ISS - Local da Prestação dos Serviços - Jurisprudência STJ REsp nº 252.114-PR (2000/0026431-8) Impacto nas Operações de Arrendamento Mercantil

João Alves de Campos

Advogado. Contador em São Paulo.

1. Introdução

Em julgamento datado de 17 de outubro de 2002, a Segunda Turma do STJ, em sede de Recurso Especial (REsp 252.114/PR), sendo Presidente a Ministra Eliana Calmon, e Relator o Ministro Francisco Peçanha Martins, proferiu decisão, cuja votação, por unanimidade, resultou em acórdão, assim ementado:

“Tributário - ISS - Serviços de Composição Gráfica - Município Competente para exigir - Local da Realização do Fato Gerador - Interpretação do Art. 12 do Decreto-lei 406/68 - Precedentes.

- Consoante iterativa jurisprudência desta eg. Corte, o Município competente para a cobrança do ISS é aquele em cujo território se realizou o fato gerador, em atendimento ao princípio constitucional implícito que atribui àquele Município, o poder de tributar os serviços ocorridos em seu território.

- Executados os serviços de composição gráfica em estabelecimentos localizados em outros municípios, não tem a Municipalidade de Curitiba competência para exigir ISS referente a esses fatos geradores.

- Recurso especial não conhecido.”

Considerando a importância do tema, gostaria de tecer algumas considerações a respeito da matéria em si (local/município onde o ISS é devido), e de que forma o entendimento exarado nesse Julgado do STJ seria aplicável às operações de arrendamento mercantil, sob o ângulo das empresas arrendadoras.

Desta forma, subdividi este estudo em duas partes: i) a primeira voltada a análise dessa tendência da jurisprudência do STJ; e ii) a segunda, voltada a avaliação do impacto da aplicação deste entendimento às operações de arrendamento mercantil.

2. Jurisprudência do STJ

Além dos três julgados citados no voto do relator1, gostaria de destacar o voto-vista da Ministra Eliana Calmon, especificamente o seguinte trecho:

“3. Pedi vista para me deter no estudo do tema, porque muitas são as críticas à jurisprudência desta Corte, alegando-se que está ela em testilha com o disposto no art. 12 do DL 406, assim redigido:

Art. 12. Considera-se local da prestação do serviço:

a) o do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, o do domicílio do prestador;

b) no caso de construção civil, o local onde se efetua a prestação.

Advirto que já tive oportunidade de votar, como relatora, acompanhando a jurisprudência do STJ, como por exemplo, no AgRgAg 196.490/DF, publicado no DJU de 29/11/99, o qual ficou assim ementado:

ISS - Fato Gerador - Domicílio Tributário - Agravo Desprovido

1. Interpretando-se o art. 12 do Decreto-lei nº 406/68, para fins de cobrança do ISS, considera-se o domicílio tributário do local onde se realizou o fato gerador (prestação do serviço) e não o do estabelecimento do prestador.

2. Agravo Regimental desprovido.

A questão tem ocupado eminentes juristas que acompanham a Corte, porque o entendimento da jurisprudência privilegiou a norma constitucional que deve prevalecer.

Com efeito, dispõe o art. 156, inciso III, da CF/88, que compete aos Municípios instituir impostos sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

Se assim é, não sendo dotada a lei municipal de extraterritorialidade, resulta claro que só no Município é possível arrecadar o ISS quando aí é prestado o serviço, este o fato gerador da exação.”

Mais adiante, após citar alguns doutrinadores, conclui a Ministra em seu voto:

“Pergunta-se então: é inconstitucional o DL 406/68? A resposta é negativa, na medida em que só extrapola a CF/88 quando o serviço é prestado em outro Município que não o da sede da empresa prestadora. E esta é a razão pela qual nunca se argüiu a inconstitucionalidade da norma em comento.

Com estas considerações, acompanho o relator, negando provimento ao recurso, ou, na linguagem usada por Sua Excelência, não conhecendo o recurso.”

Os trechos acima transcritos demonstram de forma clara e didática o entendimento do STJ acerca do tema, que poderia ser assim resumido:

Primeiro, sempre que o prestador estiver domiciliado no mesmo Município onde o serviço foi prestado (local da prestação do serviço), aplicar-se-á como fundamento legal o artigo 12, alínea “a” do DL 406/68, sendo este dispositivo nesta hipótese perfeitamente constitucional, e portanto devido o ISS ao Município onde estiver estabelecido o prestador.

Nas outras hipóteses, em que o prestador estiver domiciliado em Município diverso do local da prestação dos serviços, afasta-se a aplicação do DL 406/68 (porque caso o fosse, seria nesta hipótese inconstitucional, como salientou a Ministra do STJ), cedendo espaço então para a aplicação da norma constitucional de que trata o artigo 156, inciso III, da Constituição Federal, a qual estabelece competir aos Municípios instituir impostos sobre serviços de qualquer natureza. Neste caso o ISS seria devido ao Município onde ocorreu a prestação do serviços.

Exemplificando:

Empresa “A”, prestadora domiciliada no Município de São Paulo e serviços também prestados em São Paulo, aplica-se a primeira hipótese, com fundamento no artigo 12, alínea “a”, do DL 406/68, e portanto ISS devido ao Município de São Paulo. Nesta situação, DL 406/68 totalmente constitucional.

Empresa “B”, prestadora domiciliada em Barueri mas, serviços prestados no Município de São Paulo, aplica-se a segunda hipótese (outras hipóteses), com fundamento no artigo 156, inciso III, da Constituição Federal, e portanto ISS devido ao Município de São Paulo, local onde os serviços foram prestados. Nesta situação, não cabe a aplicação do DL 406/68, pois caso o fosse, haveria o conflito com a norma constitucional e esse seria então considerado inconstitucional.

3. Operações de Arrendamento Mercantil - Impactos

Como vimos acima o que determina a competência para a exigência do ISS é o local onde os serviços foram prestados. Assim, as principais questões suscitadas são: aonde os serviços são prestados numa operação de arrendamento mercantil (leasing)? No município onde se encontra domiciliada a empresa de leasing? Ou no local da situação do bem, objeto do contrato?

Respondidas estas questões, especialmente a primeira, teremos o local da prestação dos serviços, definição esta suficiente para podermos auferir com segurança de quem é a competência para se exigir o ISS devido.

Para tanto, será necessário uma melhor compreensão da relação jurídica-contratual nas operações de arrendamento mercantil e suas conseqüências no campo do Direito Tributário.

4. Definição Legal

A definição legal de arrendamento mercantil é o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta.

Esta definição encontra-se na Lei nº 6.099, de 6 de setembro de 1974, com as modificações introduzidas pela Lei nº 7.132, de 26 de outubro de 1983. Por tratar-se de atividade que depende de autorização prévia do Banco Central (Bacen) para funcionamento, há também diversas regras emanadas do próprio Bacen de observância obrigatória, regulando o exercício dessa atividade. Como em nada irá nos ajudar, considerando o escopo deste trabalho, deixaremos de lado estas normas, bem como os demais dispositivos da Lei nº 6.099/74.

5. Natureza Jurídica do Contrato de Arrendamento Mercantil

Diversas são as definições da natureza jurídica do contrato de arrendamento mercantil, todas com traços muito semelhantes entre si. Por esta razão, escolhemos a do Prof. Fran Martins, por entender ser a que melhor expressou o pensamento doutrinário convergente a que nos referimos. Segundo este autor, o arrendamento mercantil é de natureza complexa, compreendendo uma locação, uma promessa unilateral de venda (em virtude de dar o arrendador opção de aquisição do bem pelo arrendatário) e, às vezes, um mandato, quando é o próprio arrendatário quem trata com o vendedor na escolha do bem. Cada um desses atos e contratos dá origem a obrigações: pela locação, o arrendatário é obrigado a pagar as prestações, enquanto que o arrendante é obrigado a entregar a coisa para que o arrendatário dela use; pela promessa unilateral do arrendador, aceita pelo arrendatário, aquele se obriga irrevogavelmente a vender a coisa pelo valor residual, findo o contrato; pelo mandato, o arrendador, no caso mandante, responde pelos atos praticados pelo arrendatário, adquirindo a coisa por este escolhida e pagando ao vendedor o preço convencionado.

6. Mas, afinal, que Tipo de Serviços são Tributados pelo ISS num Contrato de Arrendamento Mercantil?

Para responder esta pergunta é preciso antes de mais nada ter claro que por definição legal, o arrendamento mercantil enseja a cobrança do ISS. Primeiro porque consta na Lista de Serviços Tributados pelo ISS, de que trata a Lei Complementar nº 56, de 15 de dezembro de 1968, no item 79 - Locação de bens móveis, inclusive arrendamento mercantil. Segundo e adicionalmente, porque segundo a Súmula 138 do Superior Tribunal de Justiça: “O ISS incide na operação de arrendamento mercantil de coisas móveis.”

Vencidas estas questões preliminares, agora sim, apoiado na melhor doutrina (autores pesquisados - Fran Martins, Carlos Alberto Bittar e Maria Helena Diniz), podemos afirmar que a componente tributada pelo ISS num contrato de arrendamento mercantil é a parte referente à locação.

Mas ainda assim, resiste a dúvida: que tipo de serviços são locados neste tipo de contrato? Como o que nos interessa é a componente locação, podemos dizer que o arrendatário remunera o arrendador pelo direito ao uso e gozo do bem arrendado.

Não transfere todavia o arrendador ao arrendatário, o direito de dispor do bem. Esta transferência plena do domínio do bem ocorrerá somente ao final do contrato, se houver o exercício da opção de compra por esse último (o arrendatário).

Por outras palavras, paga o arrendatário ao arrendador pelo direito de uso e gozo do bem; e o faz dentro de um contrato de arrendamento mercantil, que por definição legal enseja a cobrança do ISS.

Colocada nestes termos, agora sim, finalmente, podemos verificar o local da prestação dos serviços, quando diante de um contrato de arrendamento mercantil. Por todo o exposto, especialmente o tipo de serviço que se vende/presta neste tipo de contrato, entendemos que o local da prestação de serviços (venda do direito de usar e gozar do bem), é o local onde o contrato foi firmado. Isto porque, o prestador (arrendador) mantém a utilização destes direitos (uso e gozo) à disposição do beneficiário (arrendatário), mediante o pagamento mensal da contraprestação pela prestação dos serviços. Entender corretamente o objeto do contrato ajudar a entender corretamente onde se localiza o local da prestação dos serviços. Neste caso, o arrendador recebe pela prestação destes serviços, que são prestados a partir da contratação (local da celebração do contrato), mediante entrega da coisa (direito de usar e gozar), tendo como contraprestação o recebimento de prestações mensais.

O local da situação do bem, em nada interfere neste processo de prestação de serviços. A relação é perfeita e acabada no momento da celebração do contrato, bastando para tanto que as partes cumpram cada qual sua parte; o arrendador - cessão dos direitos de uso e gozo; e o arrendatário - pagamento das contraprestações.

Soma-se a este raciocínio a definição legal de domicílio fiscal segundo o Código Tributário Nacional - CTN. De acordo com o artigo 127, regra geral vale o domicílio eleito pelo próprio contribuinte, em total harmonia com o princípio constitucional da liberdade individual. Na falta de eleição pelo contribuinte, vale o lugar da sede; ou, em relação aos atos ou fatos que deram origem à obrigação, o de cada estabelecimento. Depois, de forma supletiva, somente nas hipóteses em que não caiba a aplicação destas regras, considerar-se-á como domicílio do contribuinte o lugar da situação dos bens ou da ocorrência dos atos ou fatos que deram origem à obrigação tributária.

7. Conclusões

a) No que diz respeito a exigência do ISS, o contrato de arrendamento mercantil contém um componente que enseja a ocorrência do fato gerador deste tributo, qual seja, a locação.

b) O serviço prestado é representado pela cessão do direito de uso e gozo pelo arrendador ao arrendatário, do bem objeto do contrato, mediante o pagamento deste àquele das contraprestações mensais.

c) Para se determinar a qual município é devido o ISS é necessário verificar o local da prestação dos serviços.

d) Face as características deste tipo de contrato, especialmente o objeto representado pela “prestação dos serviços de arrendamento”, podemos afirmar que o mesmo se reputa perfeito a acabado no momento em que firmado entre as partes, cabendo a cada qual, direitos e obrigações recíprocas.

e) É irrelevante o local da situação do bem.

f) É livre a escolha do domicílio fiscal pelo contribuinte em respeito a garantia constitucional do direito a liberdade individual.

g) O local da prestação do serviços é o local da sede do prestador (empresa arrendadora), que o faz (presta o serviço) a partir daí, mediante relação contratual totalmente desvinculada da situação do local do bem, tendo a prestação dos serviços, por esta razão, natureza eminentemente financeira.

h) Sem prejuízo desta natureza eminentemente financeira, por definição legal a mesma reveste-se num contrato de arrendamento mercantil e como tal, também por definição legal, submete-se na parte correspondente a locação, à incidência do ISS, devido ao município onde os serviços foram prestados (nesta hipótese, face as características deste tipo de contrato), a sede do prestador (empresa arrendadora).

1 “Embargos de Divergência. ISS. Competência. Local da Prestação de Serviço. Precedentes.

I - Para fins de incidência do ISS - Imposto sobre Serviços -, importa o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se releve o teor do art. 12, alínea ‘a’ do Decreto-Lei nº 406/68.

II - Embargos rejeitados.” (EREsp 130.792-CE, D.J. 12.6.00, Rel. Min. Ari Pargendler)

“Tributário. Agravo Regimental. Recurso Especial. ISS. Competência. Local da Prestação de Serviço. Fato Gerador. Precedentes.

- Para fins de incidência do ISS - Imposto sobre Serviços, importa o local onde foi concretizado o fato gerador, ou seja, onde foi prestado o serviço, como critério de fixação de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário.

- Agravo regimental improvido.” (AGREsp 299.838-MG, D.J. 15.10.01, Francisco Falcão)

“Tributário. ISS. Município Competente para exigir o Tributo. CTN, art. 127, II. Decreto-lei 406/68 (art. 12, a)

1. É juridicamente possível as pessoas jurídicas ou firmas individuais possuírem mais de um domicílio tributário.

2. Para o ISS, quanto ao fato gerador, considera-se o local onde se efetivar a prestação do serviço. O estabelecimento prestador pode ser a matriz, como a filial, para os efeitos tributários, competindo o do local da atividade constitutiva do fato gerador.

3. Precedentes jurisprudenciais.

4. Recurso provido.” (REsp 302.330-MG, D.J. 22.10.01, Rel. Min. Milton Luiz Pereira)