Tratados e Convenções Internacionais sobre Tributação

Luís Eduardo Schoueri

Professor Titular da Cadeira de Legislação Tributária da Faculdade de Direito da USP. Professor dos Cursos de Pós-graduação na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor do Departamento de Fundamentos Sociais da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas - EAESP/FGV. Vice-Presidente do IBDT/USP. Advogado em São Paulo.

I. Introdução

Tratados e convenções internacionais são um fenômeno relativamente recente no Direito Internacional. O costume internacional, que por séculos foi sua fonte preponderante, somente se viu superado pela positivação sistemática, por meio de tratados, a partir do século XIX1. Celso de Albuquerque Mello2, citando dados estatísticos de Gonçalves Pereira e Fausto Quadros, mostra que de 1500 a.C. a 1860, foram concluídos 8.000 tratados. De 1947 a 1984, foram firmados quase 40.000 tratados e de 1984 a 1992, contaram-se cerca de 10.000 tratados. O crescimento dos tratados internacionais também se reflete na realidade brasileira: segundo dados do Ministério das Relações Exteriores3, entre novembro de 2001 e julho de 2002, o País assinou 223 atos internacionais, o que resulta em média de 1,02 acordos por dia.

O crescimento das relações internacionais insere-se em cenário de uma concorrência internacional entre os países, que, qual agentes num mercado altamente competitivo, buscam de todas as maneiras atrair investimentos internacionais. Nesse sentido, a celebração de tratados internacionais - inclusive aqueles em matéria tributária - já não mais se apresenta como uma opção, mas uma necessidade das nações inseridas no cenário internacional. Vito Tanzi aponta o fenômeno da concorrência internacional, ao afirmar que alguns países hesitam em ajustar as alíquotas de seus impostos ou até mesmo em tributar dividendos e juros, em virtude de seu medo de migrar sua base de tributação, num fenômeno que, na Europa, vem sendo designado tax degradation4.

Assiste-se, assim, a um processo no qual Estados soberanos vão se auto-impondo limitações no exercício de seu poder de tributar, sempre visando a oferecer a investidores condições de livre-circulação de capitais, num processo concorrencial.

Daí, pois, o estudo dos tratados e convenções internacionais sobre tributação não poder ser dissociado da soberania, já que o tema versa sobre a existência de limitações desta, em sua face de soberania tributária.

A comunidade internacional é formada por Estados soberanos, dotados de poder normativo primário e independente. Baracho ensina que a soberania habitualmente se apresenta de maneira dupla, dividindo-se em soberania interna e externa. A soberania interna, cujo significado provém de soperanus, confunde-se com o conceito dos tratadistas clássicos, como Bodin e Loyseau, que afirmavam que este termo era empregado para designar uma posição de supremacia irresistível, sentido mantido entre os juristas que procuraram reduzir a soberania a um conceito elaborado pela Ciência do Direito. Jellinek define a soberania como o poder de o Estado estruturar livremente a sua ordem jurídica, poder este necessariamente submetido ao Direito. A referida natureza jurídica da soberania é também defendida por Carré De Malberg, para quem esta seria a qualidade suprema do poder dos Estados soberanos, subordinado ao Direito5.

Enquanto limitada a seu aspecto interno, a soberania não produziria efeitos que afetassem o Direito Tributário Internacional. A este, interessa o tema quando considera que a pretensão estatal - e aqui especialmente a tributária - estende-se além das fronteiras. No Brasil, serve de exemplo dessa atuação ultraterritorial o Código Tributário Nacional, cuja nova redação do § 2º do artigo 43, trazida pela Lei Complementar nº 104/2001, torna explícita a possibilidade de o imposto de renda vir a atingir receita ou rendimento oriundos do exterior.

Ora, é imediato que na medida em que os Estados vão estendendo suas pretensões tributárias para alcançar situações ocorridas além de suas fronteiras, vai se tornando mais freqüente a cumulação de pretensões, gerando o fenômeno da bitributação internacional.

Surge, aqui, a importância do outro aspecto da soberania, a que acima se fez referência: a soberania externa.

A soberania, que no passado foi vista como o poder absoluto dos Estados, deve na atualidade ser compatibilizada com as regras de Direito Internacional. Mister a menção à doutrina de Ihering (depois repetida por Jellinek), citada por Baracho, que fundamenta na “regra de autolimitação” a submissão voluntária ao Direito pelo Estado e a sua respectiva limitação. Esta limitação não deve ser vista como uma afronta à soberania do Estado, mas como uma preservação desta, através da submissão à lei, uma vez que aquele, ao autolimitar-se, determina sua vontade por ele próprio, preservando-se soberano. Submetendo-se ao Direito, conserva a soberania, que não exclui o reconhecimento deste6.

A soberania externa, segundo Baracho, é definida como a independência e a igualdade entre os Estados, o que significa, principalmente, o reconhecimento da obrigatoriedade das normas de Direito Internacional, no qual a reciprocidade tem papel fundamental para a sua legitimidade. Assim, em lugar de uma anarquia de soberanias, prossegue o autor, baseando-se em Heller, tem-se na situação internacional contemporânea uma sociedade de Estados independentes, unidos pelo Direito e ligados por intensa solidariedade de interesses7.

Reconhecido o Direito Internacional como campo no qual se encontram os limites à soberania externa, importa apresentar suas fontes. São elas, nos termos do artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, o direito consuetudinário, os tratados internacionais e os princípios de direito geralmente reconhecidos pelas nações civilizadas.

Versando sobre a matéria tributária, poucos são os costumes que se podem apontar já reconhecidos e inseridos na ordem internacional. Em trabalho escrito logo após a Segunda Guerra, Manlio Udina defendia alguns poucos limites subjetivos e objetivos à tributação. Como exemplo dos limites subjetivos, cita-se a impossibilidade de um Estado tributar outras pessoas jurídicas de direito público internacional (estendendo-se, por cortesia ou por tratados, os agentes diplomáticos). Um limite objetivo poderia ser encontrado na liberdade de trânsito, que comporta o direito de passagem através do território em tempos de paz, daí se impedindo a tributação8.

Também nos princípios de direito geralmente reconhecidos pelas nações civilizadas, alguns autores buscam limitações às pretensões tributárias. Assim é que Wilhelm Kann, em palestra proferida em 1961, em Viena9, viu uma garantia de ordem tributária na Declaração de Direitos do Homem, no âmbito das Nações Unidas, cujo artigo 1º do Protocolo adicional incluía entre as medidas para a segurança coletiva o direito de toda pessoa física ou jurídica à propriedade. No interessante raciocínio do autor, até então, o tema do confisco se limitava ao direito interno de cada Estado, já que era nos ordenamentos internos que se encontrava a garantia da propriedade, que seria a base jurídica suficiente para impedir que o tributo tivesse efeito confiscatório. O eventual efeito confiscatório decorrente da sobreposição de tributações (bitributação ou pluritributação) era, nesse sentido, fatalidade que não se poderia combater. Ora, uma vez que o direito à propriedade ingressava no Direito Internacional, parecia ao autor que com tal direito haveria de se reconhecer, de igual modo, que a tributação provocada pela cumulação de pretensões tributárias não poderia ser de tal monta a gerar um confisco, contrário à propriedade. Daí decorrer, na visão desse autor, a obrigação de ordem internacional, de os Estados adotarem medidas contra a bitributação.

Idéia semelhante foi retomada, há pouco, por Schaumburg. Este autor, entretanto, não defendeu a ilicitude da bitributação a partir do direito de propriedade, mas sim do princípio da igualdade. Em síntese, sendo este princípio de aceitação generalizada (um princípio de direito reconhecido pelas nações civilizadas), e sendo seu corolário, em matéria tributária, o princípio da capacidade contributiva, então a bitributação seria um ilícito internacional, por contrariar o direito internacional10. Não obstante, deve-se ressaltar que mesmo entre os autores de origem germânica, não se reconhece, de modo geral, a existência de um princípio de direito internacional a vedar a bitributação; quando muito, se entende que é dever dos Estados buscar reduzi-la ou evitá-la11.

Finalmente, deve-se referir aos tratados e convenções internacionais como fonte do Direito Internacional. Na matéria tributária, surgem tanto aqueles que têm por objeto a própria tributação, como aqueles que têm outros fins imediatos, mas cujos dispositivos afetam, direta ou indiretamente, a liberdade dos Estados de exercerem sua pretensão tributária.

Assim é que nesse estudo se versará, primeiramente, sobre os tratados e convenções que não têm por objeto primeiro a matéria tributária, buscando-se ressaltar o quanto neles interessa à última para, em seguida, explorar-se, com maior vagar, aqueles que têm por objeto a eliminação de sobreposições de pretensões tributárias.

II. Tratados Internacionais que afetam a Matéria Tributária

Em estudo recente, Paul R. Mc. Daniel, diretor do Programa de Tributação Internacional da Universidade de Nova Iorque, apontava a existência de mecanismos tributários em tratados internacionais que não versam sobre aquela matéria12. Deve-se, neste sentido, cogitar primordialmente daqueles, como os tratados de comércio, o GATT, o Tratado de Roma, o Pacto Andino, o Mercosul e o Nafta, que objetivam à liberalização do comércio internacional, adotando, para tanto, garantias de ordem tributária, como as que afetam os impostos aduaneiros ou as que buscam a harmonização tributária e a não-discriminação.

Dentre os primeiros instrumentos do gênero que se podem apontar está o celebrado por Gênova, em 1149, com o “rei lobo” de Saracena (Mohammed-ibn-Markerdish), para a constituição de duas zonas francas, em Valência e em Denia e isenção de todos os seus cidadãos dos impostos13.

O GATT - Acordo Geral de Tarifas e Comércio, celebrado em Genebra em 30 de outubro de 1947 por representantes de 23 países, foi firmado na expectativa da iminente criação de Organização Internacional do Comércio (ITO) que, entretanto, somente se veio a concretizar em 1995, com a Organização Mundial do Comércio (OMC; WTO). Dentre seus preceitos fundamentais estão a abolição de qualquer discriminação nas relações comerciais, por meio da extensão generalizada da cláusula da “nação mais favorecida” e a redução de tarifas aduaneiras, em base de reciprocidade. Ainda relevante é seu artigo III, que assegura às mercadorias importadas o “tratamento nacional”, daí se vedando qualquer discriminação por meio de tributos incidentes sobre os produtos estrangeiros. Também valiosa para a matéria tributária é a disciplina de subvenções às exportações, que podem se revestir da forma de incentivos fiscais: embora o GATT adote o princípio do destino, daí autorizando que se desgravem os produtos exportados, não pode a medida tributária implicar um incentivo, seja nos próprios tributos desonerados (exemplo: crédito presumido), seja em outros tributos (exemplo: imposto de renda). Ainda no âmbito do GATT e, hoje, da OMC, devem ser citadas as conferências, como a Rodada Kennedy, a Rodada de Tóquio e a Rodada do Uruguai, que impuseram reduções ainda mais profundas sobre as tarifas praticadas.

Igualmente versando sobre o comércio internacional, devem ser citados os tratados e convenções regionais, cuja evolução, da zona de livre comércio à união aduaneira e, em seguida, ao mercado comum e união econômica, vem impregnada de medidas inicialmente tarifárias e, a partir de certo estágio, de coordenação, harmonização ou mesmo uniformização tributária.

Define-se aqui a coordenação como a primeira etapa de aproximação das legislações tributárias, quando os Estados signatários de um acordo passam a tomar decisões com um objetivo comum14. Não se exige, nesta fase, que se adotem meios comuns para atingir a finalidade assim objetivada. Relevante é que os países signatários tenham uma concepção comum de aonde caminham.

De harmonização, tratar-se-á uma segunda etapa da integração de normas tributárias, quando já não mais se cogita meramente de políticas comuns. Neste grau de aproximação, reconhece-se a existência de princípios legislativos comuns15, reduzindo-se contradições em matéria tributária ou neutralizando-se suas divergências16, funcionando a harmonização como meio necessário para criar condições competitivas e atrair investimentos e negócios para a região17. A harmonização traz a comparabilidade. Sistemas harmonizados têm diferenças, mas estas são identificáveis. Um investidor encontra elementos suficientes para tomar sua decisão, alocando seus recursos, sem medo de surpresas.

Finalmente, fala-se em uniformização quando já não mais se trata de princípios, mas de identidade de textos legais.

Retomando as etapas da integração econômica, vê-se, inicialmente, a zona de livre comércio, quando os produtos circulam entre os países signatários sem a exigência de tributos aduaneiros. O acordo se aplica, entretanto, apenas com relação aos produtos originários daqueles países, os quais guardam para si a prerrogativa de estabelecerem suas políticas aduaneiras com relação a terceiros países. É de livre-comércio que se trata, hoje, o Nafta; também o livre-comércio era o objetivo da Alalc - Associação Latino-Americana de Livre-Comércio, hoje substituída pela Aladi - Associação Latino-Americana de Desenvolvimento Integrado. Vê-se, aqui, que não cabe sequer falar em harmonização tributária; o que se tem é uma coordenação de políticas. A essência, aqui, será a inexistência de discriminação aos produtos oriundos do bloco.

Adotando-se uma união aduaneira (e esta etapa é a que interessa mais de perto a nosso País, visto que o Mercosul é apontado como uma união aduaneira imperfeita), já será o caso de se falar em uniformização, no que tange aos impostos aduaneiros, já que o mote é a adoção de um código aduaneiro comum. Ainda, a união aduaneira exige pelo menos uma coordenação de políticas sobre os impostos sobre o consumo. É o que se busca atualmente no Mercosul18.

No caso de um mercado comum, e com mais razão na união econômica, à uniformização das legislações aduaneiras haverá de somar-se uma harmonização das legislações dos impostos sobre o consumo e sobre a renda. Para que se tenha um mercado comum, não se faz necessária uma uniformização destes impostos (assim é que se pagam impostos sobre o consumo em alíquota mais elevada na Suécia, em relação à Grécia); os sistemas, entretanto, devem ser completamente comparáveis. Tratando-se de um mercado comum, deve o investidor de um dos países-membros conhecer o cenário que encontrará caso decida investir seus recursos em outro país (mobilidade de capitais). Ao mesmo tempo, qualquer que seja a origem do produto (desde que de países integrantes do bloco), deve ser assegurado sobre ele igual tratamento tributário, de modo que bens e serviços procedentes dos outros países do bloco suportem no mercado dos países que os importa idêntica carga àquela suportada pelos bens produzidos localmente.

A livre circulação de pessoas e capitais implicará, ademais, restrições à liberdade dos Estados-Membros na fixação de seu imposto de renda. No caso da União Européia, fala-se nas “liberdades fundamentais” ou “liberdades de mercado”, que compreendem a liberdade de circulação de mercadorias19, de circulação de pessoas (em ambas as suas manifestações, enquanto liberdade de residência do empregado20 e liberdade de instalação de filiais21), de prestação de serviços22 e de circulação de capitais23.

Na Europa, constata-se que as ordens tributárias nacionais acabaram por se aproximar muito, sob a influência da jurisprudência da Corte Européia acerca das liberdades fundamentais24. A título de exemplo, cite-se o caso Schumacher25: tratava-se de um cidadão belga que recebia seus rendimentos quase exclusivamente na Alemanha. No caso, pleiteava que a Alemanha lhe desse tratamento equivalente aos seus próprios residentes, daí sendo-lhe autorizado deduzir da base de cálculo do imposto as despesas pessoais. A Corte, entendendo que “benefícios fiscais reservados aos residentes em determinado Estado-membro são suscetíveis de constituir discriminação indireta em razão da nacionalidade” (nº 30), concluiu que se o Estado da residência (Bélgica) não pode tomar em consideração a situação pessoal e familiar do contribuinte (já que na Bélgica, praticamente não haveria rendimentos tributáveis), então “o princípio comunitário da igualdade de tratamento exige que a situação pessoal e familiar do não-residente seja tomada em consideração no Estado do emprego da mesma forma que para os nacionais residentes e que lhes sejam concedidos os mesmos benefícios” (nº 41).

Também relevante foi o caso Gilly26: A Sra. Gilly, residindo na França, lecionava na Alemanha, onde, por força de um tratado entre ambos os países, era tributada. Embora o mesmo tratado lhe assegurasse, na França, um crédito do imposto pago na Alemanha, o resultado lhe era desfavorável, já que sua carga fiscal na França era sensivelmente mais baixa, não havendo, daí, como aproveitar o crédito. Explicava-se a diferença nas cargas fiscais nos dois países, de um lado, por conta de alíquotas diferenciadas e, de outro, por a Alemanha não facultar aos não-residentes a dedução de gastos pessoais e familiares, autorizada aos residentes. Daí a Sra. Gilly se considerar vítima de discriminação, dentre outras razões, por não deduzir seus gastos pessoais e familiares. Diversamente do caso Schmacker, entretanto, no caso Gilly, a Corte decidiu que “as autoridades fiscais alemãs não estavam obrigadas, em tais circunstâncias, a atender à sua situação pessoal e familiar” (nº 50).

Essas liberdades fundamentais podem limitar a pretensão de alguns Estados de instituir impostos sobre ganhos de capitais não realizados, quando o contribuinte deixa definitivamente o país, perdendo, daí, a característica de residência (exit tax). Em princípio, a mudança de residência poderia implicar a impossibilidade de o Fisco atingir os ganhos ainda não realizados; uma tributação em virtude da mera mudança de residência, por outro lado, implicaria restrição à liberdade de circulação, já que seria tratado diferentemente aquele que se mudasse para o exterior (dentro da Comunidade) em relação àquele que se mudasse para outro ponto do próprio país.

III. Tratados Internacionais em Matéria Tributária: os Acordos de Bitributação

Especificamente tratando da matéria tributária, embora o Brasil tenha celebrado alguns acordos restritos à matéria de transporte aéreo e marítimo27, ganham relevância os que tratam da matéria da bitributação.

Já se fez referência ao fenômeno da bitributação, que surge pela coincidência de mais de uma pretensão tributária de natureza semelhante, sobre o mesmo contribuinte, em virtude da mesma circunstância e relativa ao mesmo período.

Dada a inexistência de um princípio, oriundo do direito internacional, que vede a tributação, passam os Estados a adotar medidas visando a afastá-la ou a mitigar seus efeitos.

Com efeito, se é verdade que, conforme Armin Spitaler, o tema da bitributação internacional é antiqüíssimo, tão vetusto quanto o mais antigo imposto28, igualmente antigas são as medidas visando a afastá-la. Assim é que se cita o caso dos moradores de Oponte e de outras cidades a leste da Lócrida, que, ao estabelecerem uma colônia, Naupakta, a oeste da Lócrida, foram isentados do imposto em sua terra de origem29. A medida unilateral é o que hoje se chama o “método da isenção” que, juntamente com o “método da imputação”, constituem as mais freqüentes medidas unilaterais contra a bitributação.

Ao lado das medidas unilaterais contra a bitributação, estão os acordos de bitributação: instrumentos de que se valem os Estados para, por meio de concessões mútuas, evitar ou mitigar os efeitos da bitributação. Não se limitam os acordos à tributação da renda; assim é que, já em 1872, celebrava-se um acordo entre o Reino Unido e o cantão de Vaud sobre impostos sucessórios30. Hoje, existem diversos tratados que se voltam a evitar a bitributação das heranças e sucessões31. Por sua importância para o País, entretanto, cabe um estudo mais detalhado dos acordos que se versam sobre a bitributação da renda.

3.1. Histórico dos acordos de bitributação

Já no final do século XIX, passaram os Estados a adotar acordos bilaterais para evitar a bitributação da renda. No começo, tratava-se de Estados com uma relação muito estreita, ou mesmo membros de uma federação (assim, a convenção entre a Prússia e a Saxônia, sobre impostos diretos, celebrada em 16.4.1869; entre a Áustria e a Hungria, sobre a tributação de empresas, de 18.12.1869/7.1.1870; o tratado para afastar a bitributação, celebrado entre Prússia e Áustria, em 21.6.1899). Com o encerramento da Primeira Guerra, começou a se construir uma rede de tais acordos na Europa central (assim, Itália e Alemanha celebraram tal acordo em 1925); Inglaterra e Estados Unidos ainda tinham, na época, uma postura mais tímida (a Inglaterra celebrou um acordo com a Irlanda, em 1922/28 e os Estados Unidos celebraram um tratado, de alcance parcial, com a França, em 1932 e com o Canadá, em 1936), fenômeno que acabou se alastrando pelo resto do mundo, a partir do fim da Segunda Guerra32.

Para que se compreenda, entretanto, a evolução dos acordos de bitributação, é necessário que se estudem os esforços empreendidos internacionalmente para a sua celebração e para uma certa semelhança (embora nenhuma uniformidade) entre eles.

Para tal fenômeno, muito contribuiu o trabalho da Sociedade das Nações, que elaborou um modelo uniforme de acordo de bitributação a ser seguido pelos países. A origem dos estudos sobre a bitributação, na Sociedade das Nações, pode ser localizada, em um memorando, de 15 de janeiro de 1921, elaborado por Sir Basil P. Blackett, K. C. B., elaborado a pedido da Seção Financeira da Comissão Econômica e Financeira daquela organização. No memorando, que versava sobre a superposição de impostos no império britânico, diz-se que se produz a bitributação sempre que um país recebe o imposto por ali estar a fonte de riqueza, enquanto o outro, por a pessoa estar domiciliada em seu território. Expõe a situação do império britânico e indica a postura dos domínios que queriam evitar a bitributação33.

Ainda em 1921, quatro especialistas em finanças públicas - Bruins (Holanda), Einaudi (Itália), Seligman (E.U.A.) e Stamp (Grã Bretanha) - foram encarregados pelo Comitê financeiro da Sociedade das Nações de apresentar um relatório sobre os problemas econômicos concernentes ao fenômeno da bitributação e às possíveis soluções para a sua eliminação. Em 1922, o mesmo Comitê encarregou do estudo da bitributação e evasão fiscal, de um ponto de vista administrativo e prático, um grupo composto por altos funcionários das administrações fiscais da Bélgica, França, Itália, Holanda, Reino Unido, Suíça e Checoslováquia. O relatório dos economistas foi concluído em 1923 e os peritos técnicos concluíram seu relatório em 1925. Entre 1926 e 1927, com o auxílio de especialistas europeus e norte-americanos, o Comitê elaborou quatro modelos de acordos, que tratavam, além dos impostos diretos, do imposto de sucessões, da assistência administrativa e da assistência judiciária. Tais modelos foram aprovados em 1928 por representantes de 28 Estados (inclusive países que não eram membros da Sociedade). No mesmo ano, o Conselho da Sociedade instituiu um Comitê Permanente para Assuntos Fiscais, que se reuniu dez vezes, desde 1929 até 1945, publicando relatórios das suas reuniões. No decurso da última reunião do Comitê antes da Segunda Guerra, foi sugerida a revisão dos modelos de 1928, o que foi iniciado em Haia, em 1940 e concluído em 1943, na cidade do México, quando surgiu a primeira revisão, que passava a consagrar os interesses dos países menos desenvolvidos, com a aceitação da tributação no Estado da fonte. Encerrado o conflito mundial, realizou-se em Londres a 10ª reunião do Comitê, que adotou novo modelo de convenção. Interessante notar que, enquanto na reunião do México, a prevalência fora dos países menos desenvolvidos e daí resultou um modelo privilegiando a tributação na fonte, o encontro de Londres teve maior peso dos representantes dos países desenvolvidos, dando-se, daí, um modelo que privilegiava a tributação pelo Estado da residência. Um exemplo pode ser dado pelas disposições relativas a juros, royalties, rendas e pensões, cuja tributação se reservava ao Estado da residência do titular dos rendimentos34.

Embora os trabalhos da Sociedade das Nações tenham sido retomados pela Organização das Naçõs Unidas (ONU), tendo a Comissão das Finanças Públicas proposto, já em sua primeira reunião, o exame e revisão daqueles trabalhos, havendo diversas reuniões sobre o assunto, em 1954, na 18ª sessão do Conselho Econômico e Social, foi considerada desnecessária e feita cessar a atividade da Comissão, sem que dali tivesse resultado qualquer revisão do modelo35.

Em 1956, foi instituído o Comitê Fiscal da então denominada Organização Européia de Cooperação Econômica (OECE), com o mandato de apresentar um novo modelo de acordo de bitributação. A OECE foi substituída, em 1961, pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE) e, em 6 de julho de 1963, o Comitê Fiscal concluiu seus trabalhos com um relatório e um anexo, no qual fazia constar um modelo de acordo de bitributação no qual, à semelhança do modelo de Londres, prevalecia a tributação pelo Estado da residência. O Comitê Fiscal converteu-se, em 1971, no até hoje existente Comitê para Assuntos Fiscais, continuando a trabalhar em seu modelo e em seus comentários, revisados, pela primeira vez, em 1977 (criando-se o modelo de 1977) e, a partir de 1991, considerando-se a constante evolução, decidiu-se adotar um modelo em folhas soltas, com revisões periódicas desde 1992. O modelo da OCDE teve uma influência marcante nos acordos de bitributação celebrados desde a sua publicação36.

A importância dos trabalhos da OCDE estendeu-se até mesmo aos trabalhos que foram feitos na ONU. Com efeito, esta Organização, após a interrupção dos trabalhos em 1954, retomou-os depois de 13 anos, constituindo-se, em 4 de agosto de 1967, um grupo de peritos das convenções fiscais entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. Seu mandato era o de “estabelecer meios de facilitar a conclusão de convenções fiscais entre os países desenvolvidos e os países em vias de desenvolvimento, compreendida a formulação, conforme for conveniente, de diretivas e de técnicas que possam eventualmente ser utilizadas nestas convenções fiscais e que sejam aceitáveis aos dois grupos de países e salvaguardem plenamente as receitas fiscais de uns e de outros”. Em 1973, o mandato foi ampliado, pela Resolução 1.765, para também “estudar a aplicação das convenções fiscais em domínios tais como a imputação dos rendimentos, a fraude e a evasão fiscais internacionais e os incentivos fiscais”. Reunindo-se oito vezes, entre 1969 e 1979, o grupo acabou por elaborar o modelo de Convenção das Nações Unidas Relativa às Duplas Tributações entre aqueles países, concluído em 198037. Os trabalhos assim concluídos, entretanto, não satisfizeram plenamente os países em desenvolvimento, o que pode ser explicado por terem se baseado nos trabalhos da OCDE, que haviam sido elaborados a partir do princípio da residência. Assim, na crítica de Francisco Dornelles, o modelo da ONU apenas mitigava os efeitos daquele princípio, sem, contudo, o recusar38. O modelo da ONU sofreu uma revisão, publicada em 11 de janeiro de 2001.

Ainda com vistas a atender os interesses dos países em desenvolvimento, deve ser citado o modelo do Grupo Andino, concebido como antagônico ao modelo da OCDE, já que ali prevalece a tributação pelo Estado da fonte39. A mesma linha foi seguida pela Associação Latino-Americana de Livre-Comércio - Alalc, em seu modelo, publicado em 197740.

Os Estados Unidos, desde 1976, adotam um modelo próprio na negociação de seus acordos de bitributação, o qual, embora inspirado no modelo da OCDE, com ele não se confunde, merecendo destaque o dispositivo que versa sobre limitação de benefícios.

Em matéria de bitributação, existem, hoje, mais de 2.000 acordos bilaterais. Acordos multilaterais são mais raros, podendo-se citar um, de 1971, entre 14 países africanos reunidos na então Organisation Commune Africaine et Malgache; dois entre países então pertencentes ao Conselho de Ajuda Econômica Mútua (Comecon); um acordo entre Dinamarca, Noruega, Finlândia e Islândia41; e, recentemente, um celebrado entre os integrantes da Comunidade do Caribe (Caricom).

3.2. Prevalência dos acordos de bitributação sobre a lei interna

A compreensão da importância dos acordos de bitributação exige uma manifestação acerca de sua observância, obrigatória ou não, pelos Estado contratantes. Vem à tona, aqui, o tema da prevalência dos acordos de bitributação sobre a lei interna.

Esta questão tem sua origem na polêmica entre os defensores do “dualismo” e do “monismo”. Segundo os “dualistas”, encabeçados por Triepel42, na Alemanha e Anzilotti43, na Itália e, no Brasil, Irineu Strenger44, a ordem jurídica nacional e a internacional seriam independentes, quer quanto a sua origem, quer quanto às relações de que tratam; assim, descabido seria falar em conflito entre normas dos dois sistemas: se não há pontos de contato, inexiste conflito.

A tal entendimento, contrapunham-se os “monistas”, os quais reconheciam a existência de um único sistema jurídico, dali se desdobrando entre aqueles que davam prevalência às normas do direito internacional e outros que viam maior importância no direito interno. Representam a corrente monista os integrantes da Escola de Viena (Kelsen45 e Verdross, que receberam, no País, o apoio de Marotta Rangel, Haroldo Valladão, Oscar Tenõrio e Celso de Albuquerque Mello. Não obstante divergências teóricas iniciais, “monistas” e “dualistas” evoluíram para versões “moderadas”, sendo possível afirmar, com Rudolf Geiger46, que hoje, suas divergências são, apenas, quanto aos princípios jusfilosóficos, não trazendo qualquer efeito quanto à solução de questões individuais.

A questão da prevalência à luz do direito comparado

Da inexistência de um entendimento teórico final sobre a prevalência dos tratados sobre a lei interna resulta que, no direito comparado, é possível encontrar uma variedade de soluções. Em pesquisa sobre o tema, Karl J. Partsch47 encontra desde sistema em que o tratado internacional não se reconhecia na ordem interna (tal era o caso da União Soviética), passando por aqueles em que as leis prevalecem sobre os tratados (exemplo: países da Commonwealth); outros que colocam lei e tratado em igual posição hierárquica (regra entre os países da Europa Central e EUA); países que colocam os tratados hierarquicamente acima da legislação interna e, finalmente, aqueles em que dispositivos de tratados prevalecem até mesmo sobre o texto constitucional (Holanda e Peru).

No que se refere à Alemanha, a questão deve ser vista a partir da Lei Fundamental que, embora assegurando o primado dos princípios do Direito Internacional, se-cala acerca das garantias asseguradas por tratados internacionais. Não obstante, o § 2º da Abgabenordnung dispõe sobre a prevalência dos tratados em matéria tributária. Confira-se:

Tratados com outros Estados, no sentido do art. 59, 2, I, da Lei Fundamental, que dispuserem sobre tributação, prevalecem sobre as leis tributárias, desde que se tenham tornado direito interno de aplicação imediata.

Embora, em princípio, se pudesse contestar a constitucionalidade de semelhante dispositivo, tendo em vista que se trata de mera lei ordinária e, como tal, não poderia tratar de hierarquia de leis, a doutrina daquele país buscou uma interpretação do § 2º conforme da Lei Fundamental, ainda que, segundo salienta Eilers, a intenção do legislador de 1977 fosse que nenhuma lei pudesse revogar o contratado pela República Federal da Alemanha48.

Assim, para não se reproduzir a vasta literatura a respeito do tema, menciona-se o raciocínio de Klaus Vogel, para quem este dispositivo, na qualidade de lei federal, não é instrumento hábil para dar aos acordos de bitributação prevalência sobre as leis. Portanto, a única interpretação razoável para ele é a de que a Abgabenordnung exige que o acordo internacional seja considerado lex specialis em relação à lei interna. Deste modo, o autor conclui ser possível que uma lei federal posterior modifique ou revogue dispositivo do acordo de bitributação. No entanto, a lei deve ser expressa sobre o assunto, já que, em caso contrário, o acordo será tido por lei especial e, como tal, prevalecerá sobre a lei federal posterior49.

No mesmo sentido, as opiniões de Klein e Orlopp50, Debatin51, Hübschmann, Hepp e Spitaler52, Weigell53, Tipke e Kruse54 e Mössner55.

Também nos Estados Unidos, para que uma lei interna prevaleça sobre um acordo internacional (treaty override), exige-se, desde o precedente Lee Yen Tai versus United States, julgado em 1902, que o legislador nacional declare expressamente ser esta a sua intenção56. Idêntica é a posição do Canadá, desde o caso Melford57.

Tratando-se da França, embora Partsch faça referência à importância do papel do Executivo, a quem cabe interpretar os tratados internacionais, reconhecendo ou não a prevalência, o que também é ressaltado por Trotabas58, cabe ressaltar que o artigo 55 prevê a prevalência dos tratados, embora condicionada à reserva de reciprocidade. Segundo Gest e Tixier, desde o julgamento do caso Nicolo, em 1985, passou o Judiciário a reconhecer diretamente a impossibilidade de a lei posterior contrariar o tratado internacional.

A questão da prevalência no direito brasileiro

O tema da prevalência dos tratados internacionais - especialmente dos acordos de bitributação - deve ser estudada em dois momentos: antes e após 1988.

Antes de 1988, a jurisprudência já se firmara pela prevalência dos tratados internacionais. Essa era a posição pacífica do Supremo Tribunal Federal59. Interrompeu-se, em parte, essa tendência, quando do julgamento do RE 80.004 o qual, versando sobre matéria de direito comercial, admitia que lei posterior modificasse mandamento contido em tratado internacional. Uma análise criteriosa daquela decisão60 revela, entretanto, que o julgado não interrompeu, pelo menos na matéria tributária, o entendimento da prevalência dos tratados sobre a legislação infraconstitucional. Com efeito, aqueles Ministros que entenderam possível que a legislação posterior contrariasse mandamento de um tratado ressalvaram - à exceção de um voto - tratar-se de matéria de direito comercial, reconhecendo, outrossim, que em matéria tributária, a solução seria diversa. Ao mesmo tempo, adotava o Supremo Tribunal Federal a corrente - questionável61 - que contempla a divisão dos tratados internacionais entre tratados-normas e tratados-contratos, sustentando que apenas os primeiros é que poderiam ser contrariados por lei interna posterior. Neste sentido, os acordos de bitributação - enquanto tratados-contratos - prevaleceriam sobre a legislação interna. No RE 99.376, o Supremo Tribunal Federal, em acórdão relatado por Moreira Alves, confirmava que os tratados em matéria tributária se incluíam entre os tratados-contratos e, enquanto tal, prevalecem sobre o direito interno.

Tal posicionamento pode ser reforçado, quando se tem em vista o artigo 98 do Código Tributário Nacional, que expressamente assegura a prevalência. Embora o referido dispositivo sofra críticas de autores que, como Roque Antonio Carrazza62, defendem sua incontitucionalidade, já que não poderia a lei complementar dispor sobre o primado do decreto-legislativo (veículo introdutor dos tratados internacionais), se a Constituição Federal o coloca em igual nível em relação à lei ordinária, a doutrina predominante é no sentido de sua prevalência. Assim é que José Souto Maior Borges63, ao analisar o referido artigo, afirma que este contrapõe-se implicitamente à concepção dualista da ordem interestatal diante da ordem interna, assentando na prevalência do tratado sobre a lei nacional. No mesmo sentido, o magistério de Ruy Barbosa Nogueira:

“Isto é inconcusso e o Brasil não pode deixar de honrar o que contratou e assinou como Tratado Internacional. Aprovou, ratificou e incorporou como supra-ordenado à sua legislação interna, quando sua legislação tributária complementar à Constituição já reconhecia e reconhece como revogatório da legislação tributária interna e imperativamente manda que os tratados e convenções internacionais também serão observados pela legislação interna que lhes sobrevenha. A disposição do art. 98 do CTN, além de legislação para-constitucional, é texto imperativo, dirigido ao legislador ordinário e regulativo da limitação do poder de tributar64.”

Ingressando-se no cenário após 1988, o tema adquire reforço à luz do que dispõe o art. 5º, § 2º, do texto constitucional. Este dá dignidade constitucional aos direitos e garantias decorrentes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Celso de Albuquerque Mello, depois de lembrar que o referido dispositivo foi inserido no texto constitucional por iniciativa do internacionalista Cançado de Andrade, afirma que, a partir dele, qualquer direito decorrente de um tratado internacional torna-se cláusula pétrea, não podendo ser modificado sequer por emenda constitucional65. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, embora afirme ser difícil surgir um “novo” direito, já não inserido no rol do artigo 5º, concorda que se tal ocorrer, o “novo” direito não poderá ser abolido, por força de cláusula pétrea66. É certo que o constitucionalista ressalva que um tratado não poderia contrariar dispositivo constitucional, mas essa não seria a hipótese de um acordo de bitributação.

Neste diapasão, não é demais lembrar que Ricardo Lobo Torres não hesita em incluir o princípio da igualdade em matéria tributária entre os direitos humanos67. Ora, se acompanharmos o raciocínio de Schaumburg, acima referido, no sentido de que a bitributação, por afetar o princípio da capacidade contributiva, contraria o princípio da igualdade, então será imediato que a proteção contra a bitributação será um direito humano, porquanto assegura positivamente a igualdade e, enquanto tal, compreendido no escopo do artigo 5º, § 2º, do texto constitucional.

3.3. Adoção ou transformação dos tratados

A conclusão pela prevalência dos tratados sobre a lei interna não afasta outra discussão igualmente importante, desta feita para a compreensão do regime jurídico dos tratados: uma vez ratificados, passam eles a se confundir com a lei interna, sendo sua prevalência mera questão de hierarquia?

Essa discussão traz à tona tema caro aos internacionalistas, que se resume na discussão entre os defensores da teoria da “transformação” e os que sustentam a “adoção”68. Segundo os primeiros, encabeçados por Triepel69, o tratado internacional, quando de sua celebração, não poderia ser aplicado pelos tribunais nacionais, exigindo-se, antes, um processo de “transformação”, através do qual seu texto seria incorporado na ordem interna. A conseqüência é que, uma vez concluído o processo de “transformação”, o acordo de bitributação passaria a ter natureza de norma de direito interno e, como tal, sujeitando-se aos critérios de interpretação válidos para qualquer norma interna. Contrapõe-se a tal pensamento a teoria da “adoção”, segundo a qual o fato de uma norma ser aplicável no direito interno de um Estado contratante não lhe faz perder sua natureza internacional. Daí que o tratado internacional não deve ser interpretado segundo as normas do direito interno, mas sim de direito internacional.

Para que não se tragam à tona todos os argumentos que afetam a discussão, basta lembrar o maior obstáculo enfrentado pela teoria da “transformação”: o fato de que os acordos internacionais, mesmo ratificados, continuam a se submeter às normas de direito internacional para sua entrada em vigor e rescisão. Com efeito, se o tratado se “transformasse” em direito interno, sua eventual denúncia, por outro Estado contratante, não poderia ter o efeito de retirá-lo da ordem jurídica do primeiro Estado. Se isso acontece é porque o tratado, ainda que aplicável internamente, não deixa de ser norma internacional.

Diante de dilemas como o acima, os defensores da teoria da “transformação” passaram a se utilizar de argumentos auxiliares, sustentando que junto com a “transformação” do tratado, ocorreria a “transformação” das normas do direito internacional a ele aplicáveis, o que, na prática, implica afirmar que a teoria da “transformação” não difere, em seus resultados, do que se ensina na teoria da “adoção” condicionada à “ordem de execução”.

3.4. Relação entre os acordos de bitributação e a lei interna

Dos estudos precedentes, concluiu-se i) pela prevalência dos acordos de bitributação sobre a lei interna; e ii) que aqueles, entretanto, continuam submetidos à ordem internacional.

Para a compreensão do fenômeno, parece interessante lembrar símile proposto por Klaus Vogel. Refere-se o autor aos acordos de bitributação como uma máscara, colocada sobre o direito interno, tapando determinadas partes deste. Os dispositivos do direito interno que continuarem visíveis (por corresponderem aos buracos recortados no cartão) são aplicáveis. Os demais, não70.

A figura é bastante feliz, inicialmente, porque ilustra o tema da prevalência: os tratados internacionais não revogam a legislação interna; apenas prevalecem. Esta continua válida, mas tem sua aplicação contida pelo tratado internacional. Retoma-se, aqui, o que acima se ponderava acerca da soberania, onde se fazia ver que o Estado soberano se autolimita, enquanto agente do concerto internacional. Nesse sentido, cada vez que um Estado celebra um tratado internacional em matéria tributária, tem ele parte de sua pretensão tributária limitada (ou autolimitada), de modo a não mais poder fazer incidir sua regra de incidência sobre as situações comprometidas internacionalmente. Assim, se a soberania interna se limita pelo Direito interno (e por isso o Estado somente pode exercer sua pretensão tributária sobre os campos que o próprio Direito lhe reserva), de igual modo os tratados internacionais podem impedir a incidência da lei.

Ao mesmo tempo, a figura de Vogel dá o devido destaque à lei interna, como único veículo para a instituição de tributo, conforme o princípio da legalidade. Assim é que, no modelo do autor, é possível que se encontrem alguns “buracos” na “máscara”, i.e., situações em que um acordo de bitributação preveja o exercício da pretensão tributária pelo Estado, mas, ao ser posta a “máscara” em frente ao “texto”, não se encontre qualquer palavra. Seria o caso em que a lei interna não tivesse instituído o tributo que lhe fora reservado. Assim, por exemplo, caso um acordo de bitributação assinado pelo Brasil reserve ao País a instituição de imposto sobre o patrimônio de seus residentes: a mera previsão no tratado não cria a obrigação tributária, já que falta, no Brasil, legislação a disciplinar a matéria. É neste sentido que se afirma que os acordos de bitributação estendem-se, além da bitributação efetiva, aos casos de bitributação virtual.

O modelo de Vogel é, finalmente, feliz ao tornar totalmente distintos a “máscara” e o “texto”, o que revela que as análises do acordo de bitributação e do direito interno se fazem em separado. A interpretação do acordo de bitributação é um raciocínio que se encerra em si mesmo, não se confundindo com a interpretação da lei interna. O aplicador da lei deve concretizar os dois processos interpretativos de modo completamente independente.

Deve-se notar, desde já, que o aplicador da lei enfrenta questões de ordem diversa, num caso que envolva um acordo de bitributação e lei interna: o primeiro responderá a seguinte indagação: “o Estado contratante está autorizado a fazer incidir sua tributação sobre determinada situação?” Já a lei interna investigará: “qual o montante da tributação sobre determinada situação?” Nota-se que as perguntas estão em planos diversos, tal como a “máscara” e o “texto”. Embora qualquer das questões possa ser respondida em primeiro lugar, sem que haja ordem lógica a respeito71, parece claro que a resposta negativa à primeira questão implica a desnecessidade do exame da segunda: se o acordo de bitributação afasta a pretensão tributária do Estado sobre determinada situação, pouco interessa saber qual seria o tributo, se não estivesse afastada aquela pretensão. Esse raciocínio reforça a independência dos momentos interpretativos dos acordos de bitributação, em relação ao direito interno.

3.5. Interpretação

Configuradas a independência dos acordos de bitributação do direito interno e a sua natureza de regra excepcional, impõe-se investigar com maior vagar o tema de sua interpretação.

De início, vale lembrar que os acordos de bitributação são normas sobre a aplicação de normas72, já que seu objeto é definir os casos em que a legislação interna de um Estado contratante será aplicável e aqueles em que fica afastada sua aplicação. Num passo adiante: os acordos de bitributação referem-se a normas que, por sua vez, descrevem, de modo abstrato, situações da vida concreta. Constata-se, assim, que se a descrição da hipótese de incidência, pela legislação interna, já é um processo de abstração, então o emprego das mesmas expressões pelos acordos de bitributação constitui abstração em segundo grau.

O distanciamento, assim, entre o disposto no acordo de bitributação e a realidade fática provoca conseqüências também no seu processo interpretativo: quanto maior o grau de abstração do conceito, tanto maior a possibilidade de realidades diversas se acobertarem num único termo. Isso explica, de certo modo, a relativa facilidade com que foi possível que os cerca de 2.000 acordos de bitributação hoje em vigor tivessem uma estrutura e expressões comuns, não obstante as particularidades de cada sistema jurídico.

Ao intérprete, entretanto, resta a tarefa inversa: tomando a regra abstrata, encontrar solução aplicável à situação concreta. Para tanto, o raciocínio do intérprete recorrerá aos meios que lhe oferecem os estudos e escritos do direito tributário internacional. Valer-se-á o intérprete da facilidade própria do processo de harmonização que se deu entre os acordos de bitributação, podendo, nesse plano, comparar o acordo de bitributação em exame com outros acordos de bitributação ou mesmo com os modelos desenvolvidos por organismos internacionais e os comentários ali desenvolvidos.

Esta comparação não pode, entretanto, ser efetuada sem a cautela de considerar que cada acordo de bitributação é único, resultado de uma negociação em que dois Estados soberanos resolveram abrir mão de parte de seu legítimo poder de tributar.

Quando, entretanto, se constata que dois Estados celebram um acordo de bitributação que segue o modelo desenvolvido por um organismo internacional - a exemplo da OCDE -, a identidade entre o texto do modelo e o do acordo em exame não pode ser desprezada. Importa, entretanto, encontrar uma fundamentação - no plano do Direito Internacional - para que se recorra àqueles comentários.

Tratando-se de um acordo entre países integrantes da própria OCDE, tal conclusão poderia encontrar uma primeira fundamentação na equiparação dos comentários a um tratado internacional, como se os participantes do Comitê Fiscal da OCDE tivessem recebido uma delegação para celebrar tratados. Assim entendeu a Høyesterett norueguesa num caso paralelo, que tratava de um acordo de interpretação de um tratado individual73. Conforme o direito norueguês, portanto, possivelmente o comentário da OCDE poderia ter o mesmo status dos acordos de bitributação. Na maioria dos Estados, entretanto, o direito constitucional dificilmente aceitaria uma delegação tão extensa, seja em matéria de direito internacional público, seja para a legislação interna. Ainda, tal delegação dependeria, em geral, de posterior ratificação pelos parlamentos nacionais.

Mais forte seria o argumento baseado no fato de que o Conselho da OCDE já emitiu várias Recomendações, segundo as quais as administrações tributárias dos Estados Membros devem “seguir os comentários aos artigos da Convenção Modelo, na sua versão atual, na aplicação e interpretação de dispositivos de seus acordos bilaterais em matéria tributária, que se refiram a tais artigos” (assim diz a última versão de tais Recomendações, de 23 de outubro de 1997). Segundo o artigo 18, alínea “c”, da Ordenação Processual da OCDE, por tais Recomendações, ficam os Estados Membros obrigados a examinar se a medida recomendada é oportuna. Soma-se a tal fato a circunstância de os Estados-membros fazerem constar, quando for o caso, reservas e observações aos comentários. Nesse caso, parece não ser difícil aceitar a importância daqueles comentários.

No caso, entretanto, de um acordo envolvendo pelo menos um Estado que não integre aquela Organização (e esse é o caso do Brasil), o raciocínio não é tão imediato, principalmente tendo em vista que aquela Organização é formada por países desenvolvidos, cujos interesses não são necessariamente coincidentes com os dos países em desenvolvimento.

Importa, para a solução dessa questão, recorrer ao que dispõe a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados74, acerca da interpretação de tratados internacionais.

O artigo 31 (1) e (2) da referida Convenção impõe que a interpretação dos tratados se dê a partir de seu texto. Vai adiante, entretanto, o referido artigo, já que se exige que um tratado seja interpretado de boa-fé, de conformidade com o sentido comum que deve ser atribuído aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objeto e finalidade.

Poderiam os comentários à OCDE ser incluídos na noção de “contexto” do acordo? Para tanto, importa ver, com Garbarino75, que a expressão “contexto”, utilizada pela Convenção de Viena não é unívoca. É assim que o referido autor diferencia os casos de “co-texto”, “contexto em sentido estrito” e “contexto em sentido amplo”.

A expressão “co-texto” é reservada por Garbarino ao que a Convenção define como “contexto”, no artigo 31 (2):

Para os fins de interpretação de um tratado, o contexto compreenderá, além do texto, inclusive seu preâmbulo e anexos:

a) qualquer acordo concernente ao tratado e que foi ajustado entre todas as partes a respeito da conclusão do tratado;

b) qualquer instrumento estabelecido por uma ou várias partes por ocasião de conclusão do tratado e aceito pelas outras como instrumento relativo ao tratado.

No sentido de “co-texto”, incluir-se-ia o protocolo, geralmente assinado pelas partes juntamente com o acordo de bitributação. Não se estende, por certo, aos Comentários ora examinados.

A expressão “contexto” é, propriamente, aplicada por Garbarino num primeiro sentido (estrito), quando o referido autor se refere ao artigo 31 (3), que aponta circunstâncias que se levam em conta junto com o “co-texto”:

Será levado em conta, juntamente com o contexto:

a) qualquer acordo posterior ajustado entre as partes concernentes à interpretação do tratado ou à aplicação de suas disposições;

b) qualquer prática posterior na aplicação do tratado pela qual fique estabelecido o acordo das partes relativo à sua interpretação;

c) qualquer regra pertinente de direito internacional aplicável nas relações entre as partes.

Mais uma vez, constata-se inadequada a inclusão dos Comentários da OCDE, principalmente no caso de países não integrantes daquela Organização.

Finalmente, Garbarino apresenta uma terceira acepção (ampla) para a expressão “contexto”, desta vez com a matéria de que trata o artigo 32, o qual, expressamente, trata dos “meios subsidiários de interpretação”, ali se incluindo os trabalhos preparatórios e as circunstâncias com as quais o tratado foi concluído. Tais meios subsidiários, entretanto, apenas servem para confirmar uma interpretação a que se chegou com a adoção do método literal, privilegiado pelo artigo 31. Aqui parece possível aceitar que se inclua, numa análise caso-a-caso, o Comentário da OCDE, se constatado que as negociações se deram com base naquele.

Se, entretanto, no lugar de se buscar fundamentar a utilização do Comentário da OCDE com base no “contexto”, forem tomados o objeto e a finalidade do acordo de bitributação, igualmente acentuados no artigo 31 da Convenção de Viena, então sem emprego poderá encontrar outra força.

Com efeito, o objeto e finalidade dos acordos de bitributação encontram-se no evitar ou mitigar os efeitos da bitributação. Assim, respeitado o texto do acordo, deve-se buscar a interpretação que melhor atenda a tal finalidade.

Finalmente, importa lembrar, com John Avery Jones, que o artigo 31 (4), que excepciona a regra do “sentido comum”, ao dispor que “deve-se emprestar a uma expressão um sentido especial, quando se constatar que esse foi o desejo das partes”. Por “sentido normal” ou “especial”, deve-se ter em conta aquele que as partes daria um a um termo, tendo em vista o objeto e finalidade do tratado internacional76.

Ora, tratando-se de matéria tributária, a intenção das partes era conferir aos termos do acordo seu sentido aceito em Direito Tributário. Isso também vale para o Brasil, tendo em vista que o País participou da revisão dos comentários, de 2000, posicionando-se contra o comentário, quando foi o caso. Tendo em conta a finalidade dos acordos de bitributação, dentre vários sentidos que um termo inserido numa norma de repartição possa apresentar, deve-se escolher aquele que possibilite afastar a bitributação. A finalidade de evitar a bitributação encontra-se tanto nos dispositivos relativos ao “campo de aplicação”, como nos “métodos para eliminar a bitributação”, além do preâmbulo77.

Se um mesmo acordo de bitributação será aplicado por dois Estados-contratantes, aquela finalidade apenas poderá ser atingida em sua inteireza se ambos os Estados o aplicarem de modo similar. Afinal, contendo os acordos de bitributação normas cujo conseqüente será, de modo simplificado, “o Estado A pode tributar”; ou “o Estado B pode tributar”, então a bitributação somente será evitada se os Estados A e B tiverem igual entendimento sobre quem poderá tributar. Se, por outro lado, o Estado A, ao aplicar a norma contida no acordo de bitributação, entender-se legitimado a tributar determinada situação e o Estado B, aplicando a mesma norma, entender ser ele o legitimado, então a bitributação não será evitada. Identicamente contrário ao objetivo do acordo de bitributação será se A entender que não pode tributar determinada situação, reservada, em seu entender, ao Estado B, o qual, por sua vez, também entende não ser ele, B, o Estado competente para tributar: ter-se-á a dupla isenção, não objetivada pelo acordo de bitributação. Daí ser correto o entendimento de que a finalidade do acordo de bitributação será atingida se os Estados A e B aplicarem, de modo harmônico, os mandamentos contidos no acordo de bitributação.

Voltando ao tema do Comentário da OCDE, deve-se ponderar, com Rainer Prokisch, que os Estados contratantes, ao celebrarem um acordo de bitributação, têm duas alternativas: ou bem aplicam o texto da convenção-modelo da OCDE, empregando, assim, expressões e conceitos cujo significado especial se extrai do Comentário sobre a convenção-modelo da OCDE e da jurisprudência internacional, o que possibilita aos Estados contratantes alcançar um certo grau de consenso na interpretação de seu tratado internacional, ou bem os Estados contratantes se desviam daquele modelo. Daí se concluir que se dois Estados contratantes celebraram um acordo de bitributação contendo dispositivo extraído da convenção-modelo da OCDE, deve-se dar àquele acordo, no que tange ao dispositivo em exame, a interpretação proposta no comentário da OCDE, já que esta interpretação será a que melhor propiciará a harmonia necessária à finalidade do acordo de bitributação78. Mas a importância da comparação entre o modelo e o acordo concreto não para aí. Também no caso de divergências, a análise é relevante, já que ela pode permitir o emprego do raciocínio a contrario, como modo de melhor compreender a intenção das partes79.

O reconhecimento da importância do Comentário da OCDE enquanto fonte para se buscar o entendimento comum das partes traz, por outro lado, importante reflexão no que se refere à questão temporal. Como já se referiu acima, a OCDE vem, desde 1992, editando periodicamente novas versões de seus comentários. A aplicabilidade desses novos comentários a acordos celebrados anteriormente até mesmo entre países membros sofre ressalvas80 - não obstante a defesa, no âmbito da OCDE, do método de interpretação dinâmico, i.e., baseado nos comentários em vigor quando da interpretação do acordo, não de sua celebração. Envolvendo o acordo pelo menos uma parte não integrante da OCDE, então os comentários desta Organização, editados posteriormente à celebração do tratado, já não mais podem buscar sua validade no entendimento comum das partes. Sua aplicação deve, então ser efetuada com cautela, cabendo ao intérprete investigar se os comentários apenas esclarecem algo já contido no próprio acordo, ou se vão além. Num e noutro caso, o Comentário passará a ter utilidade, apenas, como trabalho doutrinário, efetuado por especialistas, sem, por isso, refletirem necessariamente a vontade das partes.

3.6. Aplicação

Na presença de um caso concreto, já não mais se fala em interpretação do texto, mas de sua aplicação. Ricardo Lobo Torres81 explica a diferença entre ambos os momentos quando, tratando do artigo 118 do Código Tributário Nacional, vê no referido dispositivo matéria que não se confunde com a interpretação da norma. Na lição do último doutrinador, é impróprio cogitar de uma interpretação, quando se examina um fato; este apenas é valorado de acordo com a lei. No campo da aplicação, assume importância problema que a doutrina de Direito Tributário Internacional decidiu denominar “qualificação”, tomando de empréstimo idêntico termo originário do Direito Internacional Privado.

Com efeito, por terem sido os estudos do Direito Tributário Internacional inicialmente incluídos no campo do Direito Internacional Privado, o primeiro acabou por assumir, em sua doutrina, diversas expressões próprias de seu antecessor. Hoje, entretanto, reconhece-se que o Direito Tributário Internacional não é ramo do Direito Internacional Privado, deste se diferenciando em questões fundamentais, como o fato de que enquanto o último trata de um conflito de normas, no qual se decide qual das normas se aplica, o Direito Tributário Internacional versa sobre a mera cumulação de normas (por dois Estados soberanos), cabendo-lhe exclusivamente discutir os limites da lei tributária nacional, em situações internacionais. Assim é que expressões idênticas, adotadas numa e noutra disciplina, podem ter significados diversos.

Tal o caso da qualificação. No Direito Internacional Privado, ensina Strenger que o instituto vem associado à classificação, i.e., à determinação da forma pela qual uma questão de direito internacional privado se enquadra no sistema jurídico de determinado país82. Jacob Dolinger a ela se refere como o procedimento técnico-jurídico pelo qual se classificam ordenadamente os fatos da vida relativamente às instituições criadas pela lei ou pelo costume, a fim de bem enquadrar os primeiros nas segundas, encontrando-se, assim, a solução mais adequada e apropriada para os diversos conflitos que ocorrem nas relações internacionais83.

No Direito Tributário Internacional, a qualificação surge tanto quando da aplicação de leis internas quanto os acordos de bitributação84.

Tornou-se conhecido, no tema da qualificação, o caso dos pagamentos efetuados ao renomado maestro Pierre Boulez, por conta de um disco gravado nos Estados Unidos: conforme o acordo então em vigor entre Estados Unidos e Alemanha, os royalties pagos por fonte norte-americana a residente na Alemanha seriam tributados apenas no último país (artigo 12); já pela regra do artigo 14, os rendimentos de um trabalho autônomo exercido nos Estados Unidos por um residente na Alemanha teriam a tributação reservada ao primeiro país. No caso, as autoridades alemãs, com base na divisão de categorias de rendimentos existente em sua legislação interna, entenderam tratar-se de royalties, enquanto as autoridades norte-americanas, também aplicando categoria válida em seu direito interno, viram no caso a possibilidade de usar a regra do artigo 1485.

Do mesmo modo, se os administradores de uma sociedade limitada detiverem uma participação substancial em seu capital, os rendimentos dos administradores serão considerados, na Áustria, como rendimentos do trabalho não assalariado (§ 22, par. 2 da Lei do Imposto de Renda). Na Alemanha, serão, de regra, rendimentos do trabalho assalariado. Finalmente, na França, “outros rendimentos”, para os quais a Convenção Modelo prevê uma regra própria. Eles poderiam, ainda, ser dividendos noutro sistema jurídico86.

Outros exemplos podem surgir: 1) se os juros pagos por uma sociedade de pessoas a seus sócios são lucros de empresas, inseridos no artigo 7º dos acordos de bitributação, ou verdadeiros juros, com base no artigo 11; 2) se a indenização paga ao trabalhador por ocasião de seu desligamento se inclui entre os rendimentos de profissões dependentes (artigo 15) ou entre “outros rendimentos” (art. 21); 3) se um agente comercial é uma empresa, a que se refere o artigo 7º, ou apenas exerce uma profissão independente, cujos rendimentos se incluem no artigo 14; 4) se o rendimento da participação em uma sociedade cujo único patrimônio é um imóvel se inclui entre os oriundos de bens imóveis a que se refere o artigo 6º, ou se trata de dividendos; 5) se os “filhotes” de ações são dividendos, nos termos do artigo 11, ou sequer são rendimentos etc.87

Os exemplos que se multiplicam mostram que uma mesma situação pode ser incluída em mais de uma norma dos acordos de bitributação, conforme a qualificação que se lhe dê. Diversidade na qualificação pode implicar bitributação, ou dupla isenção.

Novamente tomando de empréstimo expressões do Direito Internacional Privado, a doutrina costuma apontar três modos para a solução de um problema de qualificação:

- cada Estado qualificaria a situação de acordo com seu próprio direito interno (lex fori);

- ambos os Estados adotariam a mesma qualificação, privilegiando o direito do Estado onde o rendimento foi produzido - qualificação pelo Estado da fonte (lex causae);

- ambos os Estados procurariam uma qualificação coincidente, extraída do contexto do acordo (qualificação autônoma).

A favor da primeira solução (lex fori) parece concorrer o texto dos acordos de bitributação que, via de regra, seguem o artigo III (2) do modelo da OCDE, segundo o qual:

2. Para a aplicação da Convenção por um Estado Contratante, qualquer expressão não definida terá, a não ser que o contexto exija interpretação diferente, o significado que lhe é atribuído pela legislação desse Estado Contratante relativamente aos impostos que são objeto da Convenção.

Esta cláusula, chamada general renvoi clause, surgiu historicamente no acordo celebrado entre o Reino Unido e os Estados Unidos, em 16 de abril de 1945, aparecendo, hoje, na maior parte dos acordos de bitributação vigentes no mundo, constituindo exceções alguns tratados celebrados pelos Estados Unidos, os quais prevêem caber ao procedimento amigável resolver controvérsias interpretativas88.

Tomando o citado artigo III (2), poder-se-ia, numa primeira leitura, crer que se admitiria o uso das regras internas de interpretação tributária, para os acordos de bitributação89, privilegiando a regra lex fori. Uma qualificação nesses termos seria, de início, indesejável, visto permitir que a mesma regra se interprete de modo diverso, conforme o tribunal que enfrentar a questão, o que pode levar, por diferenças de interpretação entre as duas Cortes, a uma bitributação ou a uma dupla não incidência.

Diante da inconveniência de tal solução, a doutrina passou a defender a qualificação autônoma. Tal era, até há pouco, a posição de Klaus Vogel, o qual, na leitura do referido artigo 3 (2), procurou mostrar que seu alcance se restringe à determinação do significado de uma expressão não definida no acordo de bitributação. Ainda assim, o recurso às normas do direito interno limita-se àquelas referentes aos impostos de que é objeto o acordo (e não às regras interpretativas em geral) e apenas se o contexto não impuser interpretação diversa90.

Em recente estudo, Klaus Vogel91, que até então insistia na necessidade da qualificação autônoma, reviu, em parte, seu posicionamento. Para tanto, o professor emérito de Munique partia da premissa de que se o artigo 3 (2) determinava a qualificação conforme as normas do Estado que aplica a norma, “a não ser que o contexto determine” outra solução, dever-se-ia reconhecer que haveria situações em que o contexto determinaria outra solução (i.e., em que a qualificação autônoma prevaleceria), enquanto nalguns casos, outra solução não seria determinada pelo contexto. Raciocínio diverso implicaria tornar a norma inútil, já que se o contexto sempre exigisse solução diversa, então não haveria porque cogitar da solução dada pela norma.

A partir de tal reconhecimento, o autor alemão retoma estudos de 1984, efetuados pelo “International Tax Group”, um grupo de autores sob a coordenação de John Avery Jones, o qual se manifestava pela qualificação das espécies de rendimento sempre de acordo com o Direito do Estado de onde provierem os rendimentos, o “Estado da Fonte”92. Conforme esclarece Vogel, os estudos foram retomados, mais tarde, por Jean-Marc Déry e David Ward os quais chegaram ao mesmo resultado, mas com um raciocínio mais convincente. O seu pensamento foi refletido no relatório nacional para o Congresso da IFA em Florença93. A fundamentação daquele relatório nacional de 1996 foi aceita pelo International Tax Group, que o elaborou mais94 e, mais recentemente, obteve a concordância do Comitê Fiscal da OCDE95.

Para que se compreenda a argumentação dos autores britânicos, importa que se esclareça, brevemente, como operam os acordos de bitributação, segundo o modelo da OCDE: apresentam eles, nos artigos 6 a 22, normas de renúncia, ou de repartição, aplicáveis, cada uma, a uma espécie de rendimento (e daí a importância da qualificação: sabendo-se qual a espécie de rendimento de que se trata, ter-se-á a respectiva norma de renúncia aplicável). Essas normas, por sua vez, poderão reservar a tributação para um Estado contratante, ou não. A reserva da tributação para apenas um Estado contratante identifica-se pelo termo “somente” inserido na norma de renúncia em questão. Assim, se uma norma de renúncia dispõe que determinado rendimento somente será tributado pelo Estado de onde provêm os pagamentos, então se entende que o outro Estado (i.e.: o Estado onde reside o contribuinte) renunciou a seu poder de tributá-los. Fica resolvido, assim, de modo simples, o problema da bitributação. Faltando, entretanto, a expressão “somente”, então o fato de uma norma de repartição afirmar que tais rendimentos serão tributados pelo Estado da fonte nada diz acerca do comportamento esperado do Estado da residência. A falta do termo “somente” implica, assim, que se busque a solução para a bitributação noutro dispositivo do acordo. Entra em jogo, então, o artigo 23, que, no modelo da OCDE, aparece em duas versões, com dois métodos alternativos para evitar a bitributação: os métodos da isenção e do crédito. No caso do método da isenção, dispõe o modelo que quando, nos termos do acordo, um Estado estiver autorizado a tributar determinado rendimento, então o outro Estado isentará o mesmo rendimento. Assim, ainda que a regra de renúncia não aplique o termo “somente”, o fato de o Estado da fonte tributar o rendimento obrigará o Estado da residência (pela aplicação do método da isenção) a deixar de tributá-lo. Já o método do crédito ou imputação dispõe que se um Estado estiver autorizado a tributar um rendimento, então o outro Estado, conquanto tributando o mesmo rendimento, dará ao contribuinte um crédito em montante equivalente ao imposto pago no primeiro Estado.

O que os autores ingleses observaram é que a regra do artigo 23 não se aplica de modo independente das regras de renúncia. Ao contrário: na hipótese do artigo 23, encontra-se, sempre, que sua aplicação apenas se dará nos casos em que o outro Estado estava autorizado, nos termos do acordo, a tributar determinados rendimentos. Está aí a pedra-de-toque: enquanto um Estado tem a permissão para exercer seu poder de tributar a partir das normas de renúncia, o outro Estado encontra a possibilidade de exercer seu poder de tributar no artigo 23. Este, por sua vez, não inclui, em sua hipótese, qualquer espécie de rendimento: sua aplicação é condicionada, apenas, a que o outro Estado tenha legitimamente exercido seu poder de tributar.

Assim, apenas um dos Estados é que aplica as normas de repartição como fundamento para a sua tributação; ao outro Estado, restará apenas verificar se o primeiro Estado exerceu corretamente sua pretensão tributária para, a partir do artigo 23, isentar o rendimento ou conferir o crédito assegurado.

Ora, retomando o artigo 3 (2), constata-se, daí, o acerto pela qualificação baseada no direito do Estado onde o rendimento foi “produzido”- qualificação pelo Estado da fonte (lex causae), já que será este o Estado que se valerá da norma de renúncia, como fundamento para seu legítimo exercício do poder de tributar. O Estado de residência, por sua vez, deverá examinar apenas se o Estado da fonte tinha a competência para tributar o rendimento (o que se fará com base na qualificação dada pelo Estado da fonte) e, uma vez tendo a resposta afirmativa, concederá o crédito ou isenção, sem a necessidade de novo processo de qualificação.

Daí concluírem, com acerto, os autores britânicos, que o artigo 3 (2) não constitui uma opção pela solução lex fori, já que o Estado da residência também aplicará a qualificação dada pelo Estado da fonte, para investigar se este exerceu corretamente sua pretensão.

A solução assim apresentada tem a virtude de manter o objetivo de uma aplicação harmônica por ambos os Estados contratantes, evitando, daí, que da divergência na qualificação surjam casos de bitributação ou dupla isenção.

3.7. Acordos de bitributação e países em desenvolvimento

Na apresentação da evolução histórica dos acordos de bitributação, revelaram-se duas tendências antagônicas, uma privilegiando a tributação pelo Estado da fonte (tal o caso do modelo do México, de 1943 e o dos integrantes do Pacto Andino) e outra com a prevalência pelo Estado da residência (como ocorre com o modelo desenvolvido pela OCDE). Foi feita referência, ainda, ao modelo da ONU, como uma tentativa de conciliação entre ambos os grupos, que, entretanto, ao se basear no modelo da OCDE, mais figura como concessões aos Estados da fonte, sem por isso revelar uma nova concepção.

A tributação pelo Estado da fonte, de modo exclusivo ou preponderante, foi defendida por muitos anos pelos países em desenvolvimento relutantes em abandonar o princípio da territorialidade. Abria-se mão da possibilidade de tributar os rendimentos auferidos no exterior por seus residentes, esperando-se, por outro lado, o exercício exclusivo da pretensão tributária sobre os rendimentos gerados localmente. Na doutrina, destacaram-se, em favor do princípio, autores do peso de Dino Jarach96, Nuñez e Molina97 e Ramon Valdes Costa98, dentre outros. Entretanto, paulatinamente as legislações tributárias daqueles países foram, também elas, afastando-se da territorialidade, prevendo a tributação da renda universal. Tal, por exemplo, o caso do Brasil, com a edição da Lei nº 9.249/95, e o da Argentina, com as Leis nos 24.073 e 25.063.

No campo doutrinário, entretanto, a opção pelo princípio da residência continuou recebendo críticas, devendo-se referir à lição de Klaus Vogel99, o qual, valendo-se de conceitos extraídos tanto da ciência das finanças (eficiência; neutralidade) quanto das ciências jurídicas (justiça; capacidade contributiva), conclui pela tributação pelo Estado da fonte100.

Não obstante tais argumentos, a existência de cerca de 2.000 acordos contemplando a estrutura proposta pela OCDE torna difícil imaginar possa a comunidade internacional vir a adotar outra estrutura para os acordos de bitributação. Aos Estados em desenvolvimento restam poucas alternativas, cabendo-lhes ponderar se mais convém celebrarem tratados estruturados em moldes pouco convenientes, ou simplesmente recusarem-se a celebrar acordos de bitributação.

No modelo proposto pela ONU, encontram-se alguns dispositivos que buscam atender os interesses dos países em desenvolvimento, quando, conquanto se firmando na necessidade de existência de um estabelecimento permanente no Estado da fonte, como condição para que este exerça sua pretensão tributária sobre os lucros de uma empresa, flexibiliza aquele conceito, admitindo, por exemplo, que um canteiro de obras existente por período relativamente curto seja suficiente para caracterizar um estabelecimento permanente e assim tributarem-se os lucros auferidos no país.

Retoma-se, neste ponto, a argumentação de Tanzi, concernente à concorrência internacional entre países. Embora um Estado possa, unilateralmente, conceder benefícios ao investidor internacional em montante equivalente ou até superior ao que encontraria em um acordo de bitributação, a existência de um tratado internacional confere ao investidor maior tranqüilidade quanto à estabilidade das regras. Não obstante também um tratado internacional, como uma lei interna, possa ser denunciado a qualquer tempo, é muito menos provável que isso aconteça, tendo em vista que o tratado internacional, negociado em bases de reciprocidade, oferece a ambas as partes vantagens suficientemente grandes para que estas hesitem em abrir mão.

Não obstante, o exame mais acurado dos acordos de bitributação revela que serem algo mais que mero instrumento internacional para evitar a bitributação. É consenso serem eles, também, excelente meio para impedir que a evasão internacional corroa as bases de tributação.

Além de tais finalidades, diversos acordos permitem entrever uma outra, que pode interessar aos países em desenvolvimento: os acordos de bitributação podem servir de instrumento para o desenvolvimento de países menos favorecidos. Não bastando as finalidades de eliminar a bitributação, contrariar a fraude ou a evasão internacional e, mediatamente, favorecer o livre movimento de capitais, pessoas e serviços, “no caso das convenções celebradas com países menos desenvolvidos, visa-se propiciar, com carácter mais imediato, a atracção de recursos indispensáveis ao respectivo desenvolvimento económico”101.

Para que se entenda tal finalidade, importa apontar uma diferença nas concessões efetuadas em acordos de bitributação celebrados entre países desenvolvidos, em relação àqueles entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Com efeito, embora ambos tenham em comum a visão de que a bitributação deve ser evitada, por reduzir os fluxos de investimentos e de rendimentos entre os países, no primeiro caso, os Estados celebrantes adotam a base da reciprocidade: sendo equivalentes os fluxos financeiros entre os dois Estados, aquilo que um Estado deixou de arrecadar de um lado será compensado por aquilo que será auferido no fluxo inverso.

Tratando-se de um acordo de bitributação entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, por outro lado, os fluxos financeiros são praticamente unidirecionais. Aquilo que um Estado deixa de arrecadar não será compensado pelo fluxo inverso, já que praticamente inexistente. A idéia de renúncia fiscal aparece, pois, de modo muito mais evidente em tais acordos.

É o reconhecimento de tal situação que explica a razão de diversos acordos de bitributação entre países desenvolvidos e em desenvolvimento conterem normas de tax sparing e matching credit, no lugar do método tradicional do crédito ou imputação.

Com efeito, segundo o modelo da OCDE, o Estado da residência, ao adotar o método do crédito ou imputação, não abre mão de tributar a renda universal de seus residentes; assegura, outrossim, um crédito no montante do imposto pago por seu contribuinte ao Estado da fonte dos rendimentos. Torna-se claro, assim, que quanto maior o imposto pago no Estado da fonte, maior o crédito e, portanto, menor o imposto a ser pago no Estado da residência. Reduzindo-se o imposto no Estado da fonte, reduz-se o crédito e, em conseqüência, amplia-se o imposto pago no Estado da residência. Portanto, pelo sistema do crédito ou imputação, o montante de imposto pago pelo contribuinte será, sempre, igual ao total exigido pelo Estado da residência. Busca alcançar o método, assim, a “neutralidade de exportação”, já que ao contribuinte se torna indiferente, do ponto de vista tributário, investir em seu próprio país ou no exterior.

Essa solução passa a ser questionada, quando o país da fonte oferece incentivos fiscais a investidores que atuem em determinado setor ou região: os incentivos favorecem os aplicadores locais, mas são neutralizados para os investidores estrangeiros, já que a menor tributação pelo Estado da fonte implica, apenas, maior tributação pelo Estado da residência. Ora, tratando-se de uma relação entre um Estado desenvolvido e outro em desenvolvimento, é fácil constatar que o último fica prejudicado, já que, ao conceder um incentivo fiscal, abre mão de sua receita com o objetivo de atrair investimentos. Tal efeito é anulado pela tributação pelo Estado da residência, o qual, em última análise, é o único beneficiado pela renúncia fiscal.

Diante de tal solução, passaram diversos acordos de bitributação a contar com a cláusula tax sparing, ou crédito fictício, por meio da qual o Estado da residência se compromete a não reduzir o montante do crédito a ser conferido ao contribuinte, caso este deixe de recolher impostos no Estado da fonte, por conta de incentivo fiscal dado pelo último102.

Se o tax sparing se relaciona a benefícios concedidos unilateralmente, não anulados por um acordo de bitributação, diversos acordos entre países desenvolvidos e em desenvolvimento vão além, afastando de vez a neutralidade e servindo abertamente de instrumento para o incentivo a investimentos.

Surge, para tanto, a técnica do crédito presumido (matching credit) que implica o país desenvolvido conceder um crédito fixo, superior à alíquota máxima de retenção a que o rendimento está sujeito no país da fonte. O Estado da fonte compromete-se a não tributar determinados rendimentos além de um teto e o Estado da residência, ao aplicar o método do crédito, considera pago no Estado da fonte montante superior àquele teto, de modo que se garante efetivo benefício ao investidor103.

Justifica Manuel Pires o tratamento diferenciado conferido aos países em desenvolvimento, a par da não reciprocidade dos movimentos de capitais e transferências de tecnologia, afirmando que “o direito internacional não está destinado a passar por cima das realidades sociais, contemplando-as e permitindo aos Estados actuar livremente com o amparo de uma fachada de generalidade e abstracção”, defendendo, daí, existir um “direito internacional fiscal do desenvolvimento, integrando as normas fiscais necessárias para a actuação da apropriada solidariedade entre os países desenvolvidos e os países menos desenvolvidos104.

Deve-se ressaltar que a mera adoção de tax sparing e de matching credits pode não ser suficiente para assegurar o fluxo de capitais objetivado. Resta examinar as legislações internas dos Estados de residência, a fim de certificar-se do benefício. Por exemplo, pode ocorrer de o Estado de residência, conquanto conceda o crédito prometido, imponha limitações globais (overall limitations) ou por país (per country limitation), reduzindo, assim, a eficácia do crédito105.

IV. Considerações Finais

O estudo mostra a importância dos tratados e convenções para a matéria tributária, devendo seu estudo integrar o currículo das disciplinas de Direito Tributário e Legislação Tributária.

Ao mesmo tempo, algumas dificuldades aqui apontadas indicam que o Direito Tributário Internacional apenas ensaia seus primeiros passos.

Assim é que embora já se contem aos milhares os acordos de bitributação, continuam eles sendo celebrados preponderantemente em bases bilaterais; a relativa harmonização, alcançada por modelos internacionalmente aceitos, pode levar investidores desavisados a acreditar que seja possível separar seus alvos de investimento em dois grupos, os que possuem acordos de bitributação e os que não assinaram acordos com seu país. Tal separação, de um lado, retira de sua consideração uma série de países potencialmente interessantes, ao mesmo passo em que coloca os países que celebraram acordos de bitributação num mesmo patamar, desconsiderando-se as peculiaridades de cada acordo. São comuns publicações efetuadas, até mesmo por especialistas, que apresentam quadros comparativos de acordos de bitributação, indicando apenas os percentuais de tributação máxima no Estado da fonte, sem apontar as peculiaridades de cada acordo. Daí a importância de não se abandonarem as tentativas de se celebrarem tratados multilaterais.

Ao passo em que se reconhece a tendência para a criação de tratados multilaterais, ressalta-se a importância de se retomar a discussão relativa às relações entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Constata-se que as atuais soluções, baseadas na sistemática de crédito, podem não ser eficientes, tendo em vista a dependência das legislações internas. Ademais, tendo em vista que um acordo multilateral deverá encontrar soluções sobre a legitimidade da tributação (fonte ou residência), importa que se retomem, o quanto antes, os estudos desenvolvidos na América Latina, que melhor refletem os interesses dos países importadores de capital. Argumentos econômicos e jurídicos haverão de ser colacionados e discutidos, a fim de darem sustentação ao posicionamento brasileiro em tais discussões.

Enquanto os tratados internacionais de comércio encontram foros adequados para a discussão de seus termos, mesmo que envolvam matéria tributária, inexiste, atualmente, qualquer organismo internacional que trate de matérias que envolvam exclusivamente a matéria tributária. Os acordos de bitributação prevêem, é certo, um procedimento amigável entre as autoridades dos Estados contratantes. Tal procedimento, entretanto, não é suficiente para obrigar as partes a encontrar uma solução para um caso de bitributação em concreto. Daí ser desejável a instituição de um organismo internacional para a solução de controvérsias em matéria de bitributação, a que tenham acesso direto os contribuintes submetidos a bitributação.

Mesmo na ausência de um organismo internacional, constataram-se problemas decorrentes da falta de harmonia entre os Estados na aplicação dos acordos de bitributação. Surge a necessidade, pois, de se desenvolver um princípio, observado pelos Estados contratantes, favorável à harmonia decisória, de modo que um Estado, ao aplicar um acordo de bitributação, se veja obrigado a observar como o outro Estado contratante o aplicou. A harmonia decisória poderia ser facilitada com a inserção, em acordos de bitributação, de cláusulas arbitrais.

Deve ser examinada, ainda, a questão de terceiros, não protegidos por acordos de bitributação, que deles se valem por meio da interposição de um terceiro (treaty shopping): embora se trate de questão altamente prejudicial aos interesses de Estados contratantes que celebram acordos de bitributação em igualdade de condições, a questão assume novas cores, quando uma das partes é um Estado em desenvolvimento, que vê no acordo de bitributação um instrumento eficaz para atrair investimentos. Nesse caso, torna-se menos grave o fato de o investidor originariamente não ser proveniente do país signatário do acordo de bitributação, desde que o investimento seja feito no interesse do país de onde provirão os rendimentos106.

Tampouco pode ser deixado de lado o tema do comércio eletrônico, quando é questionado o próprio conceito de estabelecimento permanente, enquanto condição estabelecida nos tratados internacionais para que se considere um rendimento oriundo de um país. Talvez seja esta uma oportunidade histórica para reverem-se conceitos outrora unanimemente aceitos em matéria de repartição de rendas tributárias107.

Vê-se, pois, que o tema dos tratados e convenções internacionais em matéria tributária acompanhará os estudos do direito tributário nas próximas décadas.

1 Cf. João Grandino Rodas. “Alguns Problemas de Direito dos Tratados, Relacionados com o Direito Constitucional à luz da Convenção de Viena”. Separata do volume XIX do Suplemento do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1972, p. 14.

2 Cf. Celso de Albuquerque Mello, Curso de Direito Internacional Público. 1º vol., 12ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2000, pp. 207-208.

3 Cf. Internacional. “Atuação Externa cresce, mas falta pacificar Legislação. Brasil assina um Tratado a Cada Dia”. Valor Econômico nº 548, ano 3, 11 de julho de 2002. Legislação e Tributos.

4 Cf. Vito Tanzi. “Globalization, Tax Competition by the Future of Tax Systems”. Corso di Diritto Tributario Internazionale. 2ª ed., Victor Uckmar (coord.), Milão: Cedam, 2002, pp. 21-41 (30-31).

5 Cf. José Alfredo de Oliveira Baracho. “Teoria Geral da Soberania, Revista Brasileira de Estudos Políticos nos 63/64, Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 1986, pp. 12-15.

6 Idem. Ibidem, p. 27.

7 Idem. Ibidem, p. 57.

8 Cf. Manlio Udina. Il Diritto Internazionale Tributario. Pádua: Cedam, 1949, pp. 139-184.

9 Cf. “Vorstand des Oesterreichischen Juristentages”. Verhandlungen des Ersten Österreichischen Juristentages. Volume II (Referate und Diskussionsbeiträge), parte 5 (Probleme der Internationalen Doppelbesteuerung), Viena: Manz’che, 1961, pp. 5-28 (8-12).

10 Cf. Harald Schaumburg. “Das Leistungsfähigkeitsprinzip in Internationalen Steurrecht”. Die Steuerrechtsordnung in der Diskussion. Festschrift für Klaus Tipke. Colônia: Dr. Otto Schmidt, 1995, p. 143.

11 Cf. Klaus Tipke e Joachim Lang. Steuerrecht. 16ª ed., Colônia: Otto Schmidt, 1998, p. 34. No mesmo sentido: Gerd W. Rothmann. Interpretação e Aplicação dos Acordos Internacionais contra a Bitributação. Tese de doutorado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, edição do autor, s.d., p. 77. V. tb. Jörg Manfred Mössner. “Der Begriff des Internationalen Steuerrechts in der Neueren Literatur”. Österreichische Zeitschrift für Öffentliches Recht 25 (1974), pp. 255-287 (282), com vasta referência bibliográfica.

12 Cf. Paul R. Mc. Daniel. “The Impact of Trade Agreements on Tax Systems”. Intertax. Vol. 30, nº 5, 2002, pp. 166-171.

13 Cf. Victor Uckmar. “I Trattati Internazionali in Materia Tributaria”. Corso di Diritto Tributario Internazionale. 2ª ed., Victor Uckmar (coord.), Pádua: Cedam, 2002, pp. 91-129 (92).

14 Cf. Edison Carlos Fernandes. “Normas Tributárias do Mercosul”. O Direito Tributário no Mercosul. Ives Gandra da Silva Martins (coord.), Rio de Janeiro: Forense, 2000, pp. 177-220 (200).

15 Cf. Edison Carlos Fernandes, op. loc. cit. (nota 14); Adilson Rodrigues Pires. “Harmonização Tributária em Processos de Integração Econômica”. Estudos de Direito Tributário em Homenagem à Memória de Gilberto de Ulhôa Canto. Maria Augusta Machado de Carvalho (org.), Rio de Janeiro: Forense, pp. 1-10.

16 Cf. Heleno Taveira Tôrres. “Mercosul e o Conceito de Harmonização na Tributação das Rendas de Empresas”. O Sistema Tributário e o Mercosul. Dejalma de Campos (coord.)., São Paulo: LTr, 1998, pp. 301-325 (302).

17 Cf. Fernando Eduardo Serec e Shin Jae Kim. “Harmonização Tributária no Mercosul”. Contratos Internacionais e Direito Econômico no Mercosul. Após o Término do Período de Transição. Paulo Borba Casella (coord.), São Paulo: LTr, 1998, pp. 372-382 (382).

18 Sobre o assunto, cf. o estudo preparado pela Comision de Aspectos Tributarios do Mercosul, integrada por membros dos governos da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, no relatório denominado “Informe sobre la Armonización de los Impuestos Generales al Consumo en el Mercosur”, finalizado em dezembro de 1994 e publicado na íntegra por Antonio Carlos Rodrigues do Amaral. Imposto sobre o Valor Agregado - IVA. Value Added Tax - VAT. Brasil - Mercosul - União Européia. São Paulo: Rumo. 1995, pp. 218-289 (270 e ss.). Também nesse sentido a Decisão do Conselho do Mercado Comum nº 5. Sobre as dificuldades para a coordenação, cf. Antonio Carlos Rodrigues do Amaral. “Visão Global da Fiscalidade no Mercosul: Tributação do Consumo e da Renda”. O Direito Tributário no Mercosul. Ives Gandra da Silva Martins (coord.), Rio de Janeiro: Forense, 2000, pp. 15-136 (34 e ss.).

19 Arts. 28 e ss.

20 Arts. 39 e ss.

21 Arts. 43 e ss.

22 Arts. 49 e ss.

23 Arts. 56 e ss.

24 Para a Alemanha, cf. Reimer, “Die Auswirkung der Grundfreiheiten auf das Ertragsteuerrecht der Bundesrepublik Deutschland. Eine Bestandsaufnahme”, in Lehner (org.) Grundfreiheiten im Steuerrecht der EU-Staaten (2000), pp. 39 (74 e ss.); para a Hungria, Polônia e República Checa, v., em conjunto, Prokisch, “Die Bedeutung der Grundfreiheiten für das Steuerrecht der EU-Mitgliedstaaten aus dem Blickwinkel des ungarischen, polnischen und tschechischen Rechts”, in Lehner (org.), Grundfreiheiten im Steuerrecht der EU-Staaten (2000), pp. 119 e ss.; para os Países Baixos, v. van Dun, “Die Bedeutung der Grundfreiheiten für das niederländische Steuerrecht”, in Lehner, op. cit., pp. 103 e ss.; cada qual com outras referências.

25 Decisão da Corte Européia Finanzamt Köln-Altsatdt v. Roland Schumacker, Caso C-279/93 (Coletânea de Jurisprudência 1995, I-0225).

26 Decisão da Corte Européia Epoux Robert Gilly contra Directeur des Services Fiscaux du Bas-Rhin, de 12 de maio de 1998, Caso C-336/96 (coletânea de Jurisprudência 1998, I-2793).

27 O Brasil mantém acordos sobre a matéria com os Estados Unidos, Suíça, Grã-Bretanha, Colômbia, África do Sul, Chile e Venezuela. Cf. Marcos Aurélio Pereira Valadão. Limitações Constitucionais ao Poder de tributar e Tratados Internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 212.

28 Cf. Armin Spitaler. Das Doppelbesteuerungsproblem bei den Direkten Steuern. 2ª ed., Colônia: Otto Schmidt, 1967 (reprodução da primeira edição, de 1936), p. 1.

29 Cf. Manuel Pires. Da Dupla Tributação Jurídica Internacional sobre o Rendimento. Lisboa: Centro de Estudos Fiscais, s.d., p. 178; Spitaler, op. loc. cit. (nota 28).

30 Cf. Manuel Pires, op. cit. (nota 29), p. 182.

31 O Brasil não é signatário de acordos dessa espécie.

32 Cf. Klaus Vogel. Doppelbesteuerungsabkommen der Bundesrepublik Deutschlad auf dem Gebiet der Steuern vom Einkommen und Vermögen. Kommentar auf der Grundlage der Musterabkommen. 3ª ed., Munique: C. H. Beck, 1996, p. 102.

33 Cf. Alegría Borrás. La Dobre Imposicion: Problemas Juridico-internacionales. Madrid: 1974, p. 110.

34 Cf. Alegria Borrás, op. cit. (nota 33), pp. 109-122; Manuel Pires, op. cit. (nota 29), pp. 186-188; Klaus Vogel, op. cit. (nota 32), pp. 102-103; Victor Uckmar, op. cit. (nota 13), pp. 84.

35 Cf. Manuel Pires, op. cit. (nota 29), pp. 189-191.

36 Cf. Victor Uckmar, op. cit. (nota 13), pp. 102-103.

37 Cf. Manuel Pires, op. cit. (nota 29), p. 193.

38 Cf. Francisco Neves Dornelles. “O Modelo da ONU para eliminar a Dupla Tributação da Renda, e os Países em Desenvolvimento”. Princípios Tributários no Direito Brasileiro e Comparado. Estudos em Homenagem a Gilberto de Ulhôa Canto. Rio de Janeiro: Forense, 1988, pp. 195-232 (201).

39 Cf. Klaus Vogel, op. cit. (nota 32), p. 104.

40 Cf. Ramon Valdes Costa. Estudios de Derecho Tributario Internacional. Montevideo, 1978, pp. 175-191.

41 Cf. Klaus Vogel, op. cit. (nota 32), p. 105.

42 Cf. Karl Heinich Triepel. “As Relações entre o Direito Interno e o Direito Internacional”. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, outubro de 1966, pp. 7-64 .

43 Cf. Charles Rousseau. Droit International Public. 9ª ed., Paris: Dalloz. 1979, p. 4.

44 Cf. Irineu Strenger. Direito Internacional Privado. Vol. I, São Paulo: RT, 1986, p. 78.

45 Cf. Celso de Albuquerque Mello, op. cit. (nota 2), pp. 111-112; Haroldo Valladão. Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1968, pp. 53-36; Oscar Tenório. Direito Internacional Privado. Vol. I. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1965, pp. 65-67; Vicente Marotta Rangel. “Os Conflitos entre o Direito Interno e os Tratados Internacionais”. Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional nos 45/46, ano XXIII, 1967, pp. 29-64.

46 Cf. Rudolf Geiger. Grundgesetz und Völkerrecht. Munique: Beck, 1985, p. 16.

47 Cf. Karl J. Partsch. “Die Anwendung des Völkerrechts im innerstaatlichen Recht - Überprüfung der Transformationslehre”. Berichte der Deusche Gesellschaft für Völkerrecht, caderno 6, 1964, pp. 248-250.

48 Cf. Stephan Eilers. “Override of Tax Treaties under the Domestic Legislation of the U.S. and Germany”. Tax Management Internatonal Journal. Vol. 19, Washington DC, 1990, pp. 295-304 (296-297).

49 Cf. Klaus Vogel, op. cit. (nota 32), pp. 164-169.

50 Cf. Franz Klein e Gerd Orlopp. Abgabenordnung - Einschließlich Steuerstrafrecht. 4ª ed., ver. e atualizada, Munique: Beck, 1989, pp. 15-16.

51 Cf. Helmut Debatin. “Die Abkommen der Bundesrepublik Deutschland zur Vermeidung der internationalen Doppelbesteuerung (Doppelbesteuerungsabkommen)”. Doppelbesteuerung - Sammlung der zwischen der Bundesrepublik Deutschland und dem Ausland bestehenden Abkommen über der Vermeidung der Doppelbesteuerung. Rudolf Korn e Helmut Debatin. 8ª ed. (fls. Soltas). Systematik – III, Munique: Beck. 1989, p. 89.

52 Cf. Hübschmann, Hepp e Spitaler. Kommentar zur Abgabenordnung und Finanzgerichtsordnung. 9ª ed., Colônia: Otto Schmidt, § 2 Anm. 15.

53 Cf. Jörg Weigell. “Das Verhältnis der Vorschrift des § 2ª EstG zu den Doppelbesteuerungsabkommen”. Recht der Internationalen Wirtschaft. 1987, pp. 122-140 (124-125).

54 Cf. Klaus Tipke e Heinrich Wilhelm Kruse. Abgabenordnung, Finanzgerichtsordnung: Kommentar zur AO 1977 und FGO (ohne Steuerstrafrecht). 14ª ed. (folhas soltas), Colônia: Otto Schmidt, 1991, § 2, Tz1.

55 Cf. Jörg M. Mössner. “Zur Auslegung von Doppelbesteuerungsabkommen”. Völkerrecht, Recht der Internationalen Organisationen. Wirtschaft - Festschrift für Ignaz Seidl-Hohenveldern. Karl Bockstiegel (org.). Colônia, Berlim, Bonn e Munique: Carl Heymanns.

56 Cf. Luís Eduardo Schoueri. “Validade de Normas Internas Contrárias a Dispositivos de Acordos de Bitributação no Direito e na Prática Norte-Americana”. Revista dos Tribunais - Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas nº 3, ano 1 (1993), pp. 147-155.

57 Disponível on-line in http://www.tax-barrister.com/melford.htm (21-05-2003).

58 Cf. Louis Trotabas. Science et Technique Fiscales. 2ª ed., Paris: Dalloz, p. 290.

59 Cf. Celso D. de Albuquerque Mello. Op. cit. (nota 2), p. 119.

60 Para a análise, cf. Luís Eduardo Schoueri. Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Dialética, 1999, p. 156.

61 A teoria dos tratados-normas e tratados-contratos remonta a Bergbohm e Bourquim (cf. Celso D. de Albuquerque Mello. Op. cit. (nota 2, p. 207) e no século XX recebeu o prestígio de Triepel e, no Brasil, de Clóvis Bevilacqua (Cf. Guido F. Soares. Direito Internacional Público. São Paulo, 2002, pp. 64-65). Entretanto, conforme noticia Albuquerque Mello (op. cit., p. 207), foi rejeitada por autores como Scelle, Kelsen, Quadri, Sereni, Morelli etc. Além de Albuquerque Mello, também rejeitaram a doutrina, no Brasil, dentre outros, Guido F. Soares (op. loc. cit.) e J. F. Rezek (Direito Internacional Público. Curso Elementar. 7ª ed., revista. 1998. pp. 29-30). Aceitava a teoria , no Brasil, Hildebrando Accioly (Manual de Direito Internacional Público. 11ª ed., 6ª tiragem, 1986, p. 4).

62 Cf. Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 208.

63 Cf. José Souto Maior Borges. Teoria Geral da Isenção Tributária. 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 332.

64 Cf. Ruy Barbosa Nogueira. “Tratados Internacionais em Matéria de Tributação”. Direito Tributário Atual. Vol. 3. pp. 341-379 (354).

65 Diz o internacionalista carioca: “a norma internacional prevalece sobre a norma constitucional, mesmo naquele caso em que uma norma constitucional posterior tente revogar uma norma internacional constitucionalizada” (Cf. Celso Albuquerque Mello. “O § 1º do art. 5º da Constituição Federal”. Teoria dos Direitos Fundamentais. Ricardo Lobo Torres (organizador), Rio de Janeiro: Renovar, 1999, pp. 1-33 [25]). Também sustentando que os tratados de direitos humanos têm o status de norma constitucional, cf. Flávia Piovesan (Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996, p. 111).

66 Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Vol. I, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, pp. 84-85.

67 Cf. Ricardo Lobo Torres. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 10ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, p. 67.

68 Para uma visão mais detalhada da discussão, cf. Luís Eduardo Schoueri. Planejamento Fiscal através de Acordos de Bitributação: Treaty Shopping. São Paulo: RT, 1995, pp. 31 e ss.

69 Cf. Karl Heinrich Triepel. Op. cit. (nota 69), p. 17.

70 Cf. Klaus Vogel. Op. cit. (nota 32), p. 121.

71 Vide a polêmica criada por Debatin a esse respeito e a resposta de Vogel in Luís Eduardo Schoueri, op. cit. (nota 60), p. 168.

72 Klaus Vogel. “Problemas na Interpretação de Acordos de Bitributação”. Direito Tributário. Homenagem a Alcides Jorge Costa. Luís Eduardo Schoueri (coord.). Vol. II, São Paulo: Quartier Latin, 2003, pp. 961 a 974 (964).

73 Norsk Retstidende 1992, pp. 1401 e ss. (1413); apud Vogel, op. cit. (nota 72).

74 Elaborada pela Comissão de Direto Internacional da ONU, em vigor desde 27 de janeiro de 1980, tendo sido assinada pelo Brasil, mas ainda estando em processo de tramitação no Congresso Nacional; seus dispositivos constituem, outrossim, consolidação de práticas costumeiras no Direito Internacional.

75 Cf. Carlo Garbarino. La Tassazione del Reddito Transnazionale. Pádua: Cedam, 1990, pp. 538 e ss.

76 Cf. Waldemar Hummer. “Ordinary versus Special Meaning - Comparison of the Approach of the Vienna Convention on the Law of Treaties and the Yale School Findings”. Österreichische Zeitschrift für öffentliches Recht, pp. 87-163 (105 e ss.).

77 Cf. John F. Avery Jones. “The Effect of Changes in the OECD Commentaries after a Treaty is Concluded”. Bulletin for International Fiscal Documentation vol. 56, nº 3, 2002, pp. 102-104.

78 Cf. Rainer Prokisch. “Fragen der Auslegung von Doppelbesteuerungsabkommen”. Steuer & Wirtschaft International nº 2, ano 4, fevereiro de 1994, pp. 52-59 (58-59).

79 Cf. Guy Gest e Gilbert Tixier. Droit Fiscal International. 2ª ed., Paris: Presses Universitaires de France, 1990, p. 95.

80 Cf. Klaus Vogel, op. cit. (nota 72), o qual apresenta, ainda, as seguintes referências bibliográficas: M. Lang, “Die Bedeutung des Musterabkommens und des Kommentars des OECD-Steuerausschusses für die Auslegung von Doppelbesteuerungsabkommen”, in Gassner/Lang/Lechner, Aktuelle Entwicklungen im Internationalen Steuerrecht, 1994, pp. 11 e ss. (24 e ss.). Com relação ao acordo de bitributação entre Áustria e Estados Unidos, v. idem, Einführung in das Recht der Doppelbesteuerungsabkommen. 1997, pp. 44 e ss. Assim também entende a Corte Administrativa da Áustria (ÖstVerwGH), na decisão de 31 de julho de 1996, v. a este respeito, M. Lang, “Die Auslegung der Doppelbesteuerungsabkommen in der Rechtsprechung der Höchstgerichte Österreichs, in Lang/Mössner/Waldburger”, Die Auslegung von Doppelbesteuerungsabkommen (Schriftenreihe zum Internationalen Steuerrrecht, Bd. 6), 1998, pp. 117 e ss. (122 e ss.).

81 Cf. Ricardo Lobo Torres. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1994, pp. 118-119.

82 Cf. Irineu Strenger. Direito Internacional Privado. Parte Geral, vol. I. São Paulo: RT, 1986, p. 318.

83 Cf. Jacob Dolinger. Direito Internacional Privado. 1ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1986, pp. 317-318.

84 Sobre o assunto, cf. Luís Eduardo Schoueri. “Direito Tributário Internacional - Qualificação e Substituição - Tratamento no Brasil, de Rendimentos Provenientes de Sociedade de Pessoas Residente na Alemanha”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 54, março de 2000, pp. 125-139.

85 Cf. Klaus Vogel. Op. cit. (nota 32), p. 147.

86 Cf. Klaus Vogel. Op. cit. (nota 72).

87 Exemplos extraídos por Klaus Vogel da jurisprudência. Cf. Klaus Vogel, op. cit. (nota 32), pp. 147-148.

88 Cf. Federico Maria Giuliani. “La Interpretazione delle Convenzioni Internazionali contro le Doppie Imposizioni sui Redditi”. Corso di Diritto Tributario Internazionale. 2ª ed., Victor Uckmar (coord.), Milão: Cedam, 2002, pp. 131-148 (131).

89 Tal o entendimento de Gerd W. Rothmann. Interpretação e Aplicação dos Acordos Internacionais contra a Bitributação. Tese de doutoramento apresentada junto à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo: Particular, s.d., p. 158.

90 Cf. Klaus Vogel. Op. cit. (nota 32), pp. 334-335.

91 Cf. Klaus Vogel. Op. cit. (nota 72).

92 J.F. Avery Jones et al. “The Interpretation of Tax Treaties with Particular Reference to Article 3 (2) of the OECD Model”. British Tax Review. 1984, pp. 14 e ss. (48 e ss.).

93 J.M. Déry/ D.A. Ward. Interpretation of Double Taxation Conventions, National Report, CDFI LXXVIIIa pp. 259 e ss. (281 e ss.) Esta argumentação já parecia indicada em D. A. Ward, in I. Sincalir/ D.A. Ward/ K. Vogel/ K. van Raad/ J.F. Avery Jones, Interpretation of Tax Treateis, BIFD 1986, pp. 75 e ss. (77 e ss.).

94 John Avery Jones et al. “Credit and Exemption under Tax Tretaties in Cases of Differing Income Characterization”, British Tax Review, 1996, pp. 212 e ss.

95 OECD, The Application of the OECD Model Tax Convention to Partnerships (Issues in International Taxation, nº 6), 1999, pp. 36 e ss. Crítica a esse respeito: M. Lang, The Application of the OECD Model Tax Convention to Partnerships. A critical Analysis of the Report Prepared by the OECD Committee on Fiscal Affairs (Schriftenreihe zum Internationalen Steuerrecht, Bd. 11), 2000, pp. 78 e ss.

96 Cf. Dino Jarach. “Aspectos da Hipótese de Incidência”. Revista de Direito Público vol. 17, nº 298, São Paulo, jul./set., 1971.

97 Cf. Teodoro Rinsche Nuñez e Hernán Vicente Molina. De la Doble Tributación Internacional. Santiago: Editorial Juridica de Chile, 1970, p. 29.

98 Cf. Ramon Valdes Costa. Estudios de Derecho Tributario Internacional. Montevideo, 1978.

99 Cf. Klaus Vogel. “World-Wide vs. Source Taxatiton of Income - a Review and Reevaluation of Arguments”. Influence of Tax Differentials on International Competitiveness. Mc. Lure, Sinn, Musgrave et al., Kluwer, Separata, s.d, pp. 117-66.

100 Também defendendo a tributação pelo Estado da fonte, v. Heiko Meyer. Die Vermeidung Internationaler Doppel - und Minderbesteuerung auf der Grundlage des Ursprungsprinzips. Tese de doutorado na Faculdade de Ciências Econômicas e Sociais de Gotinga, Ed. Particular, Gotinga, 1970; Horst Walter Endriss. Wohnsitz- Oder Ursprungsprinzip? Tese de doutorado na Faculdade de Ciências Econômicas e Sociais da Universidade de Colônia, Ed. Particular. Colônia, 1967. V. tb. as referências a autores norte-americanos que defendem o princípio da fonte in Klaus Vogel. “Neuere Befürworter des Quellenprinzips (Territorialprinzips) in den Vereinigten Staaten”. Unternehmenspolitik und Internationale Besteuerung. Festschrift für Lutz Fischer. Hans-Jochen Kleineidam (org.) Berlim: Erich Schmidt, 1999, pp. 1.007-1.019.

101 Cf. Manuel Pires. Op. cit. (nota 29), p. 510.

102 Como exemplo, cita-se o subparágrafo “b”, “ii”, do § 2º do artigo 22 do acordo de bitributação assinado com o Japão, promulgado pelo Decreto nº 61.899, de 14 de dezembro de 1967, na redação dada pelo Decreto 81.194, de 9 de janeiro de 1978, segundo o qual, para fins do crédito a ser conferido pelo Japão, quando da aplicação do método da imputação, “o imposto brasileiro deverá incluir o montante do imposto brasileiro que deveria ser pago se não houvesse a isenção ou redução do imposto brasileiro de acordo com as medidas especiais de incentivo visando a promover o desenvolvimento econômico do Brasil. (...)”

103 Cf. Roque Carcía Mullin. “Tratados Impositivos entre Países Desarrollados y Países en Desarrollo”. Revista de Direito Tributário nos 23/24, janeiro a junho de 1983, pp. 26-36.

104 Cf. Manuel Pires. Op. cit. (nota 29), pp. 517-518.

105 Cf. Dan Trhoop Smith. “Tax Legislation in Capital-Exporting Countires to Encourage Investment in Less Developed Countries”. Developments in Taxation since World War I. VIII. Amsterdam: International Bureau of Fiscal Documentation, 1966, pp. VIII-14-15.

106 Cf. Luís Eduardo Schoueri. Op. cit. (nota 68), pp. 169-170.

107 Cf. Luís Eduardo Schoueri. Imposto de Renda e Comércio Eletrônico. Internet: o Direito na Era Virtual. Luís Eduardo Schoueri (org.), 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, pp. 39-55.