Tributação Punitiva? Arbitramento e IRRF sobre Pagamentos a Beneficiário não Identificado ou sem Causa

Punitive Taxation? Arbitration and Withholding Tax on Payments to Beneficiaries not Identified or without Cause

Daniel Vitor Bellan

Mestre e Doutor em Direito Tributário pela PUC-SP. Professor dos Cursos de Pós-graduação do IBDT, Mackenzie e GVlaw. Advogado. São Paulo. E-mail: danielbellan@lacazmartins.com.br.

Rafael Pinheiro Lucas Ristow

Pós-graduado em Direito Tributário pela Fundação Getulio Vargas. Professor-assistente do Curso de Especialização em Direito Tributário do IBDT. Bacharel em Direito pela PUC-SP e em Economia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado em São Paulo. E-mail: ristow@avra.com.br.

Resumo

O Código Tributário Nacional estabelece em seu artigo 3º que os tributos não constituem sanção por ato ilícito. O presente estudo busca analisar os efeitos de tal norma na instituição, majoração de alíquotas e ampliação da base de cálculo de tributos. Além disso, pretende verificar se as leis tributárias respeitam tal dispositivo e, para tanto, são analisadas duas importantes previsões legais, quais sejam, o arbitramento da base de cálculo do IRPJ e o IRRF incidente sobre pagamentos a beneficiários não identificados ou sem causa.

Palavras-chave: sanção, ato ilícito, arbitramento, IRPJ, IRRF, beneficiário não identificado, pagamento sem causa.

Abstract

The “Código Tributário Nacional” establishes in its Article 3 that taxes do not constitute punishment for an unlawful act. This study seeks to analyze the effects of such legal provision in the institution of taxes, increase of tax rates and broadening the tax calculation basis. It also aims to verify whether the tax laws comply with such a legal provision and, therefore, are considered two important legal provisions, namely, the arbitration of tax basis for calculating the income tax and the withholding tax levied on payments to unidentified beneficiaries or without cause.

Keywords: punishment, unlawful act, arbitration, corporate income tax, withholding tax, unidentified beneficiary, without cause payment.

Introdução

O Código Tributário Nacional, ao determinar que o tributo não constitui sanção por ato ilícito (artigo 3º), estabeleceu que a ilicitude não pode ser elemento essencial da hipótese de incidência tributária.

Não obstante isso, a nosso ver, algumas leis podem passar ao largo de tal dispositivo, pois preveem a instituição ou majoração de tributos em decorrência da prática de determinados atos ilícitos pelo contribuinte.

A título exemplificativo podemos citar os artigos 43 e 44 da Lei n. 8.541/1992, que determinava a tributação definitiva e a presunção de sua distribuição imediata aos sócios quando houvesse omissão de receitas por pessoas jurídicas; as leis paulistanas declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal por preverem majoração da alíquota do IPTU em virtude do descumprimento de obrigações de natureza administrativa, como a falta de “habite-se” (Lei Paulistana n. 6.989/1966); o artigo 61 da Lei n. 8.981/1995, que determina a incidência do IRRF à alíquota de 35% nas hipóteses de pagamentos a beneficiários não identificados ou sem causa, e o artigo 16 da Lei n. 9.249/1995, que prevê o uso do arbitramento da base de cálculo do IRPJ nos casos de descumprimento de obrigações acessórias instrumentais pelo contribuinte.

No presente artigo iremos analisar a juridicidade de duas dessas previsões legais, quais sejam, o arbitramento da base de cálculo do IRPJ e o IRRF incidente sobre pagamentos a beneficiários não identificados ou sem causa. Nosso intuito será verificar se o elemento “ilicitude” está inserido em suas hipóteses de incidência tributária e, a partir disso, constatar a juridicidade ou não de tais figuras jurídicas.

1. Conceito Positivado de Tributo

O Código Tributário Nacional, por meio de seu artigo 3º, buscou estabelecer o conceito legal de tributo. Com o intuito de evitar divergências doutrinárias relativas à referida conceituação1, o legislador determinou expressamente que “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

Da análise do dispositivo acima transcrito, pode-se, após segregá-lo, extrair diversas características que, segundo o Código Tributário Nacional, definem o tributo. Essas características contidas no artigo 3º do CTN são: (a) prestação pecuniária; (b) compulsoriedade; (c) expressão em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir; (d) não sancionador de ato ilícito; (e) instituição mediante lei; e (f) cobrança por meio de atividade administrativa plenamente vinculada.

O presente artigo pretende dedicar-se especificamente a uma das características mencionadas acima, qual seja, o tributo não representar sanção de ato ilícito. Como se verá, tal característica tem como objetivo diferenciar tributos e penalidades.

2. Diferenciação entre Tributo e Penalidade

A referida diferenciação pode parecer inócua, uma vez que tanto os tributos quanto as penalidades são prestações pecuniárias compulsórias previstas em lei. Ademais, por força do artigo 113 do Código Tributário Nacional, a penalidade integra o crédito tributário, de modo que as penalidades tributárias, assim como os tributos, se sujeitam ao mesmo processo de constituição e regime processual (lançamento, discussão administrativa, inscrição em dívida ativa e execução fiscal).

Não obstante isso, tal distinção implica contornos de grande relevância2, como bem aponta Hugo de Brito Machado3:

“A distinção é valiosa porque a multa não tem exatamente o mesmo regime jurídico do tributo. Algumas normas aplicam-se às multas e não se aplicam aos tributos. Os arts. 106 e 112 do Código Tributário Nacional oferecem exemplos de normas que integram o regime jurídico das multas, tornando-o distinto do regime jurídico do tributo.”

De acordo com a característica trazida pela expressão “que não constitua sanção de ato ilícito”, verifica-se que o tributo não representa uma punição dada pelo Estado ao contribuinte que infringir normas do ordenamento jurídico, mas, sim, decorre de uma obrigação legalmente determinada.

O tributo é originado da necessidade de o Estado custear as suas atividades constitucionalmente previstas, ou seja, é exigido do contribuinte a título de contribuição para o custeio das despesas públicas, independentemente da forma como este age, seja licita ou ilícita.

As penalidades, por sua vez, não decorrem do poder fiscal do Estado, mas, sim, do seu poder de punir, apenando o cidadão ou pessoa jurídica (contribuinte ou não) que incorrer em infração ao ordenamento jurídico (ato ilícito).

Desse modo, não obstante as multas e os tributos serem prestações pecuniárias compulsórias instituídas por lei, deve-se reconhecer que o tributo se difere da penalidade, pois, enquanto a penalidade decorre de um ato ilícito praticado pelo contribuinte, os tributos provêm de um ato lícito.

Importante ressalvar que o fato de o tributo não decorrer de ato ilícito não implica dizer que a renda obtida por meio de uma atividade ilícita ou até mesmo criminosa, por exemplo, decorrente da exploração do “jogo do bicho”, não está sujeita à incidência de tributação (imposto de renda, no caso); ou que a circulação de mercadoria proveniente de descaminho não deva ser tributada pelo ICMS4.

Na realidade, ao atestar que o tributo não constitui sanção por ato ilícito, o Código Tributário Nacional determinou que a ilicitude não pode ser elemento essencial da hipótese de incidência. Caso a ilicitude passe a fazer parte da hipótese de incidência, estar-se-ia diante de uma penalidade e não de um tributo.

No entanto, pode haver a cobrança de tributo sobre o produto decorrente de atos ilícitos. Nesse caso, o ato ilícito não constituirá elemento essencial da hipótese de incidência, ou seja, o ato ilícito será subjacente ao fato gerador. Nesse sentido são as lições de Hugo de Brito Machado Segundo5:

“A hipótese de incidência da norma que institui o dever de pagar o tributo há de representar, necessariamente, a descrição de um fato lícito. Esse fato pode até ocorrer com acréscimos que o tornem ilícito (como é o caso do rendimento proveniente do jogo do bicho), mas o elemento essencial (renda) é, em si mesmo, lícito.”

Ainda nessa linha, fazemos uso de pertinente exemplo didático trazido por Leandro Paulsen6:

“A aquisição de renda e a promoção da circulação de mercadorias, e.g., são abstratamente consideradas fatos lícitos e passíveis de serem tributados. Se a renda foi adquirida de modo ilegal, se a mercadoria não poderia ser vendida no País, são fatos que desbordam da questão tributária, são ilicitudes subjacentes que não afastam a tributação.”

Assim, o efeito de atos ilícitos até pode ser objeto de tributação, mas nunca o ilícito em si próprio pode ser previsto como antecedente na regra matriz de incidência tributária.

2.1. Majoração de tributo em função de ato ilícito

O ato ilícito não é inábil somente a gerar a obrigação tributária, como também não pode dimensionar o valor do tributo, ou seja, não pode ser elemento essencial da hipótese de incidência, majorando alíquota ou ampliando base de cálculo de determinado tributo.

Nesse sentido são lições de Sacha Calmon Navarro Coêlho7:

“Algumas legislações contemplam casos em que a prática de ilícito fiscal redunda em agravamento da tributação (a alíquota é majorada, a base de cálculo é ampliada ou o quantum debeatur é percentualmente acrescido).

(...)

O fato de o legislador ter pretendido exacerbar o quantum do tributo em razão do contribuinte ter praticado ato ilícito e chamado a tal fenômeno de ‘agravação’ ou ‘majoração’ não significa, em verdade, fazer um acréscimo de natureza tributária. Trata-se, sem mais, de autêntica multa, apesar de nomen juris que se queira lhe dar.”

Vale destacar a existência de diversos julgados em que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a impossibilidade de majoração de alíquota de tributos com a finalidade de penalizar o contribuinte que praticou determinado ato ilícito8.

Ao julgar o Recurso Extraordinário n. 94.001-49, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do artigo 15 da Lei Paulistana n. 6.989/1966 (Código Tributário Municipal), que assim dispunha:

“Art. 15 – O lançamento relativo a imóveis construídos é efetuado ou revisto de ofício, com acréscimo de:

I – 200% (duzentos por cento), para as construções que não possuam ‘habite-se’, ou ‘auto de vistoria’, ou, ainda, ‘alvará de conservação’, salvo as moradias econômicas até 72m2, incluídas suas dependências.”

O Tribunal Pleno do STF reconheceu que a prática de um ilícito administrativo não pode implicar uma majoração de tributo por meio do aumento da alíquota do IPTU, pois estar-se-ia ofendendo o artigo 3º do CTN.

Alegou o acórdão que o descumprimento de obrigação de natureza administrativa mencionado no artigo 15 da Lei Paulistana n. 6.989/1966 deveria estar sujeito a penalidades administrativas específicas, tais como multa ou embargo. Confira-se:

“Acréscimo de 200% ao imposto imobiliário sobre imóveis onde haja construções irregulares.

Acréscimo que configura sanção a ilícito administrativo.

O artigo 3º do CTN não admite que se tenha como tributo prestação pecuniária compulsória que constitua sanção de ato ilícito. O que implica dizer que não é permitido, em nosso sistema tributário, que se utilize de um tributo com a finalidade extrafiscal de se penalizar a ilicitude. Tributo não é multa, nem pode ser usado como se o fosse.

Se o município quer agravar a punição de quem constrói irregularmente, cometendo ilícito administrativo, que crie ou agrave multas com essa finalidade. O que não pode por ser contrário ao artigo 3º do CTN, e, consequentemente, por não se incluir no poder de tributar que a constituição federal lhe confere é criar adicional de tributo para fazer as vezes de sanção pecuniária de ato ilícito.” (Destacamos)

Feitas as devidas considerações, analisam-se, em seguida, os temas centrais do estudo, ou seja, se o arbitramento da base de cálculo do IRPJ e o IRRF incidente sobre pagamentos a beneficiários não identificados ou sem causa possuem o elemento “ilicitude” em suas hipóteses de incidência tributária.

3. Arbitramento da Base de Cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica

O artigo 148 do Código Tributário Nacional prevê a possibilidade de arbitramento da base imponível dos tributos “sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado”.

No caso específico do IRPJ, o artigo 44 do Código Tributário Nacional determina que a apuração da base de cálculo do imposto de renda das pessoas jurídicas pode ser feita por três modalidades: lucro real, lucro presumido e lucro arbitrado.

O lucro arbitrado tem caráter indiciário e subsidiário10, devendo ser utilizado apenas em casos excepcionais11, ou seja, quando for impossível a mensuração da matéria tributável pelas modalidades real ou presumida.

O objetivo da figura jurídica do arbitramento, portanto, é tentar determinar, por meio de indícios, a real base de cálculo do imposto de renda, haja vista a impossibilidade de identificá-la pelos meios convencionais.

Devemos registrar, preliminarmente, que no presente artigo não estamos contestando a legitimidade da figura do arbitramento como um todo, prevista nos artigos 44 e 148 do Código Tributário Nacional, mas apenas a metodologia específica de arbitramento da base de cálculo do imposto de renda prevista no artigo 16 da Lei n. 9.249/1995.

De acordo com o artigo 16, “caput”, da Lei n. 9.249/1995, nos casos em que a receita da pessoa jurídica for conhecida12, a base de cálculo do imposto de renda é a mesma prevista para o lucro presumido e para o cálculo das estimativas mensais, acrescida de 20%13. Confira-se:

“Art. 16. O lucro arbitrado das pessoas jurídicas será determinado mediante a aplicação, sobre a receita bruta, quando conhecida, dos percentuais fixados no art. 15, acrescidos de vinte por cento.” (Destacamos)

Da simples leitura do dispositivo acima transcrito, nota-se que a determinação do lucro pelo método arbitrado representa uma tributação majorada em relação às demais, uma vez que as empresas tributadas pelo lucro arbitrado sofrem a incidência do imposto de renda sobre uma base de cálculo maior que a das pessoas jurídicas optantes pelo lucro presumido (“acrescidos de vinte por cento”).

Por exemplo, se uma empresa prestadora de serviços tiver sua base de cálculo arbitrada, será aplicado o percentual de 38,4% sobre a sua receita bruta, que é o resultado de 32% (percentual aplicável para o lucro presumido) acrescido de 6,4% (20% de 32%).

Pois bem. Como dito anteriormente, pretendemos por meio do presente artigo verificar se tal instituto previsto na Lei n. 9.249/1995 pode gerar questionamentos acerca de sua eventual ofensa ao artigo 3º do Código Tributário Nacional, ou seja, se representa uma forma de sancionar por meio de tributo o contribuinte que cometeu uma prática ilícita14.

Restou evidenciado que o arbitramento em questão implica tributação majorada em virtude do acréscimo de 20% na base de cálculo do IRPJ. Deve-se, então, verificar se tal majoração decorre do cometimento de ato ilícito por parte do contribuinte.

O artigo 47 da já mencionada Lei n. 8.981/1995 elenca as hipóteses em que o lucro será arbitrado. Confira-se:

“Art. 47. O lucro da pessoa jurídica será arbitrado quando:

I – o contribuinte, obrigado à tributação com base no lucro real ou submetido ao regime de tributação de que trata o Decreto-Lei nº 2.397, de 1987, não mantiver escrituração na forma das leis comerciais e fiscais, ou deixar de elaborar as demonstrações financeiras exigidas pela legislação fiscal;

II – a escrituração a que estiver obrigado o contribuinte revelar evidentes indícios de fraude ou contiver vícios, erros ou deficiências que a tornem imprestável para:

a) identificar a efetiva movimentação financeira, inclusive bancária; ou

b) determinar o lucro real.

III – o contribuinte deixar de apresentar à autoridade tributária os livros e documentos da escrituração comercial e fiscal, ou o livro Caixa, na hipótese de que trata o art. 45, parágrafo único;

IV – o contribuinte optar indevidamente pela tributação com base no lucro presumido;

V – o comissário ou representante da pessoa jurídica estrangeira deixar de cumprir o disposto no § 1º do art. 76 da Lei nº 3.470, de 28 de novembro de 1958;

VI – (Revogado pela Lei nº 9.718, de 1998)

VII – o contribuinte não mantiver, em boa ordem e segundo as normas contábeis recomendadas, livro Razão ou fichas utilizados para resumir e totalizar, por conta ou subconta, os lançamentos efetuados no Diário.

VIII – o contribuinte não escriturar ou deixar de apresentar à autoridade tributária os livros ou registros auxiliares de que trata o § 2º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e § 2º do art. 8º do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977. (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)

Da simples leitura do artigo acima transcrito, verifica-se que o arbitramento da base de cálculo do imposto de renda é aplicável às pessoas jurídicas que não possuírem escrituração na forma das leis comerciais e fiscais ou, quando, mesmo a possuindo, não a apresentarem à Receita Federal ou essas não merecerem fé.

Em outras palavras, o arbitramento é utilizado, em regra geral, quando o contribuinte descumprir obrigações acessórias inerentes à determinação do seu lucro, seja real, seja presumido.

Note-se que a necessidade de o contribuinte manter a sua escrituração em conformidade com as leis comerciais e com os princípios contábeis é prevista em diversas normas, como por exemplo, o artigo 1.179 do Código Civil Brasileiro (Lei n. 10.406/2002)15, o artigo 177 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/1976)16 e artigo 7º do Decreto-lei n. 1.598/197717.

Resta patente, portanto, que, de acordo com a ordenamento pátrio, os contribuintes que não possuírem escrituração na forma das leis comerciais e fiscais ou deixarem de apresentá-la ao Fisco estão descumprindo diversas normas jurídicas, ou seja, estão cometendo atos ilícitos.

Como demonstrado anteriormente, a prática de tal conduta ilícita implica a utilização do arbitramento da base de cálculo do imposto de renda, de modo que podemos afirmar que a falta de escrituração na forma das leis fiscais e comerciais é elemento essencial da regra que prevê o arbitramento da base de cálculo do imposto de renda.

Entendemos, portanto, que o arbitramento da base de cálculo do IRPJ previsto pela Lei n. 9.249/1995, ao determinar que as empresas tributadas pelo lucro arbitrado sofram a incidência do IRPJ sobre uma base de cálculo ampliada, contraria o artigo 3º do Código Tributário Nacional.

Isso porque, segundo o mencionado artigo, um ato ilícito não pode ser elemento essencial da hipótese de incidência de um tributo, como ocorre no presente caso, em que a base de cálculo do imposto de renda é ampliada como sanção ao contribuinte que deixa de realizar a sua escrituração de forma regular.

Tal entendimento é compartilhado por Misabel Derzi, que afirma expressamente que “o arbitramento é remédio sancionante que viabiliza o lançamento, em face da imprestabilidade dos documentos e dados fornecidos pelo próprio contribuinte ou por terceiro legalmente obrigado a informar”18.

Henry Tilbery também concorda com tal posicionamento, vislumbrando uma conotação de sanção no instituto do arbitramento da base de cálculo do IRPJ19.

A natureza de sanção do arbitramento é ainda mais evidente se analisarmos o artigo 259 do Regulamento do Imposto de Renda. Em seu “caput” fixa-se a conduta lícita, qual seja, a obrigação de o contribuinte manter a sua regular escrituração. Confira-se:

“Art. 259. A pessoa jurídica tributada com base no lucro real deverá manter, em boa ordem e segundo as normas contábeis recomendadas, Livro Razão ou fichas utilizados para resumir e totalizar, por conta ou subconta, os lançamentos efetuados no Diário, mantidas as demais exigências e condições previstas na legislação.”

No parágrafo 2º, por sua vez, está prevista a consequência em caso de descumprimento da obrigação contida no “caput”, ou seja, a “penalidade” na hipótese de o contribuinte não se comportar de acordo com a conduta lícita prevista no seu “caput”. Vejamos:

“§ 2º A não manutenção do livro de que trata este artigo, nas condições determinadas, implicará o arbitramento do lucro da pessoa jurídica.”

Diante disso, concordamos com o entendimento doutrinário citado anteriormente no sentido de que o arbitramento em si não constitui uma penalidade, mas, sim, uma forma alternativa de apuração de base de cálculo.

Todavia, sustentamos que o equívoco da metodologia de arbitramento contida na Lei n. 9.249/1995 consiste na utilização da base de cálculo do lucro presumido acrescida em 20%. É essa majoração de 20% que, a nosso ver, afronta o artigo 3º do CTN, uma vez que há a ampliação da base de cálculo do imposto de renda (tributação majorada) como penalização ao contribuinte que não mantiver a sua escrituração em conformidade com as leis comerciais e com os princípios contábeis (ato ilícito).

Se, por outro lado, a metodologia adotada pela referida norma fosse a apuração da base de cálculo nos exatos moldes do lucro presumido, não se poderia cogitar eventual afronta ao artigo 3º do CTN.

Em suma, o contribuinte que descumprir obrigações acessórias inerentes à determinação do seu lucro pode ser penalizado por essa conduta ilícita. Todavia, tal sanção não pode realizar-se por meio da ampliação da base de cálculo do IRPJ, como ocorre atualmente, uma vez que ofende o artigo 3º do CTN. Ao contribuinte faltoso pode até mesmo ser imputada multa agravada de que trata o artigo 44, parágrafo 1º, da Lei n. 9.430/1996 (150%), com reflexos quantitativos e até penais.

Mesmo que o contribuinte descumpra obrigações acessórias e tenha o lucro arbitrado, justo e legal seria ocorrer tributação nos mesmos patamares do lucro presumido20.

4. IR Retido na Fonte em Pagamentos a Beneficiário não Identificado ou sem Causa

A previsão legal contida no artigo 61 da Lei n. 8.981/1995, que determina a incidência do IRRF à alíquota de 35% nos casos de pagamentos a beneficiários não identificados ou sem causa, é um tema pouco estudado pela doutrina e objeto de esparsos pronunciamentos jurisprudenciais.

A jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais consolidou-se no sentido de que somente nos casos de não ser demonstrada pelo Fisco a efetividade do pagamento e nas hipóteses de comprovação pelo contribuinte do beneficiário e/ou da causa do pagamento é que se deve afastar a incidência do IRRF à alíquota de 35%.

Não obstante isso, pretendemos estudar outra abordagem em relação ao tema, qual seja, analisar se a referida norma eventualmente representa uma sanção travestida de tributo.

A partir da edição da Lei n. 7.713/1988 todos os rendimentos auferidos por pessoas físicas pagos ou creditados por pessoas jurídicas passaram a estar sujeitos à incidência do imposto de renda retido na fonte, exceção feita apenas aos casos de isenção.

Atualmente, de acordo com o artigo 1º da Lei n. 11.482/2007, os pagamentos efetuados a pessoas físicas estão sujeitos à retenção na fonte mediante a aplicação das alíquotas do imposto de renda previstas na tabela progressiva, cuja maior alíquota prevista é de 27,5%.

Em relação aos pagamentos feitos a pessoas jurídicas, o artigo 647 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto n. 3.000/1999) determina que tais rendimentos estão sujeitos à incidência do imposto de renda retido na fonte à alíquota de 1,5% quando pagos ou creditados por pessoas jurídicas em virtude da prestação de serviços caracterizadamente de natureza profissional21.

Todavia, a Medida Provisória n. 812/1994, posteriormente convertida na Lei n. 8.981/1995, previu, em seu artigo 61, a incidência do imposto de renda retido na fonte à alíquota de 35% em caso de pagamentos a beneficiários não identificados ou sem causa.

Vale destacar também que não bastasse a incidência do imposto de renda retido na fonte à alíquota de 35%, por força do parágrafo 3º do referido artigo o rendimento será considerado líquido, cabendo o reajustamento da sua base de cálculo.

Verifica-se, portanto, que estamos diante de uma forma de tributação majorada, haja vista que os pagamentos mencionados pelo artigo 61 da Lei n. 8.981/1995 estão sujeitos ao IRRF à alíquota de 35%, enquanto que os demais pagamentos não enquadrados no referido artigo sofrem a retenção do imposto de renda na fonte à alíquota máxima de 27,5%, caso o beneficiário seja pessoa física e à alíquota de 1,5% na hipótese de o beneficiário ser pessoa jurídica.

Em outras palavras, a alíquota do IRRF trazida pela Lei n. 8.981/1995 é 7,5 pontos percentuais maior que a mais elevada alíquota do IRRF incidente sobre pagamentos feitos a pessoas físicas (27,5%). Quando comparada com a alíquota geral do IRRF sobre pagamentos a pessoas jurídicas (1,5%), a discrepância é ainda maior, 33,5 pontos percentuais. Até mesmo se comparada com a tributação efetiva do IRPJ a diferença é de 10 pontos percentuais em relação à maior alíquota cobrada das pessoas jurídicas (25%) ou de 1 ponto percentual, caso seja levada em consideração também a incidência da CSL, à alíquota de 9%.

Restando evidenciado tratar-se de tributação majorada, devemos verificar eventuais diferenças entre a hipótese de incidência geral do imposto de renda retido na fonte e a hipótese de incidência ora analisada, contida no artigo 61 da Lei n. 8.981/1995.

4.1. Motivação da Lei n. 8.981/1995

É de fácil constatação que a diferença entre as duas hipóteses de incidência reside nas expressões “a beneficiário não identificado” e “quando não for comprovada a operação ou a sua causa” contidas na hipótese de incidência majorada.

Pois bem, para sustentarmos que a majoração da carga tributária trazida pelo artigo 61 da Lei n. 8.981/1995 ofende o artigo 3º do Código Tributário Nacional, precisaríamos comprovar que as referidas expressões que diferenciam a norma geral da norma majoradora representam atos ilícitos e que, portanto, a referida tributação busca sancionar tais condutas ilícitas, o que não coaduna com o conceito de tributo trazido pelo referido artigo do CTN.

Em primeiro lugar, é importante destacar que da atenta leitura da exposição de motivos da Medida Provisória n. 812/1994, posteriormente convertida na Lei n. 8.981/1995, não é possível localizar uma linha sequer sobre o seu artigo 61, muito menos sobre o motivo de tal tributação majorada.

Não obstante isso, podemos conjecturar sobre a real intenção do advento do artigo 61 da Lei n. 8.981/1995. José Antonio Minatel afirma que a criação do artigo 61 da Lei n. 8.981/1995 teve como intuito coibir doações a campanhas políticas realizadas sem a devida identificação do beneficiário e da sua causa22. Confira-se:

“Se a pretensão não era arrecadar, qual teria sido o mote para inserção da questionada regra no ordenamento jurídico?

A resposta para esta questão remonta a um passado não muito distante, com reprodução por outros personagens em cenário bastante atual. A resposta vem, também, confirmar a utilização de instrumento legislativo, camuflado de roupagem tributária, com o deliberado objetivo de coibir condutas de empresários, na medida em que a regra foi criada para alcançar situações vivenciadas em investigações de escândalos de financiamento de campanhas políticas, na década de 1990, que culminaram com a derrubada do Presidente Fernando Collor.”

Também podemos aventar que a referida norma buscaria inibir casos em que o intuito da não identificação do beneficiário de pagamentos consistiria justamente em favorecer a não tributação de tais rendimentos por parte do beneficiário. Nessa hipótese, a norma em tela teria como objetivo combater a sonegação por parte do beneficiário do pagamento.

Outra possibilidade é que o artigo 61 da Lei n. 8.981/1995 tente prevenir episódios de corrupção nos quais uma determinada quantia é entregue pela empresa a beneficiário não identificado (pessoa corrompida), não se indicando também a causa da transferência.

Todavia, essas afirmações têm como efeito a indevida generalização de que todos os pagamentos a beneficiários não identificados ou sem causa estariam acobertando tais condutas ilícitas.

Na realidade, a falta de identificação do beneficiário ou da causa de um pagamento pode também ter como intenção encobrir condutas lícitas. Por exemplo, um sócio de uma empresa que compra joias para sua concubina com recursos da empresa, mas não identifica o beneficiário do pagamento (joalheria) nem a sua causa. A referida aquisição, ainda que possa ser considerada ato imoral, não representa ato ilícito.

A falta de identificação do beneficiário e da causa do pagamento pode também decorrer de mero erro humano na escrituração contábil.

Por isso, o que nos cumpre verificar é se no ordenamento pátrio há qualquer previsão legal no sentido de ser obrigatória a identificação do beneficiário e da causa de pagamentos feitos por pessoas jurídicas o que, por consequência, tornaria um ato ilícito a falta de tais identificações.

4.2. A identificação de causa e beneficiário é obrigação legal?

José Antonio Minatel afirma que a falta de identificação do beneficiário e da causa de pagamentos é ato ilícito por ofender preceitos contábeis23. Confira-se:

“Ainda que não queira dar crédito ao histórico que coloca a descoberto a razão da existência da regra jurídica criada, a investigação do seu binômio normativo – hipóteses e consequência – é suficiente para confirmar que a norma tem nítido caráter penal, com atribuição de consequência de cunho pecuniário (penalidade, multa de 35%) ao descumprimento de preceito que comanda a técnica dos registros das operações empresariais, notadamente a determinação para haver registro individualizado dos fatos econômicos que afetam, qualitativa ou quantitativamente, o patrimônio da entidade empresarial.”

Para melhor elucidar a questão, transcrevemos o item 14 da Resolução n. 1.330/2011 do Conselho Federal de Contabilidade utilizado pelo autor acima citado como fundamento de seu entendimento. Essa Resolução determina a necessidade de individualização dos registros contábeis. Confira-se:

“14. No Livro Diário devem ser lançadas, em ordem cronológica, com individualização, clareza e referência ao documento probante, todas as operações ocorridas, e quaisquer outros fatos que provoquem variações patrimoniais.”

Realmente, o dispositivo acima transcrito reconhece a necessidade da escrituração individualizada das operações da empresa. Todavia, ousamos discordar do entendimento de que tal previsão tem o condão de considerar um ato ilícito a falta de identificação do beneficiário ou causa de um determinado pagamento.

Isso porque a referida norma contábil, ao dizer que as operações devem ser lançadas no Livro Diário de forma individualizada, não se refere à necessidade de detalhar as referidas operações com a indicação do beneficiário e da causa do pagamento, mas, sim, à obrigatoriedade de cada operação demandar um lançamento, ou seja, não podem várias operações serem consolidadas em um único lançamento.

Vejamos agora as demais recomendações trazidas no mesmo artigo, quais sejam, a determinação de que a escrituração tenha “clareza” e faça “referência ao documento probante”.

Em relação à “clareza”, tal previsão apenas faz referência à necessidade de os lançamentos serem claros, sem rasuras ou emendas.

No que tange à necessidade da escrituração se basear em documento probante, à primeira vista, parece um forte subsídio para atestar que é obrigatória a identificação da causa e do beneficiário de certo pagamento.

Isso porque, em tese, os documentos probantes contêm (i) o valor; (ii) a data; (iii) o motivo; e (iv) as partes envolvidas na operação.

Ocorre que a referida norma não dispõe, por sua vez, sobre os requisitos mínimos do documento probante, mas somente determina a obrigatoriedade de o lançamento fazer referência a um documento relevante.

Por esse motivo, nos parece que tal exigência não garante a identificação da causa e do beneficiário de determinado pagamento, uma vez que a resolução em comento apenas determina que o lançamento esteja amparado em documento probante, mas não define os seus requisitos, de modo que, na prática, o documento probante pode existir e não indicar o beneficiário e/ou a causa do respectivo pagamento.

Diante disso, entendemos não ser possível afirmar com convicção que o ordenamento jurídico pátrio obriga a pessoa jurídica a indicar o beneficiário e a causa dos pagamentos que realiza.

Assim, não sendo possível configurar a falta de tais identificações como ato ilícito, não podemos concluir que o artigo 61 da Lei n. 8.981/1995 buscaria sancionar um ato ilícito, estando, portanto, em conformidade com o artigo 3º do CTN.

4.3. Outro caminho possível: análise à luz do princípio da isonomia

Outro caminho possível para estudar a juridicidade do instituto do IRRF incidente sobre pagamentos a beneficiários não identificados ou sem causa refere-se à análise de tal previsão sob a ótica do princípio da isonomia.

O princípio da isonomia está previsto na Constituição Federal de forma genérica no artigo 5º, “caput”, e, em matéria tributária, no artigo 150, inciso II, e é princípio basilar do nosso sistema jurídico, sendo motivo de inúmeros estudos.

Humberto Ávila sintetiza os limites para a desigualdade de tratamento dos contribuintes ao dizer que “uma diferenciação dos contribuintes, feita com base em motivos meramente subjetivos e não fundamentada em finalidade objetivamente verificável e constitucionalmente aferível, é irrazoável”24.

O mencionado autor deixa claro que o tratamento desigual dos contribuintes somente pode advir de valores constitucionalmente previstos. Por outro lado, determinada tributação diferenciada é considerada anti-isonômica quando desigualar arbitrariamente os contribuintes, ou seja, nos casos em que não for baseada em critérios de distinção contidos expressamente no texto constitucional.

No âmbito dos impostos diretos, como o imposto de renda, o principal critério de distinção entre contribuintes é o princípio da capacidade contributiva, presente no artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição Federal.

Estevão Horvath afirma que25

“o desdobramento imediato da isonomia no Direito Tributário é a capacidade econômica. De fato, como pretender-se aplicar a igualdade na tributação (traduzida pelo Texto Magno, no referente à matéria tributária, como a proibição de instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente – art. 150, II), sem levar-se em consideração a obrigatoriedade de que todos contribuam para os gastos públicos, na medida de suas possibilidades? Isso implica que aquele que pode mais deve pagar mais tributo e vice-versa.”

Como é cediço, o princípio da capacidade contributiva determina a graduação dos impostos conforme a capacidade econômica do contribuinte. Assim, a pessoa com maior riqueza deve pagar proporcionalmente mais imposto que outra com menor poder aquisitivo26.

Pois bem. No presente caso, a nosso ver, o tratamento tributário majorado trazido pela Lei n. 8.981/1995 não é justificável pelo princípio da capacidade contributiva, uma vez que a falta de identificação do beneficiário ou da causa de determinado pagamento não denota a existência de capacidade contributiva adicional.

Contudo, a capacidade contributiva pode deixar de ser aplicada como critério de distinção nos casos em que os impostos sejam utilizados para realizar objetivos extrafiscais.

Como bem aponta Regina Helena Costa27

“em razão da extrafiscalidade autorizada está a prescindibilidade da graduação dos impostos consoante a capacidade econômica do contribuinte, para que se atinjam finalidades outras, que não a mera obtenção de recursos, homenageadas pela ordem constitucional, como, por exemplo, a função social da propriedade, a proteção ao meio ambiente, o incentivo à cultura, etc.”

Os tributos com finalidade extrafiscal têm como intuito estimular comportamentos, sejam omissivos ou comissivos. Nas palavras de Hely Lopes Meirelles, a extrafiscalidade é a “utilização do tributo como meio de fomento ou de desestímulo a atividades reputadas convenientes ou inconvenientes à comunidade”28.

Todavia, como bem adverte Roque Antonio Carrazza, os tributos extrafiscais “na medida em que interferem nas condutas das pessoas, precisam encontrar respaldo num valor constitucionalmente consagrado(...)”29. Em outras palavras, os contribuintes podem ser tratados de forma desigual apenas quando houver uma finalidade extrafiscal protegida constitucionalmente. O referido autor dá como exemplo a alta tributação sofrida pelo cigarro, a qual teria o objetivo extrafiscal de prestigiar o valor saúde esculpido no texto constitucional30.

A doutrina pátria aponta diversas finalidades extrafiscais contidas na Constituição Federal, como a preservação da ordem econômica (artigo 170); a redução das desigualdades regionais e sociais (artigo 170, inciso VII); a proteção ao meio ambiente (artigo 225) e da família (artigos 231 e 232); o desestímulo à manutenção da propriedade improdutiva (artigo 153, parágrafo 4º); a garantia da função social da propriedade (artigos 184 a 191); o tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas (artigo 179); entre outras31.

Ocorre que, a nosso ver, nenhuma dessas inúmeras finalidades extrafiscais trazidas pela Constituição Federal poderia justificar a tributação majorada do IRRF nos casos de falta de identificação do beneficiário ou da causa de determinados pagamentos.

Em outras palavras, não localizamos no texto constitucional nenhuma finalidade extrafiscal que possa ser considerada como motivo hábil para legitimar um tratamento desigual entre uma pessoa jurídica que identificou a causa e o beneficiário de um pagamento e outra que não o fez.

Poder-se-ia eventualmente alegar que a finalidade extrafiscal do dispositivo em questão seria combater a corrupção ou a doação ilegal a partidos políticos, como aventado anteriormente. Todavia, a nosso ver, tal alegação não merece prosperar pelo fato de que a extrafiscalidade tem a finalidade de desestimular atos lícitos inconvenientes à sociedade e não atos ilícitos, como a corrupção e a doação ilegal a partidos políticos. Caso contrário, o tributo utilizado com tais fins extrafiscais (prevenção de atos ilícitos) contrariaria o artigo 3º do CTN.

Diante disso, entendemos que a diferenciação trazida pelo artigo 61 da Lei n. 8.981/1995 não está fundada nem no princípio da capacidade contributiva nem em critérios extrafiscais previstos na Constituição Federal, motivo pelo qual a pessoa jurídica que efetua pagamento a beneficiário não identificado ou sem causa não pode estar sujeita ao IRRF à alíquota de 35% (tributação mais gravosa).

Dessa forma, pensamos que tal hipótese de incidência, nos termos em que foi criada, é inconstitucional por ferir o princípio da isonomia.

4.4. Solução possível

A conclusão acima não afasta, contudo, a possibilidade de criação de outra exação similar à prevista no artigo 61 da Lei n. 8.981/1995, desde que fosse neutralizado o problema aqui apontado (tratamento anti-isonômico). Isso seria viável caso a exação não fosse superior à maior carga tributária a que poderia estar sujeito o beneficiário de tal pagamento. Nesses termos, a exação não incorreria no problema do tratamento desigual justamente por estar exigindo a mesma carga tributária cobrada dos demais contribuintes.

Em princípio, esse limite seria o percentual de 34%, consistente na incidência aplicável à renda de pessoas jurídicas (25% de IRPJ e 9% de CSL)32. Como o beneficiário não é conhecido, podendo ser tanto pessoa física quanto jurídica, parece-nos razoável aceitar-se a aplicação da maior entre as alíquotas aplicáveis, ou seja, a alíquota de pessoa jurídica.

Todavia, aprofundando a construção desse raciocínio, poderíamos chegar a um limite ainda menor. Isso porque o sujeito passivo no caso do IRRF sob análise não é o beneficiário, mas, sim, a fonte pagadora.

Nesses termos, faz mais sentido olharmos não para a carga tributária a que se sujeita o beneficiário do pagamento, mas, sim, à carga tributária aplicável contra a própria fonte pagadora em situações normais. Essa seria de 1,5%, no caso de beneficiário pessoa jurídica, e de no máximo 27,5%, na hipótese de o beneficiário ser pessoa física (tabela progressiva).

Como nosso estudo está sendo construído sob o enfoque do princípio da isonomia, devemos comparar a carga tributária em análise com aquela que seria aplicável aos demais sujeitos passivos nos casos em que o beneficiário e causa estivessem identificados. É por esta razão que entendemos que a comparação deve levar em conta as alíquotas aplicáveis à retenção pela fonte pagadora, por ser essa o sujeito passivo dessa relação tributária.

Na mesma linha do quanto afirma acima, pensamos, portanto, ser aceitável como limite o percentual de 27,5% por ser a maior das alíquotas possíveis.

5. Síntese Conclusiva

Em face das considerações precedentes, podemos concluir que:

i) o artigo 3º do CTN, ao dizer que o tributo não constitui sanção de ato ilícito, diferenciou tributo de penalidades em geral;

ii) em relação ao tributo, a ilicitude não pode ser elemento essencial da sua hipótese de incidência, pois a obrigação tributária não pode decorrer de ato ilícito;

iii) por outro lado, caso a ilicitude passe a fazer parte da hipótese de incidência, estar-se-á diante de uma penalidade, nesse caso, a pretensa exação será ilegítima;

iv) o legislador pátrio não pode instituir ou majorar valor do tributo (por meio da elevação de alíquota ou ampliação da base de cálculo) com a finalidade de penalizar o contribuinte que praticou determinado ato ilícito;

v) o arbitramento é figura legítima, porém o mecanismo específico contido no artigo 16, “caput”, da Lei n. 9.249/1995 representa afronta ao artigo 3º do CTN, uma vez que determina a tributação das empresas pelo IRPJ sobre uma base de cálculo ampliada (20% maior que a aplicada no lucro presumido) como penalização ao contribuinte que não mantiver a sua escrituração em conformidade com as leis comerciais e com os princípios contábeis (ato ilícito);

vi) a nosso ver, a legislação poderia até mesmo imputar ao contribuinte que descumprir essas obrigações acessórias a multa agravada de que trata o artigo 44, parágrafo 1º, da Lei n. 9.430/1996 (150%), caso esse desse causa ao referido descumprimento;

vii) no entanto, os percentuais aplicáveis ao arbitramento não poderiam ser superiores aos previstos para os contribuintes sujeitos ao lucro presumido;

viii) no que tange à previsão contida no artigo 61 da Lei n. 8.981/1995, que determina a incidência do IRRF à alíquota de 35% nos casos de pagamentos a beneficiários não identificados ou sem causa, não foi possível configurar a falta de tais identificações como ato ilícito de modo que, em princípio, não podemos afirmar conclusivamente que o referido dispositivo buscaria sancionar ato ilícito e que, portanto, ofenderia o artigo 3º do CTN;

ix) por outro lado, entendemos que a diferenciação trazida pelo artigo 61 da Lei n. 8.981/1995 (tributação majorada em relação à incidência prevista para pagamentos em que a causa e o beneficiário não estejam identificados) não está fundada nem no princípio da capacidade contributiva nem em critérios extrafiscais previstos na Constituição Federal, motivo pelo qual a pessoa jurídica que efetua pagamento a beneficiário não identificado ou sem causa não pode estar sujeita ao IRRF à alíquota de 35% (tributação mais gravosa);

x) tal figura até poderia ser aceita, no entanto somente até o limite de 34% – maior alíquota do IRPJ acrescida da incidência da CSL –, ou seja, 1 ponto percentual a menos do que a alíquota prevista pelo artigo 61 da Lei n. 8.981/1995;

xi) por outro lado, aprofundando a análise e considerando que o sujeito passivo do IRRF é exatamente a fonte pagadora, pensamos ser aceitável como limite o percentual de 27,5%, maior entre as alíquotas aplicáveis à fonte pagadora.

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1 Geraldo Ataliba critica tal definição trazida pelo Código Tributário Nacional ao afirmar que “evidentemente não é função de lei nenhuma formular conceitos teóricos. O art. 3º do C.T.N. é mero precepto didactico, como qualificaria o eminente mestre espanhol Sainz de Bujanda. Por outro lado, o conceito de tributo é constitucional. Nenhuma lei pode alargá-lo, reduzi-lo ou modificá-lo. (...) Daí o despropósito dessa ‘definição’ legal, cuja admissão é perigosa, por potencialmente danosa aos direitos constitucionais dos contribuintes.” (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 32/33) Por outro lado, Paulo Roberto Coimbra Silva defende a positivação do conceito de tributo pelo Código Tributário Nacional justamente como forma de evitar divergências doutrinárias sobre o assunto: “No Brasil, teve o legislador a louvável iniciativa de defini-lo de forma abrangente e primorosa, evitando assim controvérsias e disceptações doutrinárias sobre o tema.” (SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito tributário sancionador. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 82)

2 Vale destacar que o Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar demanda que discutia os artigos 43 e 44 da Lei n. 8.541/1992, determinou a aplicação da retroatividade benigna, prevista no artigo 106 do CTN, uma vez que reconheceu a característica de sanção nestas normas e, por consequência, sua natureza de penalidade. Confira-se: “Tributário. Recurso Especial. IRPJ. Incidência sobre Omissões de Receita. Revogação dos Arts. 43 e 44 da Lei 8.541/92, que impunham Penalidades ao Contribuinte. Aplicação da Retroatividade Benigna Prevista no Art. 106 do CTN. Precedente. Ausência de Prequestionamento. Recurso Especial parcialmente Conhecido e, nessa Parte, Provido.” (REsp n. 801.447/PR, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 20.10.2009, DJe de 26.10.2009)

3 MACHADO, Hugo de Brito. O conceito de tributo no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 59.

4 Nesse exato sentido encontramos o parágrafo 40 do Código Tributário Alemão de 1977, que assim dispõe: “§ 40 Para a tributação, é irrelevante se um comportamento, que preenche, no todo ou em parte, a hipótese de incidência de uma lei tributária, infrinja mandamento ou proibição de lei, ou os bons costumes.” (ALEMANHA. Novo Código Tributário Alemão: com índices sistemático e analítico. Rio de Janeiro: Forense, 1978)

5 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. “Sanções tributárias”. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Sanções administrativas tributárias. São Paulo: Dialética, 2004, p. 194.

6 PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 609.

7 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e prática das multas tributárias, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, pp. 61/62.

8 Nesse sentido encontramos, a título ilustrativo, o Recurso Extraordinário n. 109.538, que trata da majoração da alíquota do IPTU perpetrada pelo Município de Belo Horizonte em virtude da ausência de construção de muros e passeios, e o Recurso Extraordinário n. 111.003, que versa sobre o acréscimo de 100% sobre o valor do IPTU cobrado na cidade de São Paulo como sanção pela ausência de inscrição imobiliária.

9 RE n. 94.001, Relator Ministro Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 11.3.1982, DJ de 11.6.1982, p. 5.680, ement. vol. 01258-02, p. 537, RTJ vol. 00104-03, p. 1.129.

10 O extinto TFR reconheceu o caráter subsidiário do lucro arbitrado ao editar a Súmula n. 76, que assim dispõe: “Imposto de Renda – Desclassificação da Escrita – Apuração do Lucro Real da Empresa. Em tema de imposto de renda, a desclassificação da escrita somente se legitima na ausência de elementos concretos que permitam a apuração do lucro real da empresa, não a justificando simples atraso na escrita.” (Tribunal Federal de Recursos. Súmula n. 76. Julgamento: 10.3.1981. Disponível em http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/75/TFR/76.htm. Acesso em 23.2.2016)

11 No passado, a utilização do lucro arbitrado era de competência exclusiva do Fisco Federal nos lançamentos de ofício, todavia, com o advento do parágrafo 1º do artigo 47 da Lei n. 8.981/1995, passou a existir a possibilidade de o próprio contribuinte optar pela utilização do lucro arbitrado, desde que a sua receita bruta seja conhecida.

12 Nas hipóteses em que a receita bruta do contribuinte for desconhecida, o artigo 51 da Lei n. 8.981/1995 elenca diversas formas de se apurar a base de cálculo arbitrada do IRPJ, como, por exemplo, a multiplicação do lucro real referente ao último período em que pessoa jurídica manteve escrituração de acordo com as leis comerciais e fiscais, atualizado monetariamente, por 1,5 (um inteiro e cinco décimos) (inciso I).

13 Essa regra possui uma exceção contida no seu parágrafo único, ao determinar que para as instituições financeiras “o percentual para determinação do lucro arbitrado será de quarenta e cinco por cento”.

14 Vale destacar a existência de posicionamento por parte dos doutrinadores pátrios, como Rubens Gomes de Sousa e Maria Rita Ferragut, no sentido de que o arbitramento da base de cálculo do imposto de renda não representa sanção por ato ilícito, haja vista que sua intenção é apurar da maneira mais aproximada possível o lucro auferido pelo contribuinte e não punir o contribuinte faltoso. Para esses autores, o arbitramento não decorre do descumprimento de obrigações acessórias (ato ilícito), mas, sim, da ausência de elementos de prova necessários para a apuração direta da base de cálculo do imposto (SOUSA, Rubens Gomes de. “A retificação das declarações de imposto de renda viciadas por erros de direito”. Estudos de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1950, pp. 285/288; FERRAGUT, Maria Rita. Presunções no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2001, pp. 145/147). Devemos salientar que os esparsos pronunciamentos jurisprudenciais sobre o tema também são no sentido de afirmar que o arbitramento não constitui sanção por ato ilícito. Confira-se, a título exemplificativo, as seguintes ementas do então Conselho de Contribuintes: “O arbitramento é mera forma de apuração de resultados, sem qualquer, mínimo que seja, conotação de penalidade ou castigo. Procura-se com a utilização desse instrumento, apenas, reestabelecer ou apurar um resultado que, por meio de práticas censuráveis ou com a utilização de artifícios adotados por um determinado contribuinte, torna-se impossível de ser conhecido, daí inclusive a preocupação constante da lei em aproximar ao máximo o resultado a ser apurado pelo arbitramento daquele que seria normal ou comparável ao contribuinte, para o que, inclusive, nos diz a legislação recente, devemos considerar várias peculiaridade de cada contribuinte.” (Acórdão n. 01-0.017, Relator Fernando Cícero Veloso, Câmara Superior de Recursos Fiscais, julgado em 23.11.1979) “CSLL – Arbitramento de Lucros – Modalidade de Tributação – Tratando-se o arbitramento de lucros de uma das modalidades possíveis de tributação, a sua aplicação, por definição, não constitui sanção a ato ilícito.” (Acórdão n. 107-08.043, Relator Marcos Vinicius Neder de Lima, Sétima Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes, julgado em 13.4.2005)

16 “Art. 177. A escrituração da companhia será mantida em registros permanentes, com obediência aos preceitos da legislação comercial e desta Lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos, devendo observar métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo e registrar as mutações patrimoniais segundo o regime de competência.”

17 “Art. 7º O lucro real será determinado com base na escrituração que o contribuinte deve manter, com observância das leis comerciais e fiscais.”

18 DERZI, Misabel Abreu Machado. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional, 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, pp. 397/398.

19 TILBERY, Henry. “Arts. 43 a 45 (IR)”. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 302.

20 Vale destacar que, segundo a sistemática atual, o contribuinte sujeito ao lucro arbitrado, além de sofrer o acréscimo de 20% na sua base de cálculo, está sujeito, por força do artigo 538 do RIR, à “aplicação das penalidades cabíveis”, ou seja, aplicação da multa de ofício de 75% ou 150%. Na opinião de Edmar Oliveira Andrade Filho, a apuração da base de cálculo do IRPJ segundo o lucro arbitrado em conjunto com a cobrança de multa e juros configura uma ofensa ao princípio do “non bis in idem”, já que “o arbitramento tem o traço fundamental de toda sanção, que é a imposição de um castigo pelo não cumprimento de um dever. Se o arbitramento já é, em si, uma espécie de sanção, a exigência de outras violaria o princípio referido.” (ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Infrações e sanções tributárias. São Paulo: Dialética, 2003, p. 138) Como já explanado, ousamos discordar de tal entendimento, uma vez que, a nosso ver, a melhor solução seria o contrário, ou seja, eliminar do arbitramento o seu efeito sancionatório, mantendo-se a aplicação da penalidade, eventualmente até agravada, se essa for a opção da lei.

21 Como dito, esses pagamentos efetuados a pessoas jurídicas estão sujeitos ao IRRF à alíquota de 1,5%, mas sua tributação efetiva pelo IRPJ é de 15%, acrescida, quando cabível, do adicional de 10%, por força do artigo 3º, “caput” e parágrafo 1º, da Lei n. 9.249/1995.

22 MINATEL, José Antônio. “Pagamento sem causa, ou a beneficiário não identificado: impossibilidade de exigência de 35% a título de IR-Fonte”. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza: questões pontuais do curso da Apet. São Paulo: MP, 2006, p. 238.

23 MINATEL, José Antônio. “Pagamento sem causa, ou a beneficiário não identificado: impossibilidade de exigência de 35% a título de IR-Fonte”. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza: questões pontuais do curso da Apet. São Paulo: MP, 2006, p. 239.

24 ÁVILA, Humberto. “O princípio da isonomia em matéria tributária”. In: TÔRRES, Heleno Taveira (coord.). Teoria geral da obrigação tributária: estudos em homenagem ao professor José Souto Maior Borges. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 739.

25 HORVARTH, Estevão. O princípio do não confisco no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 77.

26 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 106.

27 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, pp. 69-70.

28 MEIRELLES, Hely Lopes. Estudos e pareceres de direito público VIII: assuntos administrativos em geral. São Paulo: RT, 1984, pp. 380/381.

29 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, pp. 135/136.

30 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 136.

31 ÁVILA, Humberto. Igualdade tributária. Dissertação (Livre-docência em Direito). São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2006, p. 180. CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 136. SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, pp. 275/276.

32 Na realidade, poderíamos alegar que a CSL não deveria ser levada em consideração neste limite justamente por se tratar de outro tributo. Isso não deixa de fazer sentido, uma vez que o tributo exigido pela Lei n. 8.981/1995 é exclusivamente o imposto de renda.