Ruy Barbosa Nogueira e o Instituto Brasileiro de Direito Tributário

Paulo Celso Bergstrom Bonilha

Presidente do IBDT. Advogado em São Paulo.

 

 

Cabe-nos, neste momento de luto e de tristeza pelo falecimento do Professor Ruy Barbosa Nogueira, assinalar a indissociável identidade que sempre existiu entre o pranteado Mestre do direito tributário e o Instituto Brasileiro de Direito Tributário.

Ruy Barbosa Nogueira, que se formou em direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em 1945, desde cedo dedicou-se com muito afinco e entusiasmo ao estudo do direito tributário. Não obstante, nessa época, pouco se falasse dessa matéria jurídica em nosso país, ainda não reconhecida como ramo especializado do direito, Ruy Barbosa Nogueira adotou-a como alvo de seus estudos e aperfeiçoou seus conhecimentos em cursos, em nível de pós-graduação, na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, ministrados, nos anos de 1947 e 1948, pelos Professores Tulio Ascarelli, renomado mestre peninsular e Rubens Gomes de Sousa. Manteve, desde então, intenso trabalho, voltado preferencialmente para essa especialidade.

Nos anos de 1948 e 1949, a par de suas atividades profissionais, ocupou o cargo de Julgador no Conselho Municipal de Impostos e Taxas de São Paulo, e de 1949 a 1952, o de Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, funções judicantes administrativas estas que exerceu com muito brilho e que lhe propiciaram o aprimoramento de seus conhecimentos e rica experiência das vicissitudes do relacionamento entre Fisco e contribuinte.

Em 1950, por outro lado, cônscio da importância da divulgação ampla e permanente da matéria fiscal, fundou a Revista Fiscal de São Paulo, juntamente com Tito Rezende. Também foi um dos fundadores, naquela época, do Instituto Brasileiro de Direito Tributário, entidade que, nos dias de hoje, denomina-se Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e está filiada à International Fiscal Association (IFA).

Como não poderia deixar de ser, Ruy Barbosa Nogueira também encontrou tempo para se dedicar ao ensino do direito tributário, mister que exercia com redobrado entusiasmo e surpreendente criatividade. Em 1954, ingressou na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, ministrando, por vários anos, a cadeira Ciência das Finanças, que precedeu, naquela instituição, a de Direito Tributário.

Em 1963, mediante concurso, obteve a livre-docência na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, seguindo-se, em 1965, a conquista da cátedra de direito tributário, com a tese Teoria do Lançamento Tributário. Nessa tradicional Faculdade de Direito, não só exerceu durante longos anos até sua aposentadoria, com invulgar talento e maestria, seu magistério, como também ganhou merecido prestígio en­tre seus pares e foi diretor das Arcadas, nos anos de 1974 a 1978.

Nesses anos de intensa dedicação à docência, Ruy Barbosa Nogueira influiu decisivamente no escalonamento lógico da programação curricular do direito tributário, adequando-o ao objetivo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, que provê, no curso de graduação, ensino para formação profissional. Assim, o ensino da teoria geral do direito tributário é ministrado nos dois semestres do quarto ano, etapa do curso em que o aluno já recebeu conhecimentos das matérias introdutórias e básicas para a sua formação jurídica.

Para os alunos do último ano, por sua vez, que optaram pela área Direito da Empresa, é obrigatória a disciplina Direito Tributário Aplicado, também cursada em dois semestres, versando o estudo dos impostos em espécie, federais, estaduais e municipais. Nesta fase, como explicava o eminente Professor Ruy Barbosa Nogueira: “a disciplina Direito Tributário Aplicado é desenvolvida casuisticamente, isto é, por meio do estudo concreto de casos e problemas, tal como irão deparar os futuros profissionais, quando tiverem que entrar no exercício de cargos e funções, na vida prática” (O Estudo Teórico e Prático do Direito Tributário. São Paulo: co-edição Instituto Brasileiro de Direito Tributário e Resenha Tributária, 1975, p. 2).

Eis aí a tônica fundamental do método de ensino do Professor Ruy Barbosa Nogueira: a ativa e permanente ligação do estudo teórico ao estudo prático. O exame direto dos casos e a problemática da aplicação do direito constituem o vetor do esforço intelectual que faz o aluno descobrir as virtudes da teoria, como bagagem essencial à adequada interpretação da norma jurídica. No curso de pós-graduação, destinado à formação de pesquisadores, juristas e sobretudo docentes, Ruy Barbosa Nogueira não dispensava o mesmo método, com o refinamento do estudo intensivo e essencial, neste grau científico do ensino, do direito tributário comparado.

Essa diretriz de atuação do Professor Ruy Barbosa Nogueira, no campo do ensino do direito tributário, inspira-o também a criar a Mesa de Debates. Como a legislação tributária sofre mudanças freqüentes, que exigem árduo acompanhamento e contínuo labor de interpretação, reunia ele, em sua casa, nos primeiros tempos, professores, para essa faina de interpretação de textos normativos tributários e debates sobre questões ou dúvidas pertinentes. Depois de algum tempo, dado o interesse de advogados, alunos do curso de pós-graduação e especialistas, o professor transferiu esses encontros semanais para a faculdade, consolidando essa vitoriosa iniciativa que se desenvolve até hoje, propiciando aos participantes a apresentação de casos ou questões tributárias que são objeto de análise e debates pelos presentes e em proveito de todos aqueles que lidam com o direito tributário e participam desses encontros: professores, alunos, pós-graduandos, advogados, especialistas, altos funcionários das fazendas públicas e demais interessados.

Na seqüência natural do processo de desenvolvimento dos trabalhos da Mesa de Debates ao longo dos anos, ampliou-se de forma significativa o número de interessados e a assiduidade de seus componentes, amadurecendo a idéia da criação de uma associação institucionalizada para a manutenção de seus trabalhos e de seus subprodutos: a publicação de textos especializados, a colaboração em pesquisas e atividades acadêmicas, cursos de extensão e a análise de projetos legislativos de matéria tributária, com a apresentação de subsídios para o aperfeiçoamento de legislação em formação (de lege ferenda).

Fundou, assim, Ruy Barbosa Nogueira, com a colaboração dos participantes da Mesa de Debates, no dia 24 de outubro de 1974, o Instituto Brasileiro de Direito Tributário, entidade sem fins lucrativos, “... destinada à pesquisa de Direito Tributário, colaboração no ensino das respectivas disciplinas e afins, divulgação de bibliografia, legislação, jurisprudência, doutrina, publicação de trabalhos e promoção de conferências e cursos, bem como a manutenção da Mesa de Debates Tributários.” (artigo 1º dos Estatutos Sociais)

A Mesa de Debates, sob os auspícios do IBDT, segue, atualmente, sua trajetória de muito sucesso, mantendo intacta a vitalidade que a caracteriza. Sua milésima reunião semanal completou-se em 14 de novembro de 2002, e suas atividades prosseguem, sem qualquer solução de continuidade. Realiza-se o evento, costumeiramente, às quintas-feiras, das oito às dez horas da manhã, observando-se o período letivo, no auditório do Prédio Anexo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sempre com muito proveito para os associados, convidados e participantes. Uma das inovações recentes e bem sucedidas, em seus trabalhos, tem sido a participação de especialistas, professores e altos funcionários das fazendas públicas, especialmente convidados para palestras e exposições de temas específicos, ensejando-se, ao final, debates sobremaneira positivos para a elucidação de aspectos mais intrincados dos temas selecionados para essas reuniões.

Outra novidade foi a inauguração da home page do Instituto, facultando aos associados, entre outras informações, a possibilidade de inscrição prévia de temas para debate na próxima reunião da Mesa de Debates, por via da internet. Esta inovação permite aos associados em geral, não só conhecer a pauta preestabelecida para a reunião, como também a ata respectiva, veiculada, posteriormente, na área virtual de domínio do Instituto. As potencialidades desse poderoso meio de comunicação estão sendo avaliadas e serão postas em prática, paulatinamente, para maior benefício dos associados.

A publicação de trabalhos e pesquisas especializadas pelo Instituto, prática que remonta aos primeiros tempos, progride, regularmente, com a periódica edição dos livros da coleção Direito Tributário Atual, inaugurada em 1982, pelo Professor Ruy Barbosa Nogueira, seu primeiro presidente, contando atualmente com dezesseis volumes. Trata-se de coletâneas de trabalhos de alto valor científico e doutrinário que enriquecem o acervo das obras de direito tributário do nosso país. Além dessa e outras realizações da espécie, o Instituto participou de edições de teses e livros de seus associados.

A aquisição de local mais amplo, efetivada no ano passado, permitirá ao Instituto, de outra parte, ampliar suas atividades. Essa nova área facilitará o acesso e a utilização da sua biblioteca, substancialmente acrescida e enriquecida com a que pertencia ao Professor Ruy Barbosa Nogueira e foi por ele doada, há pouco tempo, ao Instituto. A qualidade e a especialização de suas obras, principalmente as estrangeiras, propiciarão pesquisas dos interessados, especialmente dos pós-graduandos da Faculdade de Direito, reafirmando a vocação e o status do Instituto Brasileiro de Direito Tributário, credenciado como entidade complementar à Universidade de São Paulo.

Estas e outras realizações, voltadas precipuamente para o estudo, a pesquisa e o aperfeiçoamento do direito tributário, justificam a afirmação inicial que fizemos, no sentido de que é uma só a identidade entre o Instituto Brasileiro de Direito Tributário e o Professor Ruy Barbosa Nogueira. As finalidades e as realizações do Instituto como criatura, identificam, precisamente, os ideais e os objetivos perseguidos pelo eminente mestre, seu criador, em sua fecunda e luminosa existência.

É lamentável, no entanto, a realidade: Ruy Barbosa Nogueira faleceu. A criatura perdeu seu criador, é verdade, mas não o substancioso e inestimável legado que o insuperável mestre do direito tributário lhe deixou. Permanece e continua a viver, no Instituto Brasileiro de Direito Tributário e na alma de seus associados, a palavra de ordem, palpitante e instigadora, inscrita por Ruy Barbosa Nogueira em seu escudo: “Pró Ensino e Justiça da Tributação”.

 

Paulo Celso Bergstrom Bonilha

Presidente do IBDT