Taxa de Lixo

Carlos Henrique Abrão

Juiz de Direito. Doutor em Paris.

Reavivando a nomenclatura da antiga taxa de conservação e limpeza, lançada concomitantemente com o imposto predial e territorial urbano, diversos municípios do Brasil, dentre os quais se destacam as Capitais, principalmente a cidade de São Paulo, por questões financeiras e de ordem do serviço público revitalizaram o ciclo da existência da referida taxa, aprovada pela Câmara Municipal, apresentando características e conceitos que merecem detida análise, na exploração de seus pontos concernentes à própria constitucionalidade, concentrando-se na legitimidade e na legalidade da Administração pública.

De fato, o nível de conscientização em relação à reciclagem é bastante embrionário no país, fato comum nas nações desenvolvidas, onde vigoram o sistema de peso e contrapeso, proporcional ao urbanismo e às construções que implicam, conseqüentemente, o aumento de resíduos sólidos a serem disponibilizados em aterros ou locais correlatos.

Naturalmente, a cada dia que passa, os grandes centros urbanos vão sendo infestados pela migração, pelo descrédito das autoridades em conter o fluxo, e acentuadamente pela ganância do lucro imobiliário que floresce rotineiramente, sem qualquer contraprestação para melhoria das condições de vida urbana.

Aprovado o respectivo tributo no ano de 2002, seguindo o princípio da anterioridade e anualidade, veio lançado em 2003, podendo ser pago conforme cálculo a ser feito, sob a forma de obrigação acessória, pelo próprio contribuinte, ficando isentos os imóveis e demais propriedades que atinjam o valor de R$ 25.000,00, consoante a legislação pertinente.

Em termos claros e precisos, o próprio lançamento formula uma equação e adverte ao contribuinte sua responsabilidade, inclusive na esfera penal, a título de declaração acessória e recolhimento correspondente ao lixo utilizado durante o período, sem considerar reciclagem, a possibilidade de meios industriais, ou mecânicos de redução, ou ainda processos de terceirização para o comércio destinatário do reaproveitamento desses produtos.

Evidentemente, a taxa de serviço público comporta uma prestação efetiva que possa dinamizar característica divisível e particularizada em relação ao contribuinte, mais propriamente em relação aos prédios residenciais e outros de natureza comercial, donde a obrigação de incinerador local contribuiria para a redução dessa circunstância.

O crescimento do volume é também gerado pela inabilidade do cidadão somada à falta de informação do poder público, mostrando-se evidente com o entupimento de bocas de lobo, quando na época de chuva os alagamentos se fazem constantes.

Dito isso, a taxa de lixo deve ser calculada pelo contribuinte, levando em conta o informe da municipalidade e as condições inerentes à quantidade do produto ensacado, daí por que existe grande margem de variação entre a menor e maior contribuição.

A primeira indagação a ser feita, de todo importante, diz respeito ao critério de constitucionalidade formalmente acolhida, divisando-se a legalidade e legitimidade do procedimento.

Numa comuna em que existe o lançamento progressivo, abrangendo como um todo o serviço público, inclusive mediante critério urbanístico, alcançando plano diretor, e atingindo o estatuto da cidade, tem-se que a taxa padece de fundamento, principalmente quanto à destinação do recurso em mãos das empresas responsáveis pela coleta, gerando no mercado atravessadores e aproveitadores de ocasião.

A par da complexidade de conferência, um a um, do recolhimento feito pelo contribuinte, não existe método científico para cálculo do valor adequado, uma vez que a fabricação de sacos de lixo e suas quantidades de acondicionamento não correspondem necessariamente ao uso total do material.

No Estado que se pressupõe moderno, cuja carga tributária é excessiva e a contraprestação do serviço público mínima, pelo sucateamento da máquina estatal burocratizada, a taxa de lixo é mais um resquício do comportamento do agente público que não tem meios de administrar eficazmente políticas plurais.

A despeito dos encargos, melhor seria solução alternativa e a adaptação do poder público à necessidade de crescimento, exercendo maior controle em relação ao lixo industrial e ainda comercial, haja vista a grande quantidade de contaminação de solo, sem qualquer medida preventiva ou protetiva à população.

Enquanto países desenvolvidos investem maciçamente na conscientização, reciclagem e reaproveitamento, as prefeituras continuam, combalidas pelas finanças negativas, criando tributos, como pano de fundo para cumprirem suas responsabilidades e lei fiscal do teto necessário.

A experiência do passado não vingou, uma vez que a taxa de conservação e limpeza, em muitas regiões da cidade, era superior ao próprio imposto, hoje este conceito foi alterado, ainda que represente uma contribuição mínima, não leva em conta a capacidade do contribuinte e a complexidade da constatação do perfil do usuário.

Seguramente, a matéria será debatida no âmbito jurisdicional, não se podendo deixar espaço ou brecha para que o administrador público, endividado por políticas irresponsáveis, venha uma vez mais, penalizar o contribuinte, mediante lançamento da taxa de lixo, constrangendo-o ao recolhimento e advertindo-o sobre o ilícito tributário, quando na realidade as falcatruas, inclusive na coleta, indicam que a moralidade, impessoalidade e transparência devem receber o prestígio incondicional, colimando autenticidade da cobrança.

Milhões de contribuintes, numa cidade que engloba mais de 10 milhões de moradores, em locais cuja coleta é precária ou inexistente, muitas vezes falha, ficaram subordinados ao dispositivo de incidência, enquanto as condições visuais e materiais da cidade precisam o emporcalhamento fruto da falta de fiscalização e da omissão da autoridade pública.