lei 9.532/97 tratar de imunidade, pois que i) tal é tema reservado à Constituição Federal; e ii) a CF/88 expressamente reserva o tema das limitações ao poder de tributar para as Leis Complementares. Não é à lei ordinária que compete dizer quem é ou não é imune ao que quer que seja. Pelo mesmo argumento, não cabe ao legislador ordinário (que começa a fazer jus ao duplo sentido da expressão) tratar de critérios para aquisição do benefício imunitório: tal, novamente, é matéria de Lei Complementar, que, in casu, é o CTN. Os únicos requisitos a que validamente estariam adstritas as entidades de previdência privada para gozar da imunidade são apenas e tão-somente aqueles presentes no art. 14 do CTN, e nenhum mais.

Em terceiro lugar, o art. 12 da Lei 9.532/97 comete um erro conceitual ao determinar que não sejam abrangidos pela imunidade os “rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável”. A entidade de previdência complementar não aplica recursos geradores de rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável; quem o faz são os fundos de investimento por elas administrados. Trata-se de entes diversos, fundo e entidade, sendo que o fundo não tem personalidade jurídica. A renda da entidade vem das contribuições efetuadas pelos seus pensionistas. Ademais, as entidades fechadas são, inclusive, pelo CTN, obrigadas a reinvestir integralmente os seus lucros no País, para manutenção de seus objetivos institucionais: ela nunca aufere, nem se apropria de recursos ou lucros oriundos de suas atividades, pois que está apenas a desempenhar o papel de administradora desses recursos.

Por fim, o § 3º do art. 12 conceitua as entidades sem fins lucrativos. Já vimos acima o equívoco em que incorrem aqueles que pregam a inexistência de lucros para tais entidades, sob o pretexto de atendimento aos requisitos constantes do art. 4º da Lei 6.435/77. O que se proíbe, mais uma vez, é que a entidade tenha por fim precípuo a atividade especulativa, e que distribua resultados (inclusive lucro) a título outro que não o pagamento dos benefícios devidos aos pensionistas do fundo. Querer subordinar a qualidade de “sem fins lucrativos” à simples inexistência de superávit, mormente quando se trata dessas entidades, é dar demonstração cabal e inequívoca de desconhecimento do assunto, pois qual seria então a utilidade - melhor ainda, a viabilidade econômica - de uma entidade previdenciária, cujos resultados não fossem superiores ao montante exato das receitas de suas contribuições? Além disso, como já dito, essas entidades já são obrigadas a aplicar todo o seu resultado na manutenção de seus fins institucionais de acordo com o CTN, de forma que, sem levar em conta o vício de validade de que padeceria já de nascença esse artigo, resta inócua tal previsão, visto já ter sido regulada a matéria em sede legislativa hierarquicamente superior.

Assim, somos pela opinião da escandalosa inconstitucionalidade de que padecem tanto o art. 6º do DL 2.065/83, quanto o art. 12 da Lei 9.532/97. Entretanto, levando-se em consideração a expectativa que envolve a decisão do STF a ser proferida dentro em breve acerca da matéria, bem como a recente decisão do Governo Federal de efetivamente subir o salário mínimo para R$ 180,00 em abril de 2001, é mesmo de se temer pela violência à ordem constitucional relativamente ao assunto ora em tela, ao escopo de custear tal aumento.

6. Análise Teórica e Principiológica da Imunidade em Questão

Vimos acima as conseqüências econômicas de uma tributação atabalhoada dos fundos de pensão. Fizemos também uma breve exposição intra-sistema acerca do porquê da invalidade das atuais medidas para tributação das entidades de assistência social. Chegamos agora à parte final desse trabalho, na qual tentaremos conciliar as conseqüências econômicas com o aspecto jurídico da questão, ao expor - também de maneira breve - princípios e teorias a justificar a opção de não taxar tais entidades em razão de suas atividades, em geral, e principalmente em seus investimentos no mercado de capitais, em particular. Assim, ainda que usando a ineficiência meramente econômica da medida fiscal ora estudada, a qual, por si só, provavelmente não seria aceita como argumento jurídico apto a barrar a tributação de que ora se trata, tentaremos buscar, também dentro do Direito, as razões que espelhem as limitações econômico-filosóficas da tributação das entidades aqui contempladas.

6.1. Interpretação sistemática da disciplina imunitória de que ora se trata

Como já exaustivamente dito, encontra-se em sede constitucional a previsão de imunidade das “entidades de assistência social”, relativamente a seus serviços, patrimônio e renda. De fato, a norma constitucional é pela vedação de imposição tributária desses elementos pertinentes a tais entidades, de forma que, tendo sido objeto de texto encontrável no bojo do mais nobre diploma legal do sistema pátrio, não seria dado a qualquer norma que lhe fosse hierarquicamente inferior alterá-la ou revogá-la.

Não obstante, é a própria CF/88 (portanto, no mesmo nível da norma imunitória) que prescreve a regulamentação de vedação ao poder de tributar por Lei Complementar - e por Lei Complementar, é bom que se diga. Nessa condição, o CTN determina que não haverá tributação sobre serviços, patrimônio e renda dessas entidades (art. 9º), bem como os únicos requisitos válidos para o enquadramento de uma dada instituição como de assistência social.

Por sua vez, a Lei 6.435/77 regula integralmente a constituição e a manutenção de tais entidades, tendo sido regulamentada pelos Decretos 81.204/78 e 81.420/78, ambos os quais, vale mencionar, validamente qualificam e explicam conceitos compreendidos na Lei 6.435/77. Até aqui, desceu-se do nível constitucional até o nível da regulamentação administrativa da matéria, sem que fosse apontada uma incoerência sequer relativamente ao tratamento do assunto, é dizer, de um lado teríamos a disciplina da imunidade das entidades de assistência social, e, por outra vertente, a criação e regulação das entidades de previdência complementar. Entretanto, falta o elo entre as duas categorias, a fim de investigarmos a validade do argumento imunitório para as entidades de previdência privada.

Também conforme já exposto acima, o órgão administrativo competente para aprovar a constituição de entidades fechadas de previdência privada é o MPAS. Tanto a Lei 6.435/77 quanto a regulamentação em vigor destacam como elemento nuclear de seu conceito o caráter complementar ou semelhante aos benefícios da Previdência Social, além de incluírem expressamente tais entidades na competência de atuação do referido Ministério, sendo que a Lei 9.649/98 expressamente prescreve como competência do MPAS, lado a lado, a previdência social; a previdência complementar; e a assistência social. Por outras palavras, a assistência social não apenas está definida expressamente em lei como assunto de competência do MPAS, como também assim ocorre com o próprio instituto da previdência complementar.42 Assim sendo, e levando-se em consideração as conclusões já exaradas acima, não há como não visualizar uma sensível convergência entre os assuntos a cargo do MPAS; o elemento nuclear das atividades de entidades de previdência privada fechada; e a assistência social.43

Ora, se a assistência social evidencia nítida identidade com a previdência social, e se, conforme diz o Dec. 81.240/78, as entidades fechadas se caracterizam por serviços “complementares ou assemelhados aos da Previdência Social”, é evidente que os serviços prestados por estas têm o mesmo caráter em relação àqueles compreendidos no âmbito do INSS. Com efeito, toda a estrutura do sistema idealizado para as entidades assistenciais exposta até aqui tem como pressuposto o tratamento tributário diferenciado para tais instituições em função i) da finalidade a que se destinam; ii) do caráter manifestamente previdenciário de suas atividades; e iii) da função social dessas instituições.

Poder-se-ia ainda argumentar que, em virtude do argumento da assistência social, e desde que investissem recursos no mercado de capitais - aspecto mais intensamente enfocado nesse trabalho - as atividades das entidades abertas não apresentariam diferença ontológica em relação àquelas desempenhadas pelas instituições fechadas, e que, portanto, deveriam estas igualmente gozar de tratamento fiscal diferenciado. A assertiva é só aparentemente verdadeira, pois a) economicamente, as entidades abertas não têm a mesma importância dos fundos de pensão administrados pelas fechadas no mercado de capitais; e b) a maior razão para lhes furtar o caráter assistencial (e portanto meritório do benefício da imunidade) é a falta de vínculo outro que não o contratual do plano de previdência ofertado entre o provedor da pensão e o seu beneficiário.

Explicamos: a diferença é relevante, pois, na medida em que inexiste relação jurídica subjacente à contratação do plano, o acordo entre ambos assemelha-se mais a uma prestação de serviço, e não propriamente plano de aposentadoria. Relativamente às entidades abertas, o adquirente do plano voluntariamente entrega recursos à entidade, sem que esta tenha uma relação direta com os proventos entregues para administração, o que ressalta ainda mais a natureza de simples administração de pensão. Diferentemente, nas fechadas, é o próprio empregador que remunera o beneficiário do plano, de forma que os recursos entregues à administração da entidade são fruto direto da relação de trabalho mantida entre o beneficiário da pensão e seu empregador - de fato, o próprio empregador pode contribuir também com o plano de pensão ofertado pela entidade fechada.44

A esse respeito, confira-se o que prescreve a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 (Lei 8.212/91):

Art. 11 - No âmbito federal, o orçamento da Seguridade Social é composto das seguintes receitas:

I - (...);

II - receitas das contribuições sociais;

III - (...).

Parágrafo único. Constituem contribuições sociais:

a) as das empresas, incidentes sobre a remuneração paga ou creditada aos segurados a seu serviço;

b) as dos empregadores domésticos;

c) as dos trabalhadores, incidentes sobre o seu salário-de-contribuição;

(...).” (destaques nossos)

Ou seja, a Lei 8.212/91, que, dentre outros aspectos, regula o custeio da previdência social, atrela tal funding aos resultados oriundos de relação de emprego, como se depreende do art. 11 acima citado. Analogicamente, benefícios destinados à complementação ou assemelhados aos da Previdência Social - como é exatamente o caso das entidades fechadas - deveriam também sê-lo - como, aliás, efetivamente são. Portanto, no mínimo, poder-se-ia afirmar que as entidades fechadas têm um caráter “mais diretamente” relacionado à previdência social (e portanto com a assistência social, que pressupõe a imunidade) do que as abertas, incluindo aquelas que não têm finalidade lucrativa, e isso tudo sem mencionar o fato de algumas entidades abertas poderem se constituir sob a forma de sociedades anônimas, o que pressupõe a distribuição de resultados, de forma a transbordar por completo o alcance da imunidade, bem como os casos de sua concessão, nos termos da CF/88 e do CTN.

Tal raciocínio foi desenvolvido apenas para demonstrar a coerência do sistema, o que pensamos ter feito com sucesso até aqui, ou seja, todo o sistema de normas direta ou indiretamente ligado à matéria parece apontar no sentido ao menos de uma “intenção inicial” (por assim dizer) do legislador em privilegiar tributariamente as entidades que se relacionem de maneira direta com aspectos afensos à Previdência Social, em vista de sua natureza e finalidade. Mesmo assim, vale dizer, a própria Lei 6.435/77 assim determinava em seu art. 39, § 3º,45 que teria sido revogado pelo DL 2.065/83 - a nosso ver, aliás, de maneira absolutamente irregular.46 Ou seja, para escamotear a maior prova da coerência lógica do sistema anteriormente idealizado - e em vigor - para a matéria, teve de se servir o legislador ordinário de um subterfúgio mal disfarçado, cassando o que não podia ser cassado, bem como revogando o que não podia ser revogado.47

O sistema, portanto, fazia (e, numa certa medida, ainda faz) sentido, sendo estruturalmente coerente antes das malsinadas tentativas de cassação da imunidade por meios absolutamente inábeis, os quais não podem de maneira alguma persistir, em face da ordem constitucional vigente para o assunto.

6.2. Abordagem jurídica dos aspectos econômicos da tributação in casu

A questão que ora se coloca diz respeito ao tratamento jurídico que poderia ser dado aos motivos da não-tributação das entidades em questão, com vistas a preservar as suas aplicações no mercado de capitais livres de quaisquer gravames de ordem fiscal. Tal estaria diretamente relacionado com a razão dessa tributação; a sua finalidade; e a sua conveniência. Seria então possível reduzir tal questionamento a duas questões básicas, quais sejam, a decisão acerca da conveniência de tributar os fundos de pensão, como política governamental econômica; e a questão de impactos extrafiscais de tal incidência tributária.

6.2.1. A tributação em tela como política econômica

Toda decisão de tributar ou não um determinado ato ou fato, isto é, de juridicizá-lo como fato gerador de um dado tributo, é, necessariamente, política. E o é, pois compete ao Estado, amparado por princípios e normas jurídicas, escolher, dentre os diversos fatos exteriores ao mundo jurídico, aqueles que servirão de suporte fático a uma determinada incidência tributária, com vistas a arrecadar os recursos financeiros de que necessita para a consecução de seus fins. Claro então estaria que, mediante a adoção de medidas fiscais, seja taxando, isentando ou imunizando determinados fatos, atos ou pessoas, o Estado termina por condicionar o comportamento dos diversos agentes econômicos que compõem o seu sistema de mercado, de forma a evidenciar quais as condutas que privilegia/valoriza e quais proscreve/visa a evitar. A tal se denomina política econômica, em geral, e política fiscal, em particular. Saímos portanto do Direito puramente Fiscal, para adentrar terreno que, em certos pontos, lhe compreende, qual seja, o Direito Econômico.

Washington Peluso de Souza conceitua a política econômica como “o conjunto de medidas postas em prática para atender a objetivos econômicos. Deve ser juridicamente tratada, sob pena de prática arbitrária do poder, sem o devido respeito aos direitos indispensáveis à vida social. Determinados exageros ou abusos do poder econômico, tanto público quanto privado, justificam plenamente a necessidade desta juridicização que se efetiva pelo Direito Econômico” (grifou-se).48 Peluso de Souza prossegue, ao dizer que “estabelecendo as normas de política econômica a serem adotadas para que possam ser atingidos os objetivos ideológicos definidos na Constituição, temos o domínio do Direito Econômico. Quando esses objetivos se cumprem por meio de recursos financeiros obtidos por expedientes tributários ou de outra natureza, mas contidos na área das normas do Direito Financeiro, então vamos consignar as relações entre as duas disciplinas.49 (nossos, os destaques). Ironia ou não, no texto que segue os escritos acima, o autor cita como exemplo de valores que podem ser constitucionalmente consagrados como dados ideológicos o desenvolvimento econômico viabilizado pela adoção de benefícios fiscais.

Inobstante, é a passagem onde Peluso de Souza cita a Constituição que nos interessa para o momento. Com efeito, na sua habitual genialidade, o autor sintetiza em uma frase o princípio que aqui tentamos evidenciar, qual seja, é na Constituição de um Estado que se encontram os valores jurídicos, culturais, sociais e econômicos consagrados pela sua ordem social; é dizer, são estes que o Estado privilegia e estimula. Assim, o que na verdade diz o autor, é que seria por meio do Direito Econômico, ao estabelecer constitucionalmente as “normas de política econômica” - da qual é espécie a política fiscal, como já vimos - que o Estado consegue “atingir os objetivos ideológicos” definidos na própria Constituição: é esta o farol a guiar o intérprete no tempestuoso oceano da investigação dos fins, da legitimidade e da justiça do Estado e, por que não dizê-lo, de sua política econômica, adotada esta em função da ideologia constitucionalmente eleita. No caso da CF/88, é (i) a imunidade de entidades de assistência social que faz as vezes de parcela da ideologia constitucionalmente eleita, e como tal, vincula, sim, o Estado na sua persecução, de modo que este não poderia daquela se afastar, a pretexto de instituir imposição tributária de qualquer tipo a tais entidades; (ii) a partir dessa conclusão, somos pela opinião de que o benefício imunitório para essas atividades seria mesmo um princípio, um imperativo, que, como tal, talvez não pudesse ser legitimamente revogado nem mesmo por Emenda à Constituição; com certeza poderia sê-lo formalmente, mas não legitimamente, pois que o valor em jogo - a subsistência após o egresso da população economicamente ativa - é curial a todo e qualquer Estado que se pretenda democrático e justo.

Eros Grau ensina que “a importância dos princípios ‘positivados’50 ou positivos (...) e dos princípios gerais do direito é extrema. Tamanha que, da inserção deles no nível constitucional resulta, nitidamente, a ordenação dos preceitos constitucionais segundo uma estrutura hierarquizada. Isso, no sentido de que a interpretação das regras contempladas na Constituição é determinada pelos princípios” (sublinhamos).51 Ao citar Ronald Dworkin, Grau aprofunda o raciocínio, dizendo que “Dworkin chama de diretrizes as pautas que estabelecem objetivos a serem alcançados, geralmente referidos a algum aspecto econômico, político ou social (ainda que - observa - alguns objetivos sejam negativos, na medida em que definem que determinados aspectos presentes devem ser protegidos contra alterações adversas. Denomina princípios, por outro lado, as pautas que devem ser observadas não porque viabilizem ou assegurem a busca de determinadas situações econômicas, políticas ou sociais que sejam tidas como convenientes, mas sim porque a sua observância corresponde a um imperativo de justiça, de honestidade ou de outra dimensão de moral”52. E é precisamente nesse sentido que afirmamos ser a subsistência humana após o término do período de trabalho - quando então enfrentaria o indivíduo mais dificuldades em auferir renda, e em se manter por seus próprios recursos - um princípio, que poderia ser, no máximo, formalmente revogado, mas talvez não legitimamente revogado. Não nos parece mesmo ser este passível de extirpação do mundo jurídico de maneira a corresponder a qualquer anseio de justiça ou moral; a razão de ser e a finalidade de tal tributação, portanto, à luz desse raciocínio, seriam ilegítimas, e, portanto, inválidas, mesmo se formalmente regulares.

6.2.2. A extrafiscalidade

A discussão acerca de trazer para o Direito as conseqüências puramente econômicas da tributação de entidades fechadas de previdência privada, quando da realização de operações financeiras, através dos fundos de pensão que administram, termina mediante a reflexão acerca dos impactos causados pela tributação de tais aplicações. Tal se liga à idéia de questionamento (e do cabimento deste) da decisão estatal de política econômica consistente em granjear recursos oriundos de uma certa atividade econômica, com vistas à consecução de determinados fins, que não diretamente a arrecadação de receitas para o Estado. Em outras palavras, toda a vez que se estiver diante de imposição tributária cujo fim imediato não seja a simples arrecadação de recursos para custeio das atividades estatais, tratar-se-á do que se denomina tributação extrafiscal.

Nesse sentido, seria razoável argumentar que todo e qualquer tributo, ao onerar um dado fato, ato ou pessoa, teria um cunho extrafiscal, pois terminaria, ao menos em última análise, por condicionar o comportamento de seu contribuinte em um dado sentido em relação ao “gatilho” do fato gerador, seja abstendo-se de praticá-lo, seja na sua efetiva prática, quando fosse o caso de algum incentivo. E é por isso que, a nosso ver acertadamente, a maioria da doutrina é pela opinião de que não poderia nunca existir uma fazenda absolutamente neutral, pois que, como assevera Raimundo Bezerra Falcão, “isso ela nunca o foi”.53 Portanto, toda vez que o Estado “utilizar o instrumental financeiro - mais especificamente, o tributário, como no nosso caso - a fim de que se obtenham deliberados resultados econômicos e políticos, como reprimir a inflação, evitar desemprego e a recessão, desaquecer a atividade econômica, proteger a indústria nacional, promover a redistribuição de renda, nivelar fortunas, atuar sobre a densidade demográfica ou a distribuição espacial da população, entre muitos outros fins”,54 estar-se-á diante de tributação de caráter extrafiscal (não neutral, portanto).

Portanto, fica clara a identidade da extrafiscalidade do tributo com o intervencionismo do Estado, “na medida em que é ação estatal sobre o mercado e a, antes sagrada, livre iniciativa. (...) Pressupõe (...) o conhecimento das possibilidade de intervenção de que se pode cogitar e o desejo de fazer uso dessas possibilidades”.55 E, assim sendo, fica também clara a vinculação do Estado na instauração de tributo (passível de impacto além dos limites puramente fiscais) aos princípios que governam e determinam tal ato de política econômica, porque ato de intervenção estatal no domínio econômico.56

Falcão prossegue com um exemplo interessantíssimo que nos pareceu conveniente citar:

“A maior redistribuição a nível individual não determina necessariamente redução dos investimentos. Certamente reduzirá o tamanho dos blocos de investimento por pessoa, mas nada obsta que a soma continue a mesma ou até maior. Aqui não é possível esquecer o papel de um sistema financeiro forte. (...) O desenvolvimento de um País (...) depende mais das economias atômicas de seus cidadãos e da possível aliança das dezenas de milhares de pequenos investidores do que a maciça inversão individual. (...)

Uma das maneiras de equacionar as aplicações de modestas poupanças isoladas, levando-as a formar um bolo global, é a instituição dos fundos de investimento, que funcionariam mais ou menos nos moldes dos fundos de pensão americanos, no tocante às aplicações dos recursos. (...). Talvez não fosse adequado ficassem tais fundos de investimento agregados a instituições financeiras particulares, porém a instituições financeiras oficiais ou que fossem criadas pessoas jurídicas especificamente destinadas à aplicação e administração das respectivas carteiras de ações. (...). No primeiro caso , evitar-se-iam as concentrações de aportes num só empreendimento, para diminuir a margem de risco. No segundo, o Estado poder-se-ia encarregar de proceder a diagnósticos periódicos das sociedades anônimas abertas, inclusive utilizando-se de dados confiáveis fornecidos pela Comissão de Valores Mobiliários, que teria, para tanto, de munir-se com eficientes instrumentos de efetivo e real controle do mercado de valores mobiliários. Essa providência diagnosticadora não traria inconvenientes às companhias abertas porque: a) por certo elas também teriam interesse em captar mais recursos para formação do capital; b) já por si são abertas; (...).”57

Ou seja, mais uma vez, ironicamente, está a tratar a doutrina de hipótese virtualmente idêntica àquela por nós pretendida.

7. Conclusões

Vimos os fundamentos jurídicos, econômicos e políticos da tributação (ou não) das entidades de previdência complementar que administram fundos de pensão, de modo a concluir pela sua absoluta inconveniência.

Que disso se dêem conta os nossos Ministros do STF e nosso legisladores, com vistas a não cometer mais esse imperdoável erro, que, com certeza, traria malefícios para a instituição mercado de capitais, em particular, e para o sistema econômico brasileiro, em geral.

Nesse sentido, também fazemos menção ao Editorial do Jornal da Tarde do dia 26 de novembro de 2000, criticando a “saída” encontrada pelo Governo para o custeio do aumento do salário mínimo:

“Os fundos de pensão, em todo o mundo, são a fonte mais barata de poupança privada para financiar a produção. Taxá-los é um absurdo econômico, uma espécie de suicídio garantido, já que condenaria o País inteiro, e para sempre, a ter condições ainda piores de financiamento da produção que o colocariam ainda mais longe do que está hoje da capacidade para competir para ganhar pelos mercados internacionais, sem o que não se pode crescer nos dias de hoje.”

Portanto, resta-nos apenas rogar que disso não se esqueçam os homens da lei...

1 “Art.150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...);

VI - instituir impostos sobre:(...);

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; (...)”

2 V. também os Decretos nº 81.240, de 20 de janeiro de 1978 (Dec. 81.240/78) e 81.402, de 23 de fevereiro de 1978 (Dec. 81.402/78).

3 V. respectivamente arts. 14 e 34 da Lei 6.435/77.

4 Respectivamente, arts. 7º e §§ 13 e 14 do Dec. 81.240/78, e art. 7º e incisos do Dec. 81.402/78.

5 “Art. 10 - As entidades abertas serão reguladas pelas disposições da presente Lei e, no que couber, pela legislação aplicável às entidades de seguro privado.

(...)

§ 2º - Aos corretores de planos previdenciários de entidades abertas aplica-se a regulamentação da profissão de corretor de seguros de vida e de capitalização.”

6 V. Iran Siqueira Lima e Andrea Fernandes Andrezo, “Mercado Financeiro - Aspectos Históricos e Conceituais”, FIPECAPI - USP, Pioneira, São Paulo, 1999, p. 136.

7 Sobre a cobrança pelos serviços prestados, v. também item 5.2, abaixo.

8 V. Fran Martins, Contratos e Obrigações Comerciais, 13ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 1995, p. 359; Waldirio Bulgarelli, Contratos Mercantis, 10ª ed., Atlas, São Paulo, 1998, p. 643; Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil, vol. 5, 28ª ed., Saraiva, São Paulo, 1995, p. 333; e Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, vol. III, 3ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 1975, p. 422.

9 V. art. 14 da Lei 6.435/77.

10 Lei 9.649/98, art. 14, XVI, alíneas “a”, “b” e “c”. Voltaremos ao tema da assistência social mais adiante.

11 Voltaremos a esse tema no item 6 abaixo.

12 V. Flávio Marcílio Rabelo, “Tributação dos Fundos de Pensão”, estudo empreendido pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, em outubro de 1997, p. 13.

13 V. Gèrard Farjat, Droit Économique, Paris, Presses Universitaires de France.

14 Primeiras Linhas de Direito Econômico, 4ª ed., São Paulo, LTr, 1999, p. 29.

15 V. Revista da ABRAPP, ano XX, nº 263, agosto/setembro 2000, p. 6.

16 A título de exemplo, cite-se os EUA, onde os “pension funds” detêm uma parcela de 70% do PIB, a Holanda (120%) e a Suíça (170%).

17 Site da ABRAPP, artigo “Robin Hoods Sem Visão”, 10 de novembro de 2000, http://www.abrapp.org.br

18 V. Rabelo, ob. cit., “Propostas para Discussão”, e p. 12.

19 V. Rabelo, ob. cit., p. 14.

20 Rabelo, ob. cit., p. 15.

21 Rabelo, idem, ibidem.

22 V. Rabelo, ob. cit., p. 17.

23 Idem, ibidem.

24 Atualmente, a sua vigência está suspensa pela Resolução nº 2.791, de 30 de novembro de 2000.

25 V. art. 2º, II, do RA.

26 V. E. Phillip Davis, Pension Funds, Retirement Income and Capital Markets, Oxford, Oxford University Press, 1998; e David Blake, Pension Schemes and Pension Funds in the United Kingdom, Oxford, Oxford University Press, 1995.

27 V. Rabelo, ob. cit., p. 19, e Fundos de Pensão, Mercado de Capitais e Corporate Governance: Lições para os Mercados Emergentes, texto apresentado no seminário “Fundos de Pensão - Novo Fator de Desenvolvimento na América Latina”, São Paulo, 24 e 25.04.97.

28 V. art. 31, V, letra “b”; v. também arts. 20, III, letra “c”, da Constituição Federal de 1967; e art. 19, III, letra “c” da Emenda Constitucional nº 1 de 1969.

29 V. Temas de Direito Tributário, vol. III, Rio de Janeiro, Alba, 1969, p. 190.

30 Arts. 60 e 67 da CF/88.

31 Ob. cit., p. 190.

32 Ulhôa Canto, idem, ibidem.

33 V. A Imunidade Tributária das Entidades de Previdência Fechada, p. 31, “A Imunidade Tributária das Entidades de Previdência Fechada”, Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Privada, São Paulo, 1984. De notar que, mesmo tendo sido exarado à luz da Constituição anterior, a alínea “c” do inciso III, art. 19, não difere em essência da norma contida no atual art. 150, IV, letra “c”.

34 V. A Imunidade Tributária das Entidades de Previdência Fechada, cit., p. 32.

35 Apesar de à época da edição do CTN não existir a figura da Lei Complementar, aquele é assim considerado “ratione materiae”, embora não o seja no aspecto puramente formal. No entanto, nessa qualidade recepcionado desde a Emenda 1/69, atualmente só pode o mesmo ser revogado por outra Lei Complementar, o que o legitima como tal.

36 Art. do texto constitucional anterior.

37 V. Validade e Vigência do art. 39, § 3º, da Lei 6.435, de 15 de julho de 1977, como Módulo Aplicativo da Imunidade prevista no Artigo 19, III, “c”, da constituição Federal, A Imunidade Tributária das Entidades de Previdência Fechada cit., p. 177.

38 V. A Imunidade Tributária das Entidades de Previdência Fechada cit., p. 47.

39 Sacha Calmon Navarro Coêlho, ob. cit., p. 176 - negrito no original

40 A doutrina é pacífica nesse sentido (v. Gilberto de Ulhôa Canto, A Imunidade Tributária das Entidades de Previdência Fechada; Ruy Barbosa Nogueira, A Imunidade Tributária das Entidades de Previdência Fechada; Sacha Calmon Navarro Coêlho, Validade e Vigência do art. 39, § 3º, da Lei 6.435, de 15 de julho de 1977, como Módulo Aplicativo da Imunidade prevista no Artigo 19, III, “c”, da constituição Federal, todos contidos em A Imunidade Tributária das Entidades de Previdência Fechada cit.; e Ives Gandra da Silva Martins, Comentários à Constituição do Brasil, vol. 6, Tomo I, nota 5, São Paulo, Saraiva, 1990, p. 183).

41 Cite-se, dentre inúmeras outras, as seguintes decisões a esse respeito: Arg. de Inconst. na Ap. Cív. nº 101.394 - PR, TFR, Rel. Min. Ilmar Galvão, Seção Plena, 30.06.88; RExt. nº 187376 - PR, STF, Rel. Min. Sidney Sanches, 1ª Turma, 10.05.96; e REsp nº 20438 - RJ, STJ, Rel. Min. Garcia Vieira, 1ª Turma, 31de março de 1993.

42 Ressalte-se que a própria Lei 9.649/98 definiu, em seu art. 14, IX, letra “a” a previdência privada aberta como sendo da alçada do Ministério da Fazenda.

43 A evidente identificação entre assistência social e previdência social consta do próprio texto constitucional, nos arts. 6º, 194 e 203.

44 A própria CF/88, em seu art. 203, V, remete à idéia de relação entre previdência e resultado do trabalho ao mencionar a expressão “(...) e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção”.

45Art. 39 - (...)

(...);

§ 3º - As entidades fechadas são consideradas instituições de assistência social para os efeitos da letra “c” do item III, da Constituição Federal”.

46 V. nesse sentido Sacha Calmon Navarro Coêlho, ob. cit., p. 188.

47 Cf. fundamentos expostos acima.

48 Ob. cit., p. 29. O insigne jurista também ensina que “(...) a busca da realização da justiça exige que a realidade econômica, no estágio atual da vida social, seja tratada além dos limites dos conflitos dos interesses privados entre si, ou destes em confronto com os interesses públicos. Revela-se a necessidade de seu tratamento em dimensão de ‘política econômica’, na qual ambos são envolvidos. Os ramos tradicionais do Direito não a incluíam em seu âmbito, deixando-a ao desamparo. Essa falha exige tratamento adequado que compete precisamente ao Direito Econômico (...)”, o que é feito via aplicação da política econômica - da qual, ao menos em certos aspectos, a fiscal é espécie - adotada pelo Estado - v. ob. cit., p. 28.

49 Ob. cit., p. 85.

50 Como se não bastasse, repita-se que a CF/88 determina a competência de Lei Complementar para regulamentar o benefício fiscal da imunidade - no caso, o CTN - e tal diploma ali prescreve os únicos requisitos válidos para a classificação de qualquer entidade como de assistência social, de forma a merecer (e adquirir!) a imunidade.

51 V. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 4ª ed., São Paulo, Malheiros, 1999, p. 78.

52 Ob. cit., p. 84. As exposições de J. J. Gomes Canotilho, do próprio Dworkin e de Antoine Jeammaud sobre o tema são também bastante esclarecedoras.

53 Cf. Tributação e Mudança Social, Rio de Janeiro, Forense, 1981, p. 44.

54 V. Falcão, ob. cit. p. 46.

55 Falcão, ob. cit., pp. 47 e 48.

56 Cf. Grau e Peluso de Souza acima.

57 Falcão, ob. cit., pp. 287 e 288.