A Dedutibilidade das Despesas com a Promoção de Medicamentos

Rodrigo Maitto da Silveira

Bacharel em Direito pela Faculdade Paulista de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Formado em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo - FEA/USP. Mestrando em Direito Econômico e Financeiro na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - Fadusp. Membro do Instituto de Pesquisas Tributárias - IPT. Advogado em São Paulo.

I. Introdução

Paralelamente à evolução do Estado Brasileiro, a atividade de arrecadação de tributos ganhou importância em face da necessidade crescente do governo em obter recursos financeiros para fazer frente aos altos gastos públicos, sejam eles decorrentes de programas aplicáveis direta ou indiretamente ao bem estar da população ou, por outro lado, oriundos de dívidas contraídas no âmbito internacional.

Nesse contexto, verificou-se que ao longo dos anos as modificações na legislação do imposto de renda das pessoas físicas e jurídicas tiveram sempre por escopo limitar a possibilidade de os respectivos contribuintes reduzirem, por meio de deduções, por exemplo, o valor a pagar a título deste tributo, restando por vezes contrariado o princípio da capacidade contributiva.

Em que pese existirem na legislação do imposto de renda dispositivos normativos que vão além dos limites propostos pelo princípio da capacidade econômica de pagar o tributo, é de absoluta relevância a consideração do permissivo legal quanto à dedutibilidade de despesas.

No caso do imposto de renda da pessoa jurídica, objeto deste trabalho, o escopo da dedutibilidade é, em consonância com o princípio da capacidade contributiva (pelo qual não deve recair tributo sobre parcela econômica que não represente efetivamente acréscimo no patrimônio do contribuinte), possibilitar a manutenção da fonte produtora de riqueza, sob pena, inclusive, de comprometer as futuras receitas do imposto decorrentes do exercício da atividade econômica.

Em outras palavras, a dedutibilidade de despesas permite que se alcance apenas as manifestações de capacidade contributiva, sem que o tributo recaia sobre parcela do patrimônio que não corresponda à renda perseguida pelo imposto em questão.

Com efeito, este estudo tem por finalidade verificar se as despesas com publicidade e propaganda normalmente incorridas pelas indústrias farmacêuticas são ou não dedutíveis para fins de apuração do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro.

A análise do tema encontra sua justificativa na existência de severas restrições à divulgação de medicamentos, sendo poucas e inusuais as vias de publicidade e propaganda desses produtos, razão pela qual surgem dúvidas quanto à possibilidade de dedução das respectivas despesas.

II. A Dedutibilidade de Despesas para Fins de Apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro

Da interpretação conjunta do artigo 153, inciso II, da Constituição Federal, e do artigo 43, do Código Tributário Nacional - CTN, verifica-se que o fato gerador do Imposto de Renda e, por consectário lógico, o da Contribuição Social sobre o Lucro apenas ocorrem na medida em que haja, por parte do contribuinte, a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de “renda” e de “proventos de qualquer natureza”.

Diante da necessidade de se conhecer o que efetivamente integra a base de cálculo dos tributos sob análise, Roque Antonio Carrazza1 ensina:

“(...) renda e proventos de qualquer natureza são disponibilidades de riqueza nova, vale dizer, acréscimos patrimoniais experimentados, pelo contribuinte, num dado período de tempo. (...)

Logo, não é qualquer entrada de dinheiro nos cofres de uma pessoa (física ou jurídica) que pode ser alcançada pelo IR, mas, tão-somente, aquilo que tipificar ganhos efetivos, durante um determinado intervalo de tempo.

A regra-matriz do IR, constitucionalmente traçada, já nos permite afastar da incidência deste tributo tudo aquilo que não seja nem ‘renda’, nem ‘proventos’. É o caso dos custos da empresa, do valor das depreciações, da quantia paga pela energia elétrica consumida, do capital empregado, das indenizações recebidas (simples transformações de riqueza) etc.

Fugindo da definição pela negativa, entendemos que tanto a ‘renda’ quanto os ‘proventos de qualquer natureza’ pressupõem ações humanas que revelem mais-valias, isto é, acréscimos na capacidade contributiva (que a doutrina mais tradicional chama de acréscimos patrimoniais). Só quando há realidades econômicas novas, que se incorporam ao patrimônio da pessoa (física ou jurídica), é que podemos falar em ‘renda’ ou em ‘proventos de qualquer natureza’.”

Note-se que os conceitos acima formulados levam em conta o princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º, CF/88), princípio este informador da tributação por meio dos impostos, cujo objetivo é fazer recair a imposição fiscal apenas sobre as disponibilidades de riqueza nova (signo-presuntivos de riqueza), ou, em outras palavras, sobre o acréscimo patrimonial disponível. Nesse sentido, pode-se dizer que a dedutibilidade de despesas na apuração do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro também decorre do princípio da capacidade contributiva.

Importante é perceber, outrossim, que as raízes da dedutibilidade estão entrelaçadas ao princípio da tributação da renda líquida2, pelo qual o imposto não deve atingir despesas incorridas na obtenção da renda e na manutenção da fonte de rendimentos.

Por outro lado, corrobora os aludidos princípios (da tributação da renda líquida e da capacidade contributiva) aquele que veda o confisco, apresentando-se como claro limitador da tributação que atinja a propriedade privada além do conceito de renda, proibindo, portanto, abusos por parte do Poder Público tendentes a desvirtuar as manifestações de capacidade econômica relevantes para fins de incidência do imposto sobre a renda. O princípio do não-confisco encontra o seu fundamento constitucional nos artigos 5º, inciso XXII, e 170, inciso II, que tratam da garantia ao direito de propriedade, e, especificamente, no artigo 150, inciso IV.

Relacionados os princípios constitucionais aos quais a tributação da renda está afetada, vejamos o que dispõe o artigo 299 do Regulamento do Imposto de Renda de 1999 (Decreto nº 3.000/99) acerca das despesas necessárias ou dedutíveis para fins de apuração deste imposto:

“Art. 299. São operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias à atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora.

§ 1º São necessárias as despesas pagas ou incorridas para realização das transações ou operações exigidas pela atividade da empresa.

§ 2º As despesas operacionais admitidas são as usuais ou normais no tipo de transações, operações ou atividades da empresa.

§ 3º O disposto neste artigo aplica-se também às gratificações pagas aos empregados, seja qual for a designação que tiverem.”

No âmbito do imposto sobre a renda, tem-se por regra geral a exclusão, do lucro tributável, de todas as despesas incorridas pela empresa na consecução de seu objeto social, sob pena de a expropriação fiscal atingir algo que efetivamente não seja acréscimo patrimonial.

Em relação às despesas operacionais, a sua dedutibilidade está adstrita à verificação de sua necessidade em face das atividades desempenhadas pela empresa e da manutenção do negócio, sendo certo dizer, ainda, que tais gastos não se confundem com os custos de produção. Logicamente, por deverem tais despesas operacionais ser também contabilizadas pelo contribuinte, a sua dedutibilidade tem validade apenas se estiverem amparadas por documentação idônea.

A esse respeito Nilton Latorraca3, à luz do artigo 242 do RIR/94, cujo teor é o mesmo do artigo 299 do regulamento atual, ratificava que:

“(...) a dedutibilidade de despesas e custos está condicionada apenas a que os mesmos sejam operacionais, isto é, ‘necessários à atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora’, conforme o já mencionado art. 242 do RIR/94, entendendo-se por ‘necessários’ os custos, despesas e encargos que caracterizam atos normais de gestão empresarial, isto é, que sejam lícitos, efetivos e usuais (pertinentes) à atividade que constitua o objeto social da empresa.”

Assim, por serem gastos representativos do esforço para a produção de receitas, aferidos em consonância com o objeto social da empresa, a sua dedutibilidade fica adstrita à presença dos seguintes requisitos: necessidade, usualidade e normalidade4.

Hugo de Brito Machado5 conclui, sob outro enfoque, que quando a lei se refere a despesas necessárias, deve-se entendê-las como dispêndios que ensejam continuidade da atividade geradora de renda. O ilustre professor explicita as condições que, atendidas, obrigam o aplicador da lei tributária a aceitar como dedutíveis os custos, despesas ou encargos incorridos, a saber:

“a) Efetividade - as despesas devem ser verdadeiras, isto é, devem ter natureza econômica, e não devem acobertar práticas evasivas, fraudulentas ou não;

b) Pertinência - as despesas devem ser pertinentes, posto que as despesas admitidas são as usuais ou normais no tipo de transações, operações ou atividades da empresa (Lei 4.506/64, art. 47, § 2º). Como usuais ou normais devem ser entendidas aquelas que sejam uma contingência da atividade, ou a ela inerentes, e não somente aquelas que decorram de um desempenho lícito da atividade, posto que ao Direito Tributário essa licitude é irrelevante.”

A efetividade pode ser traduzida na necessidade e na real ocorrência do gasto, enquanto que a pertinência refere-se à usualidade e à normalidade dos dispêndios. De qualquer modo, a dedutibilidade das despesas está inteiramente condicionada ao preenchimento desses requisitos, sendo essencial, portanto, que os gastos mostrem-se efetivos e pertinentes à atividade desempenhada pelo contribuinte.

Nessa linha de raciocínio, é válido defender que o item necessidade tem papel definidor na classificação da despesa como operacional. A necessidade da despesa deve ter caráter objetivo, de modo que a aplicação da norma legal não deixe de atingir a intenção do legislador. A necessidade deve estar diretamente relacionada com os objetivos da empresa, que podem ser condensados na maximização do investimento feito pelos sócios/acionistas.

À luz da teoria do ato anormal de gestão, segundo a qual “não se admite sejam consideradas, na determinação do lucro tributável da empresa, as despesas que, por princípio, não têm qualquer ligação com o interesse da empresa, ou cujo valor se revele exagerado”6, a necessidade e normalidade de dispêndios mostram-se mais uma vez como critérios essenciais para a análise da dedutibilidade. Ao suscitar a referida teoria em estudo sobre a distribuição disfarçada de lucros, Luís Eduardo Schoueri sustenta que a normalidade objetiva de despesas é constatada a partir da utilização de critérios matemáticos, avaliando-se, por exemplo, a relação custo-benefício, de onde se extrai a impossibilidade de considerar dedutíveis despesas cujo valor não seja razoável quando comparadas com a lucratividade esperada. A normalidade subjetiva, ainda segundo o jurista, pode ser verificada levando-se em conta critérios teleológicos, em vista dos quais se deve encontrar a justificativa das despesas, tomando-se como base os interesses do contribuinte7.

Vale dizer que a teoria do ato anormal de gestão, por outro lado, contrapõe-se à teoria da não-interferência do Fisco na gestão das empresas privadas, cujo escopo é repelir o abuso de poder por parte dos entes tributantes. Para fins do presente estudo, a teoria da não-interferência tem aplicabilidade com a identificação da necessidade e normalidade das despesas operacionais do contribuinte.

Ao analisar a dedutibilidade de despesas, Bulhões Pedreira concluiu no sentido de que “o critério da normalidade não se baseia na experiência da própria empresa mas do tipo de atividades que ela exerce, podendo uma despesa ser normal ou usual para determinada empresa ainda que sua ocorrência seja excepcional ou esporádica no curso dos seus negócios”8.

Por vezes, nota-se que uma despesa necessária pode não ser usual ou normal, justificando-se, contudo, a sua dedutibilidade, desde que comprovado que o respectivo gasto foi incorrido para incrementar os resultados da empresa. A ausência de usualidade e normalidade não têm o condão de afastar a dedutibilidade, visto que o caráter extraordinário do gasto apenas confirma a tentativa de melhorar o desempenho do contribuinte em termos de aferição de rendimentos.

O § 2º do artigo 229 do RIR/99 é bastante enfático ao considerar despesas operacionais aquelas que se justifiquem como usuais ou normais no contexto das atividades da empresa, sendo então possível concluir que tais requisitos, por serem relativos, devem ser avaliados em face do que seria pertinente para que o contribuinte atinja os objetivos perseguidos em seu objeto social.

A título de exemplo, podemos citar o caso de uma empresa cuja atividade econômica precípua é a fabricação de calçados de moda. Visando aumentar suas vendas (receitas), tal empresa realiza um desfile para promover os seus produtos, no qual são contratados modelos e profissionais especializados em produções artísticas. Indaga-se, então: são dedutíveis as despesas incorridas na realização do aludido evento? Ora, presente o requisito da necessidade da despesa, sendo ela, pois, efetiva, pode-se concluir que os respectivos gastos são dedutíveis na apuração do lucro real, ainda que não sejam usuais e normais em relação à maioria das atividades econômicas existentes, ou mesmo no próprio setor calçadista.

A verificação da dedutibilidade pode, insista-se, em casos excepcionais, estar centrada apenas na finalidade do dispêndio, pouco importando a presença dos demais requisitos, restando atendidos os princípios da tributação do lucro líquido e da capacidade contributiva.

Com efeito, não pode a dedutibilidade de despesas reputadas anormais ou inusuais ser obstada em razão de uma análise que não leve em conta justamente a pertinência dos gastos no contexto das atividades da empresa. Por tal motivo, ainda que aparentemente ausentes a normalidade e a usualidade dos dispêndios, a sua dedutibilidade justifica-se pela necessidade da realização de tais despesas para que se atinja a finalidade a que a empresa se propõe.

As decisões do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda reconhecem que as despesas operacionais são passíveis de dedução se observada a atividade desempenhada pela empresa. Vejamos:

“IRPJ - Despesas Necessárias - São necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das transações ou operações exigidas pela atividade da empresa.” (Acórdão 103-19.140, sessão de 7/1/98)

“Promoção de Vendas (Ex. 88/92) - As despesas com promoções de vendas, devidamente comprovadas, realizadas através de distribuidores de seus produtos, assim como os prêmios destinados aos melhores vendedores dessas empresas, a título de promoção de vendas, são dedutíveis do lucro operacional.” (Acórdão 107-4.619/96 - DOU 16/2/98)

“Fundamento da Glosa (Ex. 87) - O fundamento da glosa de despesas operacionais que o contribuinte comprovou terem sido realizadas e contabilizadas há de ser, sob pena de insubsistente o auto de infração, a prova de que tais despesas não são necessárias à atividade da empresa ou à manutenção da fonte pagadora, a ser produzida, nos autos, pela fiscalização.” (Ac. 105-4.992/90 - DOU 22/2/91)

Finalmente, conclui-se que a dedutibilidade de despesas para fins de apuração do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro é instrumento que visa adequar o cálculo dos rendimentos do contribuinte, entendidos estes como acréscimos patrimoniais, de forma que a tributação da renda e demais proventos respeite o princípio da capacidade contributiva.

Estabelecidos os conceitos acima, vejamos primeiramente como está regulamentada a atividade promocional desses produtos e quais as formas mais usuais utilizadas nesse desiderato, para depois analisarmos a dedutibilidade das despesas incorridas pelas empresas do setor farmacêutico na divulgação de medicamentos.

III. A Regulamentação das Práticas Promocionais em Relação aos Medicamentos

Por serem relacionados diretamente à saúde pública, os medicamentos sujeitam-se a normas específicas quanto à sua produção e comercialização, estando tais atividades igualmente jungidas a rígidas regras a disponibilização e disseminação dos remédios e seus respectivos benefícios.

Tratando-se da disseminação, junto ao mercado consumidor, de produtos farmacêuticos para a medicina humana, assim entendido o fenômeno da ampliação do conhecimento popular acerca da existência de um novo remédio e os benefícios à saúde dele decorrentes, a Lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1976, em seu artigo 58, buscou delimitar algumas regras quanto à realização de propaganda de medicamentos sujeitos à prescrição médica ou odontológica. Cite-se:

“Art. 58. A propaganda, sob qualquer forma de divulgação e meio de comunicação, dos produtos sob o regime desta Lei somente poderá ser promovida após autorização do Ministério da Saúde, conforme se dispuser em regulamento.

§ 1º Quando se tratar de droga, medicamento ou qualquer outro produto com a exigência de venda sujeita a prescrição médica ou odontológica, a propaganda ficará restrita a publicações que se destinem exclusivamente à distribuição a médicos, cirurgiões-dentistas e farmacêuticos.

§ 2º A propaganda dos medicamentos de venda livre, dos produtos dietéticos, dos saneantes domissanitários, de cosméticos e de produtos de higiene, será objeto de normas específicas a serem dispostas em regulamento.” (grifamos)

Emerge do dispositivo legal acima transcrito que, para os remédios sujeitos à prévia prescrição médica ou odontológica, a propaganda apenas poderá ser destinada à classe médica, aos cirurgiões-dentistas e aos farmacêuticos.

A limitação da propaganda para tais tipos de medicamentos visa evitar que o consumidor tome a iniciativa de adquiri-los sem prévia consulta médica, pondo em risco a sua saúde. A restrição legal tem por objetivo, portanto, proteger a população do uso inapropriado de remédios cujo consumo requer uma análise prévia do estado de saúde do paciente, sem a qual o medicamento pode não atingir a finalidade a que se propõe, mas, ao contrário, pode vir a prejudicá-lo.

A Constituição Federal de 1988, consignando essa proteção em seu texto, também restringiu o direito de propaganda dos laboratórios farmacêuticos, ao dispor em seu artigo 220, § 4º, que a promoção de medicamentos será regulamentada por legislação específica:

“Art. 220 (...)

§ 4º A propaganda comercial do tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.”

Sem prejuízo das sanções nela previstas, a Lei nº 9.294, de 15 de junho de 1996, em atendimento ao dispositivo constitucional acima referido, estabeleceu restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas. Vejamos, então, o que dispõe o seu artigo 7º:

Art. 7º A propaganda de medicamentos e terapias de qualquer tipo ou espécie poderá ser feita em publicações especializadas dirigidas direta e especificamente a profissionais e instituições de saúde.” (grifamos)

Reiterando o mandamento contido no artigo 58, § 2º, da Lei nº 6.360/76, o artigo 7º da Lei nº 9.249/96 determina de modo claro que a publicidade de medicamentos deverá ser destinada exclusivamente aos profissionais da área de saúde.

Algumas atividades empresariais, portanto, por sua própria natureza (medicina, advocacia etc.) ou em virtude de regulamentação estatal específica (comercialização de bebidas alcoólicas ou tabaco e, in casu, comercialização de produtos farmacêuticos), não comportam ampla liberdade de promoção.

No caso de produtos farmacêuticos, esse fato é facilmente explicado, pois não cabe ao consumidor comum, leigo em conhecimentos médicos, decidir qual remédio tomar com base apenas em impressões superficiais que lhe são trazidas por anúncios publicitários. O objetivo dos citados diplomas legais é tão-somente restringir a divulgação de medicamentos e produtos similares àqueles profissionais tecnicamente habilitados a prescrevê-los. Melhor dizendo, as disposições legais em questão são coerentes com as restrições constitucionais à promoção dos medicamentos, haja vista que, por serem produtos cuja aquisição pelo consumidor está legalmente vinculada à existência de prescrição médica, é plenamente justificável a proibição de as indústrias farmacêuticas induzirem o leigo ao autodiagnóstico, seja por meio de publicidade, seja pela utilização de propaganda. Preocupou-se o legislador, conforme já dito, em proteger a saúde pública.

Por ser a comunidade médica o público-alvo da promoção de produtos farmacêuticos, nada mais natural que a divulgação de remédios seja feita diretamente a esses profissionais da área de saúde.

Note-se que, em linhas gerais, a propaganda é o meio pelo qual a empresa pode mostrar ao mundo os produtos ou serviços que oferece ao mercado consumidor, de modo a viabilizar a sua atividade econômica pela conquista do interesse das pessoas em adquirir tais produtos e serviços.

De Plácido e Silva9 define o termo “propaganda” da seguinte maneira:

“Propaganda - De propagar, do latim propagare (multiplicar, espalhar, disseminar, difundir) entende-se a difusão ou a vulgarização de alguma coisa.

É assim que, na técnica mercantil, propaganda entende-se a soma de meios de publicidade utilizados pelo comerciante, para que divulgue ou torne vulgarizados ou conhecidos suas mercadorias ou produtos.

A propaganda, na era presente, constituindo um dos elementos indispensáveis ao desenvolvimento de um negócio, constitui uma verdadeira arte, que se utiliza dos mais variados recursos para propalar as vantagens, as utilidades e os méritos de um produto, induzindo os compradores a preferi-lo.” (grifamos)

Por outro lado, entende-se por publicidade

“todo o tipo de informação não pessoal realizada através de uma mídia indireta e impessoal, visando estimular a demanda de produtos e serviços, com isso buscando resultados econômicos (...), tanto a curto, como a médio e longo prazos. (...) Toda publicidade apresenta, nesse sentido, os seguintes requisitos: a) difusão, b) informação, c) incitamento ao consumo de produtos e serviços, e d) difusão de uma atividade econômica.”10

Sobre o relacionamento entre publicidade e propaganda, Marco Antonio Marcondes Pereira11 conclui que:

“O Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, que não é lei em sentido estrito, entende por publicidade comercial ‘toda atividade destinada a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos ou idéias’ (art. 8º). Da redação desse art. 8º pode-se dizer que o conceito de publicidade contém o de propaganda, pois há menção à promoção de instituições, conceitos ou idéias. (...)”

Nessa linha de idéias, pode-se dizer que o conceito de propaganda é necessariamente mais restrito que o conceito de publicidade, sendo aquela caracterizada por apresentar alto controle sobre a mensagem que se quer transmitir, não podendo ser considerada uma fonte imparcial dessa mensagem, ao contrário do que ocorre na publicidade que, por sua vez, se mostra muito mais adequada para promover determinados produtos.

É importante perceber que as práticas de comunicação (marketing) em relação a medicamentos não se revelam tão limitadas como inicialmente poderia parecer. A utilização de ferramentas de marketing pouco convencionais, mas perfeitamente normais dentro do setor farmacêutico, devem ser consideradas práticas compatíveis com os objetivos da empresa e com a legislação aplicável.

Seja por meio de publicidade, seja por meio de propaganda, as limitações impostas em relação à divulgação de medicamentos têm por escopo apenas proteger a saúde pública. Assegurado este valor de natureza coletiva, perfeitamente válida será a promoção de produtos farmacêuticos.

Nesse sentido, visando disciplinar as “propagandas, mensagens publicitárias e promocionais e outras práticas cujo objeto seja a divulgação, promoção e/ou comercialização de medicamentos, de produção nacional ou importados, quaisquer que sejam suas formas e meios de veiculação”, foi editada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa a Resolução - RDC nº 102, de 30 de novebro de 2000. Encontram-se a seguir transcritos os principais dispositivos desse diploma normativo:

“Art. 2º Para efeito deste regulamento são adotadas as seguintes definições:

(...)

Promoção - é um conjunto de atividades informativas e de persuasão procedentes de empresas responsáveis pela produção ou manipulação, distribuição, comercialização, órgãos de comunicação e agências de publicidade com o objetivo de induzir a prescrição, dispensação, aquisição e utilização de medicamentos.

Propaganda/Publicidade - conjunto de técnicas utilizadas com objetivo de divulgar conhecimentos e/ou promover adesão a princípios, idéias ou teorias, visando exercer influência sobre o público através de ações que objetivem promover determinado medicamento com fins comerciais.

(...)”

Requisitos para Medicamentos de Venda sob Prescrição

“Art. 13. Qualquer propaganda, publicidade ou promoção de medicamentos de venda sob prescrição, fica restrita aos meios de comunicação dirigida, destinados exclusivamente aos profissionais de saúde habilitados a prescrever ou dispensar tais produtos e devem incluir: (...)

Art. 14. É vedada a veiculação de propaganda e publicidade de medicamentos sujeitos à prescrição dirigida a proprietários de farmácias não farmacêuticas, balconistas ou outras pessoas não habilitadas para dispensação de medicamentos.

(...)

Art. 18. Os representantes dos laboratórios devem transmitir as informações precisas e completas sobre os medicamentos que representem no decorrer da ação de propaganda, promoção e publicidade junto aos profissionais de saúde habilitados a prescrever e dispensar.

Parágrafo único. Em suas ações de promoção, propaganda e publicidade, os representantes aludidos no caput deste artigo devem limitar-se às informações científicas e características do medicamento registradas junto a Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

(...)

Art. 20. O patrocínio por um laboratório fabricante ou distribuidor de medicamentos, de quaisquer eventos públicos ou privados, simpósios, congressos, reuniões, conferências e assemelhados seja ele parcial ou total, deve constar em todos os documentos de divulgação ou resultantes e conseqüentes ao respectivo evento. (...)” (grifamos)

Seja qual for a ferramenta de marketing (publicidade, propaganda etc.) empregada na divulgação de medicamentos, faz-se necessária a estrita observância das restrições legais aplicáveis, de forma a preservar a saúde pública.

Vale ressaltar, por fim, a existência, em condição excepcional, de propaganda de remédios dirigida ao público em geral, situação em que se encontra presente a prévia autorização do Ministério da Saúde, normalmente atribuída a produtos farmacêuticos cuja utilização ou consumo prescinde de prescrição médica anterior.

IV. Formas Usuais de Promoção Utilizadas pelas Indústrias Farmacêuticas

Consoante demonstrado, a promoção de produtos farmacêuticos de qualquer espécie é restrita apenas aos integrantes da área de saúde. Por tal motivo, as indústrias farmacêuticas têm reduzidas opções para divulgar e estimular a venda de seus medicamentos.

Nesse ambiente, importante identificar as formas de promoção utilizadas pelas empresas do setor farmacêutico, a fim de que se possa concluir pela dedutibilidade ou não dos gastos incorridos na sua realização.

No bojo do presente estudo, restritos o público e as possibilidades de divulgação de medicamentos, resta às indústrias farmacêuticas promover os seus produtos por meio de publicações especializadas, oferecimento de amostras grátis, “brindes” com a marca dos produtos e, ainda, por meio de “patrocínio” para a realização de eventos da área médica, tudo isto direcionado aos profissionais da área de saúde, tais como médicos, dentistas, farmacêuticos, entre outros.

Em que pese ser inapropriado o termo “patrocínio”, já que é tratado em dispositivos específicos12 do RIR/99, entende-se que a regulamentação existente não se aplica ao auxílio financeiro oferecido pelas indústrias farmacêuticas, na medida que não se trata de mera liberalidade, mas, ao contrário, buscam tais empresas um benefício futuro, qual seja, o aumento de vendas com a divulgação dos seus produtos. Tem o patrocínio, portanto, no caso dos eventos custeados pelas indústrias farmacêuticas, o mesmo objetivo da propaganda, motivo pelo qual este tipo de auxílio financeiro é desprovido de caráter cultural, ainda que com base nesta classificação os respectivos dispêndios sejam dedutíveis.

Na realidade, o patrocínio de congressos, simpósios e eventos da área médica constitui uma alternativa encontrada pelas empresas do setor farmacêutico para divulgar os seus produtos, sem contrariar a legislação. Em outras palavras, sendo os médicos o público-alvo da propaganda de medicamentos, nada mais correto que divulgá-los junto aos profissionais da área de saúde, conforme determina a Constituição Federal e as Leis nº 6.360/76 e nº 9.294/96.

Como contrapartida da divulgação de seus produtos junto aos membros da comunidade médica, as indústrias farmacêuticas arcam com os custos para a realização de congressos e simpósios médicos, respondendo, por exemplo, pelas despesas de aluguel do recinto, alimentação dos participantes, contratação de pessoal de apoio para a administração (secretárias, seguranças, motoristas etc.), decoração, transporte dos convidados, hospedagem dos conferencistas, bem como de quaisquer outras atividades que possam estar de alguma forma relacionadas à realização desses eventos.

Assim, ocorrendo em tais simpósios a exposição e a propaganda de medicamentos, busca-se realçar as suas qualidades, atraindo a atenção dos profissionais que, conhecendo as especificidades e os benefícios de tais produtos, poderão, por sua vez, receitá-los ou prescrevê-los aos seus clientes (pacientes). Ademais, ressalte-se que, por tratarem de temas específicos da área médica, os aludidos eventos prestam-se à divulgação de medicamentos relacionados ao assunto discutido. Se o objetivo dos congressos é justamente fornecer atualização aos médicos sobre novas descobertas e técnicas relacionadas aos mais variados assuntos de sua área, a propaganda é adequada aos medicamentos relativos aos assuntos discutidos nesses eventos.

Essa prática é, aliás, bastante comum em outras atividades econômicas, tendo em vista que esses eventos são oportunidades para que o fabricante divulgue os seus produtos, direta ou indiretamente, junto aos correspondentes consumidores. Suponha-se, por exemplo, que determinada entidade de odontologia resolva promover um seminário para discutir os novos avanços de sua ciência. Nada mais natural que essa entidade obtenha patrocínio de empresas que atuam em sua área, como, por exemplo, fabricantes de creme dental, escovas de dente, aparelhos corretores, enxagüantes bucais etc. Da mesma forma, um eventual congresso nacional de professores de educação física seria provavelmente patrocinado por fabricantes de material esportivo, assim como um simpósio dirigido a contadores teria certamente a colaboração de fabricantes de calculadoras financeiras, programas de computador e editoras de manuais contábeis.

No caso dos produtos farmacêuticos, a prática desse tipo de divulgação é ainda mais adequada, tendo-se em vista a existência de regulamentação específica para a realização de propaganda. O patrocínio de eventos como meio de propaganda é, portanto, no caso do setor farmacêutico, procedimento necessário, regular e viável, não apenas por estar em consonância com a legislação, mas sobretudo por permitir que sejam respeitados os objetivos econômicos das empresas.

Conclui-se que o patrocínio desses eventos é fundamental para que as empresas do setor farmacêutico possam auferir receitas na venda de seus produtos, sendo, pois, necessárias à manutenção da fonte produtora.

V. Natureza e Dedutibilidade das Despesas com Práticas Promocionais Incorridas no Setor Farmacêutico

Demonstradas as limitações existentes quanto à divulgação de produtos farmacêuticos, bem como as vias normalmente utilizadas pela indústria desse setor para efetivar a promoção de seus produtos sem contrariar as respectivas restrições, passemos à análise da dedutibilidade ou não das despesas incorridas com propaganda de medicamentos.

Inicialmente, tem-se que o permissivo normativo quanto à dedutibilidade de despesas com propaganda é o artigo 366 do Regulamento do Imposto de Renda de 199913. De acordo com esse dispositivo, são dedutíveis as despesas com propaganda que tenham relação direta com a atividade desempenhada pela empresa.

Importante deixar claro, mais uma vez, que as despesas com propaganda realizadas em simpósios e congressos ligados à área de saúde não se confundem com gastos incorridos em patrocínios ou doações para eventos de caráter cultural e artístico, cuja dedutibilidade encontra-se prevista nos artigos 476 a 479 do RIR/99. O patrocínio de eventos culturais e artísticos, por sua própria natureza, não inclui os simpósios e congressos médicos nos quais as indústrias farmacêuticas divulgam seus produtos, mesmo porque a natureza destes eventos é unicamente científica, não se prestando a outros fins. Além disso, tais eventos não são abertos ao público em geral (respeitando a limitação da propaganda de medicamentos destinada apenas aos profissionais da área de saúde), característica esta decisiva para afastar a sua caracterização como patrocínio para fins de dedutibilidade dos gastos incorridos.

Pode-se dizer, então, que as despesas com o patrocínio de congressos, simpósios, seminários, cursos e palestras correspondem a gastos com a divulgação de medicamentos, motivo pelo qual nos parece serem eles operacionais, mostrando-se necessários ao atendimento dos fins a que se destinam as indústrias farmacêuticas, como também para obter concretamente resultados operacionais (receitas e lucro). É por tal motivo que, nos termos da legislação tributária, essas despesas são dedutíveis para fins de determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSL.

Quanto à possibilidade da dedutibilidade dos gastos em questão, cumpre mencionar o disposto no Parecer Normativo CST nº 322/71, que assim preceitua:

“Despesas com relações públicas em geral, tais como, almoços, recepções, festas de congraçamento etc., efetuadas por empresas, como necessárias para a intermediação de negócios próprios de seu objeto social, para serem dedutíveis da receita bruta operacional, deverão guardar estrita correlação com a realização das transações ou operações exigidas pela atividade da empresa, além de escudadas em todos os elementos comprobatórios que permitem sua aceitabilidade pela fiscalização, limitando-se tais despesas a razoável montante, sob pena de sua inaceitação e tributando-se as quantias glosadas de acordo com os arts. 243, letra ‘I’, 251, letra ‘e’ e 252, letra ‘d’, do RIR.”

O Primeiro Conselho de Contribuintes, por sua vez, já se manifestou sobre a matéria, emitindo o seguinte julgamento:

“IRPJ - Patrocínio de Simpósio (EX. 86) - Conceituam-se como despesas de propaganda os dispêndios realizados com o patrocínio de um simpósio de medicina, destinado a estudos na área de cardiologia, visando levar aos médicos uma informação mais atual em relação a dispositivos específicos de tratamento, de fabricação do patrocinador (fabricante de marcapassos).” (AC 105-3.187/89 - Resenha Tributária, IR - Jurisprudência Administrativa 12.7, p. 10 - grifamos)

Importante destacar a conclusão a que chegou o então Conselheiro da 5ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, Hugo Teixeira do Nascimento, ao proferir o voto vencedor do retrocitado acórdão:

“Entendo (...) que o objetivo do simpósio foi o de divulgar as excelências dos produtos fabricados ou comercializados pela recorrente. Aumentar, expandir, desenvolver o conhecimento dos profissionais de medicina, foi um meio, um artifício de que se valeu a recorrente para chamar a atenção para seus produtos, o que é perfeitamente válido em termos publicitários.” (grifamos)

Outros julgados desse pretório administrativo corroboram a dedutibilidade dos gastos com promoção de produtos, independentemente da via utilizada ser ou não usual:

“IRPJ - Glosa de Despesas - Propaganda e Publicidade - Legítima a dedutibilidade de despesas com propaganda e publicidade quando vinculada à divulgação das atividades da contratante na consecução dos seus objetivos sociais.” (Acórdão 108-05.888 - Recorrente: DRJ - São Paulo/SP - Interessado: Bayer S/A - sessão: 20/10/99)

“IRPJ - Despesas operacionais - Promoção de produtos - As despesas de promoção de produtos que consiste em visitas aos clientes, efetivos ou potenciais, são normais e usuais para laboratório de produtos farmacêuticos ou cosméticos e, portanto, dedutíveis como despesas operacionais.” (Acórdão 101-89.583 - sessão: 15/4/96 - DOU 11/6/96)

“Despesas de Propaganda - Comprovado nos autos, mediante a apresentação dos respectivos documentos, a efetividade dos serviços prestados, bem como a relação direta dos mesmos com a atividade explorada pela empresa, é de se considerar dedutíveis as despesas efetuadas com propaganda.” (Acórdão 103-18.739 - DOU 18/9/97)

Uma vez verificada a necessidade dos gastos incorridos por empresas do setor farmacêutico para divulgação de seus produtos em congressos, simpósios, palestras e demais eventos científicos do gênero, conclui-se irremediavelmente pela dedutibilidade dessas despesas, visto que se tem por justificada a sua operacionalidade em face das finalidades sociais perseguidas por tais contribuintes.

No que atine às despesas com amostra grátis, item importante na divulgação de medicamentos, o artigo 366, inciso V, do RIR/99, autoriza expressamente a sua dedutibilidade, in verbis:

“Art. 366. São admitidos, como despesas de propaganda, desde que diretamente relacionados com a atividade da empresa e respeitado o regime de competência, observado, ainda, o disposto no art. 249, parágrafo único, inciso VIII:

(...)

V - o valor das amostras, tributáveis ou não pelo imposto sobre produtos industrializados, distribuídas gratuitamente por laboratórios químicos ou farmacêuticos e por outras empresas que utilizem esse sistema de promoção de venda de seus produtos, sendo indispensável:

a) que a distribuição das amostras seja contabilizada, nos livros de escrituração da empresa, pelo preço de custo real;

b) que a saída das amostras esteja documentada com a emissão das correspondentes notas fiscais;

c) que o valor das amostras distribuídas em cada ano-calendário não ultrapasse os limites estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, tendo em vista a natureza do negócio, até o máximo de cinco por cento da receita obtida na venda dos produtos.

§ 1º Poderá ser admitido, a critério da Secretaria da Receita Federal, que as despesas de que trata o inciso V ultrapassem, excepcionalmente, os limites previstos na alínea ‘c’, nos casos de planos especiais de divulgação destinados a produzir efeito além de um ano-calendário, devendo a importância excedente daqueles limites ser amortizada no prazo mínimo de três anos, a partir do ano-calendário seguinte ao da realização das despesas.”

Embora permitida a dedutibilidade desses dispêndios, fica o contribuinte obrigado a contabilizar o valor das amostras distribuídas e a emitir as competentes notas fiscais destinadas ao acompanhamento de tais mercadorias. Por outro lado, o valor das amostras gratuitamente distribuídas não pode ultrapassar os limites estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, cujo patamar máximo corresponde a 5% das receitas oriundas das vendas dos produtos divulgados por esse meio.

Na distribuição de amostra grátis, portanto, a dedutibilidade das despesas fica sujeita à observância dos requisitos acima enumerados, o que, caso não ocorra, ensejará a caracterização de liberalidade passível de tributação pelo IRPJ e pela CSL.

Já em relação às despesas incorridas com brindes, tem-se que a Lei nº 9.249/95, em seu artigo 13, inciso VII, veda expressamente a sua dedutibilidade. Cite-se:

“Art. 13. Para efeito de apuração do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, são vedadas as seguintes deduções, independentemente do disposto no art. 47 da Lei 4.506, de 30 de novembro de 1964.

(...)

VII - das despesas com brindes.”

Para Fábio Junqueira de Carvalho e Maria Inês Murgel, “brinde se destina a agraciar os clientes, ou potenciais clientes da empresa, a fim de promovê-la, e não os seus produtos”14. Os brindes são, então, ofertas ou doações realizadas com o escopo de agraciar clientes efetivos ou potenciais, visando promover a empresa.

A corroborar a definição de brindes acima exposta, transcrevemos trecho de decisão da 6ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes:

“À falta de normas específicas na legislação, relativas às despesas em apreço, cabe buscar no próprio Direito Tributário o conceito adequado ao objeto das mesmas, ou seja, o que se deva considerar como brinde para os efeitos tributários.

Os brindes se destinam a promover a organização, ou empresa e não necessariamente seus produtos (...).” (Acórdão nº 106.3.655 - sessão 23/7/91 - DOU 18/3/92 - grifamos)

Nota-se, portanto, que os brindes são utilizados para divulgar e promover a empresa de modo geral, não estando associados aos bens ou serviços por ela produzidos, ainda que um raciocínio extensivo leve a essa conclusão. Enquanto os brindes comportam liberalidade realizada pela empresa para autopromoção, o mesmo não se pode dizer de outros materiais promocionais, cuja finalidade é justamente divulgar os produtos fabricados pela pessoa jurídica.

No setor farmacêutico, os materiais promocionais são oferecidos aos profissionais da área de saúde em congressos e simpósios, sendo utilizados com o objetivo exclusivo de divulgar medicamentos específicos. Esses materiais promocionais, apesar de serem muitas vezes tratados como brindes, por equívoco motivado pela liberalidade que também lhes é comum, ou ainda pelas suas próprias características que comportam defini-los como tal, não fosse a distinção quanto à sua finalidade, implicam, na verdade, despesas operacionais, na medida em que são necessários às atividades da empresa e à manutenção da fonte produtora.

Tal distinção não parece estar clara para a Secretaria da Receita Federal, que tem autuado empresas do setor farmacêutico, por deduzirem despesas incorridas com a divulgação de remédios através de material promocional. Embora seja discutível o posicionamento do Fisco Federal, existe o risco de os gastos com tais materiais promocionais, mesmo que não utilizados com finalidade dissonante daquela acima explicitada, serem considerados indedutíveis na apuração do lucro real.

Considerando que a Secretaria da Receita Federal reputa como indedutíveis as despesas com materiais promocionais associados a produtos específicos e não ao nome da empresa em si, vejamos entendimento defendido por Fábio Junqueira de Carvalho e Maria Inês Murgel15:

“Até 1995, os gastos efetuados com aquisição e distribuição de brindes, desde que correspondessem a objetos de diminuto ou nenhum valor comercial eram admissíveis como despesa de propaganda e, por conseguinte, dedutíveis do lucro operacional (RIR/94, art. 311, § 3º).

A Lei nº 9.249, em seu artigo 13, VII, contudo, revogou a dedutibilidade dessa despesa. Essa revogação poderá até mesmo ser justificada pela insistente ocorrência de abusos por parte das empresas (...).

Porém essa violação da norma legal pelo contribuinte, não pode justificar uma violação, ainda, maior, à Constituição, pelo legislador ordinário, que está a impedir a dedução de uma despesa que tem todos os contornos de intrinsecamente necessárias à atividade empresarial.” (grifamos)

Cabe, enfim, às empresas do setor farmacêutico diferenciar em sua contabilidade os brindes dos materiais promocionais, levando-se em conta que os primeiros buscam promover a empresa, e os segundos buscam divulgar o produto, ou seja, alavancar a atividade econômica da organização.

Ainda que exista o risco de eventual questionamento por parte da Secretaria da Receita Federal em relação à dedutibilidade das despesas com material promocional de produtos farmacêuticos, esse procedimento é perfeitamente justificável pelo contribuinte em razão da operacionalidade dos respectivos gastos, o que deve ser efetivamente comprovado.

VI. Conclusões

Diante das considerações acima suscitadas, algumas conclusões merecem destaque, a saber:

- De acordo com o artigo 220, § 4º, da Constituição Federal, e os artigos 58 da Lei nº 6.360/76 e 7º da Lei nº 9.294/96, a propaganda de produtos farmacêuticos deve ser direcionada aos profissionais da área médica, restrição esta que, não obstante tenha por finalidade resguardar a saúde pública, dificulta a divulgação de medicamentos pelos fabricantes.

- Em face das limitações quanto à promoção de produtos farmacêuticos, as empresas procuram divulgar os medicamentos por meio de publicações especializadas, oferecimento de amostras grátis e “brindes” com a marca de seus produtos e, também, através de “patrocínio” de congressos, simpósios, palestras, cursos e outros eventos do gênero, todos eles direcionados à área médica.

- Sendo então restritos os meios de divulgação de medicamentos, a dedutibilidade das despesas incorridas com a publicidade/propaganda desses produtos está associada essencialmente à necessidade dos dispêndios, cuja finalidade é preservar a fonte produtora das receitas da empresa, ainda que não sejam eles considerados usuais ou normais.

- Assim, a operacionalidade das despesas oriundas de patrocínio de congressos, simpósios e outros eventos semelhantes é verificada diante de sua necessidade enquanto contrapartida da divulgação de medicamentos junto aos profissionais da área de saúde, sendo este um meio eficiente para que os referidos produtos sejam conhecidos pelas suas qualidades e especificações técnicas, e a partir daí prescritos aos eventuais pacientes que deles necessitarem.

- Por outro lado, a dedutibilidade das despesas com amostras grátis está atual­mente condicionada à observância dos requisitos estabelecidos pelo artigo 366 do Regulamento do Imposto de Renda de 1999, cuja compreensão não impõe maiores dificuldades.

- Finalmente, a dedutibilidade de despesas com “brindes” passou a ser expressamente vedada com o advento da Lei nº 9.249/95, sendo, contudo, defensável a adoção desse procedimento para os materiais promocionais, visto que, ao contrário dos brindes que se destinam a promover a empresa, a utilização de materiais promocionais tem por escopo divulgar produtos farmacêuticos específicos, decorrendo daí a operacionalidade dos dispêndios correspondentes.

1 CARRAZZA, Roque Antonio. “Instituições Financeiras - Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro (CSL) - Plena Dedutibilidade da Provisão para Créditos de Liquidação Duvidosa - Inconstitucionalidades do art. 43, § 4º, da Lei nº 8.981/95 - Questões Conexas”. In: SCHOUERI, Luís Eduardo e ZILVETI, Fernando Aurélio. Direito Tributário - Estudos em Homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, pp. 237-238.

2 Sobre a questão, Moris Lehner conclui: “Na visão hodierna, a consideração econômica serve para permitir afetar igualmente as capacidades contributivas iguais e, neste sentido, serve o princípio da igualdade. Entretanto, hoje nós não compreendemos por alcance de iguais capacidades contributivas, apenas a defesa do princípio da universalidade e do princípio objetivo da renda líquida, mas também como aquele que atenda às exigências do princípio subjetivo da renda líquida. Uma tributação, pois, que não só poupe os dispêndios necessários para a obtenção de renda, mas também aqueles necessários para garantir temporariamente a existência.” (LEHNER, Moris. “Consideração Econômica e Tributação conforme a Capacidade Contributiva. Sobre a Possibilidade de uma Interpretação Teleológica de Normas com Finalidades Arrecadatórias”. In: SCHOUERI, Luís Eduardo e ZILVETI, Fernando Aurélio. Direito Tributário - Estudos em Homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 149)

3 LATORRACA, Nilton. Direito Tributário. Imposto de Renda das Empresas. 14ª ed., São Paulo: Atlas, pp. 271 e 274.

4 Conf. CARVALHO, Fábio Junqueira de e MURGEL, Maria Inês. IRPJ - Teoria e Prática Jurídica. 2ª ed., São Paulo: Dialética, 2000, p. 165.

5 MACHADO, Hugo de Brito. “Indedutibilidade das Multas e o Conceito de Tributo”. Repertório IOB de Jurisprudência nº 1/92, caderno 1, p. 19.

6 Conf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Distribuição Disfarçada de Lucros. São Paulo: Dialética, 1996, p. 155.

7 Conf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. cit., pp. 157-158.

8 PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto de Renda. Rio de Janeiro: Justec, 1971, p. 621.

9 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1982.

10 Conf. SANTOS, Fernando Gherardini. Direito do Marketing: uma Abordagem Jurídica do Marketing Empresarial. São Paulo: RT, 2000, pp. 199/200.

11 PEREIRA, Marco Antonio Marcondes. Concorrência Desleal por meio da Publicidade. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 46.

12 Vide artigos 371 e 475 a 477, do RIR/99.

13 “Art. 366. São admitidos, como despesas de propaganda, desde que diretamente relacionados com a atividade da empresa e respeitado o regime de competência, observado, ainda, o disposto no art. 249, parágrafo único, inciso VIII: (...)

IV - as despesas pagas ou creditadas a quaisquer empresas, inclusive de propaganda;

(...)

§ 2º As despesas de propaganda, pagas ou creditadas a quaisquer empresas, somente serão admitidas como despesa operacional quando a empresa beneficiada for registrada no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica e mantiver escrituração regular. (...)”

14 CARVALHO, Fábio Junqueira de e MURGEL, Maria Inês. Op. cit., p. 271.

15 CARVALHO, Fábio Junqueira de e MURGEL, Maria Inês. Op. cit., pp. 270-271.