A Garantia contra a Mudança de Interpretação pela Administração Tributária: Um Diálogo entre Brasil e França

Guarantee against Change in the Legal Criterion by Tax Law Administration: a Dialogue between Brazil and France

Thais De Laurentiis

Conselheira Titular do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Árbitra no Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA). Doutora, Mestre e Graduada pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Período no Master em Direito Econômico pelo Institut D’Études Politiques de Paris (Sciences Po). Professora de Direito Tributário e Direito Aduaneiro em cursos de Pós-graduação e extensão universitária. E-mail: thaisdelaurentiis@gmail.com.

Recebido em: 1º-2-2022 – Aprovado em: 28-10-2022

https://doi.org/10.46801/2595-6280.52.14.2022.2099

Resumo

Conhecendo as regras jurídicas basilares do controle das mudanças de orientação pela Administração Tributária, vale dizer, os arts. 100 e 146 do Código Tributário Nacional, propomos neste artigo efetuar um paralelo com a experiência estrangeira, especificamente apresentando como a questão é tratada pelo Direito francês. A análise se mostra pertinente em razão da influência que a França representa para a experiência brasileira em termos de direito público e, especialmente, Direito Administrativo, bem como pelo desenvolvimento francês, em nível de legislação e doutrinário, da “garantia contra mudança de critério jurídico pela Administração Tributária”.

Palavras-chave: direito tributário, critério jurídico, alteração, controle.

Abstract

Knowing the basic legal rules for controlling changes in interpretation by the Tax Administration, that is, articles 100 and 146 of the National Tax Code, in this paper we propose to make a parallel with the foreign experience, specifically showing how the issue is presented by French Law. The analysis is relevant because of the influence that France represents for the Brazilian experience in terms of public law and, especially, Administrative Law, as well as for the french development of the “guarantee against change in the legal criterion by tax law administration”.

Keywords: tax law, legal criterion, alteration/change, control.

1. Introdução

No presente trabalho1 realizamos um estudo de direito comparado acerca da garantia dos contribuintes contra o efeito retroativo da alteração de normas complementares expedidas pela Administração Tributária. A perspectiva a partir da qual o tema será analisado é a colisão entre duas dimensões da segurança jurídica, quais sejam, o princípio2 da legalidade e o princípio da proteção da confiança contra a mudança administrativa.

Este assunto é tratado de forma distinta no Brasil (nos mandamentos dos arts. 100, parágrafo único, e 146 do Código Tributário Nacional – ou “CTN”) e na França (conforme a regra estabelecida nos arts. 80-A e 80-B do Livre des Procédures fiscales – ou “LPF”)3, muito embora os institutos e preocupações que envolvem a problemática sejam similares em ambas as nações.

Sobre o tema, podemos já realçar que a questão da segurança jurídica no âmbito da Administração Tributária é ainda pouco explorada pela doutrina e pela jurisprudência pátria, em comparação com o mesmo princípio aplicado no âmbito das relações processuais e aos atos emanados do Poder Judiciário.

Assim é que entendemos que a experiência do direito posto e da doutrina francesa4, além das decisões do Conseil D’État (“Conselho de Estado”)5, podem muito contribuir para o debate sobre a matéria no Brasil, em que o contribuinte, à primeira vista, encontra-se carente de uma plena garantia contra o efeito retroativo da alteração das normas complementares expedidas pela Administração Tributária, apesar de necessitá-la tanto quanto um cidadão francês o faz em seu país.

2. Colocação do problema jurídico: do confronto entre a legalidade e a proteção da confiança contra a mudança administrativa

É do quotidiano daqueles que trabalham com o Direito Tributário a necessidade de lidar com uma enormidade de atos normativos, conhecidamente complexos e inconstantes, para a solução dos impasses jurídicos que lhes são apresentados6.

Efetivamente, nesta seara do Direito Público, podemos observar que as normas editadas pelo Poder Legislativo, revestidas das características de generalidade e abstração (abrangente com relação a seus destinatários e aplicável a várias situações possíveis e futuras), são acompanhadas de uma série de portarias, circulares, instruções normativas etc. expedidas pelos entes da Federação responsáveis pela fiscalização e arrecadação de impostos de acordo com as competências traçadas no Texto Constitucional (arts. 153 a 156). Estes atos normativos, embora possuam também a característica de generalidade e impessoalidade, possuem um grau muito maior de proximidade com os eventos do mundo fenomênico que visam disciplinar, dando praticabilidade e executoriedade às diretrizes postas pela lei. Chamá-los-emos, a partir daqui, de “atos normativos complementares” ou “normas complementares”, a teor da nomenclatura adotada pelo art. 100 do Código Tributário Nacional.

Mas não é só. Igualmente compõem esse quadro legal (ou ordenamento jurídico) as normas individuais e concretas (destinadas a um único, ou um conjunto restrito de administrados, sobre determinada situação de fato específica e clara) expedidas pela Administração Tributária, como os lançamentos de ofício, autos de infração e imposição de multa, consultas fiscais, dentre outros, o que torna a tarefa dos aplicadores e estudiosos do Direito Tributário ainda mais árdua e complexa, haja vista a dimensão do seu objeto de análise.

Apesar da relevância de todos esses produtos normativos, emanados de diversas fontes secundárias expedidoras de normas jurídicas7, não se olvida a importância da lei em matéria tributária.

Com efeito, o princípio da legalidade é mandamento caríssimo ao nosso sistema tributário, trazido pelo art. 150, I, da Constituição, ao dispor que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Também o art. 97 do Código Tributário Nacional trata de bem esculpir o papel central da lei como única fonte legítima dos elementos formadores da relação jurídica tributária.

Não é diferente a importância do princípio da legalidade em matéria tributária na ordem jurídica francesa, na qual o art. 34 da Constituição de 4 de outubro de 1958 estabelece que “la loi fixe les règles concernant: [...] l’assiette, le taux et les modalités de recouvrement des impositions de toutes natures”8.

Ocorre que podemos nos deparar com situações nas quais um determinado ato normativo complementar vai na contramão do que dispõe a lei. Ou seja, trata-se de um ato normativo complementar ilegal.

Frisamos que a questão que se pretende estudar aqui é aquela em que atos normativos administrativos trazem regra mais benéfica ao contribuinte do que aquela posta pela própria lei. Afinal, a hipótese inversa sempre foi tranquilamente resolvida pelo sistema jurídico, com respaldo dos tribunais, no sentido de que um ato normativo infralegal não pode ultrapassar os limites da lei, prejudicando os administrados (e.g., REsp n. 993.164/MG, julgado sob o rito dos recursos repetitivos).

Pois bem. Essa situação de ilegalidade da norma complementar, já custosa para a paz e coerência do ordenamento jurídico, pode agravar-se com o seguinte fato: determinado(s) contribuinte(s) se vale(m) deste ato normativo complementar (instrução normativa da Receita Federal do Brasil, por exemplo) para pautar seu comportamento, vale dizer, para efetuar o recolhimento do tributo devido aos cofres públicos.

Efetivamente há um agravamento da situação, haja vista que outro princípio fundamental para o Direito entra em jogo em contraposição à legalidade tributária, a qual reinaria solitária no exemplo exposto acima, permitindo a cobrança retroativa do tributo em razão da alteração de critério jurídico do ato normativo complementar. Trata-se da proteção da confiança contra a mudança administrativa, garantidora da justa expectativa do cidadão nas regras emanadas pela Administração Pública, permitindo que o contribuinte não se submeta ao novo entendimento abraçado pelo Poder Público, pois, de boa-fé, contou com aquele anteriormente vigente e que lhe era mais benéfico.

Fica clara aí a colisão entre duas faces da segurança jurídica: a legalidade9 e a proteção da confiança contra a mudança administrativa10.

Antes de avançarmos, cumpre destacar o conceito de segurança jurídica, definida por Heleno Taveira Tôrres como um princípio-garantia constitucional, cuja finalidade é justamente proteger expectativas de confiança legítima nos atos de criação ou aplicação de normas, por meio da certeza jurídica, da estabilidade do ordenamento, bem como da confiabilidade na efetividade dos direitos e liberdades11. Embora haja um esforço doutrinário e jurisprudencial para demonstrar e delimitar o princípio da segurança jurídica no ordenamento brasileiro, uma vez que se trata de princípio que não veio expressamente taxado pela Constituição de 1998, “não há hesitação em se reconhecer a aplicação do princípio da segurança jurídica às relações ditas de Direito Público”, eis a lição de Fernando Dias Menezes12. Assim é que a aplicação do princípio da segurança jurídica é indubitável sobre a questão ora sob estudo.

A perspectiva francesa sobre a conceituação do princípio vai no mesmo sentido, assentando que a segurança jurídica implica que os cidadãos saibam, sem necessidade de esforços exagerados, em que medida estão obrigados ou proibidos de executar determinada conduta, de acordo com a legislação aplicável. O Rapport public de 2006, publicado pelo Conselho de Estado, ainda coloca que “les normes édictées doivent être claires et intelligibles, et ne pas être soumises, dans le temps, à des variations trop fréquentes, ni surtout imprévisibles”13.

Pois bem. Diante do citado conflito que pautará nosso estudo, adiantamos desde já que, enquanto o CTN, se lido de forma literal, prima pela legalidade em detrimento da proteção da confiança dos contribuintes contra a mudança administrativa nesse tipo de situação (item 2.1. infra), a França apresenta solução diametralmente oposta (item 2.2 infra), fazendo prevalecer a proteção da confiança legítima criada entre Administração e administrado. É o que procuraremos explicitar com detalhes nos tópicos abaixo.

2.1. A solução adotada pelo legislador brasileiro: primazia da legalidade

O Código Tributário Nacional cuidou de precisar o que compreende a expressão “legislação tributária”, claramente no intuito de delimitar as fontes do direito para esta disciplina.

Com efeito, o seu art. 96 determina que “a expressão ‘legislação tributária’ compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes”.

Este dispositivo é completado pelo art. 100, cujo conteúdo lista que se consideram as normas complementares: (i) os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas; (ii) as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa; (iii) as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas; (iv) os convênios que entre si celebrem os entes federados.

Desses, o que nos interessa primordialmente no presente estudo são as normas infralegais situadas no item (i).

No Projeto do Código Tributário Nacional, elaborado por Rubens Gomes de Sousa, a matéria encontrava-se disciplinada no art. 57, com a seguinte redação:

“Completam a legislação tributária, dentro dos limites fixados no presente capítulo, os seguintes atos administrativos versando, no todo ou em parte, sobre a matéria referida no item 51:

I. As circulares, instruções, portarias, ordens de serviço e demais disposições normativas expedidas pelas autoridades administrativas.”

Em suas explanações sobre o projeto, o autor coloca que o art. 57 (correspondente ao art. 109 do Anteprojeto) “enumera os atos administrativos que, pelo seu caráter normativo, são suscetíveis de definição como elementos complementares da legislação tributária”. Ademais, reforça que a enumeração era tão somente exemplificativa, pois o que se visava era abarcar qualquer ato que não se restrinja a casos particulares, como ocorre com os atos decisórios14.

Entendido no que consiste a legislação tributária, e sabendo que os atos normativos complementares (instruções normativas, portarias etc.) dela fazem parte, podemos compreender a amplitude da regra exposta no parágrafo único do próprio art. 100, in verbis:

“A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.”

Disto já é possível concluir o valor dado pelo CTN às normas complementares da legislação tributária, em termos de proteção da confiança, intrínseca ao conceito de segurança jurídica, uma vez que seu texto impõe o afastamento da lógica básica de aplicação das normas sancionatórias na hipótese de o contribuinte ter observado um ato normativo complementar. Esclarecemos.

A norma sancionatória tributária, como bem se sabe, deve ser aplicada toda vez que constatada a prática de uma infração pelo contribuinte15.

Alfredo Augusto Becker16 lembra que, existindo a regra jurídica, poderá existir a sua violação. Por isso, é indispensável que ela possua força para se fazer valer, o que ocorre por meio das normas sancionatórias que lhe cominam sanção em caso de descumprimento. Assim, por exemplo, a fiscalização constatando que determinada companhia simplesmente deixou de recolher a Contribuição ao PIS (Programa de Integração Social) num determinado período, muito embora tenha auferido receita (fato gerador da Contribuição)17, deverá obrigatoriamente (art. 142 do CTN) efetuar o lançamento de ofício para a exigência do tributo devido (art. 3º do CTN), além de aplicar a respectiva penalidade, juros e correção monetária, in casu, multa de ofício de 75% (ou 150% em casos de sonegação, fraude e conluio)18, e aplicação da taxa referencial Selic19, tudo por meio de documento intitulado auto de infração.

Entretanto, permanecendo no mesmo exemplo, se restar comprovado pelo contribuinte que a falta de recolhimento da Contribuição ao PIS ocorreu porque a Receita Federal do Brasil possuía entendimento consubstanciado em instrução normativa (ato normativo complementar, segundo o art. 100, inciso I, do CTN) vigente no período em questão, que lhe concedia o direito ao não pagamento da Contribuição Social, no auto de infração não poderá ser cominada nem a multa de ofício de 75% nem os juros calculados com base na taxa Selic ao contribuinte. É o que impõe o parágrafo único do art. 100 do CTN.

Afinal, o contribuinte que confiou na interpretação/orientação publicada oficialmente pela Administração Tributária a respeito de determinada lei, por meio de norma complementar, não pode ser penalizado por descumprir a própria lei. Não é à toa que Rubens Gomes de Sousa consignou que o dispositivo “atende a uma evidente razão de equidade, contribuindo para consolidar e melhorar as relações entre o fisco e o contribuinte”20.

Visto isso, temos que, paralelamente à garantia aos contribuintes estabelecida no art. 100, parágrafo único, do CTN, o art. 146 do mesmo Código apresenta outro direito dos contribuintes, relacionado igualmente à segurança jurídica, nos seguintes termos:

“Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.”

Em breve síntese, vemos que o CTN determina a impossibilidade da cobrança de tributos retroativamente, com fundamento em alteração de interpretação (critério jurídico) promovida pela autoridade administrativa, seja por meio de revisão do lançamento tributário de ofício (art. 145, inciso III e art. 149, incisos VIII e IX, do CTN) ou por decisão administrativa ou judicial (art. 145, incisos I e II)21.

No âmbito federal essa inteligência normativa é repetida pelo art. 2º, inciso XIII, da Lei n. 9.784/1996, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

De pronto percebemos que nessa garantia faz-se presente a figura do lançamento tributário, diversamente do que ocorre com aquela estabelecida pelo art. 100, retrocomentado. Essa a leitura clássica do dispositivo. Explicamos.

O lançamento, vale lembrar, é tido precipuamente como ato administrativo, preenchendo todos os requisitos para tanto, segundo a teoria clássica de Celso Antônio Bandeira de Mello22.

Assim é que, muito embora o ato administrativo de lançamento também introduza um conteúdo normativo no mundo do direito, esta norma é da categoria das individuais e concretas, e não das gerais e abstratas, como os atos normativos complementares. A colocação de Humberto Ávila sobre esse ponto é precisa: o lançamento tributário quebra a impessoalidade do Direito, criando uma relação de confiança entre as partes (administrado e Poder Público), um compromisso entre elas e, por conseguinte, um dever de lealdade23. Por essa razão, diferem das normas complementares, as quais visam trazer mais concretude e especificidade aos dizeres da lei, delimitando seus conceitos para uma mais precisa aplicação no caso concreto, porém não são individualizadas a um determinado contribuinte singular, criando o dito compromisso entre este e o Fisco.

Por essa razão é que o CTN deu uma maior garantia aos contribuintes que tiveram contra si lavrados um lançamento tributário (art. 146), com respaldo numa interpretação da lei pela Fiscalização: caso a Administração Tributária mude seu entendimento sobre essa interpretação normativa aplicável aos fatos geradores deste mesmo tributo, tal mudança não poderá prejudicar o contribuinte. Este, de seu lado, poderá se valer da interpretação que lhe foi anteriormente dada para se beneficiar, tendo em vista o simples “corolário do princípio da não retroatividade”24. Por isso que Heleno Taveira Tôrres diz que o dispositivo dá o status de “ato jurídico perfeito” aos fatos geradores passados25.

Para facilitar a visualização do ponto, vejamos a consequência desta regra, por meio de um exemplo.

Um lançamento tributário motivado por uma interpretação “X”, que passa a ser objeto de um processo contencioso administrativo fiscal uma vez que o contribuinte o impugna (conforme a Lei n. 70.235/1972 no âmbito federal) será primeiramente analisado pela Delegacia Regional de Julgamento da Receita Federal (“DRJ”, primeira instância do processo administrativo fiscal). O Colegiado da DRJ pode manter incólume o lançamento tributário, negando provimento à impugnação do contribuinte, mas argumentando que o tributo lançado é devido por outra interpretação (“Z”) da lei, esta sim correta para o caso concreto. Nessa hipótese, o contribuinte poderá interpor recurso voluntário ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“Carf”, com competência pelo julgamento em segunda instância dos processos administrativos fiscais), alegando ofensa ao art. 146 do CTN, a qual, uma vez constatada pelo Conselho, será forçado a decretar nulidade da decisão da DRJ, pois o lançamento não pode subsistir por fundamento diverso daquele adotado pelo Auditor Fiscal quando da lavratura do auto de infração, trazendo à vida o lançamento tributário.

Delimitando o que seria passível de mudança no âmbito do lançamento tributário, embora haja vozes em sentido contrário26, de forma geral a doutrina e a jurisprudência pátria entendem que o CTN permite a revisão do lançamento por erro de fato, mas não por erro de direito, exatamente como sustentava Rubens Gomes de Sousa27.

Apesar dos enormes debates sobre tal distinção, levando muito doutrinadores inclusive a assumirem a dificuldade prática dessa segregação28, regra geral tem-se que enquanto erro de fato cuida de problema intranormativo, ou seja, um desajuste interno da norma com o evento do mundo a que diz respeito; o erro de direito (valoração jurídica dos fatos) envolve problemática entre mais de uma norma, a geral e abstrata e a individual e concreta, constituindo, portanto, um descompasso internormativo. Em outras palavras, a questão é de fato quando se faz necessário confirmar uma situação, a investigação da veracidade da ocorrência de um fato (e.g., pagamento de tributo por meio de guia Darf). De outro lado, a questão de direito envolve uma discussão/compreensão da norma jurídica em relação ao fato29.

A dificuldade, contudo, permanece quando constatamos que tanto as hipóteses de erro de fato como as de erro de direito desdobram-se sobre a interpretação de um mesmo fato. Daí a preciosa verificação de Luís Eduardo Schoueri, no sentido de que quando o aplicador do Direito vê no mesmo fato características que antes não foram relevantes para a interpretação a seu respeito, levando a uma nova valoração jurídica desse mesmo fato, estar-se-á diante do erro de direito e, portanto, da limitação imposta pelo art. 146 do CTN30.

Assim como declara o verbete sumular “a mudança de critério jurídico adotada pelo fisco não autoriza a revisão do lançamento” (Súmula n. 227 do TFR), na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (ou “STJ”)31 podemos observar a adoção desse raciocínio, como se depreende do seguinte excerto do julgamento de relatoria do Ministro Luiz Fux, sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC/1973):

“Destarte, a revisão do lançamento tributário, como consectário do poder-dever de autotutela da Administração Tributária, somente pode ser exercida nas hipóteses do artigo 149, do CTN, observado o prazo decadencial para a constituição do crédito tributário. 5. Assim é que a revisão do lançamento tributário por erro de fato (artigo 149, inciso VIII, do CTN) reclama o desconhecimento de sua existência ou a impossibilidade de sua comprovação à época da constituição do crédito tributário.

Ao revés, nas hipóteses de erro de direito (equívoco na valoração jurídica dos fatos), o ato administrativo de lançamento tributário revela-se imodificável, máxime em virtude do princípio da proteção à confiança, encartado no artigo 146 do CTN.” (REsp n. 1.130.545/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 22.02.2011)

É interessante notar que o texto do CTN não fala em erro de fato e erro de direito, mas foi nesse sentido e pela utilização dessa nomenclatura que a doutrina e a jurisprudência desenvolveram sua interpretação. Tal situação decorre provavelmente da redação proposta no Anteprojeto do Código32, cujo art. 171 dispunha que “o lançamento tributário regularmente notificado ao contribuinte... é definitivo e inalterável depois de decorrido o prazo fixado em lei para a apresentação de reclamação, salvo quando viciado, em prejuízo da Fazenda Pública ou do contribuinte, por: 1. erro de fato na verificação da ocorrência ou das circunstâncias matérias do fato gerador”33.

Bem, agora conhecedores tanto da garantia trazida pelo art. 100, parágrafo único, do CTN, como daquela prevista no seu art. 146, podemos compará-las.

Com a autoridade de um dos primeiros grandes intérpretes do sistema tributário nacional, Aliomar Baleeiro34 propunha uma leitura “literal” dos arts. 100 e 146 do CTN35, segregando suas hipóteses de aplicação pelo critério da existência de lançamento tributário contra o sujeito passivo da obrigação, exatamente nos moldes traçados acima. Nesse sentido, somente quando um contribuinte tivesse contra si lavrado um lançamento tributário motivado segundo uma específica interpretação normativa, sobrevindo nova interpretação (critério jurídico que fundamente a cobrança do tributo) da Administração Tributário por alguma das formas previstas pelo ordenamento jurídico36, é que não seria possível a exigência do tributo, além de seus acessórios (multa, juros e correção monetária), conforme o art. 146 do CTN. Já se estamos diante de alteração de interpretação da lei por parte da Administração por meio de normas complementares (norma geral e abstrata), somente a multa e os juros não poderão ser cobrados retroativamente, como determina o art. 100, parágrafo único, do CTN.

Nesse sentido, podemos dizer que a garantia do art. 146 é mais intensa, e que a proteção à confiança do contribuinte é total, pois somente poderá se cobrar o tributo novamente para os fatos geradores futuros37. Já no âmbito do art. 100, parágrafo único, a proteção da confiança tem menos força, já que abarca tão somente as penalidades, e não a dívida tributária principal. São duas medidas de proteção à segurança jurídica, para duas situações diferentes.

A leitura de Aliomar Baleeiro é, de fato, fiel à literalidade do Código. Isto porque o lançamento tributário (art. 142 do CTN) não se confunde com os atos normativos complementares, aos quais faz referência o art. 100 do Codex. É também essa a lição de Alberto Xavier, que justifica a interpretação pela referência do dispositivo a “um mesmo sujeito passivo”, de modo que o art. 146 pressupõe a existência de prévio lançamento38, justamente nos moldes em que vem decidindo maciçamente o Superior Tribunal de Justiça (EDcl no REsp n. 1.174.900/RS)39.

Luís Eduardo Schoueri concorda com a opção dada pelo CTN nas duas medidas conferidas à proteção da confiança delineadas pelos arts. 100 e 146, afirmando que somente a lei pode dispensar o pagamento de tributos e que, como as normas complementares não têm status de lei, não possuem tal prerrogativa. A proteção do contribuinte de não ser punido por seguir a legislação tributária, assim, será somente a inaplicabilidade de penas (art. 100, parágrafo único). Lembra que o contribuinte não está subordinado às autoridades administrativas e a seus atos normativos, sua obrigação funda-se na lei40.

De outro lado, podemos encontrar juristas como Sacha Calmon Navarro Coêlho que lamentam a opção do sistema do Código Tributário Nacional, ao eleger a legalidade em detrimento da proteção da confiança, afirmando que “o ideal seria ficar a irretroatividade erga omnes das decisões administrativas e dos atos administrativos das autoridades administrativas”41. Isto porque a retroatividade deve proteger o próprio direito que é revelado pela lei.

Traçado o panorama das medidas de proteção da confiança estabelecido pelo sistema tributário brasileiro no que tange à alteração de interpretação jurídica por parte da Administração, passamos à análise de como o legislador francês tratou do ponto, conforme a proposta estabelecida para o presente estudo.

2.2. A solução adotada pelo legislador francês: primazia da proteção da confiança contra a mudança administrativa

Assim como ocorre no Brasil, os franceses se deparam com uma enormidade desordenada e complexa de leis em matéria tributária em seu país42.

Inclusive, tratam do assunto com base no princípio da inteligibilidade da norma fiscal, derivado do princípio da segurança jurídica, o qual determina a necessidade de simplificação dos dispositivos legais como verdadeiro elemento para melhorar a relação entre Fisco e contribuinte43.

Neste contexto, o Ministério das Finanças francês edita normas para “explicar” a legislação, visando garantir a sua aplicação uniforme (portarias, instruções, circulares, respostas, notas etc.). Essas diretrizes constituem a doctrine administrative44.

Não há dúvidas que, afastando o falso cognato, o melhor paralelo do conceito de doctrine administrative no Brasil são as normas complementares delineadas pelo art. 100 do CTN e pormenorizadamente tratadas no tópico antecedente.

Pois bem. A doctrine administrative pode eventualmente trazer interpretações mais favoráveis aos contribuintes do que aquelas constantes na própria lei que lhe é hierarquicamente superior. Os contribuintes não restarão indiferentes a tais manifestações infralegais. Pelo contrário, utilizarão o entendimento exarado pelos competentes órgãos franceses para guiar suas condutas a respeito da tributação. Daí advém a consolidação da garantie contre les changements de doctrine de l’administration, que pode ser traduzida como “garantia contra a mudança de interpretação pela Administração”45.

Em poucas palavras, tal garantia prevê que, havendo uma interpretação favorável ao contribuinte, oficial e oponível ao Fisco, é indispensável que ela prevaleça. Foi essa a opção feita pelo legislador francês, conforme se depreende dos arts. 80-A e 80-B46 do Livre de Procedures Fiscales, que é fonte do direito francês sobre direito processual tributário47.

O art. 80-A, cuja genealogia remonta a Instruction du 31 janvier 1928 e a Note du 23 mars 192848, possui a seguinte redação:

“Il ne sera procédé à aucun rehaussement d’impositions antérieures si la cause du rehaussement poursuivi par l’administration est un différend sur l’interprétation par le redevable de bonne foi du texte fiscal et s’il est démontré que l’interprétation sur laquelle est fondée la première décision a été, à l’époque, formellement admise par l’administration.

Lorsque le redevable a appliqué un texte fiscal selon l’interprétation que l’administration avait fait connaître par ses instructions ou circulaires publiées et qu’elle n’avait pas rapportée à la date des opérations en cause, elle ne peut poursuivre aucun rehaussement en soutenant une interprétation différente. Sont également opposables à l’administration, dans les mêmes conditions, les instructions ou circulaires publiées relatives au recouvrement de l’impôt et aux pénalités fiscales.”49

Percebemos de pronto que o que diferencia a doctrine administrative é o mecanismo de defesa que a legislação processual francesa lhe atribui: de prestigiar o contribuinte que seguiu o entendimento oficial exarado pela Administração, vedando a possibilidade de cobrança de tributos ou penalidade em caso de mudança dessa interpretação por parte da autoridade administrativa.

Com efeito, Martin Collet et Pierre Colin salientam que “le contribuable doit pouvoir se fier aux indications contenues dans la doctrine en vigueur au moment de l’imposition, dans que l’administration puisse ensuite le reprocher, quand bien même elle déciderait de changer de doctrine, ou encore si ladite doctrine se révélait illégale”50.

Trata-se, sem dúvida, de um mecanismo que visa garantir a proteção da confiança dos contribuintes na Administração Tributária, mesmo que eventualmente em detrimento da legalidade51. Porém, frise-se, sempre levando em conta a boa-fé do contribuinte52.

Não por outra razão é que por meio de question prioritaire de constitutionnalité foi contestada a constitucionalidade dos arts. 80-A e B do LPF, sob a alegação de que poderiam infringir a hierarquia das normas, ao fazer prevalecer a interpretação da Administração sobre a da própria lei. Entretanto o Conselho de Estado entendeu que não estavam cumpridos os requisitos de admissibilidade para o conhecimento da question prioritaire de constitutionnalité pelo Conseil Constitutionnel (“Conselho Constitucional”), enquanto instrumento incidente de averiguação de constitucionalidade das normas (Conseil d’État, 10ème sous-section jugeant seule, 29.10.2010, 339200, Inédit au recueil Lebon)53. Assim, a alegação de inconstitucionalidade dos dispositivos não teve seu mérito apreciado.

Parece-nos que é justamente em razão da delicada relação entre legalidade e proteção da confiança contra mudança administrativa, sendo que esta última prevaleceu na legislação francesa, que a garantie contre le changemente de doctrine só é aplicada em situações bem precisas.

É que, ao contrário do que sugere o texto do art. 80, o Conselho de Estado não se apega aos critérios suscetíveis de criar no espírito do contribuinte uma confiança legítima para delimitar os critérios de aplicabilidade da garantia. O Tribunal prefere se ater à norma administrativa em si mesma e de seu produtor para tanto.

Tal posição, na opinião de Martin Collet e Pierre Colin, é louvável, à medida que privilegia alcançar critérios objetivos (da norma), e não subjetivos (do contribuinte)54.

Os juristas franceses, organizando a jurisprudência do Conselho de Estado, colocam que os citados critérios objetivos, que dizem respeito às características da interpretação administrativas que se quer aplicar, são: (i) fonte da interpretação (deve emanar do ministro que se ocupa das finanças do estado, de seus agentes, ou da administração aduaneira)55; (ii) conteúdo da interpretação; (iii) os dispositivos interpretados (interpretação de um texto fiscal56, vale dizer, lei em sentido estrito); (iv) os termos da interpretação (interpretação tomada de forma explícita e clara)57; (v) a conformidade da interpretação ao regime jurídico da União Europeia.

Já os critérios subjetivos versam sobre a situação em que se encontra o contribuinte. A primeira alínea do art. 80-A pressupõe que o contribuinte tenha sido sujeito a uma imposição anterior, bastando a existência de uma tomada de posição formal para que a garantia se aplique. Já a segunda alínea do art. 80-A, adicionada pela Lei n. 70-601, de 9 de julho de 1970, abarca os casos em que não há uma primeira imposição. Essa segunda alínea, todavia, só serve para casos em que a norma complementar trazendo interpretação oficial da Administração foi publicada, como ensina também Thierry Lambert58.

É preciso que fique claro que, independentemente da divisão entre as alíneas do art. 80-A (existência ou não de imposição anterior), a garantia que o dispositivo cria serve tanto para tomadas de posição em caráter geral e abstrato como para situações individuais e concretas59. Ou seja, embora existam requisitos a serem observados a depender da situação em que se encontra o contribuinte francês, o fato é que, existindo uma tomada de posição formal sobre determinada interpretação de lei tributária pela Administração, tal entendimento lhe será oponível, mesmo que contrário à lei, em benefício do contribuinte.

Assim, há uma plena irretroatividade da alteração de entendimento pela Administração, seja quando há ou quando não há lançamento tributário, o que impede que o Fisco francês cobre tributos ou penalidades do administrado que se pautou em sua interpretação pretérita.

3. Encontros e desencontros entre as soluções adotadas para o mesmo problema

3.1. Síntese da análise comparativa do direito positivo do Brasil e da França

De tudo quanto exposto nos tópicos anteriores, a conclusão que alcançamos sobre o conflito entre proteção da confiança e legalidade que emerge das situações nas quais o contribuinte baseia sua conduta em normas complementares emanadas da Administração Tributária que lhe são benéficas, cujo conteúdo é alterado posteriormente por nova interpretação administrativa que traz uma carga tributária mais gravosa, tem solução diferente no Brasil e na França.

No Brasil o art. 100, parágrafo único, do CTN permite que somente as sanções (multas) não sejam cobradas retroativamente do contribuinte que se pautou na interpretação expedida pela Administração em seus atos normativos gerais e abstratos. Somente está à salvo da cobrança retroativa de tributo com base em alteração de critério jurídico o contribuinte no âmbito da revisão de um lançamento tributário específico no qual a interpretação motivou o ato administrativo individual e concreto (art. 146 do CTN).

Em outras palavras, diante do conflito entre normas complementares (art. 100, inciso I, do CTN) e a lei, o legislador complementar deu mais valor ao princípio da legalidade (única capaz de criar ou exonerar tributos), e não à proteção da confiança dos contribuintes na Administração (proteção da confiança no entendimento formalmente existente). Afinal, ainda que observando uma instrução normativa, parecer normativo etc., o contribuinte pode posteriormente ser cobrado pelos tributos em razão de novo entendimento adotado pelo Fisco em posterior ato normativo.

É o que aconteceu, por exemplo60, com a definição do conceito de “serviços hospitalares” para a imposição do percentual de presunção do imposto sobre a renda na sistemática do lucro presumido (art. 15 da Lei n. 9.249/1995). Inicialmente a Instrução Normativa da Receita Federal n. 480/2004 (art. 27), orientava o contribuinte em um determinado sentido, que depois foi alterado pela Instrução Normativa n. 539/2005, e sucessivamente pela Instrução Normativa n. 791/2007. Com tal mudança, contribuintes que haviam declarado sua renda com base no percentual de presunção de 8% deveriam mudar retroativamente sua tributação para utilizar o percentual de 32%, recolhendo o IRPJ sem juros nem multa.

De outro lado, a França optou por priorizar a proteção da confiança dos contribuintes de maneira mais intensa.

Com efeito, o art. 80-A do LPF permite que tomada formal de posição da Administração Tributária a respeito de determinado tema, tanto por ato geral e abstrato ou individual e concreto, seja levantada pelo contribuinte de boa-fé que nela se pautou, impedindo a cobrança de tributos e penalidades de forma retroativa.

Vemos assim que a segurança jurídica na faceta de proteção da confiança contra a mudança administrativa é indubitavelmente mais robusta alhures, em que se percebeu a função central dos atos normativos exarados pela Administração tributária, trazendo interpretação oficial sobre a caótica legislação fiscal e funcionando como orientadores dos contribuintes.

3.2. Notas sobre a doutrina e a jurisprudência brasileiras a respeito do tema

No contexto brasileiro escutamos vozes na doutrina apontando a mudança de orientação do antiquado “princípio da livre anulação dos atos administrativos” (Súmulas n. 47361 e n. 346 do STF)62 e seus tradicionais efeitos (um ato administrativo ilegal não poderia ser considerado como portador de qualquer efeito jurídico, com base nos princípios da igualdade e da legalidade). Trata-se de posição pautada sob a perspectiva do Estado e da norma. Humberto Ávila constata que com tal mudança de orientação, passou-se a perceber que deveriam ser considerados outros elementos na análise da relação entre Administração e administrado, como a confiança e a boa-fé. Ou seja, passou-se a analisar a questão sob a perspectiva do cidadão e do caso concreto63, afinal, pelo próprio princípio da segurança jurídica não se admite a alteração retroativa de interpretação, ainda mais levando em conta o postulado da proporcionalidade (e.g., RE n. 442.683)64.

O Professor gaúcho afirma que “o fato de os atos normativos da Administração não possuírem vinculatividade não afasta a possibilidade de, mesmo assim, haver proteção da confiança, quando a exigência de vinculação da Administração aos seus próprios atos e aos direito fundamentais assim o exigirem”65. Por isso é que, no seu pensar, as colocações doutrinárias a respeito da irretroatividade da mudança de jurisprudência também se aplicam aos atos administrativos. A diferença é que aqui outros elementos vão ter que compor a relação entre Administração a administrado, como a aparência de legalidade do ato, a ausência de má-fé do contribuinte66.

Nesse sentido, Misabel Machado Derzi lembra que quando advém uma verdadeira modificação de entendimento jurisprudencial, “impõe-se o respeito àqueles que confiaram nos comandos judiciais e que, de acordo com aqueles comandos, de boa-fé, conduziram seus negócios e tomaram decisões de vida”67. É justamente com base nesse pensamento que parte da doutrina brasileira atual estende à alteração de interpretação administrativa, manifestada nas normas complementares em matéria tributária no nosso caso, o entendimento da irretroatividade da mudança de decisões proferidas pelo Poder Judiciário.

Há também manifestações doutrinárias que, com a mesma preocupação, apresentam a necessidade de repensar a retroatividade de mudanças de orientação emanadas da Administração Tributária com outros fundamentos, como: (i) o princípio nemo potest venire contra factum proprium68; ou (ii) numa interpretação que traz a regra do art. 146 para aplicação também aos atos normativos complementares69.

Igualmente contribuindo com o tema, pudemos apresentar nosso entendimento sobre a necessidade de observância do regime de controle dos atos administrativos, segregando alteração de critério jurídico por discricionariedade da Administração Pública, da alteração de critério jurídico para a correção de uma ilegalidade. Neste sentido, defendemos que a mudança de interpretação possui efeitos ex nunc, com base no regime de revogação dos atos administrativos. Já para o segundo caso, em que a nulidade do ato administrativo anterior ilegal se impõe, como regra geral, teremos a retroação dos efeitos (ex tunc) da nova interpretação70. Tal raciocínio deve ser aplicado para uma releitura do art. 100, parágrafo único, do CTN, de modo que ele componha o regime de direito administrativo/tributário que rege o controle das mudanças de critério jurídico pela Administração Tributária.

Porém, somente na ciência do direito é que vemos tal raciocínio no Brasil, pelo menos de forma organizada.

No direito posto, repisemos, não é assim que estabeleceu a literalidade do CTN – se lido isoladamente do regime de controle dos atos administrativos que temos no direito brasileiro, o que não é a forma ideal de tratar o assunto, conforme exposto no parágrafo antecedente –, ao fazer a distinção de grau de proteção da confiança do contribuinte que sofreu um lançamento tributário (art. 146) e aquele contribuinte que confiou nos atos normativos da Administração (art. 100, parágrafo único). A seu turno, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, de maneira geral, corrobora essa clássica e literal decisão tomada pelo CTN, conforme precedentes citados alhures. Nessa mesma toada, desde os idos dos anos 1950, trata o Supremo Tribunal Federal da matéria sob a perspectiva da diferença entre erro de fato e erro de direito, conforme se depreende do Recurso Extraordinário n. 37.141, de 26 de agosto de 1958, no qual se decidiu que “[...] não é lícito ao fisco rever o lançamento fiscal com base em mudança de critério, mas só com fundamento em erro de fato”71.

4. Considerações críticas

Por tudo quanto exposto, entendemos ter concluído nossa proposta de estudo de direito comparado entre Brasil e França, no que tange ao tratamento dos casos em que sujeitos passivos da obrigação tributária são surpreendidos com alteração de ato normativo exarado pela Administração, mudando seu próprio entendimento anterior e criando uma situação mais gravosa em termos de carga fiscal.

Enquanto no Brasil o ordenamento jurídico (arts. 100, parágrafo único, e 146 do “CTN”) primou pelo princípio da legalidade, ao estabelecer que somente as penalidades e juros não serão cominados ao contribuinte que agiu conforme a norma complementar ilegal, na França (arts. 80-A e 80-B do LPF) deu-se primazia à garantie contre le changemente de doctrine administrative, a qual impede que mesmo os tributos possam ser cobrados dos contribuintes nessa situação.

Em nível doutrinário em nosso país há vozes já apontando para uma necessidade de revisão da interpretação a ser dada ao texto do CTN. Ou seja, prega-se pela criação da garantie contre le changemente de doctrine administrative, com base em outros elementos.

Já na jurisprudência do STJ e do STF os julgados assinalam no sentido de aplicação da literalidade dos arts. 100, parágrafo único, e 146 do CTN, dando preferência à legalidade.

Pois bem. A análise do direito comparado, que mostra um tratamento atualizado e interessante na pauta do relacionamento entre Fisco e contribuinte, por um país com tamanha tradição no trato do direito público, e com uma jurisprudência tão vasta e coesa sobre o tema, como é a França, pode servir de inspiração para o Brasil.

Tal paralelo, contudo, exige ainda algumas observações.

A primeira delas é que, no nosso sentir, a opção feita pelo art. 80-A do LPF não faz letra morta do princípio da legalidade tributária, mas sim baliza-o, de acordo com a realidade que impera no direito tributário, vale dizer, com o poder e a dimensão que tomaram quantitativa e qualitativamente as manifestações de Administração por meio de seus atos normativos. Efetivamente, o princípio da legalidade é caríssimo ao direito tributário, mas não deixa de ser um princípio e, por conseguinte, não é absoluto e deve ser ponderado pelo legislador quando em choque com outros valores esparsos no ordenamento jurídico. In casu, a proteção da confiança dos administrados nos atos normativos infralegais.

Em segundo lugar, não olvidamos que existem os “hard cases” sobre a aplicação da garantie contre le changement de doctrine administrative na cultura jurídica francesa, como por exemplo o Affaire Fonds-Turbo72, inclusive alvo de críticas por parte da doutrina gálica.

O Conselho de Estado, nesse caso, acabou levando a uma decisão controversa com base no princípio da interpretação literal da doutrina administrativa. O Tribunal, em poucas palavras, não permitiu que a Administração efetuasse a cobrança de tributos da companhia, sob o fundamento de abuso de direito (art. 64 do LPF), uma vez que o contribuinte agiu conforme a literalidade de uma doctrine administrative mal escrita, inclusive escapando explicitamente do espírito da lei que visava aclarar. “Ce faisant, le Conseil d’État s’inscrivait dans la droite ligne des propôs de Jerôme Turot (1992, p. 375) selon lesquel la doctrine adminisrative étant réputée ne pas avoir d’esprit, l’adminsitration ne peut raprocher au contribuable une ‘fraude a la doctrine’, c’est à dire une violation de l’esprit d’un texte qui en serait dépourvu. ”73

Verificamos que, na visão do Conselho de Estado, a garantie contre le changemente de doctrine administrative pode ser levada às últimas consequências, já que escolheu valorizar interpretação absurda dada por uma norma complementar, totalmente destoante do que dizia a própria lei74.

Entretanto, parece-nos que uma boa disciplina e consolidação de entendimento sobre o que significa a boa-fé para a aplicação da garantia em favor dos contribuintes seria capaz de resolver a questão, sem deixar morrer a garantia traçada pelo art. 80-A do Livre de Procédure Fiscal.

Assim, distante de pregar a utopia de um sistema perfeito existente alhures, o que visamos aqui é um diálogo para a necessária evolução da legislação tributária, especialmente na matéria de segurança jurídica na relação entre Fisco e contribuinte. Tal preocupação tem como baliza nossa atual sociedade de risco, na qual o formalismo pautado em um excessivo apego ao princípio da legalidade parece não mais resolver as questões jurídicas tributárias do mundo hodierno, como denuncia Sergio André Rocha75.

Nesse sentido, entendemos que o diálogo proposto é apropriado pensando o Brasil como um país no qual estamos caminhando para um patamar em que cada vez menos teremos que nos preocupar com os casos de desvio das autoridades administrativas e contribuintes que agem de má-fé, contrariando o interesse público primário e secundário. No lugar disso, poderemos vislumbrar um direito posto que se preocupa mais em garantir os direitos daqueles que agiram em conformidade com a legislação, criando a famigerada pacífica e salutar relação entre Fisco e contribuinte. O primeiro agindo com base na moralidade76 (art. 37, caput, da Constituição e art. 2º da Lei n. 9.784/1999), e o segundo esteado na boa-fé77, alcançando assim um “modelo de conduta coerente com o estado de confiabilidade do contribuinte, guiando e facilitando suas tarefas, com atos legítimos e sem contradições, aberta à efetividade de direito fundamentais e plenamente transparente e imparcial”78.

Alcançamos então nossa última observação: com tudo isso não pretendemos negar a qualidade do texto de nosso Código Tributário Nacional, que apesar de datado dos anos 60, ainda é capaz de cuidar com presteza de muitos pontos outorgados à competência da lei complementar em matéria tributária pelo art. 146 da Constituição. Todavia, no que tange à tutela dos contribuintes contra mudanças de orientação pela Administração Tributária, nosso Código, se lido isoladamente, encontra-se defasado, podendo a experiência francesa servir de alento para futuras mudanças legislativas. Assim é que, por ora, parece-nos de fato ser importante a análise do CTN dentro do contexto maior que cerca a matéria, qual seja, o direito administrativo, trazendo o regime de controle dos atos administrativos como forma de superar os impasses vividos na seara tributária79.

5. Bibliografia

ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Princípios da administração pública e segurança jurídica. In: VALIM, Rafael; OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; POZZO, Augusto Neves Dal (org.). Tratado sobre o princípio da segurança jurídica no direito administrativo. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013. v. 1.

ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica – entre permanência, mudança e realização no direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2011.

AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Influência do direito francês sobre o direito brasileiro. Revista da Faculdade de Direito v. 89. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1998.

BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed. revista e complementada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 4. ed. São Paulo: Marcial Pons, 2007.

BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1981. v. IV.

BULLETIN OFFICIEL DES FINANCES PUBLIQUES-IMPOTS, DIRECTION GÉNÉRALE DES FINANCES PUBLIQUES. Identifiant juridique: BOI-SJ-RES-10-10-20-20120912, Page 1/14 Exporté le: 30.04.2017. Disponível em: http://bofip.impots.gouv.fr/bofip/616-PGP.html?identifiant=BOI-SJ-RES-10-10-20-20120912. Date de publication : 12.09.2012.

CARRAZZA, Roque. Direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros, 2009.

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, linguagem e método. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2009.

CARVALHO, Paulo de Barros. Fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

COLLET, Martin; COLIN, Pierre. Procédures fiscales – contrôle, contentieux et recouvrement de l’impôt. 3. ed. Paris: Thémis droit, 2017.

CONSEIL D’ETAT. Rapport public annuel 2006. La sécurité juridique et la complexité du droit. Paris: La Documentation Française, 2006.

COSTA, Ana Cecília Battesini Pereira; GODOI, Marciano Seabra de. Alteração de critério jurídico do lançamento – artigos 146 e 149 do Código Tributário Nacional. In: CARDOSO, Alessandro Mendes et alii (org.). Processo administrativo tributário. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018.

DELIGNE, Maysa de Sá Pittondo; LAURENTIIS, Thais De. Alteração de critério jurídico e jurisprudência do Carf. In: GODOI, Marciano Seabra de et alii (org.). Análise crítica da jurisprudência do Carf. Belo Horizonte: D’Plácido, 2019.

DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como limitações constitucionais ao poder judicial de tributar. São Paulo: Noeses, 2009.

DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2009.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Os princípios da proteção à confiança, da segurança jurídica e da boa-fé na anulação do ato administrativo. In: MOTTA, Fabrício (org.). Direito público atual: estudos em homenagem ao professor Nelson Figueiredo. Belo Horizonte: Instituto de Direito Administrativo de Goiás (Idag) e Fórum 2008.

FLÁVIO NETO, Luís. Segurança jurídica, proteção da confiança, boa-fé e proibição de comportamentos contraditórios no direito tributário: nemo potest venire contra factum proprium. Revista Direito Tributário Atual v. 36. São Paulo: IBDT, 2016.

LAMBERT, Thierry. Procédures fiscales. 2. ed. Issy-les-Moulineaux: LGDJ Lextenso éditions, 2015.

LAURENTIIS, Thais De. Mudança de critério jurídico pela Administração Tributária: regime de controle e garantia do contribuinte. São Paulo: IBDT, 2022.

LOBATO, Valter de Souza. O princípio da confiança retratado no Código Tributário Nacional. A aplicação dos artigos 100 e 146 do CTN. A análise de casos concretos. Disponível em: http://sachacalmon.com.br/wp-content/uploads/2012/09/Artigo-Misabel-analise-dos-arts-100-e-146-do-CTN-final.pdf. Acesso em: 17 maio 2017.

MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, 2005. v. III.

MAHDI, Nada Maalej. L’administration fiscale française face au contribuable: quelle evolution? Disponível em: http://www.fdsf.rnu.tn/useruploads/files/revue_fiscale_6.pdf.

MIRANDA, Túlio Terceiro Neto Parente. Revisão do lançamento tributário: hipóteses e limites. 2021. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021.

OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Lançamento. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Do lançamento. São Paulo: Resenha Tributária, 1987.

OLIVEIRA, Rodrigo Augusto Verly de. O princípio da segurança jurídica e a modificação da interpretação da lei tributária no âmbito da Administração Pública Federal. Cad. Fin. Públ. n. 11. Brasília, dezembro de 2011.

ROCHA, Sergio André. Estudos de direito tributário – teoria geral, processo tributário, fim do RTT e tributação internacional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.

SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

SOUSA, Rubens Gomes de. Limites dos poderes do Fisco quanto à revisão do lançamento. Revista de Direito Administrativo v. 14, 1948.

SOUSA, Rubens Gomes de. Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro, 1954.

TÔRRES, Heleno Taveira. Direito constitucional tributário e segurança jurídica. São Paulo: RT, 2011.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 12. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

TORRES, Ricardo Lobo. O princípio da proteção da confiança do contribuinte. RFDT 06/09, dezembro de 2003.

TROIANELLI, Gabriel Lacerda. Interpretação da lei tributária: lei interpretativa. Observância de normas complementares e mudança de critério jurídico. Revista Dialética de Direito Tributário n. 176. São Paulo: Dialética, maio de 2010.

VERCLYTTE, Stéphane. Abus de droit et garanties des contribuables ayant appliqué la doctrine administrative: le triomphe de la sécurité juridique. Études et Doctrine, RJF 5/98.

XAVIER, Alberto. Do lançamento no direito tributário brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

1 A pesquisa aqui apresentada fez parte da construção da tese de doutorado da autora, publicada em: LAURENTIIS, Thais De. Mudança de critério jurídico pela Administração Tributária: regime de controle e garantia do contribuinte. São Paulo: IBDT, 2022.

2 Nas palavras de Roque Carrazza: “princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.” (Direito constitucional tributário, p. 39). Paulo de Barros Carvalho, por sua vez, destacou que os princípios podem possuir duas acepções distintas: princípios como valores ou limites objetivos. É claro que “os limites objetivos são postos para atingir certas metas, certos fins. Esses, sim, assumem o porte de valores. Aqueles limites não são valores, se considerados em si mesmos, mas voltam-se para realizar valores, de forma indireta, mediata.” (Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 195). Como exemplos de princípios como valores temos a segurança jurídica, isonomia. Já representando os princípios enquanto limites objetivos temos a legalidade, a anterioridade, a irretroatividade das leis tributárias, a tipologia tributária, a indelegabilidade da competência tributária e a capacidade contributiva.

3 Livro de Processo Fiscal [tradução livre].

4 A justificativa para tal abordagem é a inegável influência que o direito francês teve sobre o direito brasileiro no que tange ao direito público. Como enfatiza Antonio Junqueira de Azevedo, no contexto jurídico brasileiro posterior à República, cada ramo do direito tem algum país como influência predominante, em seus dizeres, “pode-se dizer pois que, paradoxalmente, que a originalidade do atual direito brasileiro está em saber copiar” (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Influência do direito francês sobre o direito brasileiro. Revista da Faculdade de Direito v. 89. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1998, p. 190 e 191).

5 Cúpula da jurisdição administrativa francesa, com atribuição de Órgão final responsável pelo contencioso das relações com o Poder Público, além de sua função consultiva ao Estado Francês.

6 Tais atos normativos ditam em grande medida as decisões dos aplicadores do direito, bem como o pensamento de seus estudiosos, uma vez que compõem o quadro legislativo que lhes serve como objeto de trabalho e de pesquisa.

7 Na concepção tradicional que encontramos na Ciência do Direito, aponta-se para as fontes do direito como os instrumentos normativos que introduzem normas jurídicas no sistema, como a lei, a sentença ou o ato administrativo. Contudo, o Professor Paulo de Barros Carvalho aponta para a confusão que tal conceituação apresenta. As fontes do direito, entendidas como as normas introdutoras (lei, decreto, portaria, acórdão, lançamento etc.), não devem ser confundidas com o direito posto e as normas introduzidas no direito. Dá-se, portanto, foco ao processo (enunciação) e não ao produto (enunciado). Vale neste ponto, a referência ao magistério de Paulo de Barros Carvalho: “por fontes do direito havemos de compreender os focos ejetores de regras jurídicas, isto é, os órgãos habilitados pelo sistema para produzirem normas, numa organização escalonada, bem como a própria atividade desenvolvida por esses entes, tendo em vista a criação de normas. Significa dizer, em outros torneios, que não basta a existência do órgão, devidamente constituído, tornando-se necessária sua atividade segundo as regras aqui previstas no ordenamento.” (Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 79). Em outras palavras, as fontes do direito é a atividade humana, o procedimento, a enunciação de normas jurídicas. Por fim, o estudo das fontes do direito é estritamente importante na dogmática jurídica à medida que provê instrumentos imprescindíveis para o entendimento sobre todos os temas que se relacionam com a transformação do direito, além da questão da hierarquia das normas.

8 “A lei estabelece as regras relativas: [...] a base, às alíquotas e métodos de cobrança de tributos de todos os tipos.” [Tradução livre]

Disponível em: http://www.assemblee-nationale.fr/connaissance/constitution.asp#titre_5. Acesso em: 17 maio 2017.

9 “A exigência de lei é, por si só, um instrumento de segurança jurídica, porque, ao demandar normas gerais e abstratas, dirigidas a um número indeterminado de pessoas e de situações, contribui de um lado para afastar a surpresa decorrente tanto da inexistência de normas escritas e de públicas quanto do decisionismo das decisões circunstanciais ad hoc; de outro, favorece a estabilidade do Direito, porque somente graças a determinados procedimentos é que a legislação vigente pode ser modificada.” (ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica – entre permanência, mudança e realização no direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 234)

10 “Que ampara os interesses dos cidadãos que confiam na validade do ato administrativo.” (ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica – entre permanência, mudança e realização no direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 445)

11 Direito constitucional tributário e segurança jurídica. São Paulo: RT, 2011, p. 186 e 187.

12 Princípios da administração pública e segurança jurídica. In: VALIM, Rafael; OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; POZZO, Augusto Neves Dal (org.). Tratado sobre o princípio da segurança jurídica no direito administrativo. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013. v. 1., p. 58.

13 “As normas devem ser claras, inteligíveis e não suscetíveis de variações frequentes no tempo, e, sobretudo, não podem ser imprevisíveis.” [Tradução livre] (CONSEIL D’ETAT. Rapport public annuel 2006. La sécurité juridique et la complexité du droit. Paris: La Documentation Française, 2006, p. 281)

14 Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro, 1954, p. 168.

15 A norma jurídica completa é o composto entre norma primária e secundária, vale dizer, entre norma que estatui um dever nascente do acontecimento do fato previsto no suposto normativo, e norma sancionatória, aplicada pelo Estado, em razão do descumprimento do dever imposto pela norma primária (CARVALHO, Paulo de Barros. Fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 54-55).

16 Desse modo, também o Professor gaúcho conclui que não é possível pensar em relação jurídica sem coercibilidade. Porque houve incidência e eficácia jurídica há coercibilidade, e, se essa eficácia for desrespeitada, será necessária uma coação: utilização de força para obter a sujeição à eficácia jurídica.

Traçando com cuidado a distinção entre coação e coerção, Becker ensina que a coação é física, recai sobre a pessoa ou seu patrimônio. Seu exercício é de monopólio do Estado, diferentemente do que se via na Antiguidade. Já a coercibilidade está no plano das ideias, e é propriedade lógica da relação jurídica (Teoria geral do direito tributário. 4. ed. São Paulo: Marcial Pons, 2007, p. 335-336).

17 Cf. art. 3º da Lei n. 10.637/2022.

18 Cf. inciso I do art. 44 da Lei n. 9.430/1996.

19 Lei n. 9.250/1995.

20 Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro, 1954, p. 169.

21 A inspiração para a norma transcrita buscou-a o legislador no direito germânico. Em sua nova versão, estampada no art. 176 do Código de 1977 (Abgabenordnung 77), aquela regra, sob o título de proteção da confiança nas hipóteses de anulação e alteração do lançamento “[...] tem o seguinte teor: [...] no art. 146, protege-se contra a mudança, com efeito retroativo, do critério individualmente utilizado no lançamento relativo a um mesmo sujeito passivo, para proteger a boa-fé do contribuinte. A norma do art. 146... complementa a irrevisibilidade por erro de direito regulada pelos artigos 145 e 149. Enquanto o art. 149 exclui o erro de direito dentre as causas que permitem a revisão do lançamento anterior feito contra o mesmo contribuinte, o art. 146 proíbe a alteração do critério jurídico geral da Administração aplicável ao mesmo sujeito passivo com eficácia para os fatos pretéritos.” (TORRES, Ricardo Lobo. O princípio da proteção da confiança do contribuinte. RFDT 06/09, dezembro de 2003)

22 Podemos definir o conceito de lançamento como o ato de colocação de nova norma individual e concreta no ordenamento jurídico, com fundamento em respectiva norma de competência e depois de efetuado o procedimento adequado, de forma a constituir, em linguagem jurídica competente, a relação tributária (obrigação pecuniária) entre Estado e contribuinte (sujeito ativo e sujeito passivo), tendo em vista a aferição do fato jurídico tributário. Mas dificilmente lograríamos êxito em exprimir com mais clareza o conceito de lançamento tributário daquele feito por Paulo de Barros Carvalho: “Lançamento tributário é o ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira u’a norma individual e concreta, que tem como antecedente fato jurídico tributário e, como consequente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido.” (Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 386)

23 Segurança jurídica – entre permanência, mudança e realização no direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 453 e 454.

24 “O Artigo 146 nada mais é, pois, que simples corolário do princípio da não retroatividade, extensível às normas complementares, limitando-se a esclarecer que os lançamentos já praticados à sombra de ‘velha interpretação’ não podem ser revistos com fundamento em ‘nova interpretação’. Repare-se que o artigo 146 pressupõe que, antes da modificação operada nos critérios jurídicos, tenha sido previamente praticado um ato individualizado de lançamento, caso contrário não se justificaria a referência a ‘um mesmo sujeito passivo’. O que o artigo 146 pretende é precisamente que os atos administrativos concretos já praticados em relação a um sujeito passivo não possam ser alterados em virtude de uma alteração dos critérios genéricos da interpretação da lei já aplicada. Assim, como corolário da garantia genérica – em favor de todos os sujeitos passivos – de não aplicação retroativa da lei e de interpretação superveniente, constante do artigo 144, o artigo 146 explicita a garantia subjetiva – em favor de cada sujeito passivo individualmente considerado – de que a interpretação superveniente não pode conduzir à modificação do lançamento que o tenha como destinatário. Esta é também a solução consagrada pela LPAF (Lei 9.784/98), que dispõe no seu art. 2º, inciso XIII, ser ‘vedada aplicação retroativa de nova interpretação’.” (XAVIER, Alberto. Do lançamento no direito tributário brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 277)

25 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito constitucional tributário e segurança jurídica. São Paulo: RT, 2011, p. 227.

26 Hugo de Brito Machado, por exemplo, sustenta ser admissível a revisão do lançamento seja por erro de fato ou erro de direito, tendo como fundamento primordial o princípio da legalidade (MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, 2005. v. III, p. 170). José Souto Maior Borges, a seu turno, nega a viabilidade de se distinguir o erro de fato do erro de direito (BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1981. v. IV, p. 307-309). No mesmo sentido, ver: MIRANDA, Túlio Terceiro Neto Parente. Revisão do lançamento tributário: hipóteses e limites. 2021. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021, p. 130-136.

27 Rubens Gomes de Sousa em suas obras doutrinárias e propostas legislativas sempre deixou muito claro seu pensamento: além dos casos em que haja fraude ou ocultação de informações pelo sujeito passivo da obrigação tributária, somente pode haver revisão do lançamento tributário na hipótese de erro de fato, nunca de erro de direito ou alteração dos critérios jurídicos utilizados no lançamento (SOUSA, Rubens Gomes de. Limites dos poderes do Fisco quanto à revisão do lançamento. Revista de Direito Administrativo v. 14, 1948, p. 31).

28 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 534.

29 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 707.

30 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 534.

31 No mesmo sentido: Recurso Especial n. 1.303.543/RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Órgão Julgador T1 – Primeira Turma, Data do Julgamento; REsp n. 881.804/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ 02.03.2007, p. 288. Decisão: 15.02.2007; AgRg no REsp n. 1.506.189, Rel. Min. Humberto Martins, Órgão Julgador – Segunda Turma, Data do Julgamento 01.10.2015, Data da Publicação/Fonte DJe 09.10.2015. Já em sentido contrário, reconhecendo a existência de erro de direito, mas mesmo assim não aplicando a letra do art. 146 do CTN: REsp n. 199.829/SC, Rel. Min. José Delgado, Órgão Julgador T1 – Primeira Turma, Data do Julgamento 18.03.1999.

32 Sobre o tema, ver COSTA, Ana Cecília Battesini Pereira; GODOI, Marciano Seabra de. Alteração de critério jurídico do lançamento – artigos 146 e 149 do Código Tributário Nacional. In: CARDOSO, Alessandro Mendes et alii (org.). Processo administrativo tributário. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018, p. 67-87.

33 Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro, 1954, p. 306.

34 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed. revista e complementada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 811.

35 Para maiores explanações sobre as correntes doutrinárias acerca dos dispositivos do CTN e pesquisa empírica sobre a mudança de critério jurídico no bojo do processo administrativo fiscal federal, ver: DELIGNE, Maysa de Sá Pittondo; LAURENTIIS, Thais De. Alteração de critério jurídico e jurisprudência do Carf. In: GODOI, Marciano Seabra de et alii (org.). Análise crítica da jurisprudência do Carf. Belo Horizonte: D’Plácido, 2019, p. 367-386.

36 Conforme o art. 145 do CTN, são a (i) impugnação do sujeito passivo; (ii) recurso de ofício; (iii) ou iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nas hipóteses previstas no art. 149.

38 “O Artigo 146 nada mais é, pois, que simples corolário do princípio da não retroatividade, extensível às normas complementares, limitando-se a esclarecer que os lançamentos já praticados à sombra de ‘velha interpretação’ não podem ser revistos com fundamento em ‘nova interpretação’. Repare-se que o artigo 146 pressupõe que, antes da modificação operada nos critérios jurídicos, tenha sido previamente praticado um ato individualizado de lançamento, caso contrário não se justificaria a referência a ‘um mesmo sujeito passivo’. O que o artigo 146 pretende é precisamente que os atos administrativos concretos já praticados em relação a um sujeito passivo não possam ser alterados em virtude de uma alteração dos critérios genéricos da interpretação da lei já aplicada. Assim, como corolário da garantia genérica – em favor de todos os sujeitos passivos – de não aplicação retroativa da lei e de interpretação superveniente, constante do artigo 144, o artigo 146 explicita a garantia subjetiva – em favor de cada sujeito passivo individualmente considerado – de que a interpretação superveniente não pode conduzir à modificação do lançamento que o tenha como destinatário. Esta é também a solução consagrada pela LPAF (Lei 9.784/98), que dispõe no seu art. 2º, inciso XIII, ser ‘vedada aplicação retroativa de nova interpretação’.” (XAVIER, Alberto. Do lançamento no direito tributário brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 277)

39 “Processual civil e tributário. Embargos de declaração. Omissão verificada. Acolhimento. Contribuição previdenciária. Entidade filantrópica. Imunidade. Requisitos. [...]

3. Em virtude do princípio de proteção à confiança, o art. 146 do Código Tributário Nacional impede a revisão do ato administrativo de lançamento tributário em desfavor do contribuinte pela alteração dos critérios jurídicos empregados pela autoridade administrativa ‘em relação a um mesmo sujeito passivo’. Ou seja, a autoridade administrativa não poderia adotar novos critérios, ou dar interpretação diversa à norma tributária que institui o tributo, para o fim de determinar a ocorrência de fato gerador e mensurar a obrigação principal, quando já existe uma situação jurídica consolidada, cuja estabilidade deve ser resguardada. A alteração do lançamento somente afigura-se legítima acaso constatado erro de fato, consistente na inexatidão de dados fáticos, atos ou negócios que dão origem à obrigação tributária.

4. O impedimento de aplicação de novo critério jurídico, nos termos do art. 146, é invocável tão somente pelo mesmo sujeito passivo em relação ao qual outro lançamento já tenha sido efetuado. Desse modo, em relação a outros sujeitos passivos, não há que se falar em proibição de se alterar os critérios jurídicos adotados pela autoridade no exercício do lançamento. Isso porque, no caso, não se trata de alteração de critérios jurídicos, mas sim da realização de lançamento dirigido a outro contribuinte, responsável pelo pagamento do tributo. [...]

7. Embargos de declaração acolhidos, sem efeitos infringentes.”

40 Direito tributário. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 115.

41 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 573.

42 Vide CONSEIL D’ETAT. Rapport public annuel 2006. La sécurité juridique et la complexité du droit. Paris: La Documentation Française, 2006.

43 MAHDI, Nada Maalej. L’administration fiscale française face au contribuable: quelle evolution? Disponível em: http://www.fdsf.rnu.tn/useruploads/files/revue_fiscale_6.pdf, p. 139.

44 Também por meio dos rescrits, que são mecanismos disponíveis aos contribuintes de requerer formalmente um entendimento da Administração sobre determinada situação específica de fato (como a nossa consulta fiscal, disciplinada pelo art. 48 da Lei n. 9.430/1996), integram a doctrine administrative.

45 Preferimos evitar a tradução como “doutrina administrativa”, uma vez que doutrina não constitui fonte do direito. Afinal, a doutrina não produz norma jurídica, pois tem linguagem descritiva, e não prescritiva. Pertence ao mundo do ser, quanto o direito positivo do dever ser. Aqueles que fazem afirmação em sentido contrário confundem direito positivo com ciência do direito, cabendo ressaltar que a doutrina tampouco é fonte da ciência do direito, e sim, na realidade, constitui ela própria a ciência (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 88).

46 “Article 80-B

La garantie prévue au premier alinéa de l’article L. 80 A est applicable:

1º Lorsque l’administration a formellement pris position sur l’appréciation d’une situation de fait au regard d’un texte fiscal; elle se prononce dans un délai de trois mois lorsqu’elle est saisie d’une demande écrite, précise et complète par un redevable de bonne foi. [...].

Un décret en Conseil d’Etat précise les conditions d’application du présent 8º.”

47 Paralelamente, o Code Général des Împots – “CGI” cuida do direito material.

49 Não será efetivado qualquer aumento de imposição tributária anterior se o motivo do aumento perseguido pela Administração baseia-se em uma interpretação diferente daquela adotada pelo contribuinte de boa-fé e se ficar demonstrado que a interpretação sobre a qual se fundou a primeira imposição foi, na época, formalmente reconhecida pela administração.

Quando o contribuinte tiver aplicado um texto fiscal de acordo com interpretação de que a Administração tinha fornecido por meio de suas instruções ou circulares publicadas, e que ela (administração) não havia informado sobre a data das transações, não poderá ser promovido nenhum aumento de cobrança utilizando uma interpretação diferente. Também são oponíveis à Administração, sob as mesmas condições, instruções ou circulares emitidas para a arrecadação de tributos e multas fiscais. [Tradução livre]

50 “O contribuinte tem o direito de confiar na informação contida nas normas complementares vigentes no momento da ocorrência do fato gerador, de modo que a Administração não pode culpá-lo quando ela mesma decide mudar sua interpretação, ou ainda se sua antiga interpretação passa a ser considerada ilegal.” [Tradução livre]

Logicamente, essa garantia só se aplica em favor do contribuinte. A Administração nunca vai poder invocar sua própria doutrina para fundamentar uma imposição contrária à lei (julgamento conselho de estado – CE. Plén, 26 juil. 1985, n. 45.149. Ste Lefebure Isolants Réunis, Rec. P. 237) (Procédures fiscales – contrôle, contentieux et recouvrement de l’impôt. 3. ed. Paris: Thémis droit, 2017, p. 100).

51 “Les dispositions de l’article L. 80 A du LPF n’ont ni pour objet ni pour effet de conférer à l’administration fiscale un pouvoir réglementaire ou de lui permettre de déroger à la loi. Elles instituent, en revanche, un mécanisme de garantie au profit du redevable qui, s’il l’invoque, est fondé à se prévaloir, à condition d’en respecter les termes, de l’interprétation de la loi formellement admise par l’administration, même lorsque cette interprétation ajoute à la loi ou la contredit.” (Avis du Conseil d’Etat, Section, 8 mars 2013, n. 353 782, ECLI:FR:CESEC:2013:353782.20130308)

52 “L’application de cette règle ne confère aucunement à l’administration fiscale la faculté de se substituer au législateur. [...] Cela étant, afin de garantir au contribuable qui a sollicité l’administration, la sécurité juridique attachée à l’interprétation qu’elle lui a signifiée et qu’il a appliquée de bonne foi, cette remise en cause ne peut être faite que pour le futur. ” (Extrait du Bulletin Officiel des Finances Publiques-Impôts, Direction Generale des Finances Publiques)

53 Disponível em: https://www.legifrance.gouv.fr/affichJuriAdmin.do?idTexte=CETATEXT0000-
23009371.

54 Procédures fiscales – contrôle, contentieux et recouvrement de l’impôt. 3. ed. Paris: Thémis droit, 2017, p. 102.

55 CE, Plén., 3 févr. 1971, n. 74352, Compagnie X..., Rec., p. 94.

56 E.g., alíquota, base de cálculo, isenção, sujeito passivo, etc. (CE, Plén., 29 juil. 1983, n. 31.761, Dr. Fisc. 1983, comm. 2367, concl. P. Rivière). Inclusive sobre o prazo pra declarações (CE, Plén. 9 abr; 1986, 22.691, RJF 6/86, n. 625 et 633, conl. O. Fouquet, p. 359).

57 Simples recomendações aos agentes públicos não são o suficiente. Tampouco uma declaração de intenção do ministro, do silêncio da administração quanto à questão posta pelo contribuinte ou uma indicação verbal dada por um agente da Administração. Termos contraditórios ou ambíguos não são o suficiente.

58 Les documents portant interpretation de un texte fiscal qui sont publiés: circulaires et instructions administratives, les réponses ministérielles, la documentation administrative de base mais aussi les réponses individualles au contribuables. A l’inverse les documents ne portant pas interpretation d’un teste fiscal: le précis adminsitratif de fiscalité mais aussi, et sans prétendre à l’exhaustivité, les declarations ministerielles (Procédures fiscales. 2. ed. Issy-les-Moulineaux: LGDJ Lextenso éditions, 2015, p. 446 e 447).

59 COLLET, Martin; COLIN, Pierre. Procédures fiscales – contrôle, contentieux et recouvrement de l’impôt. 3. ed. Paris: Thémis droit, 2017, p. 109.

60 Vide OLIVEIRA, Rodrigo Augusto Verly de. O princípio da segurança jurídica e a modificação da interpretação da lei tributária no âmbito da Administração Pública Federal. Cad. Fin. Públ. n. 11. Brasília, dezembro de 2011, p. 209-234.

61 “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”

62 “A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.”

63 Segurança jurídica – entre permanência, mudança e realização no direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 445 e 446.

64 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Os princípios da proteção à confiança, da segurança jurídica e da boa-fé na anulação do ato administrativo. In: MOTTA, Fabrício (org.). Direito público atual: estudos em homenagem ao professor Nelson Figueiredo. Belo Horizonte: Instituto de Direito Administrativo de Goiás (Idag) e Fórum 2008, p. 312.

65 Segurança jurídica – entre permanência, mudança e realização no direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 450.

66 Recordemos, que a boa-fé e explicitamente requerido sobre o tema pela legislação francesa (art. 80-A da LPF).

67 DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência no direito tributário, p. 550. As normas judiciais têm a mesma estrutura lógica das normas legais, sendo relevante destacar que a diferença é que as normas judiciais não podem ser afastadas dos casos concretos que lhe deram origem. Por esses motivos como também, como a Professora mineira lembra, já com Kelsen, passamos a considerar que a aplicação das normas pelo Judiciário na solução dos casos que lhe são enviados também consiste em atividade de criação do direito, à medida que, da mesma forma que faz o legislador, há colocação de normas no sistema; e que a jurisprudência consolidada é norma vinculativa, genérica e abstrata, similar às normas legais, merecem a aplicação analógica do princípio da irretroatividade, como foi proposto por Misabel Machado Derzi, e aqui é corroborado.

68 FLÁVIO NETO, Luís. Segurança jurídica, proteção da confiança, boa-fé e proibição de comportamentos contraditórios no direito tributário: nemo potest venire contra factum proprium. Revista Direito Tributário Atual v. 36. São Paulo: IBDT, 2016, p. 222-239.

69 TROIANELLI, Gabriel Lacerda. Interpretação da lei tributária: lei interpretativa. Observância de normas complementares e mudança de critério jurídico. Revista Dialética de Direito Tributário n. 176. São Paulo: Dialética, maio de 2010, p. 76-83.

70 LAURENTIIS, Thais De. Mudança de critério jurídico pela Administração Tributária: regime de controle e garantia do contribuinte. São Paulo: IBDT, 2022.

71 Vide nesse sentido, também, STF, RE n. 100.218, Rel. Min. Moreira Alves, Segunda Turma, julgado em 16.09.1983, DJe 16.09.1983, e STF, RMS n. 18.443/SP, Rel. Min. Djaci Falcão, Primeira Turma, julgado em 30.04.1968, DJe 28.06.1968. Mais exemplos de casos julgados pelo STF e pelo STJ, todos no mesmo sentido do aqui apontado, são trazidos por OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Lançamento. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Do lançamento. São Paulo: Resenha Tributária, 1987, p. 97-139.

72 Conseil d’Etat (Avis), 8 avril 1998, n. 192539.

73 COLLET, Martin; COLIN, Pierre. Procédures fiscales – contrôle, contentieux et recouvrement de l’impôt. 3. ed. Paris: Thémis droit, 2017, p. 107.

74 VERCLYTTE, Stéphane. Abus de droit et garanties des contribuables ayant appliqué la doctrine administrative: le triomphe de la sécurité juridique. Études et Doctrine, RJF 5/98, p. 377.

75 Estudos de direito tributário – teoria geral, processo tributário, fim do RTT e tributação internacional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 154.

76 O princípio da confiança legítima integra-se ao princípio da boa Administração Pública (moralidade, eficiência, legalidade, impessoalidade), segundo os critérios de transparência, motivação, imparcialidade e probidade.

77 Princípio que não fica adstrito ao direito privado, tratando-se, isto sim, de valor que permeia toda a moralidade juridicamente qualificada e se relaciona com a confiança legítima.

78 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito constitucional tributário e segurança jurídica, p. 224.

79 Cf. LAURENTIIS, Thais De. Mudança de critério jurídico pela Administração Tributária: regime de controle e garantia do contribuinte. São Paulo: IBDT, 2022.