Países com Tributação Favorecida

Guilherme Cezaroti

Advogado em São Paulo. Mestrando em Direito Econômico e Financeiro pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Membro do Instituto de Pesquisas Tributárias - IPT.

I. Introdução

Quando se trata de planejamento tributário internacional, dificilmente se deixará de tratar a respeito dos paraísos fiscais ou países com tributação favorecida, países onde a pressão fiscal é relativamente baixa.

A discussão sobre a legitimidade da utilização dos países com tributação favorecida como meio de reduzir a tributação da renda tem como defesa o fato de os indivíduos terem liberdade para organizar livremente seus negócios, utilizando-se somente da infra-estrutura que é colocada à disposição por países onde a tributação é mais baixa.

Por outro lado, os fiscos nacionais têm interesse em identificar as manifestações de capacidade contributiva dos seus nacionais, argumentando que o direito dos contribuintes de organizar seus negócios não é absoluto, prevalecendo o interesse público sobre o privado. E também que deve dar tratamento isonômico aos nacionais, porque não seria justo tributar mais aqueles que não organizaram seus negócios de determinada maneira.

Além disso, argumentam os fiscos nacionais que à medida que uma sociedade se desenvolve, há crescente demanda por saúde, educação, segurança, lazer, e que esta maior demanda por serviços públicos implica um maior custo a ser suportado e repartido pela própria sociedade1.

No exercício de sua competência, os países podem adotar regimes de redução tributária global ou de fomento de determinadas operações, gerando assim a concorrência fiscal internacional, com o objetivo de atrair investimentos para o seu território e concentrar riqueza dentro de suas fronteiras.

Se considerarmos que determinada renúncia fiscal significa que o país é um paraíso fiscal, podemos dizer que o Brasil era um paraíso fiscal até 1995, tendo em vista que não tributava a renda mundial das pessoas jurídicas aqui sediadas, como a França faz até hoje2. Também os Estados Unidos poderiam ser considerados como paraíso fiscal, porque não tributam os rendimentos de depósitos feitos por estrangeiros em seus bancos3, bem como a Suíça e a Holanda, que não incluem na base de cálculo do imposto de renda os rendimentos de estabelecimentos permanentes situados fora do país4.

II. Os Regimes da Concorrência Fiscal Internacional

Os países, com o objetivo de incentivar a realização de investimentos estrangeiros, podem adotar não só regimes tributários favorecidos ou práticas fiscais preferenciais, mas também regimes societário, bancário e financeiro ou penal favorecidos.

Nos regimes de práticas fiscais preferenciais (preferential tax system), os países oferecem incentivos fiscais, tais como isenções totais ou parciais, reduções de base de cálculo, concessões de crédito presumido, e incentivos financeiros, tais como empréstimos em condições vantajosas e equalizações de taxas de juros.

Mas estes regimes fiscais preferenciais são limitados a determinadas zonas geográficas dentro dos países, como zonas francas, territórios aduaneiros favorecidos e zonas de investimento privilegiado.

Neste regime busca-se o investimento e a poupança externos, criando mecanismos de incentivos fiscais e financeiros, que, pelo seu volume, compromete parte do orçamento do país. A questão envolvida não é a concessão deste regime, mas o volume de concessões deste regime por um determinado país.

Os países com regime tributário favorecido são aqueles que aplicam uma reduzida, em relação à aplicada por outros países, ou nula tributação sobre os rendimentos de não-residentes ou de equiparados a residentes, e que podem contar com falta de controle bancário e uma grande flexibilidade para a constituição e administração de sociedades locais.

Países com regime societário favorecido são aqueles que permitem a constituição de sociedades sem maiores formalidades, tais como ausência de capital social mínimo, existência de ações ao portador e ausência de limites de endividamento. É oferecido ao investidor uma legislação protetora de seus negócios, destacadamente a confidencialidade dos negócios comerciais e bancários.

Já os países com regimes bancários e financeiros favorecidos permitem o exercício da atividade bancária ou financeira sem maiores exigências patrimoniais ou fiduciárias, com plena garantia de sigilo.

Neste tipo de regime, o anonimato, o segredo bancário, financeiro e comercial, a ausência de controle de câmbio, a inexistência de trocas de informações com outros países, a estabilidade política e institucional são mais importante que eventuais benefícios fiscais.

Aqueles países que não tipificam as condutas relacionadas com a evasão fiscal, as fraudes em balanços, a corrupção, a lavagem de dinheiro e os chamados crimes de colarinho branco são chamados países com regimes penais favorecidos.

Ao deixar de tipificar estas condutas, estes países aceitam ocultar a origem, a localização e a movimentação de bens e valores decorrentes do exercício de atividades ilícitas, tais como o tráfico de drogas, o contrabando de armas, a extorsão mediante seqüestro, os crimes contra os sistemas financeiros de outros países, permitindo que sejam convertidos em ativos lícitos.

III. As Características dos Países com Tributação Favorecida

Aqueles que investem nos países com tributação favorecida buscam, de modo geral, uma redução na carga tributária incidente sobre seus rendimentos passivos. Estes países, além de uma reduzida pressão fiscal, costumam oferecer também regimes societário e bancário favorecidos, de modo a manter em sigilo o nome do titular dos rendimentos que são transportados para os países com tributação favorecida.

Aqueles que buscam os países com regime penal favorecido nem sempre buscam um regime tributário favorecido, uma vez que o que se pretende é esconder a origem do dinheiro investido e não reduzir a sua tributação.

Característica comum dos países com regime tributário, societário, bancário e penal favorecido é a estabilidade política do país. Aqueles que investem seu dinheiro nestes países buscam locais onde não existe instabilidade política, que é acompanhada de uma possibilidade de ruptura do ordenamento jurídico existente.

O Panamá instituiu, em 1950, uma legislação com o objetivo de tornar-se um país com regimes tributário, societário e bancário favorecidos, tornando-se um pólo de investimentos financeiros internacionais, em razão de sua proximidade com os Estados Unidos da América, da utilização corrente do dólar americano como moe­da e da existência de um sistema bancário bem organizado. Em dezembro de 1989 ocorreu a invasão do Panamá pelos Estados Unidos, com o argumento de combater o tráfico de drogas. Ainda que não tenha havido qualquer alteração no sistema societário e bancário até então existentes, houve uma fuga de investidores, ante o receio de uma instabilidade política, sendo que o país não mais recuperou sua imagem junto aos investidores5.

O fato de um país não tributar ou tributar nominalmente um rendimento é necessário mas não é condição suficiente para qualificá-lo como paraíso fiscal. Esta qualificação, conforme se demonstrará mais adiante, depende do encontro de determinados fatos e circunstâncias, que inclui a não-tributação de empresas off-shore e de outras atividades em relação ao total produzido pela economia local, bem como a ausência de acordos prevendo a troca de informações sobre contri­buintes de outros países.

III.1. A extensão do termo off-shore

O termo off-shore é o gênero de empresas constituídas fora dos limites territoriais do país onde está situada a matriz como instrumento de planejamento fiscal internacional, sendo geralmente chamadas de sociedades-base.

As sociedades-base são sociedades que centralizam os resultados obtidos por outra ou outras empresas pertencentes ao grupo empresarial, recebendo as rendas passivas e determinando a forma de investimento destas, de modo que a carga tributária do país de residência da matriz será diferida.

Estas sociedades podem integrar um determinado processo de fabricação (empresas de montagem nas Bahamas e Ilhas do Canal), comercializar produtos, prestar serviços, ter direitos sobre marcas e patentes, realizar o seguro de empresas do grupo (captive insurance company6) ou realizar transporte marítimo (Libéria ou Bermudas).

As finance companies são sociedades-base que têm como objetivo específico servir de unidade financeira, substituindo a própria matriz. Suas vantagens estão ligadas à dedução integral dos juros pagos pela mutuária, bem como a aplicação de retenção na fonte menor.

Além do benefício fiscal auferido com a tributação mais baixa, outros benefícios podem decorrer em razão da dedutibilidade das despesas pagas às sociedades-base, tais como juros, frete e remuneração de serviços.

As sociedades holding têm por objeto, exclusivo ou não, a participação no capital de outras sociedades. Com o objetivo de evitar a dupla tributação do mesmo lucro, quando auferido por uma sociedade operacional e quando posteriormente distribuído aos seus sócios, algumas legislações isentam o lucro auferido pelas holdings através da distribuição de dividendos pelas sociedades em cujo capital têm participação.

As sociedades de serviços são sociedades localizadas em países de baixa pressão fiscal e que prestam serviços para suas matrizes ou seus acionistas, situados em países de alta tributação. As sociedades da faturação intervém na compra e venda de produtos por conta da matriz, manipulando os preços com o objetivo de transferir lucros para os territórios de tributação favorecida. Do mesmo modo, as sociedades da artistas procuram deslocar a receita proveniente da atividade de prestação de serviços para países de tributação favorecida.

IV. As Normas de Controlled Foreign Company - CFC Legislation

Com o objetivo de impedir que a tributação dos rendimentos auferidos pelas subsidiárias ou coligadas ou controladas7 residentes no exterior seja diferido indefinidamente, evitando o acionista o recebimento de dividendos, diversos países adotaram legislações no sentido de considerar automaticamente disponibilizado o rendimento após o final do exercício, de modo que estes rendimentos serão tributados ainda que não sejam distribuídos.

O regime de transparência fiscal tem como objetivo inibir a evasão fiscal praticada por meio de sociedades constituídas em países de baixa tributação, cujos sócios são residentes de Estados de tributação normal, as denominadas Controlled Foreign Corporations - CFCs.

O fenômeno da transparência, na seara fiscal, implica a imputação automática (independente de distribuição), dos lucros gerados por sociedade não-residente aos seus sócios submetendo à tributação o lucro que tem sua fonte no exterior, como se houvessem sido produzidos internamente. Na observação de Tulio Rosembuj:

“la técnica empleada consiste en imputar como propria la renta de la entidad no residente al socio o titular residente, para su gravamen. La imputación directa al socio o titular importa el deber de integración en su base imponible de ciertas rentas positivas que se produjeron o cuya fuente es el territorio de otro Estado y mediante un sujeto distinto.”8

Assim, identificando-se a sociedade não-residente como uma CFC, mediante a aplicação de critérios estabelecidos na lei, atribui-se a ela a condição de “sociedade transparente” com o propósito de submeter à tributação, na pessoa do sócio, o lucro por ela obtido no exterior.

Decorre daí que, mesmo sendo o lucro mantido na sociedade não-residente (em tesouraria, por exemplo) sem a distribuição aos sócios, ocorrerá na pessoa destes, em seu país de residência, a tributação dos lucros da sociedade.

Medidas tendentes a combater a evasão fiscal em patamares internacionais por meio das CFCs tiveram sua gênese em 1962 nos Estados Unidos, quando então buscou-se limitar o tax deferral das foreign personal holding companies, sociedades constituídas no exterior cuja renda seja integrada, ao menos em 90%, por renda passiva e em que mais de 50% das ações sejam possuídas, direta ou indiretamente, por cinco pessoas físicas sujeitas ao imposto de renda norte-americano, e das controlled foreign companies cujas receitas sejam constituídas por lucros de vendas de mercadorias ou de serviços e em que mais de 50% do capital social ou dos direitos de voto pertençam a residentes norte-americanos, sendo que qualquer um dos residentes deve ter ao menos 10% do capital social ou dos direitos de voto (Seção 951 do Internal Revenue Code)9.

De 1962 a 1995, diversos países adotaram medidas semelhantes, preocupados pelo fato da alta carga tributária de seus países estar ocasionando o fenômeno da migração de capital, alocação de lucro e deferral, para o resguardo de jurisdição estrangeira, como Alemanha (1972), Canadá (1972), Japão (1978), França (1980), Reino Unido (1984), Nova Zelândia (1988), Austrália (1990), Suécia (1992), Noruega (1992), Dinamarca (1995), Finlândia (1995), Portugal (1995) e Espanha (1995).

Desenvolveu-se uma legislação que, à semelhança da figura da desconsideração da pessoa jurídica (embora com ela não se confunda), qualifica as sociedades em “sociedades transparentes” e “sociedades não-transparentes”, submetendo-as a regimes fiscais diversos. A caracterização de uma sociedade em transparente ou não-transparente pode se dar em virtude da sua natureza societária, como sucede no caso das partnerships ou das filiais, ou ainda, para o caso das controladas ou coligadas, como medida visando o combate à evasão fiscal.

Esta legislação busca coibir a utilização das CFCs como instrumento evasivo, classificando-as como “sociedades transparentes”, imputam-se ao sócio ou proprietário da entidade não-residente, para fins tributários, os lucros da sociedade como se essa não existisse, como se fosse “transparente” ou uma pass-through entity.

Portanto, da qualificação de uma empresa como “transparente” ou “não-transparente”, decorrerá tratamento tributário distinto. Ao ser reconhecida como não-transparente, confirma-se a distinção entre a figura da sociedade e a do sócio, impondo-se a cada um, destacadamente, a respectiva tributação. Na hipótese contrária, sociedade transparente, desconsidera-se para fins fiscais a existência da sociedade como pessoa distinta da do sócio, para imputar a esse último os lucros auferidos pela primeira. Daí por que se disse guardar essa situação certa semelhança com a figura da “desconsideração da pessoa jurídica”, embora com ela não se confunda, pois naquela a fundamentação e os efeitos são meramente tributários.

Considerando-se o caráter excepcional do fenômeno sob análise (transparência) bem como dos seus efeitos, torna-se imperioso o estudo detido dos contornos de uma CFC, ou seja, dos requisitos necessários para que uma sociedade possa assim ser considerada, de forma a legitimar a imposição tributária diretamente na pessoa do sócio.

Com relação ao seu objetivo, pode-se identificar uma CFC, pelo intento de manter em outro país, protegido da tributação no país da residência, os lucros que, de outro modo, somente seriam tributados quando da sua efetiva distribuição.

Como regra geral, são tomados em consideração os seguintes critérios para equiparar uma sociedade a uma CFC para então submetê-la ao regime de transparência fiscal:

i) ser constituída em país diverso da do sócio;

ii) estar submetida a uma carga tributária inferior ao do país da residência do controlador;

iii) objetivo evidente de economizar imposto.

Não se pode ignorar que as implicações do fenômeno da transparência destoam das regras gerais de tributação, exigindo uma análise casuística com o fim de apurar se, realmente, uma determinada entidade pode vir a ser considerada uma CFC e, conseqüentemente, aplicar-lhe o tratamento de sociedade transparente. Os três critérios mencionados no parágrafo anterior permitem uma análise prévia mas não satisfativa da situação.

Nos Estados Unidos, primeiro país a adotar a legislação CFC, o ordenamento jurídico prevê a imputação direta dos rendimentos auferidos pela sociedade controlada para a sociedade controladora. A Seção 951 do Internal Revenue Code considera controlada aquela que mais de 50% das ações pertencem a residentes nos Estados Unidos, sendo que apenas um deles detenha mais de 10% das ações da empresa.

A imputação direta ao sócio norte-americano não ocorre se i) a sociedade controlada está sujeita a tributação por tributo com alíquota superior a 90% da alíquota americana; ii) se os rendimentos passivos (juros, dividendos e royalties) e de prestação de serviços correspondem a menos de 10% do rendimento total da sociedade controlada; e iii) se o contribuinte puder provar que a sociedade controlada não foi constituída exclusivamente com fins de economia tributária.

No Reino Unido, a legislação dispensa tratamento minucioso à matéria. A imputação direta é prevista quando um residente possuir 10% ou mais do capital social da empresa situada no exterior e a tributação do rendimento neste país é inferior a 75% da alíquota devida no Reino Unido. Anualmente é publicada uma lista (white list) dos países aos quais se aplica esta legislação. Caso o país não seja um daqueles relacionados na lista, a sociedade será submetida a cinco testes, devendo ser aprovada em pelo menos um deles10:

i) acceptable distributions test - a sociedade controlada deve proceder a uma distribuição aceitável dos seus lucros. No caso do Reino Unido, pelo menos 90% (50% quando a sociedade for trading) do lucro deverá ser distribuído;

ii) exempt activities test - pesquisa-se se a sociedade controlada exerce efetivamente uma atividade comercial, diversa da atividade de mero investimento, e se estas atividades são substancialmente exercidas com sujeitos diferentes do grupo da controladora;

iii) de minimis test - os lucros da sociedade controlada não devem exceder a 20.000 libras esterlinas;

iv) public quotation test - a sociedade controlada deve ter pelo menos 35% das ações com direito a voto cotadas em Bolsa no país onde esteja situada sua sede;

v) motive test - caso a empresa esteja situada em um país de menor tributação do que o Reino Unido, terá o contribuinte a prerrogativa de demonstrar, que a redução do imposto que seria cobrado na Inglaterra foi mínima e de não ter sido essa a principal razão para constituir a sociedade nesse outro país.

A legislação japonesa prevê a imputação direta de rendimentos auferidos para a sociedade controladora exclusivamente quando a sociedade controlada estiver localizada em países qualificados como paraísos fiscais11.

A legislação da Itália e da França, com o objetivo de evitar a alocação de renda para países com baixa tributação, além de adotar a legislação CFC, veda a dedução dos custos incorridos pelas sociedades residentes em favor das sociedades situadas em paraísos fiscais12.

IV.1. As normas de CFC e o artigo 7.1 da Convenção-modelo da OCDE

Conforme tratado anteriormente, as normas de CFC adotadas internacionalmente têm como objetivo evitar o diferimento da tributação da renda obtida por uma filial ou coligada não-residentes no Estado de residência da matriz ou coligada.

Mas esta perspectiva do Estado de residência da matriz conflita com a perspectiva do Estado da fonte, onde está situada a filial ou coligada. Nos termos do artigo 7.1 da Convenção-modelo da OCDE13 para evitar a bitributação da renda, a filial ou coligada constitui um sujeito passivo autônomo, independente da matriz e com objetivo empresarial próprio, de modo que o Estado onde estiver situado o estabelecimento permanente é que terá competência para tributar os rendimentos relacionados com este estabelecimento.

Na perspectiva do país que aplica a legislação CFC, o mesmo sujeito passivo tem a mesma renda tributada duas vezes no mesmo período de tempo, o que a Convenção-modelo da OCDE procura evitar. Já na perspectiva do Estado da fonte, a mesma renda é tributada no mesmo período de tempo com sujeitos passivos diferentes, ou seja, para o país da fonte não ocorre uma bitributação.

Estabelece o artigo 7.1 da Convenção-modelo da OCDE que uma empresa de um Estado não pode ser tributada por um Estado contratante a não ser que ali exerça atividades por meio de um estabelecimento permanente.

Na medida em que a sociedade não-residente está submetida à legislação do Estado da fonte, e para este não ocorre a bitributação jurídica da renda, o que impede a aplicação dos acordos contra a bitributação, esta renda não deve se sujeitar ao Estado de residência da matriz.

Assim, a aplicação das normas de CFC contrariam o artigo 7.1 da Convenção-modelo da OCDE, porque autorizam a tributação de uma sociedade estrangeira, que não está submetida à jurisdição do Estado de residência da matriz, bem como aplicação extraterritorial da legislação interna.

Quando do julgamento do caso Schneider, a Alta Corte de Tributos francesa afastou a pretensão da administração tributária deste país de, ao aplicar a legislação CFC, tributar os rendimentos de uma empresa de propriedade de uma holding suíça, porque a empresa suíça não tinha estabelecimento permanente na França e o local da efetiva administração era a Suíça. De acordo com aquele tribunal, os acordos têm como objetivo primário estabelecer os direitos tributários de cada estado contratante, de modo que devem prever expressamente a possibilidade de aplicação da legislação CFC por parte de um deles14.

V. A Política Fiscal do Brasil em relação aos Rendimentos Auferidos no Exterior

No que se refere às pessoas residentes ou domiciliadas no exterior, o Imposto de Renda passou a atingi-las por meio do Decreto-lei nº 401, de 30 de dezembro de 1968, que determinou a retenção na fonte do valor dos juros remetidos ao exterior em razão da compra de bens a prazo.

Atualmente, os artigos 682 e seguintes do Decreto nº 3.000/99 - Regulamento do Imposto de Renda - elencam uma série de hipóteses de retenção na fonte do Imposto de Renda, à alíquota diferenciada segundo a natureza da remessa do pagamento efetivado ao exterior.

Quanto às pessoas jurídicas brasileiras, os artigos 25 a 27 da Lei nº 9.249/95 alteraram longa tradição do Direito Tributário brasileiro, ao determinarem a tributação, no Brasil, dos lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos por pessoa jurídica brasileira no exterior. Para as pessoas físicas, o princípio da universalidade é adotado desde a edição da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988 (artigo 3º, § 4º).

Adotou-se, com isso, o critério da universalidade da tributação para as pessoas jurídicas, em detrimento do regime territorial então adotado, pelo qual seriam tributados no Brasil não apenas os lucros, rendimentos e ganhos de capital gerados no País, mas também as receitas dessa natureza que fossem provenientes do exterior15.

O artigo 24 da Lei nº 9.430/96 introduziu como critério para se definir países de tributação favorecida o fato de aqueles países não tributarem a renda ou a tributarem com alíquota máxima inferior a 20%, considerando a legislação tributária do referido país, aplicável às pessoas físicas ou às pessoas jurídicas16.

Assim, partindo-se do disposto no artigo 24 da Lei nº 9.430/96, os efeitos legalmente previstos às operações realizadas com países de tributação favorecida poderiam atingir inclusive países de elevada tributação da renda, mas que abriguem, por exemplo, formas societárias e de investimentos que, pela natureza jurídica do ente, recebam um tratamento fiscal privilegiado e sejam tributadas com alíquotas inferiores a 20%.

O artigo 8º da Lei nº 9.779, de 19 de janeiro de 1999, determinou que os rendimentos decorrentes de qualquer operação, em que o beneficiário seja residente ou domiciliado em país que não tribute a renda ou que a tribute à alíquota máxima inferior a 20%, sujeitam-se à incidência do Imposto de Renda na fonte à alíquota de 25%, ressalvados os casos expressamente previstos naquela Lei.

Vê-se, portanto, que no tocante à tributação de rendimentos auferidos por pessoas físicas ou jurídicas residentes no exterior, as normas fiscais brasileiras adotaram o critério objetivo de definir o que se deve entender por regime de tributação favorecida da renda para, em seguida, impor às operações realizadas nos países sob esse regime a tributação na fonte do Imposto de Renda à alíquota de 25%, independentemente da natureza do rendimento.

Quanto à tributação de lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos por empresas brasileiras no exterior, como dito, foi a Lei nº 9.249/95 que passou a submetê-los à tributação no Brasil, adotando, portanto, o regime do princípio da universalidade da tributação.

Ao adotar o princípio da universalidade o legislador teve como objetivo combater a evasão fiscal praticada por meio de empresas constituídas no exterior, submetendo à tributação brasileira o rendimento estrangeiro. Esse intuito está expresso na própria exposição de motivos da Lei nº 9.249/95, ao ser encaminhada ao Congresso Nacional:

“14. Adota-se, com a tributação da renda auferida fora do País, medida tendente a combater a elisão e o planejamento fiscais, uma vez que o sistema atual, baseado na territorialidade da renda, propicia que as empresas passem a alocar lucros a filiais ou subsidiárias situadas em paraísos fiscais.”

Pretendia o legislador, portanto, que a tributação, pela empresa brasileira, dos lucros auferidos por controladas ou coligadas no exterior se desse no próprio período em que fossem auferidos, independentemente de sua disponibilização à empresa brasileira, controladora ou coligada.

A tributação desses rendimentos sem que houvesse a efetiva disponibilização à empresa brasileira feria o próprio conceito de renda insculpido no artigo 43 do Código Tributário Nacional.

Assim, com o objetivo de corrigir a lei, foi editada a Instrução Normativa nº 38/96, determinando que a tributação somente se desse no momento da disponibilização dos lucros no exterior. Em 1997, foi editada a Lei nº 9.532, cujo artigo 1º passou a definir como fato gerador do imposto de renda a disponibilização do lucro auferido no exterior.

Foi editada, posteriormente, a Lei Complementar nº 104/2001, que adicionou ao artigo 43 do Código Tributário Nacional um segundo parágrafo com a seguinte redação:

“§ 2º Na hipótese de receita ou rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo.”

Vê-se, portanto, que o § 2º autoriza que lei defina as condições e o momento em que será considerada a disponibilidade da receita ou rendimentos oriundos do exterior.

Contudo, ainda que o legislador possa, nos termos do novo § 2º do artigo 43 do Código Tributário Nacional, eleger “as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade”, essas condições não podem extrapolar o próprio fato imponível do Imposto de Renda que, nos termos do caput do artigo 43, se refere à aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica. Isso quer dizer que o artigo 43, § 2º, não dispensa a efetiva disponibilidade da renda.

V.1. O regime jurídico da Medida Provisória nº 2.158-35/2001

Pretendendo lastrear-se no recentemente introduzido § 2º do artigo 43 do Código Tributário Nacional, acima discutido, que delega à lei ordinária a determinação das condições e do momento em que se dá a disponibilidade das receitas e rendimentos provenientes do exterior, o artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, instituiu um novo regime de tributação dos lucros auferidos pelas controladas e coligadas sediadas no exterior ao dispor:

“Art. 74. Para fim de determinação da base de cálculo do imposto de renda e da CSLL, nos termos do artigo 25 da Lei 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e do artigo 21 desta Medida Provisória, os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior serão considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil, na data do balanço no qual tiverem sido apurados, na forma do regulamento.

Parágrafo único. Os lucros apurados por controlada ou coligada no exterior até 31 de dezembro de 2001 serão considerados disponibilizados em 31 de dezembro de 2002, salvo se ocorrida, antes desta data, qualquer das hipóteses de disponibilização previstas na legislação em vigor.”

A análise do dispositivo deve ser feita por duas aproximações: a partir de sua finalidade, quando se estuda o dispositivo à luz do controle de planejamentos fiscais internacionais; e do ponto de vista de sua compatibilidade com a disciplina do Código Tributário Nacional, já analisada anteriormente.

V.2. O artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001 e as Controlled Foreign Corporations

O objetivo pretendido pelo artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001 é o de obstar a alocação dos lucros de residentes brasileiros em países de reduzida carga tributária, bem como impedir a prática do deferral (diferimento da tributação) desses lucros sob o escudo de jurisdição estrangeira.

Considerando o fim visado por referida medida, identifica-se o intuito da legislação brasileira de adequar-se a uma tendência mundial (verificada marcantemente nos países europeus e nos Estados Unidos), que institui o regime de transparência fiscal (comentado anteriormente) com o fim de inibir a evasão fiscal praticada por meio de sociedades constituídas em países de baixa tributação, cujos sócios são residentes de Estados de tributação normal, denominadas CFCs e já tratadas anteriormente.

Decorre daí que, mesmo sendo o lucro mantido na sociedade não-residente sem a distribuição aos sócios brasileiros, ocorrerá na pessoa dos sócios residentes no Brasil, nos termos do artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001.

Contudo, a legislação brasileira deixou de atentar, ao contrário do que aconteceu na Europa e nos Estados Unidos, para o fato de nem sempre estar a sociedade controlada ou coligada em país da baixa tributação, tampouco ser o seu objetivo precípuo a economia de impostos. Desconsiderou, assim, a possibilidade de a controlada ou coligada no exterior estar servindo a propósitos outros como, por exemplo, a atuação no segmento internacional do mercado.

Este aspecto revela a inadequação da medida contida no artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001, que, a pretexto de combater a sonegação fiscal, acabou por solapar as regras de repartição de competência estabelecidas mundialmente.

O caráter antielusivo do artigo 74 é inegável. Já se havia tentado, sem sucesso, implantar dispositivo semelhante por ocasião da edição da Lei nº 9.249/95. O alvo de medidas dessa natureza, presentes em praticamente todos os ordenamentos jurídicos modernos, são as sociedades constituídas em países de baixa tributação e controladas por residentes de países de carga tributária mais expressiva, denominadas CFCs.

VI. O Código de Conduta da União Européia sobre Concorrência Fiscal Prejudicial

O Conselho da União Européia aprovou em dezembro de 1997 um acordo dirigido às coordenações tributárias de seus membros, para evitar a concorrência fiscal prejudicial entre seus membros, tendo sido tomadas em consideração três áreas: i) tributação das empresas, ii) tributação dos rendimentos de poupança e iii) retenção na fonte aplicada aos pagamentos internacionais de juros e de direitos entre empresas.

De acordo com Tulio Rosembuj17, este acordo é um compromisso político assumido pelos países-membros da Comunidade Européia, sem a força normativa que possuem as diretrizes. Ou seja, não foi utilizada a forma comum de atos normativos, mas simplesmente foi adotado um compromisso entre os países-membros no sentido de evitar a concorrência fiscal prejudicial.

Este Código de Conduta tem como objetivo evitar a concorrência fiscal prejudicial relacionada com a tributação das empresas entre os países da comunidade, seja a nível legal, regulador ou administrativo, incluindo os rendimentos dos trabalhadores com vínculo de dependência.

Este código aponta quais são as disposições legais lesivas aos países da comunidade:

a) se as vantagens são concedidas exclusivamente a não-residentes ou para transações realizadas com não-residentes; ou

b) se as vantagens são totalmente desvinculadas da economia interna, sem incidência na base fiscal nacional; ou

c) se as vantagens podem ser aproveitadas mesmo que não exista qualquer atividade econômica real nem qualquer presença econômica substancial no Estado-membro que proporciona essas vantagens fiscais; ou

d) se o método de determinação dos lucros resultantes das atividades internas de um grupo multinacional afasta-se dos princípios geralmente aceitos internacionalmente, e, em particular, das regras aprovadas pela OCDE; ou

e) se as medidas fiscais carecem de transparência, principalmente se as disposições legais forem aplicadas de forma menos rigorosa e não-transparente em nível administrativo.

O Código de Conduta determina, ainda, que os países-membros da comunidade devem evitar a instituição de medidas fiscais prejudiciais, respeitando o código quando forem elaborar futuras políticas fiscais, bem como devem revisar sua legislação interna com base nos princípios estabelecidos no código, com o objetivo de reformular eventuais disposições fiscais prejudiciais existentes em suas legislações.

Relativamente aos territórios dos próprios Estados-membros que tenham regime fiscal privilegiado (Inglaterra - Ilhas do Canal, Ilha de Man, Ilhas Virgens Britânicas e Gibraltar; Portugal - Ilha da Madeira e Açores; Irlanda - Centro de Serviços Financeiros de Dublin; Holanda - Aruba e Antilhas Holandesas), o código recomenda sua exclusão de futuros acordos contra a bitributação ou adotar medidas para que os referidos estados passem a observar o referido Código de Conduta.

A não-adoção do Código de Conduta decorre da ausência de entendimentos entre os países-membros no sentido de acordar quais são as condutas que devem ser afastadas ou não. A Irlanda aplicava uma alíquota de 10% ao imposto sobre lucros das instituições financeiras estrangeiras que migrassem para seu território, mas recentemente passou a aplicar a mesma alíquota cobrada das instituições irlandesas (12,5%), com o objetivo de evitar ser acusada de conceder tratamento fiscal preferencial a empresas estrangeiras.

Enquanto a Alemanha tributa os rendimentos de poupança à alíquota de 30%, a Inglaterra isenta estes rendimentos e bloqueia uma diretriz européia para a poupança argumentando que os investidores iriam optar por países não-membros da União Européia, como a Suíça. Os britânicos até concordam em divulgar os pagamentos de juros efetuados a residentes estrangeiros feitos por financeiras nos países da União Européia, mas Luxemburgo, que atrai capital estrangeiro por manter o sigilo bancário, não iria cumprir diretriz determinando a divulgação dos rendimentos de poupança.

Existe divergência também a respeito das diferentes alíquotas aplicadas para a tributação interna da renda entre os países da comunidade européia. A Irlanda aplica uma alíquota nominal de 12,5%, enquanto alguns países buscam a formação de um acordo para que a alíquota mínima seja de 25%18.

Esta divergência entre os membros da Comunidade Européia traz dúvidas a respeito da aplicação do Código de Conduta, inclusive em razão da impossibilidade de a Corte Européia de Justiça determinar a sua aplicação obrigatória19.

VII. A OCDE e o Relatório Harmful Tax Competition: an Emerging Global Issue

No relatório Harmful Tax Competition: an Emerging Global Issue, editado em 1998, a OCDE trata especificamente a respeito dos efeitos da concorrência fiscal prejudicial sobre os investimentos diretos bem como sobre a base de cálculo do imposto de renda dos países-membros da organização, em face da concorrência dos países com tributação favorecida. Luxemburgo e Suíça abstiveram-se de votar o referido relatório, por não concordarem com suas conclusões.

Além de identificar quais são as práticas que caracterizam os países de tributação favorecida, o referido relatório indica linhas de atuação para os países-membros combaterem a prática da concorrência fiscal danosa.

O relatório da OCDE identifica três tipos de concorrência fiscal prejudicial, nas quais a tributação incidente sobre a renda de atividades prestadas em um país, atividades estas que não necessitam de estabelecimentos situados no país para serem prestadas (serviços financeiros, principalmente), será inferior àquela incidente no país prejudicado20:

i) países que isentam estes rendimentos ou aplicam somente uma alíquota nominal, conhecidos como tax havens ou paraísos fiscais;

ii) países que tributam a renda das pessoas físicas e jurídicas ali estabelecidas, mas o seu sistema tributário prevê regimes tributários favorecidos para determinados rendimentos mais relevantes, são conhecidos como preferential tax system ou regimes privilegiados;

iii) países que tributam a renda das pessoas físicas e jurídicas ali estabelecidas, mas o seu sistema tributário prevê alíquotas inferiores àquelas praticadas no país prejudicado.

O relatório da OCDE trata somente das duas primeiras categorias: a primeira como o paraíso fiscal efetivo e a segunda como paraíso fiscal potencial, tendo em vista sua tendência a atrair rendimentos específicos; a terceira é excluída, ainda que possa produzir efeitos indesejados para o país prejudicado.

Para a identificação de um país como paraíso fiscal, o relatório da OCDE exige a presença de quatro requisitos21:

i) ausência de tributação incidente sobre a renda ou a existência de alíquotas meramente nominais (principal requisito);

ii) ausência de trocas de informações com outros países a respeito dos beneficiários do regime de baixa tributação, bem como a existência de legislação limitando esta troca de informações;

iii) ausência de transparência na edição de atos administrativos e legislativos;

iv) ausência de exigências no sentido de comprovar a efetividade das operações, evitando a mera passagem de rendimentos produzidos em outros países, por meio da constituição de “empresas de papel”.

As trocas de informações entre os diferentes países, referida no item (ii) anterior, está relacionada com a troca de dados entre as autoridades tributárias com o objetivo de aplicar o próprio tratado, bem como a norma interna dos países. A troca de informações não se confunde com o procedimento amigável, que é um meio de tutela dos interesses dos contribuintes, utilizado com finalidade interpretativa do acordo, com o objetivo de evitar a dupla tributação ou uma tributação que não esteja de acordo com a convenção22.

A troca de informações está relacionada com a existência de acordos entre os países, de modo a permitir o conhecimento das atividades de um contribuinte em outro país, mediante informações apresentadas pela administração tributária. As convenções-modelo contra a dupla tributação da OCDE e das Nações Unidas prevêem a troca de informações entre as autoridades tributárias.

Já a transparência diz respeito à aplicação uniforme da legislação entre todos os contribuintes, de maneira consistente, sem que a autoridade tributária tenha liberdade para aplicar a lei somente a alguns contribuintes, reduzindo a carga tributária de outros.

Tratando a respeito dos países com um regime que prevê a tributação dos rendimentos das pessoas físicas e jurídicas, mas com determinados privilégios fiscais, a OCDE exige a presença de quatro requisitos23:

i) isenção ou alíquotas efetivas reduzidas para os rendimentos mais relevantes;

ii) aplicação do regime privilegiado somente para os não-residentes, aplicando-se o sistema tributário ordinário aos residentes (ring fencing);

iii) ausência de transparência, que pode levar a aplicação mais favorável de leis e regulamentos para determinados investidores, bem como eventual negociação a respeito do montante;

iv) ausência de troca de informações relativamente aos beneficiados com o regime privilegiado, normalmente por meio de regras de protegem de forma irrestrita o sigilo bancário.

Outras características apontadas no relatório da OCDE podem demonstrar que determinado país possui um regime privilegiado, tais como a definição artificial da base de cálculo dos tributos incidentes sobre a renda, por meio da concessão de créditos ou dedução de despesas incorridas que normalmente não seriam dedutíveis24, não adotam o regime de preços de transferência nas transações entre empresas do mesmo grupo25, adotam o regime de territorialidade para fins de tributação da renda, atraindo os investimentos estrangeiros particularmente em razão da adoção de baixas alíquotas26, possibilidade de acesso a um grande número de acordos internacionais contra a bitributação27, bem como a promoção dos benefícios fiscais oferecidos pelo país28.

Identificadas as características de um regime tributário que é prejudicial aos demais países, o relatório da OCDE apresentou diversas recomendações, na busca de medidas defensivas pelos países que se sentirem prejudicados pela concorrência internacional.

No âmbito interno de cada país, a OCDE recomenda a adoção de regimes de transparência fiscal29, de modo a desconsiderar as CFCs constituídas no exterior; do regime de preços de transferência30; e de medidas que facilitem o acesso das autoridades fiscais aos dados bancários do investidores31.

Relativamente aos tratados internacionais, o relatório da OCDE recomenda a intensificação da troca de informações entre os países a respeito das operações realizadas nos paraísos fiscais ou regimes privilegiados32; o afastamento das concessões de benefícios para situações ou sujeitos envolvidos com práticas fiscais prejudiciais, limitando a vantagem àqueles que realizarem operações com fundamento econômico33; a denúncia de tratados com paraísos fiscais34 e a coordenação na fiscalização de rendimentos oriundos de paraísos fiscais ou regimes privilegiados35.

A OCDE recomenda, ainda, face a dificuldade dos países enfrentarem individualmente a concorrência fiscal, a adoção de convenções multilaterais para remoção de empecilhos de acesso aos dados bancários, a coordenação entre os fiscos, a denúncia e a não-celebração de convenções em matéria tributária com paraísos fiscais, bem como a elaboração, pela OCDE, de uma lista de entidades e benefícios que devem ser excluídos dos acordos de bitributação36.

Em 2000, foi editado o relatório “Towards Global Tax Co-Operation: Progress in Identifying and Eliminating Harmful Tax Pratices”, que identificou 47 potenciais regimes fiscais favorecidos em 20 dos 29 países-membros da OCDE37, listou 35 países considerados como paraísos fiscais38, propôs o estabelecimento de conversações com os paraísos fiscais para acabar com as práticas fiscais predatórias39, e propôs o estabelecimento de entendimentos com países não-membros da OCDE afetados pela concorrência fiscal ou que tenham potenciais regimes fiscais predatórios, a fim de adotar procedimentos contra tal prática40. Luxemburgo e Suíça abstiveram-se da aprovação deste relatório.

O relatório de 2001, “The OECD’s Project on Harmful Tax Pratices: the 2001 Progress Report” relata a suspensão da aplicação do requisito da comprovação da efetiva operação em um determinado país para que ele tenha legitimidade para tributar um determinado rendimento, uma vez que nos paraísos fiscais não há efetiva operação. Esta suspensão deu-se em razão da dificuldade de sua aplicação41. Bélgica, Luxemburgo, Portugal e Suíça abstiveram-se de votar este relatório.

VIII. Conclusões

A caracterização de um Estado como paraíso fiscal ou país com tributação favorecida decorre, atualmente, da presença não só de uma reduzida pressão fiscal, mas também de regimes societário, bancário e penal favorecidos, ainda que de forma não cumulativa.

As razões que levam um contribuinte a optar por investir seus recursos em um país com tributação favorecida podem não ser somente a economia tributária, mas também, por exemplo, a proteção patrimonial, como meio de evitar a localização de bens em nome do contribuinte; o ocultamento da origem dos recursos (no caso específico dos países com regime penal favorecido).

Não concordamos que exista uma correlação entre a aplicação de baixas alíquotas para a tributação dos rendimentos auferidos pelos contribuintes e o fato de determinado país ser ou não um paraíso fiscal. Adotar baixas alíquotas como indicação de existência de um paraíso fiscal é proteger a ineficiência dos Estados com alta carga tributária, e é esta carga que provoca a distorção na concorrência.

O que deve ser verificado é se o país está comprometendo a sua capacidade de suprir a demanda de seus cidadãos por saúde, educação, lazer e outros serviços públicos ao determinar a aplicação de baixa carga tributária sobre os rendimentos auferidos em seu território.

Se um país supre as necessidades de seus cidadãos, ainda que aplique uma baixa tributação sobre os rendimentos dos residentes e não-residentes, não há razão para aumentar a cobrança de tributos somente para não fazer concorrência aos países que precisam de um montante mais elevado de recursos para atender às necessidades de seus cidadãos.

Além disso, a mera existência do sigilo bancário não deve ser considerada como uma indicação de um determinado país que pratique a concorrência fiscal internacional, como parece fazer crer o relatório da OCDE, uma vez que a existência do sigilo é uma garantia do contribuinte de que seus dados pessoais serão resguardados. Neste sentido, concordamos com a restrição que Luxemburgo42 e a Suíça43 fizerem ao relatório da OCDE.

O sigilo pode ser quebrado em casos de interesse de Estado, quando se faz necessário o acesso aos dados para verificar se existe eventual risco à segurança nacional, por exemplo. Mas o interesse do Estado não deve ser confundido com o interesse do Fisco, que deve dispor dos meios colocados à sua disposição para satisfazer seus créditos, sem violar a liberdade dos contribuintes.

Ressalte-se, por fim, que os países, ao adotarem legislações com mecanismos que visam evitar a evasão fiscal, não devem aplicar extraterritorialmente esta legislação, sob pena de estar ferindo a competência tributária do país da fonte do rendimento, quando este rendimento estiver relacionado com um estabelecimento permanente situado no país da fonte.

Ou seja, ao adotar legislações que consideram os rendimentos obtidos em países com tributação favorecida com automaticamente disponibilizados para os sócios, os países de residência dos sócios devem adotar procedimentos que evitem a aplicação indiscriminada destes dispositivos, não os aplicando somente porque o país da fonte tributa a renda de maneira menos gravosa.

1 Cf. MASSON, Charles Robbez. “La Notion d’Évasion Fiscale en Droit Interne Français”. Revue de Science Financière. Tomo 29, Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, p. 51.

2 Cf. IRISH, Charles R. “Tax Havens”. Vanderbilt Journal of Transnational Law. Vol .15, nº 3, 1982, p. 452. VOGEL, Klaus. “Il Diritto Tributari Internazionale”. In AMATUCCI, Andrea (coord). Trattato di Diritto Tributario. Tomo II, vol. I, Padova: Casa Editrice Dott. Antonio Milani, 1994 (Il diritto tributario e le sue fonti), p. 701.

3 Cf. IRISH, Charles R. Op. cit., nota 2, p. 452.

4 VOGEL, Klaus. Op. cit., nota 2, pp. 701/702.

5 Cf. HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e Elisão: Rotas Nacionais e Internacionais do Planejamento Tributário. São Paulo: Saraiva, 1997, pp. 263/264. HUCK, Hermes Marcelo. Da Guerra Justa à Guerra Econômica: uma Revisão sobre o Uso da Força em Direito Internacional. São Paulo: Saraiva, 1996, pp. 274/286.

6 As sociedades cativas de seguro são utilizadas com o objetivo de evitar a legislação dos países que proíbem o auto-seguro, assegurando ainda a dedutibilidade dos prêmios pagos pelos residentes em países com tributação elevada, bem como a baixa tributação dos lucros da sociedade seguradora.

7 Coligadas são sociedades em que uma participa com 10% ou mais, do capital da outra, sem controlá-la, nos termos do artigo 243, § 1º, da Lei nº 6.404/76. O controle define a diferença entre coligada e controlada, que para o artigo 243, § 2º, da Lei nº 6.404/76, é a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.

8 Cf. ROSEMBUJ, Tulio. Fiscalidad Internacional. Madrid: Instituto de Fiscalidad Internacional/Marcial Pons Libreros, 1998, p. 58.

9 Cf. MARINO, Giuseppe. “I ‘Paradisi Fiscali’: Problematiche e Prospettive”. In UCKMAR, Victor. Corso di Diritto Tributario Internazionale. Padova: Casa Editrice Dott. Antonio Milani, 1999, p. 575. XAVIER, Alberto. “Os Métodos de Tributação da Renda Externa das Pessoas Jurídicas no Direito Comparado e o Artigo 25 da Lei 9.249/95”. In CARVALHO, Maria Augusta Machado de (org.). Estudos de Direito Tributário em Homenagem à Memória de Gilberto de Ulhôa Canto. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 23.

10 Cf. MARINO, Giuseppe. Op. cit., nota 9, pp. 576/577.

11 MARINO, Giuseppe. “La Considerazione dei Paradisi Fiscali e la sua Evoluzione”. In UCKMAR, Victor (coord). L’Evoluzione dell’Ordinamento Tributario Italiano: Atti del Convegno “I Settanta Anni di ‘Diritto e Pratica Tributaria’”. Padova: Casa Editrice Dott. Antonio Milani, 2000, p. 782.

12 MARINO, Giuseppe. Op. cit., nota 11, p. 781.

13 “The profits of an enterprise of a Contracting State shall be taxable only in that State unless the enterprise carries on business in the other Contracting State through a permanent establishment situated therein. If the enterprise carries on business as aforesaid, the profits of the enterprise may be taxed in the other State but only so much of them as is attributable to that permanent establishment.”

14 BOURTOURAULT, Pierre-Yves & MBWA-MBOMA, Marcellin N. “French High Tax Court Confirms that the Former France-Switzerland Tax Treaty Overrides the French CFC Legislation”. Intertax - International Tax Review. Vol. 30, Hague: Kluwer Law International, dezembro de 2002, pp. 493/498.

15 O artigo 7º do Decreto-lei nº 1.987, logo depois substituído pelo Decreto-lei nº 2.413/87, já havia tentado introduzir o critério da universalidade da renda. A tributação da renda mundial das pes­soas jurídicas residentes no Brasil fora, todavia, expressamente afastada do nosso ordenamento jurídico dois meses depois de sua introdução, pelo artigo 15 do Decreto-lei nº 2.429/88.

16 A Instrução Normativa SRF nº 33, de 30 de março de 2001, relaciona os países e territórios com tributação favorecida, quais sejam, Andorra, Anguilla, Antigua e Barbuda, Antilhas Holandesas, Bahamas, Bahrein, Barbados, Belize, Bermudas, Chipre, Costa Rica, Djibouti, Dominica, Gibraltar, Granada, Ilhas Cayman, Ilhas Cook, Ilha da Madeira, Ilha de Man, Ilhas do Canal (Jersey, Guernsey e Alderney), Ilhas Marshall, Ilhas Mauricio, Ilhas Montserrat, Ilhas Samoa, Ilhas Turks e Caicos, Ilhas Virgens Americanas, Ilhas Virgens Britânicas, Lebuan, Libéria, Liechtenstein, Malta, Mônaco, Nauru, Niue, Panamá, Saint Kitts e Nevis, Saint Vicent, San Marino, Santa Lúcia, Seychelles, Tonga e Vanuatu.

17 ROSEMBUJ, Tulio. Op. cit., nota 8, pp. 102/103.

18 MEUSSEN, Gerard. “The EU-fight against Harmful Tax Competition; Future Developments”. EC Tax Review. Vol. 11, Hague: Kluwer Law International, 2002/2003, p. 158.

19 MEUSSEN, Gerard. Op. cit., nota 18, pp. 157/159.

20 OCDE. Harmful Tax Competition: an Emerging Global Issue. Paris: OCDE, 1999, reimpressão, pp. 19/20.

21 OCDE. Op. cit., nota 20, pp. 21/25.

22 MIRAULO, Anna. Doppia Imposizione Internazionale. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1999, pp. 243/245.

23 OCDE. Op. cit., nota 20, pp. 26/28.

24 OCDE. Op. cit., nota 20, pp. 30/31.

25 OCDE. Op. cit., nota 20, pp. 31/32.

26 OCDE. Op. cit., nota 20, p. 32.

27 OCDE. Op. cit., nota 20, p. 33.

28 OCDE. Op. cit., nota 20, pp. 33/34.

29 OCDE. Op. cit., nota 20, pp. 40/42.

30 OCDE. Op. cit., nota 20, p. 45.

31 OCDE. Op. cit., nota 20, pp. 45/46.

32 OCDE. Op. cit., nota 20, p. 46.

33 OCDE. Op. cit., nota 20, pp. 47/49.

34 OCDE. Op. cit., nota 20, pp. 49/50.

35 OCDE. Op. cit., nota 20, pp. 50/51.

36 OCDE. Op. cit., nota 20, pp. 52/53.

37 OCDE. Towards Global Tax Co-operation: Progress in Identifying and Eliminating Harmful Tax Pratices (Report to the 2000 Ministerial Council Meeting and Recommendations by the Committe on Fiscal Affairs). Paris: OCDE, 2000, pp. 12/14.

38 OCDE. Op. cit., nota 37, p. 17.

39 OCDE. Op. cit., nota 37, pp. 19/21.

40 OCDE. Op. cit., nota 37, pp. 22/23.

41 OCDE. The OECD’s Project on Harmful Tax Pratices: the 2001 Progress Report. Paris: OCDE, 2001, p. 10.

42 OCDE. Op. cit., nota 20, p. 74.

43 OCDE. Op. cit., nota 20, p. 77.