Dívida relativa ao FGTS - Responsabilidade dos Sócios da Empresa Cindida

Ciro César Soriano de Oliveira

Advogado em São Paulo.

Cristiano Frederico Ruschmann

Advogado em São Paulo.

No ano de 1985, “A” sofreu cisão parcial de seu patrimônio, vertendo-se a parcela cindida para outra empresa do mesmo grupo econômico já existente à época, a saber, empresa “B”.

Segundo informações que nos foram prestadas, “B” teria recebido, pela cisão, 96% (noventa e seis por cento) do patrimônio da empresa cindida “A”, bem como a totalidade dos seus empregados, clientes e demais itens componentes do seu fundo de comércio até então explorado.

Após a cisão parcial, permaneceu em “A” a pequena parcela de 4% (quatro por cento) do patrimônio social, correspondente à avaliação feita da autorização governamental para funcionamento da sociedade cindida (avaliação efetuada pelo critério contábil, sem considerações quanto à rentabilidade futura advinda da autorização).

Pelos atos de cisão, ficou deliberado que “B” ficaria responsável por todas as dívidas com fatos geradores anteriores a 1986, eximindo “A”, portanto, de qualquer responsabilidade patrimonial. Não houve oposição de nenhum credor à assunção de responsabilidades por “B”.

Na seqüência, com a supervisão e anuência da autarquia incumbida da fiscalização da atividade, as ações de “A” foram adquiridas por terceiros que, na condição de novos sócios, mudaram sua natureza jurídica (transformação de sociedade anônima em sociedade por quotas de responsabilidade limitada) e alteraram sua denominação social (“C”), à vista da modificação, também, do objeto social.

Perante as autoridades fiscais federais, “C” (nova denominação de “A”) permaneceu com o mesmo número de inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC)1, outrora detido por “A”.

Em fevereiro de 1988 “C” foi fiscalizada pelo antigo Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (“IAPAS”), órgão que à época encontrava-se encarregado pela fiscalização do recolhimento não só das contribuições de natureza previdenciária, como também do FGTS.

A fiscalização abrangeu o período compreendido entre junho de 1976 a dezembro de 1987 (ou seja, fatos geradores ocorridos antes e depois da cisão parcial com versão de patrimônio para a “B”, seguida de transformação social de “A” em “C”, ocorridos em meados de 1985).

Justamente por envolver período anterior à cisão parcial de “A”, os comprovantes de recolhimento das contribuições de natureza previdenciária e do FGTS não estavam sob a guarda da “C” (mas sim em poder da “B”, que, inclusive, se encontrava à época sob intervenção da autarquia). Diante da ausência de documentos comprobatórios dos recolhimentos, o agente fiscal do IAPAS autuou a “C”, limitando-se a lançar as contribuições de natureza previdenciária e o FGTS como se elas, simplesmente, não tivessem sido recolhidas. Se já não bastasse isso, o agente fiscal ainda apurou o montante do suposto débito por estimativa, arbitrando as respectivas bases de cálculo a partir da multiplicação do número total de empregados pelo maior salário de contribuição fixado à época pela Previdência Social.

“C” apresentou tempestivamente sua defesa administrativa contra o auto de infração e adotou, paralelamente, todas as medidas cabíveis para obtenção da documentação necessária junto à “B”. Em outubro de 1995, à vista da comprovação por “C” dos recolhimentos efetuados não só por ela entre meados de 1985 até 1987, como também por “A” entre 1976 até meados de 1985, foi finalmente reconhecida a completa improcedência do lançamento previdenciário pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), órgão sucessor do IAPAS.

À época desse reconhecimento de improcedência do lançamento, entretanto, o INSS não mais figurava como órgão responsável pela cobrança de débitos de FGTS, competência essa que já havia sido transferida à Caixa Econômica Federal (CEF).

Por questões burocráticas de administração interna verificadas tanto no INSS quanto na CEF, não houve o concomitante reconhecimento da improcedência do lançamento também para os débitos de FGTS, o que resultou na respectiva inscrição em Dívida Ativa e no ajuizamento da correspondente Execução Fiscal por parte da CEF contra “C”.

Apesar de espontaneamente procurados por “C”, e não obstante toda a comprovação documental de inexigibilidade dos débitos de FGTS que lhes foi apresentada, a CEF alegou que nada mais poderia fazer em favor de “C”, uma vez que o débito já havia sido inscrito em Dívida Ativa, caracterizando-se o Poder Judiciário como sede adequada para a discussão do débito.

Da Consulta

À vista de tais acontecimentos, somos consultados acerca da responsabilidade patrimonial pessoal dos sócios da “C” quanto aos débitos relativos ao FGTS inscritos em Dívida Ativa.

Delimitação da Matéria

No caso que nos foi apresentado, os débitos teriam sido extintos pelo pagamento, em que pese não ter se logrado êxito em tal comprovação, à vista da mudança de competência autárquica para a cobrança do FGTS.

Entretanto, tendo consciência de que, nos termos do artigo 3º da Lei federal nº 6.830/80 (“Lei de Execuções Fiscais”), a “dívida Ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez”, a questão merece um enfoque jurídico mais cuidadoso, pois não há como negar a probabilidade remota - porém real - de, ao final de todos os incidentes e variáveis inerentes a qualquer espécie de contencioso judicial, “C” não conseguisse produzir prova inequívoca do pagamento dos débitos de FGTS, elemento esse absolutamente necessário para ilidir a certeza e liquidez da inscrição em Dívida Ativa efetivada pela CEF.

O aspecto processual relativo à produção e avaliação de provas, no entanto, não será aqui tratado, restringindo-se nossa abordagem à sucessão das sociedades e a responsabilidade patrimonial dos sócios da empresa sucessora da devedora original.

Como introdução à discussão, assim, deve-se ressaltar que a questão jurídica da responsabilidade patrimonial pessoal dos sócios da “C” pelo suposto não-recolhimento ou pela suposta infração à legislação do FGTS pode ser enfocada sob dois ângulos diferentes, a saber: tributário e não-tributário (mas que, ao final, direcionam igualmente para a mesma conclusão no sentido da inexistência da responsabilidade patrimonial pessoal dos sócios pelo débito em tela). É o que veremos.

Enfoque sob o Ponto de Vista Tributário

Num primeiro momento, estaríamos inclinados a raciocinar como se os depósitos compulsórios do FGTS, efetuados por empregadores em favor de seus empregados diretamente em contas bancárias vinculadas junto à CEF, fossem uma espécie de “tributo”, sujeito, portanto, ao regime de responsabilidade tributária na forma disposta pelo Código Tributário Nacional (Lei federal nº 5.172/66 - “CTN”).

Entendemos ser ao menos plausível considerar o FGTS como “tributo”, dado que o próprio Supremo Tribunal Federal, recentemente, ao julgar a constitucionalidade das contribuições criadas pela Lei Complementar nº 110/2001 (adicionais de 0,5% e 10% do FGTS para cobrir perdas financeiras do Fundo, decorrentes de expurgos inflacionários produzidos por antigos planos econômicos) entendeu serem elas “tributos” da espécie “contribuições sociais”, resumidamente, pelas seguintes razões:

i) adequação ao conceito do art. 3º do CTN2; e

ii) tratando-se de valores que também se destinam a complementar o FGTS, enquadramento nas disposições do artigo 217, incisos IV e V, do CTN3.

Tratando-se, portanto, de “tributo”, seriam aplicáveis aos débitos de FGTS, hoje inscritos em Dívida Ativa em nome da “C”, os artigos do CTN que dispõem, respectivamente, sobre a “Responsabilidade dos sucessores” (em especial, os artigos 132 e 133) e “Responsabilidade de terceiros” (em especial, o artigo 135, inciso III).

Em primeiro lugar, vejamos o disposto no “caput” do artigo 132 do CTN:

Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até a data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas.” (grifos nossos)

O “caput” deste artigo trata claramente da operação societária de transformação empresarial de “A” em “C”. Aqui não há maiores dúvidas. “C” é integralmente responsável pelos tributos devidos por “A” até a data de sua transformação, na exata medida em que a “A” simplesmente deixou de existir no mundo jurídico após a sua transformação na “C”. Não atribuir responsabilidade integral à “C” equivaleria a uma espécie de perdão de dívida tributária (remissão), pois não haveria mais de quem a Fazenda Pública cobrar eventuais débitos após a transformação.

A única questão jurídica que, a nosso ver, deve ser mais profundamente explorada diz respeito à melhor interpretação da expressão “responsável pelos tributos” para fins de definição da exata extensão da responsabilidade tributária por sucessão empresarial. Discute-se atualmente na doutrina e na jurisprudência se a responsabilidade tributária prevista neste artigo estende-se ou não aos valores de multas fiscais (moratórias ou punitivas), ou se está limitado ao valor do principal, atualizado monetariamente e acrescido, apenas, de juros de mora.

A partir de um raciocínio puramente lógico-filosófico de justiça, entendemos que as multas não deveriam ser excluídas por força de uma simples transformação da natureza jurídica de uma empresa (por exemplo, como ocorre no caso da “A” e da “C”, de transformação de sociedade anônima em sociedade por quotas de responsabilidade limitada).

Por outro lado, a partir de um raciocínio objetivamente lógico-jurídico4, nossa conclusão é noutro sentido: “C” não é responsável pelo valor de multas fiscais (moratórias ou punitivas) devidas por “A” porque “tributo”, na própria definição trazida pelo CTN em seu artigo 3º, não constitui “sanção de ato ilícito”. Fosse intenção do legislador estender a responsabilidade para multas (moratórias ou punitivas), bastaria ter usado a expressão “crédito tributário”, ao invés de “tributo”, na redação do “caput” do artigo 132, como já teve a oportunidade de fazer, por exemplo, no “caput” do artigo 130 do CTN, ao tratar da responsabilidade tributária na aquisição de imóveis5.

Até aqui discorremos exclusivamente sobre a responsabilidade tributária decorrente do ato de transformação de “A” em “C”, ato este que, por seu turno, se revela posterior à cisão parcial de “A” com versão de parte de seu patrimônio social em “B”. Pergunta-se: como se operaria a responsabilidade tributária na sucessão empresarial entre “A” e “B”? E se desse ato de cisão parcial não resultasse responsabilidade tributária por sucessão para “A”, persistiriam ainda assim as pretensões de, na seqüência, responsabilizar-se “C” na condição de sucessora integral de “A” por transformação?

Para responder a essas questões, devemos analisar, em conjunto, o parágrafo único do artigo 132 e o artigo 133 do CTN:

Art. 132. (...)

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se ao caso de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.

Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a data do ato:

I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;

II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão. (grifos nossos).

Como visto, o CTN não trata expressa ou especificamente da figura da cisão (seja total ou parcial) para efeitos de responsabilidade tributária em sucessão empresarial. Entretanto, o parágrafo único do artigo 132 e o artigo 133 do CTN, sem mencionar “cisão”, dispõem dos mesmos efeitos que são obtidos através dela, quais sejam, a divisão total ou parcial do patrimônio social de determinada empresa, com ou sem a sua extinção.

É cediço que o CTN foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 com força de lei complementar. Segundo a própria Constituição Federal, em seu artigo 146, inciso III, alínea “b”, cabe à lei complementar “estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários”.

A responsabilidade tributária por sucessão empresarial é figura jurídica que decorre da justaposição dos conceitos de obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários.

Com isso queremos dizer que, apesar de o CTN não falar expressa ou especificamente em “cisão”, isso não o desqualifica como diploma legal aplicável à normatização da responsabilidade tributária por sucessão empresarial que dela decorre, afinal os efeitos da cisão (divisão patrimonial da empresa, seja total ou parcial, com ou sem extinção) encontram-se, a nosso ver, suficientemente disciplinados nesse mesmo texto legal, no parágrafo único do seu artigo 132, como também no seu artigo 133 (acima transcritos).

A Constituição Federal outorgou ao CTN (lei complementar) a competência para regular a matéria sobre responsabilidade tributária em sucessão empresarial, mas, mesmo que não o tivesse feito, ainda assim teríamos à mão o argumento de hermenêutica jurídica no sentido de que a lei especial derroga a lei geral, mesmo que essa última seja promulgada posteriormente à primeira. A nosso ver, a especialidade do CTN na disciplina da responsabilidade tributária em sucessão empresarial (artigos 132 e 133) é patente.

Tais considerações são de relevância, para que não se entenda que o Decreto-lei 1.598/77, que tratou do imposto de renda (ao ensejo da promulgação da Lei das Sociedades Anônimas, em 1976), poderia tratar de responsabilidade tributária, em que pese ter sido recepcionado como lei ordinária. Se fosse de se aceitar esse entendimento, seriam válidas as disposições do Decreto-lei de 1977 que falam da cisão (segundo o art. 5º do Decreto, as pessoas jurídicas que receberem o acervo cindido respondem solidariamente pelos débitos da cindida), aplicando a todos os tributos federais, e não apenas ao imposto de renda.

Esclarecemos que não concordamos com esses entendimentos. Como dito, o Código Tributário Nacional é a lei complementar que cumpre as funções do art. 146 da Constituição Federal. Tendo sido recepcionado como lei ordinária, o Decreto-lei não é veículo normativo válido para regulamentar matéria de responsabilidade tributária.

Desta forma, partindo da premissa de aplicação do CTN e dentro do enfoque à questão sob o ponto de vista exclusivamente tributário (FGTS é “tributo”), afastamos a incidência das regras sobre cisão previstas nos artigos 229, § 1º, e 233, parágrafo único, ambos da Lei federal nº 6.404/76 (“Lei das S.A.”), posterior ao CTN, mas sem força de lei complementar, que assim dispõem:

Art. 229. A cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão.

§ 1º Sem prejuízo do disposto no art. 233, a sociedade que absorver parcela do patrimônio da companhia cindida sucede a esta nos direitos e obrigações relacionados no ato de cisão; no caso de cisão com extinção, as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida sucederão a esta, na proporção dos patrimônios líquidos transferidos, nos direitos e obrigações não relacionados.

(...)

Art. 233. Na cisão com extinção da companhia cindida, as sociedades que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da companhia extinta. A companhia cindida que subsistir e as que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da primeira anteriores à cisão.

Parágrafo único. O ato de cisão parcial poderá estipular que as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida serão responsáveis apenas pelas obrigações que lhe forem transferidas, sem solidariedade entre si ou com a companhia cindida, mas, nesse caso, qualquer credor anterior poderá se opor à estipulação, em relação ao seu crédito, desde que notifique a sociedade no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data da publicação dos atos da cisão.” (grifos nossos)

A partir da leitura desses artigos, podemos dizer, em linhas gerais, que nas hipóteses de cisão total ou parcial, a Lei das S.A. impõe uma responsabilidade solidária “relativa” entre as empresas que dela resultam. Classificamos tal responsabilidade como “relativa” na exata medida em que ela pode, nos termos da lei, ser diminuída (ou até afastada!) por convenção particular a ser firmada pelas partes nos atos de cisão - sem prejuízo do direito de oposição dos credores no prazo de 90 dias.

Tal “relatividade” da responsabilidade solidária prevista na Lei das S.A. vem apenas reforçar nossa conclusão anterior no sentido de que, sob o ponto de definição da responsabilidade tributária por sucessão empresarial em casos de cisão, o CTN é o único diploma legal aplicável (artigos 132 e 133), isto porque essa “flexibilização da responsabilidade por iniciativa exclusiva das empresas envolvidas na cisão” mostra-se, a nosso ver, incompatível com o quanto disposto em outro artigo do CTN, qual seja:

“Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.”

Feitas tais colocações e definindo o CTN como diploma legal aplicável à questão, voltemos agora ao exame pormenorizado dos efeitos da cisão parcial na responsabilidade tributária por sucessão empresarial, contemplados no artigo 133, inciso II, do CTN (acima transcrito)6.

Com base nessa norma legal, o adquirente por qualquer título de fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional permanece subsidiariamente responsável pelos tributos relativos à aquisição, nos casos em que o alienante prosseguir na exploração ou iniciar nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.

Relativamente a esse artigo, há alguns aspectos que devem ser levados em consideração, aplicando-o ao caso sob análise.

Primeiramente, há de se considerar que os sócios originais da “A”, alienantes do estabelecimento, continuaram a exercer suas atividades comerciais, em que pese terem-no feito sob outra denominação social: “B”.

O fato de desempenharem suas atividades sob outra razão social, ou ainda que as atividades não sejam exatamente as mesmas (alteração promovida para espelhar a modificação do objeto social de “A”) não é pertinente para que se possa afastar a responsabilidade subsidiária da “C”, transformando-a em responsabilidade integral, dado que o CTN não exige que a atividade exercida pelo alienante continue a ser exatamente a mesma (basta que exerça “nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão”).

Sobre esse assunto, manifestou-se a doutrina no seguinte sentido:

“Prevaleceu na doutrina e jurisprudência, (...) a interpretação que Aliomar Baleeiro deu ao art. 133 do CTN. A responsabilidade do sucessor é preferencial e não ‘integral’, caso o contribuinte-alienante se retire da exploração da atividade comercial (...). Mas se o contribuinte-alienante prosseguir na mesma atividade ou iniciar outra no mesmo ou em outro ramo comercial, (...) invertem-se as posições dos co-obrigados, o responsável-adquirente convertendo-se em devedor subsidiário e o contribuinte-alienante, em devedor preferencial.”7

Em segundo lugar, entendemos que a melhor compreensão do que foi exposto até aqui depende, agora, de uma breve explicação sobre o significado jurídico e extensão da “responsabilidade subsidiária” que a “C” estaria sujeita nos termos do artigo 133, inciso II, do CTN. Tal explicação mostra-se didaticamente mais eficiente quando se compara a “responsabilidade subsidiária” com a “responsabilidade integral” e com a “responsabilidade solidária” previstas no próprio CTN e na Lei das S.A., respectivamente. Vejamos.

Há responsabilidade integral na hipótese de existência de um único devedor a ser acionado pelo credor para saldar a dívida (por exemplo, no caso de fusão, transformação e incorporação empresarial, onde o devedor originário deixa de existir no mundo jurídico, remanescendo apenas o seu sucessor).

Na responsabilidade solidária há sempre mais de um devedor, mas cada um respondendo pela totalidade da dívida, como se fosse o único devedor. O credor tem o direito de escolher qualquer um dos devedores solidários e compeli-lo a quitar a dívida toda. Há co-responsabilidade entre os devedores solidários, isto é, aquele devedor que satisfizer integralmente a dívida tem direito de regresso contra os demais devedores, podendo reaver de cada um deles suas respectivas quotas na dívida total.

A responsabilidade subsidiária assemelha-se, à primeira vista, à responsabilidade solidária na medida em que nela também há uma pluralidade de devedores obrigados à dívida toda. Ocorre que, na responsabilidade subsidiária, os devedores, apesar de obrigados à dívida toda, são diferenciados entre si como devedor principal e devedor subsidiário. Por analogia, podemos equiparar o devedor tributário subsidiário a um fiador de uma dívida de natureza cível-comercial, titular do direito a se opor contra qualquer tentativa de execução judicial contra seu patrimônio antes que o credor tenha esgotado as possibilidades legais de cobrar a dívida direta e exclusivamente do devedor principal. Tal direito do responsável subsidiário a, num primeiro momento, opor-se à cobrança que lhe é dirigida e, assim, exigir seu redirecionamento contra o devedor principal, é o que se denomina juridicamente de “benefício de ordem”. Entretanto, cumpre notar que tal redirecionamento da cobrança não exime, por si só, o devedor subsidiário da sua responsabilidade patrimonial pela dívida toda. Na hipótese de, ao final, o devedor principal revelar-se absolutamente insolvente, o credor voltará a ter o direito de executar o patrimônio do devedor subsidiário. Ressalte-se que, tendo em vista a insolvência do devedor principal, se presume que qualquer ação de regresso do devedor subsidiário contra o devedor principal será juridicamente ineficaz.

Ou seja, admitindo-se que “A” tenha, por força da cisão parcial, recebido “fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional”, sua responsabilidade patrimonial será apenas de caráter subsidiário, cabendo-lhe o benefício de ordem para redirecionar a cobrança contra a “B”, devedora principal. A Fazenda Pública deve primeiro esgotar as possibilidades jurídicas de cobrar da “B” a totalidade da dívida, executando o patrimônio da “C” apenas se e quando se mostrarem absolutamente infrutíferas tais medidas contra a “B”.

Outrossim, deve-se notar que aqui também valem as mesmas observações que já tivemos a oportunidade de fazer mais acima sobre a responsabilidade tributária pela transformação de “A” em “C”, no que diz respeito à extensão da expressão “responsável por tributos”. Da mesma forma, concluímos que “C” não é responsável pelo valor de multas fiscais (moratórias ou punitivas); sua responsabilidade tributária patrimonial limita-se ao valor do principal, atualizado monetariamente e acrescido de juros de mora.

Por outro lado, há de se frisar que, de acordo com o que nos foi apresentado, a operação de cisão parcial de “A” com versão de parcela do patrimônio a “B”, teve por objetivo final apenas a transferência da titularidade da autorização governamental para funcionamento, originariamente outorgada à “A”. Não se pretendeu, por óbvio, a alienação do negócio, até mesmo porque toda a atividade continuou a ser exercida pela “B”, que permaneceu não apenas com os empregados, mas também com a clientela.

A questão a ser identificada, assim, é de fato, ou seja, se houve ou não transferência de uma universalidade de bens tangíveis e intangíveis destinados à exploração de determinado negócio (“fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional”). Para o caso, pensamos que a simples transferência da outorga governamental não é suficiente para caracterizar alienação de fundo de comércio e muito menos estabelecimento, dado que tal outorga não encerra em si toda a potencialidade de acesso aos clientes (caracterizando-se mais como a autorização pelo Banco Central do Brasil para exercício da atividade), pelo que fica inclusive excluída, a nosso ver, a responsabilidade tributária subsidiária da “A” por conta do art. 133, inciso II, do CTN.

Ainda aqui, cabe notar mais uma outra particularidade do presente caso de cisão parcial da “A” com versão de patrimônio para a “B”, que não poderia deixar de ser explorada.

Como foi explicado de início, “A” foi a empresa remanescente após a cisão parcial implementada em 1985. Dessa operação, apenas 4% (quatro por cento) do patrimônio original continuou na empresa. Os restantes 96% (noventa e seis por cento) do patrimônio foram vertidos à “B”, empresa já existente à época. Entendemos que a permanência de apenas 4% (quatro por cento) do patrimônio social original, representado unicamente pela outorga governamental, autoriza questionarmos se houve de fato uma cisão da “A”.

A autorização do governo, no caso, era necessária para o exercício da empresa, mas não poderia se caracterizar como elemento suficiente para que a atividade fosse levada a cabo. No caso, seria possível sustentar que, ao invés de “A” apenas ter cindido e vertido parte do seu patrimônio social em sociedade já existente (“B”), foi ela, na verdade, originalmente incorporada8 por “B”, que, em seguida, sofreu cisão parcial para verter o patrimônio social representado pela autorização governamental. Teríamos, então, para efeitos ilustrativos, “A” antes da incorporação por “B”, e a “A” como resultado da cisão parcial subseqüente sofrida por “B”.

Sobre esse ponto, vejamos o que dispõe o § 3º, do artigo 229 da Lei das S.A.:

§ 3º A cisão com versão de parcela de patrimônio em sociedade já existente obedecerá às disposições sobre incorporação (art. 227).”

Tanto é assim que os sócios de “A” eram os mesmos sócios da “B”, exatamente como ocorre nos casos de incorporação. Ou seja, os sócios da “C” teriam adquirido “A”, como resultado de uma cisão parcial sofrida por “B” e não, como aparenta num primeiro instante, como uma empresa que teria sofrido um processo de cisão com versão parcial de patrimônio na “B”.

Desta forma, “B” sucede integralmente “A”’ em direitos e obrigações, por aplicação do quanto disposto expressamente no art. 227 da Lei das S.A.9

Por isso, “A” não seria sequer responsável tributária subsidiária da “B”, tendo em vista que, como visto, a simples transferência da titularidade da autorização governamental não é elemento suficiente a caracterizar alienação de “fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional” a justificar, portanto, a incidência da responsabilidade tributária subsidiária prevista no artigo 133, inciso II, do CTN.

Responsabilidade dos Sócios

Até aqui discorremos apenas sobre a eventual responsabilidade tributária patrimonial da “C”, pessoa jurídica, por débitos de FGTS decorrentes da “A”. Não tratamos, até o presente momento, da responsabilidade tributária pessoal dos sócios da “C” na hipótese dessa, ao final, vir de fato a ser responsabilizada por essas mesmas dívidas. Então vejamos.

Em primeiro lugar, não podemos perder de vista que “C” é uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, onde as responsabilidades dos sócios restringem-se aos valores do capital social que eles se comprometeram a integralizar, respectivamente. Uma vez integralizados os valores do capital social a que se comprometeram, nada mais lhes poderá ser exigido por eventuais débitos existentes em nome da sociedade.

Como regra geral, o disposto no artigo 2º, do Decreto federal nº 3.708/19, que trata das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, encontra plena aplicação no âmbito tributário (a saber: a responsabilidade dos sócios limita-se à importância do capital social).

Neste mesmo sentido, temos também o artigo 1.05210 da Lei federal nº 10.406/02 (“Novo Código Civil”), que entrou em vigor no dia 11 de janeiro, dispondo que, uma vez integralizado o capital social, a responsabilidade de cada sócio limita-se ao valor de suas quotas.

Em matéria fiscal, a exceção a essa regra de limitação da responsabilidade dos sócios atinge apenas aqueles sócios que eventualmente tenham poder de direção, gerência ou representação e que, ainda assim, tenham comprovadamente agido com excesso de poderes ou em infração à lei ou ao contrato social (atos ilícitos), isto tudo nos termos do artigo 135, inciso III, do CTN, in verbis:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

...

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”

Ou seja, para que se configure a responsabilidade tributária de um determinado sócio, deve ele necessariamente haver exercido um cargo de diretor, gerente ou representante e, ainda por cima, deve ter agido de forma ilícita (com excesso de poderes ou em infração à lei ou ao contrato social). Em outras palavras: o simples fato de ser sócio não implica responsabilidade tributária pessoal; somente aqueles determinados sócios com poderes de direção, gerência ou representação estarão sujeitos a tal responsabilidade tributária pessoal; e mais, para que sejam patrimonial e pessoalmente responsáveis pelos débitos tributários da pessoa jurídica, tais sócios devem, além disso, ter agido de forma ilícita. Neste sentido, temos os seguintes julgados do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal:

“Não é possível o redirecionamento do feito ao responsável pela empresa devedora do tributo, a menos que resulte de atos praticados com excesso de poderes ou infração à lei, aos estatutos ou ao contrato social, devidamente comprovados.”11

“Tributária - Sociedade Limitada - Responsabilidade do Sócio pelas Obrigações Tributárias da Pessoa Jurídica (CTN, art. 135, III).

O CTN, no inciso III do Art. 135, impõe responsabilidade, não ao sócio, mas ao gerente, diretor ou equivalente. Assim, sócio-gerente é responsável, não por ser sócio, mas por haver exercido a gerência.”12

“Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Os bens particulares dos sócios, uma vez integralizado o capital, não respondem por dívida fiscal da sociedade, salvo se o sócio praticou ato com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.”13

Em seguida, devemos ressaltar que, mesmo que os débitos de FGTS de fato existam (o que, mais uma vez, admitimos apenas a título de argumentação!), não há qualquer “nexo de causalidade” entre os atos que lhe deram origem e a conduta daqueles sócios de “C” com poderes de direção, gerência ou representação.

Ora, os supostos débitos de FGTS dizem respeito a períodos anteriores à aquisição de “A” pelos sócios de “C”, não sendo possível imputar a esses últimos qualquer espécie de conduta que possa ser, por via de conseqüência, tomada como causa dos supostos débitos de FGTS (isto é, falta aquilo que denominamos juridicamente de “nexo de causalidade”, ou “relação de causa e efeito”).

Essa argumentação é, a nosso ver, mais que suficiente para afastar qualquer tentativa de responsabilização patrimonial pessoal de qualquer dos sócios de “C”, afinal a responsabilidade tributária pessoal dos sócios diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica não é objetiva14, mas necessita de um mínimo de fundamentação concreta e provas aceitáveis produzidas pela Fazenda Pública no sentido de suas respectivas condutas ilícitas.

Como visto acima, diante da falta de “nexo de causalidade” entre os fatos geradores dos supostos débitos de FGTS e a conduta dos sócios diretores, gerentes ou representantes de “C”, não há o que ser provado pela Fazenda Pública para tentar caracterizar tal responsabilidade patrimonial pessoal.

Por fim, deve-se ressaltar que, partindo-se dessa premissa (FGTS é “tributo”), não há fundamentação legal no Direito Tributário para, de imediato, “desconsiderar a personalidade jurídica” de “C” e, assim, responsabilizar os seus sócios patrimonial e pessoalmente pelo pagamento de eventuais dívidas tributárias existentes em nome da sociedade. Em Direito Tributário, a única figura análoga a essa “desconsideração da personalidade jurídica” é encontrada no artigo 135, inciso III, do CTN, que, como vimos acima quase à exaustão, não se aplica aos sócios da “C” no caso das dívidas de FGTS ora analisadas.

Enfoque fora do Ponto de Vista Tributário

Há outro enfoque, ainda, em que pese não se pautar sobre as regras de Direito Tributário, não prejudica a nossa conclusão no sentido de não haver suporte jurídico para que as supostas dívidas de FGTS atinjam os patrimônios pessoais dos sócios da “C”.

Para tanto, partimos de outra premissa, qual seja: FGTS não é “tributo”.

Deve-se levar em consideração que, de longa data, a jurisprudência se posicionou no sentido de ser de 30 (trinta) anos o prazo de prescrição do FGTS, para fins de cobrança das parcelas não pagas. Vejamos o seguinte acórdão do Superior Tribunal de Justiça:

“Prescrição. Emenda Constitucional nº 8/77. I - As contribuições previdenciárias, inclusive, eram tratadas como tributos até o advento da Emenda Constitucional nº 8/77, quando perderam esta característica e passaram a ser consideradas contribuições sociais, com prazos de decadência e prescrição não mais regulados pelo Código Tributário Nacional. Contudo, na hipótese, tratando de créditos relativos a períodos anteriores à edição da aludida emenda constitucional, sua cobrança prescrevia em cinco anos, ex vi do art. 174 do CTN. Precedentes. II - Recurso especial conhecido e provido.”15

Como se percebe, essa conclusão partiu do pressuposto de que até a Emenda Constitucional nº 8/77, as contribuições seriam “tributos”, tendo perdido essa natureza em razão da alteração promovida por essa mesma Emenda16.

Não sendo “tributo”, a responsabilidade pela dívida de FGTS não mais seria regida pelo CTN, mas sim pela Lei das S.A., valendo todos os apontamentos que já tivemos a oportunidade de fazer acima sobre os seus artigos 227, 229 e 233.

Preliminarmente, devemos apenas esclarecer que, da mesma forma que ocorre no caso de responsabilidade tributária, “C” é integralmente responsável pelos débitos de “A” por força de sua transformação societária, conforme disposto no artigo 222 da Lei das S.A., in verbis:

Art. 222. A transformação não prejudica, em caso algum, os direitos dos credores, que continuarão, até o pagamento integral dos seus créditos, com as mesmas garantias que o tipo anterior de sociedade lhes oferecia.”

Pergunta-se então novamente: como se operaria a responsabilidade patrimonial na sucessão empresarial entre “A” e “B”? Afinal, se não houver responsabilidade para a “A”, também não a haverá para a “C”.

De acordo com a Lei das S.A., o processo de cisão admite limitação convencional de responsabilidades (responsabilidade solidária “relativa”), desde que essa limitação esteja disposta nos atos de cisão (protocolo e atas de assembléias), e que os credores não apresentem oposição a essa limitação de responsabilidades no prazo de 90 (noventa) dias.

Conforme nos foi informado, as partes deliberaram nos atos da cisão que “B” ficaria responsável por todas as dívidas com fatos geradores anteriores a 1986, eximindo “A”, portanto, de qualquer responsabilidade patrimonial a esses mesmos títulos. Contra essa deliberação sobre assunção de responsabilidades pela “B”, não teria havido a oposição de qualquer credor.

Diante da ausência de oposição do credor das supostas dívidas de FGTS (à época o IAPAS) dentro do prazo legal de 90 (noventa) dias, teria se tornado juridicamente válida a deliberação nos atos de cisão, eximindo a “A” de qualquer responsabilidade pelas dívidas de FGTS decorrentes de fatos geradores anteriores a 1986.

Tal conclusão ganha mais força se levarmos novamente em consideração aquele raciocínio já desenvolvido acima, no sentido de que os sócios de “C” teriam adquirido a “A” como resultado de uma cisão parcial sofrida por “B” e não, como aparenta num primeiro instante, como uma empresa que teria sofrido um processo de cisão com versão parcial de seu patrimônio na “B”.

Raciocinando desta forma, “B” ao incorporar “A”, sucede-a integralmente em direitos e obrigações por aplicação do quanto disposto no art. 227 da Lei das S.A.

Conseqüentemente, a posterior deliberação das partes nos atos da cisão parcial sofrida em seguida por “B” permaneceria absolutamente válida para eximir “A” de qualquer responsabilidade patrimonial pelos débitos anteriores a 1986.

Até aqui discorremos novamente apenas sobre a eventual responsabilidade patrimonial de “C”, pessoa jurídica, por débitos de FGTS decorrentes de “A”. Não tratamos, até o presente momento, da responsabilidade pessoal dos sócios de “C” na hipótese dessa, ao final, vir de fato a ser responsabilizada por essas dívidas. Então vejamos.

Como regra geral, a responsabilidade de cada sócio limita-se ao valor de suas quotas subscritas e não integralizadas (artigo 1.052 da Lei federal nº 10.406/02, Novo Código Civil).

No Direito brasileiro “desconsiderar a personalidade jurídica” e atingir o patrimônio pessoal dos sócios de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada não é uma regra geral, mas sim um regime de exceção.

Neste sentido, temos o artigo 50, da Lei federal nº 10.406/02 (“Novo Código Civil”)17:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”

O regime, como se percebe, é semelhante ao que foi adotado para fins de definição da responsabilidade tributária, ou seja, haverá responsabilidade patrimonial pessoal dos sócios apenas nas hipóteses de prática de atos comprovadamente ilícitos ou fraudulentos.

A “desconsideração da personalidade jurídica” não é automática (depende de reconhecimento judicial) e tampouco irrestrita (quem pretende aplicá-la deve comprovar judicialmente os atos ilícitos e fraudulentos praticados pelos sócios). É como tem se manifestado o Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria:

“Sociedade Comercial. Responsabilidade dos Sócios. Inexistência dos Pressupostos.

Admitida pela doutrina e pela lei a desconsideração da sociedade para atingir os bens dos sócios, a sua decretação somente pode ser deferida quando provados os seus pressupostos, o que não aconteceu no caso dos autos. Art. 10 do Dec. 3.708/19. Recurso não conhecido.”18

Por fim, devemos ressaltar que, mesmo na hipótese de os débitos de FGTS de fato existirem (o que, mais uma vez, admitimos apenas a título de argumentação!), não há qualquer “nexo de causalidade” entre os atos que lhe deram origem e a conduta de qualquer dos sócios da “C”.

Como se sabe, os supostos débitos de FGTS dizem respeito a períodos anteriores à aquisição de “A” pelos sócios de “C”, não sendo possível imputar a esses últimos qualquer espécie de conduta que possa ser tomada como causa dos supostos débitos de FGTS (isto é, falta aquilo que denominamos juridicamente de “nexo de causalidade”, ou “relação de causa e efeito”).

Tal “nexo de causalidade” consiste num dos pressupostos essenciais à aplicação do regime excepcional da “desconsideração da personalidade jurídica” (vide acórdão do Superior Tribunal de Justiça acima transcrito).

Conclusão

Diante de todo o exposto até aqui, podemos resumir, da seguinte maneira, nossas conclusões sobre a responsabilidade patrimonial pessoal dos sócios de “C” no que diz respeito aos débitos relativos ao FGTS em questão:

- partindo-se da premissa que FGTS é “tributo”:

- “C”, por força de transformação societária, é responsável com seu patrimônio social pelos tributos atualizados monetariamente e com juros de mora (mas sem multas moratórias ou punitivas) devidos por “A” (cf. artigo 132, “caput”, do CTN);

- diferentemente do que aparenta num primeiro momento, “A” foi incorporada pela “B”, que, em razão disso, ficou integralmente responsável pelos débitos de FGTS por força dessa “cisão imprópria”, que gera os efeitos de uma incorporação (cf. artigo 132, “caput”, do CTN, c.c. o artigo 229, § 3º, da Lei das S.A.);

- portanto, “A” é, na verdade, resultado de um processo de cisão parcial da “B”, que, em princípio, leva à conclusão de que a “C” seria responsável tributária subsidiária (com benefício de ordem, cf. artigo 133, inciso II, do CTN) pelos tributos atualizados monetariamente e com juros de mora (mas sem multas moratórias ou punitivas);

- ocorre que, na exata medida em que foi ínfima a parcela do patrimônio social de “B” vertida em “A” (4%), representada unicamente pela outorga governamental, somos levados a entender que não houve sequer transferência de qualquer espécie de “fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional” de “B” para a “A” a justificar a própria responsabilidade tributária em caráter subsidiário (cf. artigo 133, inciso II, do CTN); e

- mesmo que, ao final, restem superados esses argumentos no sentido da inexistência de responsabilidade do patrimônio social da “C” pelos débitos de FGTS, ainda assim não há que se falar em responsabilidade patrimonial pessoal dos sócios da “C”, pois:

- o Direito Tributário reconhece a validade da norma geral, segundo a qual, em sociedades por quotas de responsabilidade limitada, a responsabilidade patrimonial dos sócios limita-se ao valor do capital social integralizado (artigo 2º, do Decreto federal nº 3.708/19 e artigo 1.052 da Lei federal nº 10.406/02 - “Novo Código Civil”);

- em Direito Tributário, a única exceção a essa regra de limitação da responsabilidade dos sócios atinge apenas aqueles sócios que eventualmente tenham poder de direção, gerência ou representação e que, ainda assim, tenham comprovadamente agido com excesso de poderes ou em infração à lei ou ao contrato social (atos ilícitos - cf. artigo 135, inciso III, do CTN); e

- não existe “nexo de causalidade” entre os fatos geradores dos supostos débitos de FGTS anteriores a meados de 1985 e a conduta dos sócios diretores, gerentes ou representantes da “C” a justificar a pretensão da Fazenda Pública em imputar tal responsabilidade patrimonial pessoal a qualquer um dos seus sócios.

- partindo-se da premissa que FGTS não é “tributo”:

- “C”, por força de transformação societária, é responsável com seu patrimônio social pela integralidade dos valores de FGTS (principal, multas e juros) devidos pela “A” (cf. artigo 222, da Lei das S.A.);

- diferentemente do que aparenta num primeiro momento, “A” foi incorporada pela “B”, que, em razão disso, ficou integralmente responsável pelos débitos de FGTS em discussão por força dessa “cisão imprópria”, que gera os efeitos de uma incorporação (cf. o artigo 229, § 3º, c.c. artigo 227, ambos da Lei das S.A.);

- portanto, “A” é, na verdade, resultado de um processo de cisão parcial da “B”, tornando-se juridicamente válida a deliberação das partes nos atos de cisão, eximindo a “A” de qualquer responsabilidade por dívidas decorrentes de fatos geradores anteriores a 1986 (cf. artigos 229, § 1º, e 233, parágrafo único, ambos da Lei das S.A.); e

- mesmo que, ao final, restem superados esses argumentos no sentido da inexistência de responsabilidade do patrimônio social de “C” pelos débitos de FGTS, ainda assim não há que se falar em responsabilidade patrimonial pessoal dos sócios de “C”, pois:

- permanece absolutamente válida a norma geral, segundo a qual, em sociedades por quotas de responsabilidade limitada, a responsabilidade patrimonial dos sócios limita-se ao valor do capital social integralizado (artigo 2º, do Decreto federal nº 3.708/19 e artigo 1.052 da Lei federal nº 10.406/02 - “Novo Código Civil”);

- no Direito brasileiro, “desconsiderar a personalidade jurídica” e atingir o patrimônio pessoal dos sócios de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada não é uma regra geral, mas sim um regime de exceção, devendo aquele que pretende aplicá-la comprovar judicialmente os atos ilícitos e fraudulentos praticados pelos sócios; e

- não existe “nexo de causalidade” entre os fatos geradores dos supostos débitos de FGTS e a conduta de qualquer dos sócios de “C” a justificar a pretensão da CEF em “desconsiderar a personalidade jurídica” de “C” e, assim, a atingir o patrimônio pessoal de qualquer um dos seus sócios.

1 Substituído, atualmente, pelo Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ).

2 “Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela possa se exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”

3 A análise do Supremo Tribunal Federal no precedente (ADI 2.556) parte dessa premissa (as contribuições ao FGTS são sociais, espécies tributárias, portanto) para julgar sobre a necessidade ou não de lei complementar e sobre sua sujeição ou não ao regime constitucional da anterioridade tributária (no caso, de 90 dias).

4 A justiça é o fim do direito positivo, mas com ele não se confunde (não são sinônimos!). Através da interpretação e aplicação objetiva das regras de Direito busca-se alcançar o conceito subjetivo de justiça.

5 “Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.” (grifos nossos)

6 Entendemos que o parágrafo único, do artigo 132, e o artigo 133, inciso I, aplicam-se à hipótese de cisão total, com extinção ou término das atividades da empresa cindida, que não é o caso em tela, envolvendo a “A” e a “B”.

7 Misabel Derzi, nota ao Direito Tributário Brasileiro, 11ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 2001, p. 751.

8 “Do ponto de vista da sociedade que recebe as parcelas do patrimônio da sociedade cindida, distinguiríamos: cisão simples (quando apenas uma sociedade receba o patrimônio transferido) e cisão múltipla (quando mais de uma sociedade receba o patrimônio transferido); cisão própria (quando a sociedade recipiente seja constituída especialmente para esse fim) e cisão imprópria (quando a sociedade recipiente já seja existente). Vale justificar esta última designação (cisão imprópria) em função de seu inegável parentesco com a incorporação. Tanto é assim que a própria lei determina que a cisão com versão de parcela de patrimônio em sociedade já existente (cisão parcial imprópria) obedeça às disposições sobre incorporação (art. 229, § 3º). E mais. A nosso ver, a cisão total simples não passa de uma verdadeira e característica incorporação, com ela se confundindo completamente, quer do ponto de vista conceitual, quer do ponto de vista prático.” (GUERREIRO, J. A. Tavares, Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, vol. 2, José Bushatsky, São Paulo, 1979, p. 684)

9 “Art. 227. A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações.”

10 “Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.”

11 Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no Agravo de Instrumento 2002.04.01.016821-4.

12 Superior Tribunal de Justiça, REsp 141.516, data da decisão: 17 de setembro de 1998, publicação no DOU de 30.11.1998.

13 RE 85.241/SP, j. 22 de novembro de 1977, DJU de 22.2.1978.

14 “Dá-se que a infração a que se refere o art. 135 evidentemente não é objetiva e sim subjetiva, ou seja, dolosa. (...). No art. 135, o dolo é elementar. Nem se olvide que a responsabilidade aqui é pessoal (não há solidariedade); o dolo, a má-fé há de ser cumpridamente provados.” (CALMON, Sacha, Comentários ao Código Tributário Nacional, coord. Carlos V. Nascimento, Forense, Rio de Janeiro, p. 320)

15 Acórdão unânime da 1ª Turma do STJ, REsp 79.385-DF, Rel. Min. José de Jesus Filho, j. 13.12.95, DJU 1 de 4.3.96, p. 5.391 - ementa oficial.

16 Há, de fato, certa incoerência na jurisprudência atual, dado que, para definir a natureza do FGTS, o faz para definir sua natureza tributária (precedente relativo à Lei Complementar 110), em que pese já ter dito que não é tributo, quando foi preciso definir seu preço prescriscional.

17 Previsão semelhante já se encontrava no art. 10, do Decreto federal nº 3.708/19.

18 REsp 256.292-MG, 4ª Turma do STJ, Rel. Min. Rosado de Aguiar.