A Incidência do ISS para as Empresas de Engenharia Consultiva e sua Interpretação à luz do Decreto-lei nº 406/68

Alexandre Coli Nogueira

Advogado. Conselheiro do IBDT.

Marcos da Fonseca Nogueira

Advogado. Especialista em Direito Tributário pelo CEU. Membro do IBDT.

Os serviços de engenharia consultiva prestados por empresas de engenharia envolvem questões de ordem técnica, administrativa, operacional, elaboração de estudos, entre outras, voltadas para cada cliente, de acordo com as necessidades individuais de cada cliente, e não apenas prestação de serviços de construção civil, como é comumente interpretado pelos fiscos municipais.

A prestação de serviços de engenharia consultiva compreende o desenvolvimento de atividades várias, entre as quais se destaca: “projetar, calcular, planejar, fiscalizar e promover o controle de execução e supervisão de empreendimentos relativos à Engenharia, em seus diversos ramos”.

Atividades que aparentemente não guardam correlação com a engenharia consultiva podem estar inseridas nos seus contratos sociais. Cita-se, exemplificativamente, as seguintes: “executar serviços de administração de materiais, serviços de sistema de faturamento, projetos e implantação de remediação ambiental e testes de estanqueidade e instrumentação-geotecnia, fornecimento de mão-de-obra treinada para diversos fins, inspeção e análise quantitativa e qualitativa de produtos químicos, inspeção e diligenciamento de equipamentos e tubulações, manutenção preventiva e corretiva de equipamentos industriais, operação de sistemas de tratamento de águas, esgoto doméstico, industrial, e utilidades, execução de ações corretivas de recuperação de obras e equipamentos, e, ainda, prestação de serviços de consultoria, assessoria, manutenção, informatização, processamento de dados, treinamento, implantação, organização de documentos administrativa e técnica em arquivos e bibliotecas empresariais públicos, especializados ou particulares, consultoria técnica, financeira ou administrativa etc.

A celeuma que se apresenta refere-se ao enquadramento legal tributário mais gravoso, que o Fisco municipal pretende aplicar, através da simples verificação, às vezes literal, das atividades descritas no contrato social da empresa, sem a comprovação de qual é a atividade efetivamente prestada pela empresa aos seus clientes.

Como restará demonstrado ao final do estudo proposto, a mudança na classificação da atividade efetivamente exercida pela prestadora de serviço, em comento, não pode ser efetuada sem a comprovação de critério técnico-jurídico.

A vigente Constituição Federal estatui, expressamente:

“Art. 30. Compete aos Municípios:

(...)

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência (...).”

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir imposto sobre:

(...)

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em Lei Complementar;

(...)

§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III, cabe à lei complementar:

I - fixar as suas alíquotas máximas e mínimas.

Por sua vez, dispõe a mesma Constituição em seu art. 146:

“Art. 146. Cabe à Lei Complementar:

I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários.”

Como é cediço, a Constituição Federal delimita a competência para a criação dos tributos municipais; a lei complementar traça as normas gerais de Direito Tributário, estabelece as limitações ao poder de tributar e dispõe sobre os conflitos de competência em matéria tributária, e a lei ordinária, por seu turno, cria o tributo. O ISS, tributo da competência municipal, é criado por lei municipal ordinária.

A lei complementar municipal tem a mesma função da lei complementar federal (art. 146/CF) e a ela se subsume aquela.

Por expressa disposição constitucional e em razão do princípio da autonomia municipal insculpido no pacto federativo, não está havendo interferência da União na autonomia municipal, ao especificar quais os serviços que estarão sujeitos ao ISS.

A autonomia municipal, quanto ao ISS, está adstrita ao que determinar a Lei Complementar. Os Municípios deverão observar o disposto na Lista de Serviços que está anexa à Lei Complementar nº 56/87, que teve um último item - 101 - acrescentado pela Lei Complementar nº 100/99. Podem tributar exclusivamente os serviços que estejam inseridos na referida Lista, desde que façam parte da legislação do Município.

Esclarecendo precisamente os limites da lei federal em relação às normas gerais, ensina o Professor titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Manuel Gonçalves Ferreira Filho, que nesses casos,

“A Constituição restringe a competência federal à edição de normas gerais ou de diretrizes e bases. Estabelece, portanto, claramente, um limite em profundidade para a lei federal, que, de modo algum, pode esgotar a matéria. Se esse limite, porém, é claro, na prática é ele impreciso, desde que é difícil discriminar, em muitos casos, o que é norma geral e o que é norma especial, o que é diretriz ou base e o que é desdobramento ou regulamentação.” (Comentários à Constituição Brasileira, 5ª edição, Saraiva, São Paulo, p. 101 - grifo da transcrição)

Tais limites estabelecidos pela Constituição Federal advêm precisamente do fato de vivermos em uma federação. Com isso, a Constituição conferiu competência aos Municípios para tributarem algumas atividades consideradas de serviços, que no entanto precisam estar previstas em uma lei complementar, cuja função primordial é evitar conflitos. Assim, o imposto municipal é um imposto cobrado segundo uma lista e não pela definição do fato gerador, muitas vezes de difícil entendimento.

Entretanto, ainda existem aqueles que querem dar uma interpretação extensiva e ampliativa, com respostas às consultas formuladas sobre o enquadramento da atividade, denominadas corretamente como “Engenharia Consultiva e Assessoria Técnica”, mas erroneamente enquadradas em outro item da lista de serviço municipal, que lhe é mais oneroso e com uma alíquota superior à que deve ser recolhida.

Errônea e Inválida Tributação

Como ensina o grande jusfilósofo Karl Engisch, em sua célebre obra sobre a Introdução do Pensamento Jurídico (Einfürung in das juristiche Denken), o Direito dispõe de raros ou poucos conceitos absolutamente determinados, tais os matemáticos, de medidas ou numéricos, como são exemplos: Lei nº tal, 5 quilômetros, 2 reais.

Para efeitos legais específicos, o Direito pode tornar determinados, qualificados ou tipificados, certos conceitos jurídicos, em prol da segurança e certeza que também são funções da lei, e evitar dúvidas ou polêmicas.

Para que isto ocorra, é mister que o legislador se sirva previamente de instrumentos técnico-legislativos, tais como as ficções, as presunções, as discriminações ou enumerações em listas, numerus clausus etc., como ocorre com a taxatividade da lista de serviços.

Embora cada item possa sobejar interpretação, até em razão da existência de expressões “congêneres”, “complementares”, “semelhantes”, todavia, a lei municipal deve se ater ao princípio constitucional da legalidade e tipicidade, para se evitar a criação de atividades inexistentes na lista de serviços contida na Lei Complementar nº 56/87.

Assim fazendo, não corre o risco de extrapolar o limite e os conceitos de direito privado preestabelecidos, e incorrer em grave violação aos princípios constitucionais que garantem a liberdade de atuação da iniciativa privada, em afronta direta à Constituição Federal no art. 170, e ao Código Tributário Nacional, em seu art. 110:

“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”

Para a consecução da inválida interpretação quanto às atividades desenvolvidas pelas empresas, as Prefeituras querem fazer valer que a atividade de prestação de serviços de engenharia consultiva deve estar enquadrada em outro item, o de construção civil, obviamente com alíquota superior.

Entretanto, esta nova classificação não guarda relação direta, imediata e intrínseca com a atividade de construção civil.

Para que a engenharia consultiva esteja enquadrada neste outro item, é mister que a prestação de serviço envolva a execução de Construção Civil. A engenharia há de ser de natureza civil, não pode ser mecânica, química, ambiental, elétrica ou eletrônica, de tráfego, naval etc.

Na legislação do Estado de São Paulo, o RICMS fornece uma definição precisa do que é construção civil1:

Art. 478. As obrigações tributarias relacionadas com as operações, prestações ou atividades econômicas adiante enumeradas são disciplinadas nos seguintes anexos deste Regulamento:

(...)

II - Empresas de Construção Civil - Anexo XI.”

Anexo XI

Art. 1º Considera-se empresa de construção civil, para fins de inscrição e cumprimento das demais obrigações fiscais previstas neste regulamento, toda pessoa, natural ou jurídica, que executar obras de construção civil, promovendo a circulação de mercadorias em seu próprio nome ou no de terceiro.

§ 1º Entendem-se por obras de construção civil, dentre outras, as adiantes relacionadas, quando decorrentes de obras de engenharia civil:

1 - construção, demolição, reforma ou reparação de prédios ou de outras edificações;

2 - construção e reparação de estradas de ferro ou de rodagem, incluindo os trabalhos concernentes às estruturas inferior e superior de estradas e obras de arte;

3 - construção e reparação de pontes, viadutos, logradouros públicos e outras obras de urbanismo;

4 - construção de sistemas de abastecimento de água e de saneamento;

5 - obras de terraplanagem, de pavimentação em geral;

6 - obras hidráulicas, marítimas ou fluviais;

7 - obras destinadas a geração e transmissão de energia, inclusive gás;

8 - obras de montagem e construção de estruturas em geral.”

O Decreto-lei nº 406/68 fornece esta linha de interpretação, quando define os serviços de engenharia consultiva ligados à construção civil, nestes termos:

Art. 11. A execução, por administração, empreitada e subempreitada, de obras hidráulicas ou de construção civil, e os respectivos serviços de engenharia consultiva, quando contratados com a União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias e empresas concessionárias de serviços públicos, ficam isentos do imposto a que se refere o artigo 8º.

Parágrafo único. Os serviços de engenharia consultiva a que se refere este artigo são os seguintes:

I - elaboração de planos diretores, estudos de viabilidade, estudos organizacionais e outros, relacionados com obra e serviços de engenharia;

II - elaboração de anteprojetos, projetos básicos e projetos executivos para trabalhos de engenharia;

III - fiscalização e supervisão de obras e serviços de engenharia.”

Consoante disposto no art. 11, os serviços de engenharia consultiva definidos no parágrafo único, guardam relação direta e imediata com a

i) execução de obras de construção civil, e

ii) execução de obras hidráulicas.

No caso exposto, em que se pretende definir o conceito legal de engenharia consultiva, onde o elemento objetivo da “construção civil” é imprescindível para a definição para efeitos de tributação do serviço, é que se emprega, no parágrafo único do art. 11, a presunção legal de que aqueles serviços enumerados nos incisos I, II, II do art. 11, vinculados com a Execução de obras de construção civil, e Execução de obras hidráulicas são referentes à engenharia consultiva, e por sua vez, devem estar combinados com a listagem taxativa, da Lei Complementar nº 56/87, que estabelece:

“32 - Execução, por administração, empreitada ou subempreitada de construção civil, de obras hidráulicas e outras obras semelhantes e respectiva engenharia consultiva, inclusive serviços auxiliares ou complementares (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas por prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeita ao ICM).”

Então, para os fins do item 32 desta Lei, consideram-se serviços de engenharia consultiva os trabalhos relativos à Execução de obras de construção civil, e Execução de obras hidráulicas.

Repita-se, essa definição é legal. Somente para fins do item 32 da lista, é que o legislador achou por bem fazer essa distinção, para desonerar a engenharia consultiva, quando esta não viesse combinada irremediavelmente com a construção civil.

Precisamente em virtude do princípio da estrita legalidade tributária, erigido no art. 150, inciso I, da Magna Carta, é essencial a correta interpretação da lei, de forma a não criar ou modificar um tributo.

Do ponto de vista estritamente técnico, todavia, a definição de engenharia, bem como de engenharia consultiva, deve ser verificada por quem entende do assunto, ou seja, os profissionais da área, e quem melhor para fazê-lo do que o órgão de classe. Pois, com os constantes avanços tecnológicos, os ramos da engenharia estão cada vez mais amplos do que se pode imaginar, e nem todos prescindem da existência de uma obra de construção civil.

Para clarear o tema, Gilberto Rodrigues Gonçalves, autor de ISS na Construção Civil - RBB - 1ª edição, que por anos a fio militou nas Prefeituras de São Paulo e Campinas, ao tratar da engenharia consultiva, vinculada à construção civil, afirma:

“Estes serviços não têm natureza dos serviços de construção civil, uma vez que não resultam em ação capaz de transformar materialmente o imóvel. Só assume esse caráter, quando os seus prestadores são, ao mesmo tempo, os responsáveis pela execução da obra (em mais um exemplo de acessório que segue o principal).

Quem faz projetos, estudos de viabilidade, cálculos, mas não participa da execução da obra, enquadra-se melhor no item 30 da lista.

Entendemos, porém, que é bem diversa a situação de uma das espécies de engenharia consultiva. É o caso da supervisão ou gerência de obras. Os profissionais que prestam tais serviços interferem diretamente na condução da obra, influem no resultado material pelo poder de comando que lhes é conferido. Embora existam um ou mais empreiteiros como responsáveis diretos pela execução, sua atuação técnica é compartilhada com o gerente ou supervisor, que lhe dita procedimentos, alterações de materiais ou de técnicas construtivas. É serviço de construção civil.

É diferente, por exemplo do prestador de serviço de engenharia consultiva que se limita a fiscalizar a execução da obra. O papel do fiscal está jungido a observar se há respeito ao projeto original e a relatar ao dono da obra e ao empreiteiro as divergências que localizar. Não é serviço de construção civil.

Isto é o que se convencionou chamar de engenharia consultiva vinculada à construção civil.

Como é coloquialmente dito, “o papel tudo aceita” e o estatuto social pode prever um sem-número de atividades que nunca serão efetivamente prestadas. O que importa é a prestação efetiva do serviço, relevando-se o descrito no instrumento social da empresa.

Então, como enquadrar as atividades desempenhadas pelas empresas se o contrato social não nos fornece uma tarefa das mais fáceis, e tampouco é um critério que se presta para definir a atividade dos contribuintes, sendo que em muitos Municípios, as alíquotas aplicáveis variam de 0,5% a 5,0%?

A solução está no bojo do próprio contrato social, combinado com os contratos de prestação de serviço com os clientes, de onde advém todas as atividades. O contrato social, por ser amplo, pode não conter o fato gerador da prestação do serviço, podendo este estar inserido no contrato com o cliente, que, em última análise, é quem determina qual a tarefa a ser prestada.

Como enquadrar, por exemplo, a prestação de serviço de engenharia consultiva direcionada a verificar o eventual impacto ambiental que um projeto poderia causar em determinada região?

Os trabalhos que a empresa deverá executar para esta tarefa visam a caracterização hidrogeológica; definição e delimitação da pluma de contaminação; definição e localização da fonte de contaminação; geologia regional; geologia local; mapa potenciométrico; avaliação integrada dos dados e resultados, e entre outros são os seguintes:

a) levantamento do uso e ocupação do solo dos arredores do local;

b) sondagens de investigação;

c) amostragem de solo;

d) amostragem de água para análises químicas;

e) ensaios de permeabilidade;

f) levantamento topográfico;

g) determinação de índices físico-químicos;

h) procedimentos para coleta de amostras de solo para análises químicas.

Verifica-se, portanto, que a prestação de engenharia consultiva é muito mais ampla do que um parecer técnico descritivo, e envolve a prestação de serviços voltados para empreendimentos relativos à Engenharia, nas suas diversas áreas, não abrangendo a esfera da construção civil.

O seu contrato social é amplo, e o fato gerador da prestação do serviço não está inserido no contrato social, e sim no contrato do cliente, que, em última análise, é quem determina, qual a tarefa a ser prestada.

Posição de outros Municípios

O Município de São Paulo tem na sua legislação - art. 1º, da Lei Municipal nº 10.423/87 - a classificação em testilha. O enquadramento das atividades, na tabela do Município, encontra-se delimitado no seu item 31, correspondente ao item de nº 32 da lista anexa à Lei Complementar nº 56/87.

As Tabela de Códigos de Serviço, Cálculo, Livros e Documentos Fiscais (Portarias SF nº 83/95 e nº 24/2000), encontradas na página da PMSP2, no título “ISS - Guia do Contribuinte”, apresentam-se nos seguintes termos:

1. Construção Civil

Definição do Serviço

Código

Alíquota

Item 31:

- Execução por administração, empreitada ou subempreitada, de obra hidráulica e outras obras semelhantes, incluídas a perfuração de poços, a drenagem e a irrigação.

1.040

5%

- Execução por administração, empreitada ou subempreitada de construção civil, respectivos serviços auxiliares ou complementares, inclusive terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos que se agreguem ao imóvel.

1.120

5%

- Serviços de engenharia consultiva, quando vinculados à execução de construção civil.

1.147

5%

6. Jurídicos, Econômicos e Técnico-administrativos

Definição do Serviço

Código

Alíquota

Item 21:

- Assessoria ou consultoria de qualquer natureza, organização (inclusive biblioteconomia e documentação), programação, planejamento e processamento de dados, não referidos em outros códigos.

2.828

5%

O Município de São Paulo adotou este procedimento, de subdividir o item 31, para facilitar a compreensão do contribuinte, e mostrar-lhe que há diferenças na classificação fiscal, que enumera para o mesmo item da sua lista, três atividades semelhantes, mas que são tratadas com números de código diferentes, de acordo com a natureza do serviço, isto é, se vinculado à execução de construção civil, ou não, nos seguintes termos:

a) Código 1.040: Execução de Obras Hidráulicas;

b) Código 1.120: Execução de Construção Civil;

c) Código 1.147: Serviços de Engenharia Consultiva, vinculados à Execução de construção civil;

d) Código 2.828: Assessoria ou Consultoria de qualquer natureza, não referidos em outros códigos.

Os valores quantitativos das alíquotas, no Município de São Paulo, todavia, são os mesmos, daí não haver dificuldade em tornar evidente ao contribuinte, que se tratam de prestações de serviços diferentes.

O problema nas legislações de outros Municípios é que, além de as alíquotas diferenciarem-se, na interpretação das Procuradorias dos Municípios, não há a mesma sensibilidade. Também o Município de Belo Horizonte/MG, em respostas às Consultas que lhe foram formuladas, adotou entendimento semelhante3, diferenciando os serviços, tal qual fez o Município de São Paulo. Vejamos as seguintes ementas:

“ISSQN - Serviços Relacionados ao Ramo da Engenharia Ambiental - Incidência - Alíquota. A prestação de serviços relacionados à área da Engenharia Ambiental sofre a incidência do imposto tendo em vista sua inserção em certos itens da Lista tributável anexa ao Dec.-Lei 406/68; a alíquota do ISSQN a eles aplicável é, em geral, de 5%, podendo também incidir o percentual de 2% quando houver vinculação deles (engenharia consultiva) com a execução de obras de construção civil em geral.”

“ISSQN - Prestação de Serviços Tributáveis - Caracterização para Fins de Enquadramento na Lista de Serviços e Determinação da Alíquota Incidente. Encontrando-se os serviços tributáveis agrupados em uma centena de itens da atual Lista anexa ao Decreto-lei 406/68, a qual comporta interpretação analógica, e da correspondente Tabela de Alíquotas anexa à Lei 5.641/89, a classificação deles com vistas ao correto enquadramento no item respectivo da Lista e da Tabela é determinada em função da sua natureza, segundo os elementos disponíveis, notadamente o objeto do contrato de prestação de serviços e outros fatores pertinentes.”

Mas não é só. Além do enquadramento equivocado, algumas municipalidades, na ânsia de aumentar a arrecadação, estão revogando isenções concedidas às empresas que se fixaram em seu território exclusivamente em virtude da renúncia fiscal.

Isenções concedidas a prazo certo e sob condições não podem ser unilateralmente alteradas pelo ente tributante, enquanto o contribuinte estiver cumprindo as exigências da lei isencional.

Se a lei municipal concedeu isenção a prazo certo, a teor do que dispõe o art. 178, do Código Tributário Nacional, os direitos do contribuinte estarão resguardado de qualquer alteração superveniente na legislação tributária.

Conforme ensina Ruy Barbosa Nogueira4, quando a isenção é concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, considera-se que o próprio legislador está reconhecendo que a isenção condicionada confere direito adquirido ao contribuinte, e está predeterminando no tempo e na forma a relação de interesse público no caso concreto.

Com efeito, ao se revogar parcial ou totalmente uma isenção, reflexamente estar-se-ia majorando a carga fiscal do sujeito passivo, algo que não pode ser admitido a teor do art. 150, III, “b”, da CF, com ressalva ao disposto em seu § 1º.

A doutrina, desta feita nas lições de Bernardo Ribeiro de Moraes, dispõe:

“Devemos ver que, diante do princípio constitucional da anterioridade da lei tributária, a revogação da isenção fiscal produz eficácia apenas após o início do exercício financeiro seguinte. Caso contrário, teríamos aumento ou criação de tributo no meio do exercício financeiro.” (Compêndio de Direito Tributário, Forense, Rio de Janeiro, 1984, p. 565)

É exatamente o que prevê o art. 104, III, do CTN, e, sem nos atermos às controvérsias no tocante à revogação da isenção do ICMS5, a eficácia da norma revogadora do benefício isencional tem sua validade reportada para o primeiro dia do exercício seguinte.

Para Ricardo Lobo Torres6, com a isenção ocorre a derrogação da lei de incidência fiscal, ou seja, suspende-se a eficácia da norma impositiva. Nos casos de isenção condicionada, o direito subjetivo fica jungido ao patrimônio do contribuinte, impossibilitando sua revogação de forma unilateral.

Afirma o brilhante jurista que a isenção concedida a prazo certo e sob determinadas condições é irrevogável por estar integrada às garantias do contribuinte. Reforçando o tema, a jurisprudência assim consignou:

“Tributário e Processo civil - Prazo recursal (férias forenses) - ISS - Isenção - arts. 97, VI, 111, e 178, CTN - arts. 178 e 179, CPC. 1. O prazo recursal não flui durante as férias coletivas dos Tribunais. 2. Assim como o Estado pode tributar, também pode revogar as isenções. A isenção, interpretada restritivamente, adstrita a determinada finalidade de política-fiscal, submete-se à regra geral da revogabilidade, salvo quando estabelecida por prazo certo ou impondo específica condição onerosa satisfeita pelo contribuinte, quando se impõe o respeito ao cumprimento dessas cláusulas. Precedentes jurisprudenciais. A revogação tem aplicação imediata. 3. Recurso não conhecido no pertinente à alínea ‘c’ e improvido quanto à alínea ‘a’ (Artigo 105, III, Constituição Federal).” (STJ - 1ª T. - REsp 11.847 - DJU 8.11.93)

“Tributário. Isenção e Redução do Imposto de Importação e do Imposto sobre Produtos Industrializados. Lei nº 2.894/56. Decreto-lei nº 1.726/79. CTN. Art. 178. Concessão à Acesita. Revogação. Impossibilidade. Direito Adquirido. Precedentes Jurisprudenciais.

1. A regra instituidora da isenção do Imposto de Importação e do Imposto sobre Produtos Industrializados, sob condições, não pode ser revogada, face o princípio constitucional do direito adquirido.

2. ‘Isenções tributárias concedidas sob condição onerosa não podem ser livremente suprimidas.’ (Súmula 544/STF). Ao legislador não é dado surpreender os contribuintes propiciando condutas para, após, atingido o desiderato, retirar-lhes o benefício. Confiança fiscal. 3. A lei que revoga a isenção onerosa e condicional deve respeitar as situações isentivas que já se incorporaram ao patrimônio do seu titular e que ficam a salvo da tributação.” (REsp 390.733/DF - Rel. Min. Luiz Fux - DJU 17.2.03)

Conclui-se, portanto, que ao Fisco não se pode atribuir poder em demasia, para em seu único benefício, prevalecendo-se de manobras econômicas, penalizar indevidamente os contribuintes.

Precisamente com este pensamento, o legislador fez editar a Emenda Constitucional nº 37 de 12 de junho de 2002, alterando o inciso I, do art. 156 da Constituição Federal, fixando as alíquotas máximas e mínimas para o imposto municipal ISS, na tentativa de coibir a “guerra fiscal” entre os Municípios.

A busca da segurança jurídica é fundamental, requisito indispensável para a preservação do Estado Democrático de Direito, em um país onde a legislação tributária sofre constantes alterações, e a arrecadação cresce em proporção inversa aos resultados visíveis para os contribuintes.

1 RICMS - art. 478, inciso II, c/c o art. 1º do Anexo XI.

2 www.prodam.sp.gov.br/sf/guia/tabcaliss.htm

3 http://www.fazenda.pbh.gov.br .

4 Curso de Direito Tributário, 15ª edição atualizada, p. 172.

5 Vide Súmula 615 do STF: “O princípio constitucional da anualidade (§ 29 do artigo 153 da CF) não se aplica à revogação de isenção do ICM.”

6 Curso de Direito Financeiro e Tributário, 10ª edição, Rio de Janeiro, Renovar, pp. 273/283.