A Responsabilidade Tributária por Débitos Lançados após a Dissolução Regular da Sociedade Empresária Limitada

Tax Liability for Debts Assessed after the Regular Dissolution of Limited Liability Companies

Mara Eugênia Buonanno Caramico

Mestre em Direito Tributário pela FGV. Especialista em Direito Tributário pela USP. Bacharel em Direito pela USP. Especialista em Direito Tributário Internacional pelo IBDT. Instituto Brasileiro de Direito Internacional. LLM em Mercado Financeiro pelo IBMEC. Membro do COJUR da ITALCAM. Membro do CESA. Juíza Contribuinte do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo desde 2003. Advogada e Sócia do escritório de advocacia Panella Advogados em São Paulo. E-mail: mara.caramico@panella.com.br.

Recebido em: 3-2-2022

Aprovado em: 8-3-2022

Resumo

Este artigo analisa a responsabilidade tributária do administrador no caso de dissolução regular das sociedades empresárias limitadas, em que há o registro do distrato social e baixa da respectiva inscrição, nos órgãos e repartições públicas competentes. Constatamos que, nesses casos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) considera que o distrato é apenas um dos procedimentos da dissolução de uma sociedade, e, como tal, não tem o condão de pôr fim à sociedade (extingui-la), sem que outros procedimentos, como o da liquidação de haveres, tenham sido regularmente concluídos. Para essa Corte, a simples existência de tributo não pago, ainda que lançado apenas após o registro do distrato, denota que a dissolução se fez sem a liquidação de todos os passivos da sociedade, o que faz presumir que o procedimento foi realizado de forma irregular. Porém, tal posicionamento não é compartilhado pela doutrina, que entende que, diante da constatação de “credores não satisfeitos” – assim qualificados aqueles que reclamam seus créditos apenas após a dissolução da sociedade –, esse procedimento (dissolução) continua a ser regular. O que se tornaria irregular nessa situação seria apenas o procedimento de liquidação de haveres. Dessa forma, surge uma nova situação fática que pode ensejar a responsabilidade tributária de terceiros, e nosso esforço será analisá-la e verificar suas consequências.

Palavras-chave: responsabilidade tributária, dissolução regular, extinção, distrato social, liquidação irregular.

Abstract

This paper analyzes the tax liability of the administrator, in case of regular dissolution of limited liability companies, when the social dissolution is registered at the competent bodies and public authorities. We found that the Superior Court of Justice adopts the position that the dissolution is only one of the procedures for the dissolution of a company, and, as such, it does not have the power to end the company (extinguish it), without other procedures, such as liquidation of the assets, that have been regularly completed. For this Court, the simple existence of a tax, even if assessed after registration of the dissolution, already denotes that the dissolution was made without liquidating all the company’s liabilities, which makes the dissolution irregular. However, this position is not adopted by the doctrine, which understands that, in view of the finding of “unsatisfied creditors”, those who claim their credits only after the dissolution of the company, that this procedure (dissolution), continues to be regular. What would become irregular in this situation would only be the asset liquidation procedure. In this way, a new factual situation arises that can give rise to the tax liability of third parties, and our effort will be to analyze it and verify its consequences.

Keywords: tax liability, regular dissolution, extinction, agreement for dissolution, irregular liquidation.

1. Introdução

Este artigo analisa o posicionamento da doutrina e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a responsabilidade tributária, especificamente do administrador da sociedade, em caso de existência de crédito tributário lançado (constituído) após a extinção regular da sociedade empresária do tipo “responsabilidade limitada”, e que seja relativo a período anterior à sua extinção. Não é o escopo, portanto, aqui, analisar os demais tipos societários, bem como os casos de dissolução irregular, assim caracterizados pela Súmula n. 435 do STJ1.

Segundo se constatou, o simples fato de existir tributo não pago pela sociedade, ainda que lançado posteriormente à sua extinção formal, tem sido motivo para se presumir que a “dissolução” se deu de maneira irregular. Nesses casos, somente se consideraria regular uma dissolução se todos os passivos da empresa tivessem sido liquidados no momento de seu encerramento, e isso dependeria de prova2.

Tal solução preliminar passa a equiparar os casos de extinção da pessoa jurídica por dissolução regular aos de dissolução irregular, em que se autoriza o redirecionamento das execuções fiscais para os sócios, quando é identificado – no mais das vezes, por certidão do Oficial de Justiça – que a empresa não se encontra mais em seu domicílio fiscal, e não comunicou ao fisco sua mudança de endereço ou o encerramento de suas atividades no local (Súmula n. 435 do STJ).

Como resultado de nosso estudo, verificamos que o termo “dissolução regular” é ambíguo, e vem sendo utilizado de maneira pouco técnica e aleatória por nossos Tribunais, que ora o mencionam em seu sentido amplo (como o procedimento complexo de atos tendentes a encerrar e extinguir a sociedade), e ora em seu sentido estrito (como a causa, o procedimento inicial que instaura o processo de dissolução em sentido amplo, quando, então, o distrato é visto apenas como um dos procedimentos iniciais tendentes a concluir a extinção da sociedade regularmente, e que não prescinde da liquidação de haveres para a completude do procedimento de dissolução regular da sociedade).

Por esse motivo, ao analisar a jurisprudência existente sobre o tema, veremos, inicialmente, qual é o significado principal e preponderante que os nossos Tribunais estão dando ao termo “dissolução regular”, ou seja, se é dissolução em sentido estrito3 ou amplo4.

Essa análise é fundamental, pois a doutrina e a jurisprudência têm posicionamentos distintos quanto ao limite da responsabilidade tributária que se deve conferir aos sócios, aos administradores e ao liquidante, com base nas regras legais hoje existentes, especialmente quanto ao enquadramento dos administradores na regra do art. 135, III, do CTN, quando presentes determinadas condições.

Assim, em uma primeira abordagem, identificaremos quais as diferenças conceituais e técnicas que existem entre os termos “liquidação irregular” e “dissolução irregular”, e quais os impactos que isso provoca em relação à responsabilidade tributária, especialmente do administrador da sociedade.

Nosso foco, aqui, será analisar os casos em que a dissolução da sociedade (enquanto procedimento em sentido amplo) ocorreu de maneira regular, sendo que, depois de sua extinção formal (registro na Junta Comercial de sua liquidação e encerramento), foram constituídos pela Fazenda Pública créditos tributários referentes ao período anterior à liquidação e ao encerramento da sociedade. Tal situação é justamente aquela em que identificamos os principais problemas jurisprudenciais existentes, e, por isso, é o motivo de nosso estudo.

2. Contextualização do significado dos termos “dissolução”, “liquidação” e “extinção” da sociedade

Para o direito positivo brasileiro, existem duas formas de uma pessoa jurídica ser extinta. O primeiro modo de extinção ocorre por meio de certas hipóteses de reorganização da sociedade, marcadas pela sucessão universal. Nesses casos, não existe a necessidade do processo de dissolução, bem como o de liquidação de haveres, com pagamento dos credores, dado que a sociedade sucessora, ao assumir o patrimônio da sucedida, herda os direitos e as obrigações desta última de maneira automática, pela própria sucessão societária. Nesse contexto, a sucessora assume o polo obrigacional da sucedida e se torna responsável pela solvência do passivo da sociedade sucedida. Não é objeto de nosso trabalho esse tipo de extinção de sociedade.

Já o segundo modo de extinção de sociedade – que é o que nos interessa analisar – pressupõe como condição necessária para sua efetivação a realização do “processo de dissolução”, no curso do qual se realizará liquidação, que é a fase em que são apurados os ativos e os passivos da sociedade, com o pagamento dos credores e a partilha do remanescente entre os sócios.

E quais são as diferenças entre os termos: “dissolução”, “liquidação” e “extinção” da sociedade?

Para Daniel Monteiro Peixoto5, a expressão “dissolução da sociedade” possui duas acepções: uma de amplo espectro e outra mais específica. Em sentido amplo, “dissolução” abarca o significado de um procedimento necessário e complexo de atos que terão como alcance e finalidade realizar a extinção da sociedade, como: (a) a ocorrência de uma causa para levar a sociedade à sua dissolução (deliberação dos sócios, por exemplo); (b) o ingresso na fase de liquidação, com a eleição, pelos sócios, de um liquidante; (c) a efetivação do processo de liquidação propriamente dito, com a apuração de ativos e passivos da sociedade (a liquidação, com o pagamento dos credores, uma vez concluída, com a partilha do remanescente entre os sócios, leva ao último ato); e (d) a extinção da sociedade com baixa de seu registro nos órgãos públicos competentes, vale dizer, na Junta Comercial.

Em sentido estrito, o termo é utilizado para definir a “causa” da dissolução, isto é, o fato jurídico apto a desencadear seu procedimento. Conforme o autor6, esse é o sentido utilizado pela legislação, especialmente constante dos arts. 51 do Código Civil e 207 da Lei das S/A, segundo os quais a sociedade conserva sua personalidade jurídica para o fim de proceder à sua liquidação e final extinção7.

Diante disso, por força das normas de direito privado, cujas definições são recepcionadas no âmbito dos conceitos mercantis pelo Código Tributário Nacional (art. 110), a pessoa jurídica existe até a sua liquidação, entendida esta como o momento em que a sociedade, depois de ter arrecadado todos os seus ativos e pago todos os seus passivos, se extingue após o registro de sua finalização perante o órgão de registro público competente, como veremos adiante.

Assim, conclui-se que o significado de “dissolução da sociedade” é substancialmente diferente de “extinção da sociedade”. Sem a instauração do procedimento de dissolução (sentido estrito) ou, se ele (entendido como procedimento complexo e em sentido amplo) se der de maneira incompleta, não se perfaz a extinção da sociedade e de sua personalidade jurídica.

Portanto, nem em sentido amplo, nem em sentido estrito, o termo “dissolução” se confunde com “extinção” da sociedade, que é o ato formal pelo qual se registra o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica no registro competente, após a realização da liquidação do patrimônio social.

Dessa forma, podemos concluir que, da mesma maneira que a sociedade dotada de personalidade jurídica somente surge com o registro do contrato social ou de seu estatuto – de acordo com o art. 45 do Código Civil –, também só se extingue, juridicamente, com a averbação do encerramento da liquidação (voluntário ou judicial) no registro próprio (art. 51, § 3º, do CC). As causas de dissolução da sociedade, por sua vez, estão prescritas nos arts. 1.033 a 1.035 do Código Civil8 e, também, no art. 2069 da Lei das S/A.

2.1. “Dissolução (ir)regular” vs. “liquidação irregular” – a confusão de terminologia existente

A partir da análise da jurisprudência sobre o tema, identificamos que a qualificação da dissolução da sociedade como sendo “irregular” é uma condição relevante para se aferir a responsabilidade tributária de terceiros pelo cumprimento da obrigação tributária.

Além disso, verificamos que o termo “dissolução irregular” vem sendo aplicado de forma ambígua por nossos Tribunais, isto é, tanto o encontramos como sinônimo de “procedimento integral de dissolução”, como também com o sentido de “causa da própria dissolução da sociedade” – ou seja, o ato que instaura o processo de dissolução. Nesta última hipótese, a “dissolução irregular” (procedimento integral) se confunde com a “liquidação irregular” (uma das fases do processo de dissolução).

O termo “dissolução regular” em seu sentido estrito, e que é utilizado pela legislação em vigor, é o ato que inaugura o processo de extinção da sociedade (reunião de sócios, ata de assembleia, distrato etc.), em que os sócios decidem por encerrar as atividades da sociedade, e nomeiam o liquidante. Esse instrumento deve ser averbado no registro competente para dar a regularidade ao procedimento.

Portanto, “dissolução regular”, nesse sentido, não se confunde com o procedimento complexo de atos em si – que compreende a liquidação e a extinção da sociedade. A grande confusão técnica que vemos no uso do termo “dissolução regular” é considerar a parte pelo todo, ou seja, a causa “dissolução”, que é uma das fases do procedimento complexo de atos tendente à liquidação e encerramento – extinção – da sociedade, com o próprio procedimento – conjunto de atos, composto pelas fases: dissolução, liquidação e extinção.

Talvez a atecnia se dê porque, na prática, todos esses procedimentos são realizados em um único mecanismo: o “distrato social”. Tal instrumento, que deveria apenas dar início ao encerramento da sociedade, constituindo-se seu primeiro ato – dissolução em sentido estrito –, acaba por conter os demais, informando que houve a liquidação dos haveres, como ela foi feita, e formalizando a extinção da sociedade.

Assim, “dissolução regular” pode também ter a acepção de “procedimento regular de extinção da sociedade”, quando, para assim ser considerada, deverão ter sido percorridos e completados todos os procedimentos e fases acima mencionados, ainda que por meio de um único instrumento formal.

A “dissolução regular” só se dará com o registro final da extinção da sociedade na Junta Comercial, ou no órgão que lhe faça as vezes, após a liquidação dos haveres da sociedade, pelo procedimento da liquidação do patrimônio social, conforme explanado, o que só ocorre com o pagamento de todos os débitos da sociedade e da satisfação de todos os credores.

2.2. Efeitos da existência de “credores não satisfeitos” após o encerramento da sociedade

É importante mencionar que a existência de credores cujos créditos venham a ser apurados apenas após o encerramento da liquidação, conforme a explanação de Mauro Rodrigues Penteado10, não é traço indicativo de “dissolução irregular” (entendida esta como o procedimento complexo que culmina na extinção da sociedade).

Confira-se:

“Já a Lei 6.404/76 [...] admite o encerramento da liquidação, com a consequente extinção da companhia, ainda que exista ‘credor não satisfeito’ (art. 218), não alterando, contudo, a natureza do instituto, na medida em que apenas subtraiu de seu suporte fático um dos elementos que a lei e a jurisprudência de outros países consideram relevante (o pagamento integral de todo o passivo social, com a satisfação completa de todos os credores). Trata-se, como já foi acentuado, de opção legislativa, explicável tanto por ter em mira eliminar as incertezas e a perpetuação de controvérsias na fase final da vida societária, quanto porque exercida diante de mecanismos de publicidade que a lei propicia a terceiros credores, cujos direitos continuam a merecer tutela após a extinção da sociedade.

Os direitos e obrigações da sociedade sobre os quais exsurjam controvérsias ou litígios, após a sua extinção, poderão traduzir-se, segundo nossa lei acionária, quer em pleitos de “credor não satisfeito” contra o liquidante ou ex-acionistas, quer em demandas entre os acionistas, o que é alvo de específica previsão legal (art. 218). As perdas e danos causados aos credores cuja recomposição caiba ao liquidante têm nesse dispositivo o reconhecimento de ação própria, que igualmente ampara o direito de ação dos credores contra os ex-acionistas para que deles se exija, individualmente, o pagamento dos créditos até o limite da soma recebida a título de partilha do acervo social. É também no art. 218 que o ex-acionista para tal fim executado, encontra amparo para haver dos demais a parcela que lhes couber do crédito pago.”

E complementa:

“A disciplina legal dos direitos e obrigações dos ex-acionistas, liquidante e credores não satisfeitos, após a extinção da companhia, ou seja, depois da dissolução do contrato plurilateral de sociedade e do desaparecimento da pessoa jurídica que foi por ele criada, está em harmonia com a opção legislativa acima mencionada, que, ao admitir a subsistência de credores não satisfeitos, haveria, necessariamente, de a eles reconhecer direito de ação para o recebimento de seus créditos, durante determinado lapso prescricional, contado da publicidade dada à deliberação final sobre a extinção, e por via de consequência, o direito de ação dos sócios, para que estes ajustem entre si a distribuição dos valores pagos em razão de demanda proposta por terceiros nesse prazo. Essa tutela complementar, contudo, levou alguns autores a sustentar a existência de uma ‘quarta’ fase ou momento do fenômeno dissolutório, a nosso ver sem razão, pois a Lei 6.404/76 (a exemplo, aliás, do Dec.-Lei 2.627/40), foi clara ao estabelecer as consequências da opção legislativa pela qual se inclinou.”11

Essa “quarta” fase citada por Mauro Penteado foi defendida por Fran Martins12, que argumenta:

“[...] como acontece com relação ao nascimento da pessoa jurídica, a data exata de sua extinção pode suscitar dúvidas, em face de alguns dispositivos do Código Comercial. Na verdade, o art. 352 estatui que ‘depois da liquidação e partilha definitiva, os livros de escrituração e os respectivos documentos serão depositados em casa de um dos sócios, que à pluralidade de votos, se escolher’. Esse depósito está em consonância com o n. 3 do art. 10 do Código que manda o comerciante ‘conservar em boa guarda toda a escrituração, correspondência, e mais papéis pertencentes ao giro do seu comércio, enquanto não prescreverem as ações que lhe possam ser relativas’. Nesse sentido também se manifestou a jurisprudência através de uma sentença famosa do Juiz Macedo Soares, proferida em 8 de março de 1888, que declara que a guarda dos livros dos comerciantes, uma vez extinta a sociedade, tem por finalidade ‘pô-los ao alcance e disposição de quem neles tenha necessidade de verificar direitos que lhe compitam ou obrigações que lhe incumbam’.

Ora, esses direitos e obrigações serão reclamados depois de extinta a pessoa jurídica, já que a extinção se verifica com a integral liquidação do patrimônio social. Se, porém, tais direitos e obrigações podem ser reclamados depois da dissolução da sociedade, é evidente que a pessoa jurídica não desapareceu. As ações que porventura sejam movidas contra ex-sócios o serão em função de sua antiga qualidade, o que demonstra que a pessoa jurídica não se extingue com a dissolução da sociedade, mas apenas quando prescreverem todas as ações que contra a mesma possam ser intentadas. Só aí, realmente, a pessoa jurídica está inteiramente livre de compromissos; a dissolução marca, assim, apenas a cessação definitiva das atividades sociais, a sua morte aparente, continuando essa, porém, a responder, através de seus antigos sócios, pelas ações que lhe possam ser opostas, ações essas que só deixarão de ser oponíveis uma vez decorrido o prazo estatuído em lei.”

Contudo, não nos parece ser esse último o melhor entendimento, porque a lei societária, ao regular as relações e as ações entre ex-sócios e terceiros, assim como entre os próprios ex-sócios, retira da sociedade a sua legitimidade passiva de figurar no polo de qualquer ação futura, dado que já extinta definitivamente pelo registro de seu distrato, ou pelo vencimento de sua existência jurídica – quando seu contrato prevê a sua constituição por tempo determinado –, ou, ainda, pela ocorrência de qualquer dos motivos legais para se declarar dissolvida uma sociedade.

Portanto, dissolvida a sociedade por ato formal dos sócios, registrado na repartição pública competente (que pode ser o distrato social, a alteração contratual que assim o estabeleça, a assembleia de acionistas etc.), instaura-se a fase de liquidação e apuração dos haveres da sociedade.

Se algum credor acionar a sociedade para o recebimento de seu crédito enquanto ainda esteja em curso essa fase procedimental, não há que se falar em extinção da sociedade, dado que sequer se encontrava finda a liquidação de haveres.

Assim, a figura do credor não satisfeito se faz presente, notadamente, quando, no momento do encerramento da liquidação e da extinção formal da sociedade, os débitos não eram conhecidos, ou não estavam constituídos, ou, mesmo, não haviam sido reclamados.

Nesse caso, os procedimentos de encerramento e extinção da sociedade foram corretamente realizados; entretanto, a posteriori, veio a se descobrir, ou a se lançar, ou, ainda, veio a ser proposta ação para exigir obrigação não existente (posto que não constituída/lançada/acionada) no momento do encerramento da liquidação e da extinção da sociedade.

Por esse motivo, o direito positivo brasileiro, para contemplar o direito de terceiros credores, em tal situação, adota a figura do “credor não satisfeito” em decorrência da extinção da sociedade. Portanto, devemos manter em mente que, nesses casos, a dissolução (tanto em sentido estrito, como em sentido amplo) foi regular, independentemente de se constatar, a posteriori, que a liquidação se deu de maneira irregular.

Essa distinção entre “dissolução regular” e “liquidação irregular” é fundamental, pois veremos que a jurisprudência formada sobre o tema não se aprofunda no que se deve entender por “dissolução regular” nem realiza a distinção acima vista – dissolução regular vs. liquidação irregular.

Além disso, essa distinção também é importante para a análise da responsabilidade tributária em face da existência de um “credor não satisfeito”13 – no caso, o fisco –, e de como os créditos tributários não satisfeitos, posteriormente à extinção da sociedade, serão ou não cobrados (e de quem).

Modesto Carvalhosa, ao comentar o art. 1.110 do Código Civil, que trata da liquidação irregular, nos moldes acima configurados, assim esclarece:

“[...] para a leitura do dispositivo (art. 1.110 do CC) infere-se que somente poderá haver créditos não satisfeitos após a liquidação da sociedade dissolvida por erro, fraude, simulação e outros defeitos jurídicos no negócio de extinção. A superveniência de créditos não pagos após a extinção configura, portanto, liquidação irregular [...].”14

Portanto, por meio dessa figura (“credor não satisfeito”) criada pelo direito civil, resguardam-se, por um lado, o direito do terceiro prejudicado com a liquidação irregular, e, por outro, os sócios, que, apesar de poderem vir a ser responsabilizados pelo pagamento dos débitos supervenientes à liquidação, poderão sê-lo limitada, ou ilimitadamente, de acordo com o tipo societário da sociedade extinta.

Concluindo, como defendido ao menos por parte da doutrina, a dissolução regular não implica, ab initio, a plena satisfação de todos os direitos creditórios de terceiros existentes em relação à sociedade dissolvida e extinta após a sua liquidação, de tal forma que a própria lei societária previu a figura do “credor não satisfeito”, dando-lhe instrumentos jurídicos (ação) para a satisfação de seu crédito não solvido no momento próprio – o da liquidação da sociedade.

Ainda segundo as regras societárias, existem duas situações possíveis em caso de liquidação irregular: (a) a responsabilização dos sócios de maneira ilimitada (nos casos dos tipos societários em que a lei estabeleça esse tipo de responsabilidade, como ocorre nas sociedades simples e nas em nome coletivo, por exemplo); e (b) a responsabilização limitada dos sócios nos casos, v.g., de sociedades limitadas, de EIRELIs e das sociedades por ações.

Contudo, em qualquer dos casos, como já esclarecido linhas atrás, deve ficar claro que, de acordo com a solução dada pela doutrina ao interpretar a legislação, a existência de “credor não satisfeito” não indica que houve dissolução irregular da sociedade, pois a liquidação foi finalizada e a sociedade encerrada (extinta). O credor não satisfeito, consoante os parâmetros legais, é aquele que só reclama o crédito após a finalização da liquidação, e não antes; pois, enquanto aberto o procedimento de liquidação, não há que se falar em “credor não satisfeito” no sentido dado pela legislação em vigor, já que, nessa situação, ele faz parte dos credores que deverão ser pagos para se finalizar a liquidação regularmente.

Feito esse esclarecimento, a lei societária estabelece o limite de responsabilidade para os sócios, no caso de extinção de sociedade limitada, quando se verificar a existência de “credores não satisfeitos” (na acepção acima mencionada); portanto, no caso de “liquidação irregular” (que, repita-se, não se confunde com “dissolução irregular”).

Essa limitação de responsabilidade está expressamente fixada no art. 1.110 do Código Civil15, in verbis:

“Art. 1.110. Encerrada a liquidação, o credor não satisfeito só terá direito a exigir dos sócios, individualmente, o pagamento do seu próprio crédito, até o limite da soma por eles recebida em partilha, e a propor, contra o liquidante, ação de perdas e danos.”

Assim sendo, a responsabilidade dos sócios, nesse caso específico de liquidação irregular – quando a dissolução foi regular –, estará fundamentada na regra societária, e será com base nela que se poderá responsabilizá-los, patrimonialmente, pela solvência dos créditos tardios, responsabilidade essa que, entretanto, estará limitada, ao menos como regra geral, ao montante equivalente à soma de seus respectivos quinhões, por eles recebidos no momento de liquidação e extinção da sociedade.

A suposta irregularidade existente, portanto, está na liquidação, em si, dos ativos e passivos da sociedade, já que ao contrário do que ocorre na dissolução irregular em sentido estrito, aqui a dissolução é completada, e a sociedade é extinta formalmente, ainda que um de seus procedimentos possa ser considerado, posteriormente, irregular.

Conclusões:

a) “dissolução irregular” não se confunde com “liquidação irregular”;

b) a situação de existirem “credores não satisfeitos” se faz presente, notadamente, quando, no momento do encerramento da liquidação e da extinção formal da sociedade, os débitos não eram conhecidos, ou não estavam constituídos, ou, mesmo, não haviam sido reclamados.

c) o fato de o art. 1.110 do Código Civil prever apenas a forma de liquidação dos débitos de credores tardios, ou seja, que não tiveram seus créditos satisfeitos em momento ulterior à extinção da sociedade, por não tê-los habilitado tempestivamente (no procedimento de liquidação), e não determinar, ao mesmo tempo, a irregularidade da extinção da sociedade, ou a nulidade ou anulabilidade do ato de seu registro no órgão competente, nos faz concluir que, em tese, a “dissolução” (como procedimento complexo) foi regular, gerando, como consequência, a validade e a eficácia plena do encerramento da sociedade16.

Assim, a existência de credores não satisfeitos depois de ultimada e registrada a liquidação, com a extinção da personalidade jurídica da sociedade, não torna, por si só, a dissolução e a extinção da sociedade irregulares.

3. Análise da atual jurisprudência de nossos Tribunais sobre o tema

Inicialmente, utilizamos, para nossa análise, os julgados proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça, dentro do interstício temporal de 2016 a 2020, justamente para que as decisões fossem relativas e proferidas no ano de entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015)17.

Nossa pesquisa utilizou as seguintes palavras-chave: “dissolução”, “dissolução regular”, “distrato”, “distrato social”, “liquidação irregular”, e a palavra “tributário” associada a todas as outras, a fim de que o retorno trouxesse decisões que tivessem foco no direito tributário (assunto).

Primeiramente, contudo, citaremos duas Súmulas promulgadas pelo STJ, anteriores a esse período (2016 a 2020), que estabelecem parâmetros para o redirecionamento das execuções às pessoas dos sócios e administradores das sociedades em geral – Súmulas n. 430 e n. 435, assim ementadas:

“Súmula 430. O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente. Uma das situações mais comuns em que ocorre o redirecionamento da execução fiscal é quando a empresa é dissolvida irregularmente.”18 (DJe 13.5.2010)

“Súmula 435. Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.” (DJe 13.5.2010)19.

Essas Súmulas assinalam duas premissas básicas para a caracterização da responsabilidade tributária do sócio-gerente/administrador/diretor da sociedade limitada (objeto do nosso estudo): (a) a mera falta de pagamento de tributo, por si só, não é considerada pela jurisprudência como ato ilícito capaz de responsabilizar o sócio-gerente/administrador/diretor da sociedade; e (b) a dissolução da sociedade é presumida realizada irregularmente quando a sociedade deixa de comunicar a mudança de seu endereço às autoridades competentes. Ou seja, não é ato ilícito, em princípio, a falta de pagamento pura e simples de tributo; e é ato ilícito presumido a dissolução irregular da sociedade, entendida essa ocorrida quando a sociedade deixa de funcionar no endereço em que se encontrava registrada, sem comunicar o fato às autoridades competentes – o que deve ser apurado e constatado por oficial de justiça.

Em relação à Súmula n. 430, analisando-se especificamente o julgamento do precedente (AGREsp n. 920.470/MG20), podemos verificar que é a sociedade que deve responder com seu patrimônio pela dívida fiscal – só responde o sócio administrador com seu patrimônio pessoal em caso de ter praticado uma das condutas infracionais estabelecidas no art. 135, caput, do CTN –, não sendo considerado ato ilícito o mero inadimplemento do pagamento do tributo. Por fim, o administrador só responde solidariamente em caráter substitutivo, ou seja, somente se a sociedade não tiver bens para responder pelo crédito tributário. Nesse caso, à inadimplência da sociedade deve se somar um ato próprio do administrador que possa ser caracterizado como ato ilícito, e que tenha como resultado dificultar ou impedir a solvência do crédito.

Já em relação à Súmula n. 435, analisando o REsp n. 1.017.73221 – um dos precedentes para sua criação –, dessume-se que a falta de comunicação de mudança de endereço da sociedade às autoridades competentes, especialmente à Fazenda Pública, embora se trate de mera obrigação acessória, tem o condão de criar uma presunção de prática de ato ilícito – dissolução irregular da sociedade, ato ilícito que estaria abarcado nas hipóteses do art. 135, III, do CTN. E isso, fundamentalmente, porque tal ocorrência causaria um embaraço e uma dificuldade à cobrança do crédito tributário. Assim, seria esse fato um ato ilícito capaz de chamar o sócio-gerente, o administrador ou o diretor a responderem pelo crédito tributário, pois se presumiria que tal ato foi por eles praticado, uma vez que são os representantes da sociedade com poderes para comunicar e realizar os atos pertinentes a tal situação fática.

Uma consequência importante, nesse caso, é que, por mera presunção da ocorrência de um ilícito – dissolução irregular –, o ônus da prova de demonstrar a prática de uma das hipóteses previstas no art. 135, caput, do CTN, para o redirecionamento da execução, que antes era da Fazenda, se inverte: agora, passa a ser do administrador da sociedade (termo atual que se dá ao antigo sócio-gerente ou gerente delegado, conforme fosse o administrador da sociedade sócio ou não) ou do diretor o ônus de comprovar que não foram eles os responsáveis pela dissolução irregular, ou que ela não ocorreu.

Nota-se aqui que a mera falta de pagamento de imposto não pode ser considerada ato ilícito, cedendo ao fato de que o que se considera ilícito agora é a dissolução da sociedade, feita de maneira irregular.

Assim, a dissolução irregular com base nesse argumento já é considerada pela Corte ato ilícito capaz de autorizar o redirecionamento da execução, dando-se a inversão do ônus da prova. Deverá o sócio redirecionado fazer prova de que não foi responsável pela prática ilícita, não sendo ele o administrador da sociedade quando o fato ocorreu.

Todavia, resta analisar a posição do STJ quando há dissolução regular, ou seja, quando houve registro do distrato na Junta Comercial e baixa perante os órgãos públicos de sua inscrição, e o tributo só veio a ser lançado posteriormente a essa baixa.

Como já mencionado, o STJ entende ser o “distrato social” apenas um dos atos (o inicial) que dão ensejo ao procedimento de dissolução da sociedade, levando, concluída a fase de liquidação dos passivos, ao encerramento definitivo da sociedade22.

Além disso, os julgados do STJ tendem a reformar as decisões dos Tribunais inferiores nessa situação, para que se investigue sobre a fase de liquidação, se verifique a existência ou não do patrimônio da sociedade, e como ele foi liquidado, pois o simples fato de existir imposto não pago após o registro do distrato caracterizaria uma liquidação irregular, já que os passivos não foram todos pagos23.

Ademais, há julgados que fazem expressa menção de que a liquidação irregular gera a dissolução irregular da sociedade, não se tratando de mera falta de pagamento de tributo – a não ensejar a aplicação da regra do art. 135, III (infração à lei), como previsto na Súmula n. 430 do STJ. Aqui, em face de um ato societário praticado de forma irregular, o STJ entende que seria esse o ato ilícito praticado no momento da liquidação da sociedade, que não se confunde com a falta de pagamento de tributo. O ato em si de liquidar a sociedade enquanto ainda existia tributo não liquidado, ainda que somente lançado a posteriori, já caracterizaria o ato infracional – ilícito legal –, passível de atrair a incidência do art. 135, III, do CTN para responsabilizar os sócios ao pagamento do tributo não liquidado. E mais: admitindo-se que a “liquidação irregular” gera como consequência a “dissolução irregular” da sociedade, ao contrário do que demonstramos ser a interpretação que a doutrina dá a esse fato (liquidação irregular) – ao prever a possibilidade de existência de credores não satisfeitos, e de se manter hígida a extinção da sociedade, sendo essa regular –, para o STJ, a sociedade extinta torna-se irregular, o que quer dizer que tal fato – liquidação irregular – afetaria a própria extinção da empresa, in verbis: “situação em que não há extinção da personalidade jurídica da empresa, a qual passa a ostentar, consequentemente, a condição de sociedade irregular”24.

Assim sendo, podemos tirar uma conclusão desse entendimento: a de que o STJ criou, com a jurisprudência que vem se consolidando, uma nova hipótese de dissolução irregular, diferente da que foi instituída pela Súmula n. 435. A dissolução irregular aqui se dá pelo cumprimento irregular dos procedimentos de liquidação e encerramento da sociedade, sendo tal irregularidade considerada ato ilícito, e, como tal, passível de atrair a regra do art. 135, III, do CTN.

Dessa forma, podemos inferir que, segundo a jurisprudência do STJ, a liquidação irregular torna a dissolução irregular – ao contrário do que parte da doutrina entende, ao diferenciar liquidação irregular de dissolução irregular.

Em tal hipótese, na maior parte dos julgados, o STJ tem determinado o retorno dos autos ao tribunal de origem para que sejam verificadas as circunstâncias em que se deu a liquidação dos haveres da sociedade, para se decidir sobre o redirecionamento. Nesse caso, o ônus da prova passa a ser dos sócios, que têm de atestar que, de fato, realizaram o pagamento de todos os passivos da sociedade, e que não houve sobra de capital a ser devolvida aos sócios, ou patrimônio remanescente25.

Caso tenha havido distribuição de haveres entre os sócios, poderia se iniciar uma nova discussão: se a responsabilidade dos sócios seria ilimitada (art. 135, III, do CTN), ou limitada (conforme o art. 1.110 do CC) e qual seria a base legal tributária a dar suporte à aplicação subsidiária do art. 1.110 do CC. Como os processos foram remetidos aos tribunais de origem, procurou-se identificar qual foi a nova decisão proferida por eles, para se averiguar se houve análise ou não do processo de liquidação, e se foi assentado, ou não, o redirecionamento.

Em nossa análise jurisprudencial, verificamos que a maioria das decisões reformadas pelo STJ, nessas situações, foi proferida pelo Tribunal Federal da 3ª Região (cerca de 100 julgados).

Assim, decidimos analisar esses casos específicos, e verificamos que, na maior parte dos processos reanalisados pelo TRF3, nas decisões reformadas se permitiu o redirecionamento das execuções – antes não admitido –, contudo, sem analisar o mérito determinado pelo STJ, ou seja, sem verificar se houve ou não a liquidação dos haveres, e se sim, em que circunstâncias teria ela se dado26.

Especificamente no caso das microempresas e empresas de pequeno porte, para as quais existe dispositivo de lei que autoriza o encerramento das sociedades antes mesmo de liquidado o passivo, o entendimento é de que, embora haja a dissolução sem o pagamento dos débitos tributários, o redirecionamento da execução deve seguir os moldes dos arts. 134, VII, e 135, III, do CTN. Contudo, ao mencionar a possibilidade de aplicação a tais sociedades do art. 134, VII, do CTN, o STJ não faz qualquer alusão ao fato de que tal norma seria cabível, apenas, às “sociedades de pessoas”, passando a considerá-la válida também para empresas de responsabilidade limitada – já que as microempresas e empresas de pequeno porte podem ser constituídas sob tal forma (limitada), não sendo todas elas sociedades simples ou de responsabilidade ilimitada (MEI – microempresário individual –, por exemplo)27.

Devemos notar que a posição adotada pelo STJ quanto à interpretação a ser dada ao art. 134, VII, do CTN, no sentido de que poderia essa norma ser utilizada para as sociedades limitadas (em geral), passa a dar suporte à aplicação imediata do art. 1.110 do Código Civil também às dívidas tributárias, sendo que, sem uma conexão com regra tributária, aplicar-se-ia aos créditos apenas de natureza privada.

Todavia, segundo nosso entendimento, a norma do art. 134, VII, do CTN, salvo melhor juízo, se aplica apenas às sociedades nas quais a responsabilidade é ilimitada, em que o patrimônio do sócio já responderia, ilimitadamente, pelas dívidas da pessoa jurídica, pela própria natureza dessas sociedades28.

E mais: em relação à possibilidade de alargamento das normas tributárias para criar novas hipóteses de responsabilidade tributária, o STJ segue o entendimento proferido no RE n. 562.276, em que, sob o regime da repercussão geral, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que a norma jurídica – ou a sua interpretação – sem causa legítima não pode criar nova espécie de responsabilização patrimonial de terceiro, por débito da pessoa jurídica. Citamos como exemplo o REsp n. 1.752.203/SP, de relatoria do Ministro Gurgel de Faria, julgado em 11 de fevereiro de 201929.

Por outro lado, não encontramos, em nossa pesquisa, acórdãos que discutissem a aplicação propriamente dita do art. 1.110 do CC aos casos de liquidação irregular, com base em alguma regra tributária de responsabilidade. Há apenas menção sobre a sua aplicação, de maneira genérica, sem, contudo, estabelecer qual sua relação com as normas gerais de direito tributário que constam do CTN.

Entretanto, existem acórdãos que entendem que a dissolução regular da sociedade procedida com o registro do distrato na Junta Comercial caracteriza a boa-fé dos sócios administradores, que deram conhecimento a terceiros do referido ato, não havendo como se aplicar a norma do art. 135, III, do CTN, por não se presumir a responsabilidade objetiva do sócio administrador, mormente quando este dá publicidade do ato de extinção da sociedade30.

Também não há discussão sobre o conceito de “credor não satisfeito”, criado pela legislação societária, nem sobre o fato de a lei autorizar a existência de credores não satisfeitos após a liquidação encerrada, o que faria que a dissolução não pudesse ser considerada irregular – somente se consideraria irregular a liquidação (um dos procedimentos da dissolução da sociedade entendida no sentido amplo do termo).

Outro ponto importante: a figura do liquidante como pessoa responsável justamente pela liquidação dos ativos e passivos da sociedade, e que pode ou não ser figura distinta dos sócios – sendo inclusive um terceiro contratado para exercer tal cargo em nome dos sócios –, não é objeto de análise e de responsabilização, como se as decisões partissem da premissa de que o liquidante necessariamente seria sócio ou administrador da sociedade.

Não encontramos sequer um julgado que adentrasse na responsabilidade desse gestor de patrimônio de terceiros, e que seria talvez muito mais facilmente “responsabilizável”, considerando que é ele quem procede à liquidação, sem necessidade de perquirir o administrador em si, pois sua responsabilidade é plasmada em dois artigos claros e de completude ampla: arts. 134, III, e 135, I, do CTN.

Assim, as discussões havidas são apenas no sentido de se analisar a responsabilidade do administrador sob a ótica do art. 135, III, do CTN, e questionar se ele foi o responsável pela dissolução irregular da sociedade ou se apenas foi administrador no período em que o fato gerador foi praticado pela sociedade, e a quem deveria caber a responsabilidade tributária em tal caso. Nenhuma discussão se evidencia sobre ser o tributo devido fruto de fato gerador praticado pelo liquidante, decorrente da venda dos ativos da sociedade, por exemplo, a qual seria absolutamente distinta daquela em que o fato gerador se desse quando ainda estava ativa.

Portanto, da análise acima verificada da jurisprudência, chega-se à conclusão de que muitas questões não são analisadas com profundidade, e, assim, não há julgamento sobre pontos importantes.

4. Conclusão

Como se demonstrou neste trabalho, existe uma grande divergência entre a posição doutrinária e a posição do STJ quanto ao que se deve interpretar por “dissolução irregular” nos casos em que, após o registro do distrato na Junta Comercial e a baixa da inscrição da sociedade nas repartições públicas competentes, é efetuado, pelo fisco, lançamento de tributo de ofício.

Assim, a atual jurisprudência, da forma como está sendo amalgamada, gera uma responsabilidade patrimonial tributária mais gravosa do que aquela que a própria lei societária prevê, e que não seria passível de ser abarcada pelo art. 135, III, do CTN se não se considerasse tal fato – dissolução irregular/liquidação irregular – como ato ilícito.

Outro ponto importante é que as Cortes não valoram o fato de ter havido a baixa da inscrição da sociedade junto às autoridades fiscais competentes, ou seja, que houve a efetiva comunicação e o requerimento expresso dos sócios (liquidante ou administrador) à época, para o encerramento regular da sociedade. São raros os acórdãos que se pronunciam sobre ela e que lhe dão valor probatório. Embora seja um fato pouco analisado pelos Tribunais, essa discussão (baixa regular) deve ser enfrentada, pois é muito importante para se realizar o devido distinguish relativamente aos casos analisados pela Súmula n. 435 do STJ, e, principalmente, para se valorar o dolo que se entende necessário existir para a aplicação do art. 135, III, do CTN aos administradores.

Esse fato – baixa da inscrição a ser realizada e autorizada pela autoridade fiscal – torna a questão da irregularidade da liquidação, no mínimo, questionável, pois: (a) o ato de baixa da inscrição da sociedade teve o conhecimento prévio da própria autoridade fiscal, e depende de sua verificação para ser legitimado; (b) se a baixa é autorizada, o fisco não só teve o conhecimento prévio do pedido, como, e, principalmente, a oportunidade de fiscalizar a empresa – e como foi feita a liquidação –, bem como de lançar e cobrar eventuais tributos devidos e não pagos até aquela data; e, finalmente, (c) é dever da autoridade fiscal realizar a fiscalização da empresa no ato de seu encerramento, embora possa fazê-lo posteriormente, dentro do prazo decadencial dos tributos.

Apesar de a autoridade poder se utilizar do prazo decadencial para lançar o tributo, conforme a legislação tributária prevê (arts. 150, § 4º, e 173, I, do CTN), se o fisco assume o risco de ser considerado, no futuro, um “credor não satisfeito”, e, no momento da baixa, não se interessa em zelar pelo seu crédito, como consequência dessa conduta não poderia mais alegar que houve uma dissolução irregular, ou, então, o ônus da prova da irregularidade deveria se inverter e ficar a cargo da autoridade fiscal.

Assim sendo, o que se conclui neste trabalho é que a falta de enfrentamento, pelos nossos Tribunais, das questões e dos demais pontos que acima apontamos está gerando uma grande insegurança jurídica para as relações entre o fisco e os contribuintes. E isso em virtude de o STJ presumir ser irregular o procedimento de liquidação pelo simples fato de existir lançamento de tributo após a baixa regular da sociedade, desconsiderando, por completo, tal fato (baixa regular), que indica que a Fazenda Pública teve a oportunidade prévia de fiscalizar aquele procedimento, e, por fim, presumir que houve dissolução irregular da sociedade, caracterizando-a como ato ilícito, contrariando, segundo nosso entendimento, o que a própria legislação estabelece, modificando e ampliando os limites da responsabilidade tributária dos terceiros, como aqui se procurou demonstrar.

5. Referências

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CONRADO, Paulo Cesar. O redirecionamento como forma (esdrúxula) de constituição da obrigação tributária (relativamente ao terceiro-responsável) e de aparelhamento da lide executiva fiscal (contra aquele mesmo terceiro). In: CONRADO, Paulo Cesar (coord.). Processo tributário analítico. São Paulo: Noeses, 2013. v. II.

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PEIXOTO, Daniel Monteiro. Aspectos controvertidos sobre a responsabilidade tributária dos administradores de sociedades. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de; CANADO, Vanessa Rahal (org.). Tributação do setor industrial. São Paulo: Saraiva, 2012.

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PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

1 “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.” (DJe 13.5.2010)

2 “2. Nesse contexto, os julgados mais recentes do STJ afirmam que a legislação societária, a doutrina e a jurisprudência registram que o distrato social é apenas uma das fases (in casu, a primeira) do procedimento de extinção da pessoa jurídica empresarial. Após o distrato, procede-se ainda à liquidação, ou seja, à realização do ativo e pagamento do passivo (e eventual partilha de bens remanescentes, em sendo o caso), para, então, decretar-se o fim da personalidade jurídica.” (REsp n. 1.650.347/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 16.6.2017; AgInt nos EDcl no AgRg no REsp n. 1.552.835/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 6.9.2016; AgRg no AREsp n. 829.800/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 27.5.2016)

3 “O simples fato de subsistir débito tributário em aberto já revela um paradoxo que a Corte local se esquivou de enfrentar. Com efeito, a lógica que permeia a extinção da personalidade jurídica da sociedade pressupõe que será dada baixa da empresa somente após a comprovação de quitação de todos os seus débitos.” (EDcl no REsp n. 1.694.691/SP [2017/0193339-9], Rel. Min. Herman Benjamin, DOU 19.12.2017)

3 Ato inicial que dá causa e início ao procedimento que leva à extinção da sociedade enquanto pessoa jurídica.

4 Conjunto de atos e de procedimentos que se compõe de três fases, que, após a sua conclusão, extinguem a pessoa jurídica, a saber: distrato, liquidação de haveres e registro do encerramento da liquidação na Junta Comercial.

5 PEIXOTO, Daniel Monteiro. Responsabilidade tributária e os atos de formação, administração, reorganização e dissolução de sociedades. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 502-503.

6 “Em sentido estrito, designa o fato jurídico apto a desencadear o referido procedimento, consistindo em ‘causa de dissolução’. Essa acepção é a que restou consagrada pelos dispositivos que versam sobre o assunto no direito societário. Basta ver que o art. 51 do CC e o art. 207 da Lei das S/A estabelecem que, uma vez verificada a dissolução (i.e., a causa da dissolução), a sociedade conserva a sua personalidade jurídica para fins de proceder-se à liquidação e, após, à extinção.” (PEIXOTO, Daniel Monteiro. Responsabilidade tributária e os atos de formação, administração, reorganização e dissolução de sociedades. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 502-503)

7 Essa ambiguidade do vocábulo “dissolução” é bem explorada por Mauro Rodrigues Penteado, que menciona: “O uso indiscriminado do termo ‘dissolução’, para além de seu sentido estrito, embora conferindo-lhe conotação mais abrangente, por englobar as fases que vão desde a ocorrência do evento dissolutório até a extinção, não deve turvar a compreensão de seu real significado técnico-jurídico, que aparece com nitidez na vigente lei acionária brasileira (e também no Código Civil). Estritamente considerada, a dissolução corresponde a um evento pontual que modifica o status da companhia por colocá-la em situação típica de liquidação, na qual se instaura, com menor ou maior rapidez, o procedimento tendente a esse fim, previsto em lei. Nesse sentido preciso, a dissolução equivale à causa, ou, como já se sustentou, ao ‘motivo jurídico’ que, se não removido pela assembleia geral de acionistas, leva à extinção da sociedade.” E prossegue o autor, afirmando que: “As hipóteses previstas em lei compõem um elenco mínimo, revestido de caráter indisponível para a sociedade, na medida em que, uma vez verificadas in concreto, determinam a passagem da companhia para o estado de liquidação, afetando os poderes dos órgãos sociais e as próprias relações acionistas-sociedade; indisponibilidade relativa, no entanto, pois os acionistas em assembleia geral poderão deliberar a cessação do estado de liquidação. Diante disso, o rol das causas de dissolução, embora não constitua numerus clausus, tem conteúdo mínimo irredutível, que somado aos eventos indicados pelos acionistas no estatuto social assume para a sociedade um caráter indisponível, no sentido de que a ocorrência de uma delas determina ipso facto a instauração do estado de liquidação.” (PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 61-62).

8 “Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: I – O vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado; II – O consenso unânime dos sócios; III – A deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado; IV – A falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias; V – A extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar. Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 12.441, de 2011).

Art. 1.034. A sociedade pode ser dissolvida judicialmente, a requerimento de qualquer dos sócios, quando: I – anulada a sua constituição; II – exaurido o fim social, ou verificada a sua inexequibilidade.

Art. 1.035. O contrato pode prever outras causas de dissolução a serem verificadas judicialmente quando contestadas.”

9 “Art. 206. Dissolve-se a companhia: I – de pleno direito: a) pelo término do prazo de duração; b) nos casos previstos no estatuto; c) por deliberação da assembleia geral ordinária (artigo 136, X); d) pela existência de um único acionista, verificada em assembleia geral ordinária, se o mínimo de dois não for reconstituído até o ano seguinte, ressalvado o disposto no artigo 251; e) pela extinção, na forma da lei, da autorização para funcionar; II – por decisão judicial: a) quando anulada a sua constituição, em ação proposta por qualquer acionista; b) quando provado que não pode preencher o seu fim, em ação proposta por acionistas que representem 5% ou mais do capital social; c) em caso de falência, na forma prevista na respectiva lei; III – por decisão de autoridade administrativa competente, nos casos e na forma previstos em lei especial.”

10 PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 61-62.

11 PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 58-60.

12 MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 35. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 164-165.

13 Aqui a expressão “credor insatisfeito” é utilizada como aquele sujeito ativo que possui um crédito tributário que vem a ser constituído depois da liquidação dos ativos da sociedade, e sua extinção devidamente registrada na Junta Comercial, com a baixa de sua inscrição nas repartições públicas competentes.

14 CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: parte especial – do direito da empresa. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 13, p. 484.

15 No mesmo sentido é o art. 218 da Lei das S/A, conforme linhas acima comentado por Mauro Rodrigues Penteado, confira-se: “Art. 218. Encerrada a liquidação, o credor não satisfeito só terá direito de exigir dos acionistas, individualmente, o pagamento de seu crédito, até o limite da soma por eles recebida e de propor contra o liquidante, se for o caso, ação de perdas e danos. O acionista executado terá direito de haver dos demais a parcela que lhes couber no crédito pago.”

16 A única consequência da liquidação irregular, segundo nosso entendimento, diz respeito aos bens da sociedade que foram partilhados aos sócios na liquidação dos haveres. Eles deverão “retornar” ao patrimônio da sociedade extinta, como se liquidação ainda houvesse, para serem utilizados no pagamento dos credores não satisfeitos (art. 1.110 do CC) – quase como ocorre na falência, em que a habilitação tardia dos credores faz que eles tenham seus créditos satisfeitos depois dos demais habilitados tempestivamente.

17 “Art. 1.045. Este Código entra em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial.”

18 Precedentes que deram ensejo à criação da referida Súmula: AgRg no Ag n. 1.093.097/MS (Segunda Turma, j. 9.6.2009, DJe 23.6.2009), AgRg no Ag n. 1.247.879/PR (Primeira Turma, j. 18.2.2010, DJe 25.2.2010), AgRg nos EREsp n. 471.107/MG (Primeira Seção, j. 22.9.2004, DJ 25.10.2004), AgRg no REsp n. 586.020/MG (Primeira Turma, j. 11.5.2004, DJ 31.5.2004), AgRg no REsp 920.470/MG (Primeira Turma, j. 21.8.2007, DJ 6.9.2007), AgRg no REsp 952.762/SP (Segunda Turma, j. 25.9.2007, DJ 5.10.2007), AgRg no REsp n. 1.082.881/PB (Segunda Turma, j. 18.8.2009, DJe 27.8.2009), EREsp 174.532/PR (Primeira Seção, j. 18.6.2001, DJ 20.8.2001), EREsp n. 374.139/RS (Primeira Seção, j. 10.11.2004, DJ 28.2.2005), REsp n. 513.912/MG (Segunda Turma, j. 7.6.2005, DJ 1.8.2005), REsp n. 573.849/PR (Segunda Turma, j. 26.9.2006, DJ 20.10.2006), REsp n. 801.659/MG (Segunda Turma, j. 10.4.2007, DJ 20.4.2007), REsp n. 804.441/MG (Primeira Turma, j. 16.8.2007, DJ 24.9.2007), REsp n. 887.411/RJ (Primeira Turma, j. 10.4.2007, DJ 23.4.2007).

19 EREsp n. 716.412/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 12.9.2007, DJe 22.9.2008; REsp n. 980.150/SP, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz Convocado do TRF 1ª Região), Segunda Turma, j. 22.4.2008, DJe 12.5.2008; REsp n. 1.017.732/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, j. 25.3.2008, DJe 7.4.2008.

20 Agravo Regimental no Recurso Especial n. 920.470/MG (2007/0017589-0), j. 21.8.2007, DJ 6.9.2007: “Ementa. Tributário e Processual Civil. Agravo regimental. Execução fiscal. Responsabilidade de sócio-gerente. Limites. Art. 135, III, do CTN. Uniformização da matéria pela 1ª Seção desta Corte. Precedentes. 1. Agravo regimental contra decisão proveu o recurso especial da parte agravada. 2. O acórdão a quo entendeu pela responsabilidade do recorrente, sócio-gerente, pelos débitos fiscais contemporâneos a sua gestão. 3. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente, e não apenas quando ele simplesmente exercia a gerência da empresa à época dos fatos geradores. 4. Em qualquer espécie de sociedade comercial, é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Os diretores não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou lei (art. 158, I e II, da Lei n. 6.404/1976). 5. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135, III, do CTN). 6. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de contrato social ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária do ex-sócio a esse título ou a título de infração legal. Inexistência de responsabilidade tributária do ex-sócio. Precedentes desta Corte Superior. 7. Matéria que teve sua uniformização efetuada pela egrégia 1ª Seção desta Corte nos EREsp n. 260.107-RS, unânime, DJ de 19.4.2004. 8. Questão de simples aplicação da legislação federal pertinente e da jurisprudência seguida por este Sodalício, não sendo o caso de incidência da Súmula n. 7-STJ. 9. Agravo regimental não provido.” (Destaques nossos)

21Em matéria de responsabilidade dos sócios de sociedade limitada, é necessário fazer a distinção entre empresa que se dissolve irregularmente daquela que continua a funcionar. 4. Em se tratando de sociedade que se extingue irregularmente, impõe-se a responsabilidade tributária do sócio-gerente, autorizando-se o redirecionamento, cabendo ao sócio-gerente provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder. [...] uma empresa não pode funcionar sem que o endereço de sua sede ou do eventual estabelecimento se encontre atualizado na Junta Comercial e perante o órgão competente da Administração Tributária, sob pena de se macular o direito de eventuais credores, in casu, a Fazenda Pública, que se verá impedida de localizar a empresa devedora para cobrança de seus débitos tributários. Isso porque o art. 127 do CTN impõe ao contribuinte, como obrigação acessória, o dever de informar ao fisco o seu domicílio tributário, que, no caso das pessoas jurídicas de direito privado, é, via de regra, o lugar da sua sede. Assim, presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixa de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, comercial e tributário, cabendo a responsabilização do sócio-gerente, o qual pode provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder, ou ainda, que efetivamente não tenha ocorrido a dissolução irregular. No direito comercial, há que se valorizar a aparência externa do estabelecimento comercial, não se podendo, por mera suposição de que a empresa poderia estar operando em outro endereço, sem que tivesse ainda comunicado à Junta Comercial, obstar o direito de crédito da Fazenda Pública. Ainda que a atividade comercial esteja sendo realizada em outro endereço, maculada está pela informalidade, pela clandestinidade. Assim, entendo presentes indícios de dissolução irregular, e neste caso, é firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que, nesta hipótese, não há que se exigir comprovação da atuação dolosa, com fraude ou excesso de poderes, por parte dos sócios, para se autorizar o redirecionamento da execução fiscal. Necessário apenas que haja indícios da dissolução irregular. Portanto, reconhecida a ocorrência da dissolução irregular da empresa é legítimo o redirecionamento da execução contra os sócios.” (REsp n. 1.017.732/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, j. 25.3.2008, DJe 7.4.2008 – destaques nossos)

22 À guisa de exemplo, citamos o AgInt no REsp n. 1.860.439/SP de relatoria do Ministro Herman Benjamin, julgado em 29.6.2020 e publicado no DJe de 21.8.2020, e que está assim ementado: “Tributário e processual civil. Execução fiscal. Redirecionamento. Sócio. Dissolução irregular de empresa. Encerramento de atividades. Tema 630/STJ. 1. [...] 2. Nos termos de precedentes do STJ, o redirecionamento da Execução Fiscal contra o sócio-gerente da empresa é cabível quando demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou ao estatuto, ou no caso de dissolução irregular da empresa, não se incluindo como hipótese de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica o simples inadimplemento de obrigações tributárias ou não tributárias. 3. Nessa esteira, a certidão emitida pelo Oficial de Justiça atestando que a empresa devedora não mais funciona no endereço constante dos assentamentos da junta comercial, é indício de dissolução irregular, apto a ensejar o redirecionamento da execução para o sócio-gerente, de acordo com a Súmula 435/STJ (‘Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente’). 4. O STJ no julgamento do Recurso Especial Repetitivo 1.371.128/RS fixou a seguinte tese jurídica (Tema 630/STJ): ‘Em execução fiscal de dívida ativa tributária ou não tributária, dissolvida irregularmente a empresa, está legitimado o redirecionamento ao sócio-gerente’. 5. O distrato social, ainda que registrado na junta comercial, não garante, por si só, o afastamento da dissolução irregular da sociedade empresarial e a consequente viabilidade do redirecionamento da Execução Fiscal aos sócios-gerentes. Para verificação da regularidade da dissolução da empresa por distrato social, é indispensável a verificação da realização do ativo e pagamento do passivo, incluindo os débitos tributários, os quais são requisitos conjuntamente necessários para a decretação da extinção da personalidade jurídica para fins tributários. Nesse sentido: REsp 1.777.861/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 14/2/2019; REsp 1.766.931/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 21.11.2018; AgInt no AREsp 697.578/RS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 4/12/2018. 6. Agravo Interno não provido.” (Destaques nossos)

23 Como exemplo, citamos: “Processual civil e tributário. Recurso especial. Art. 1.022, II, do CPC/2015. Contrariedade. Inexistência. Registro de distrato. Responsabilidade tributária do gerente. Necessidade de averiguar-se a existência de dissolução irregular. 1. Inexiste ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015, quando o Tribunal de origem dirime, fundamentadamente, as questões que lhe são submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos. 2. A Segunda Turma desta Corte de Justiça possui o entendimento firmado de que o distrato social é apenas uma das etapas necessárias à extinção da sociedade empresarial, sendo indispensável a posterior realização do ativo e pagamento do passivo. Por essa razão, somente após tais providências, será possível decretar-se a extinção da personalidade jurídica. 3. ‘O simples fato de subsistir débito tributário em aberto já revela um paradoxo que a Corte local se esquivou de enfrentar. Com efeito, a lógica que permeia a extinção da personalidade jurídica da sociedade pressupõe que será dada baixa da empresa somente após a comprovação de quitação de todos os seus débitos’ (EDcl no REsp 1.694.691/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 19/12/2017). 4. Tendo em vista que a averbação do distrato social não tem o condão de afastar a dissolução irregular da empresa, torna-se necessária a análise do preenchimento dos demais requisitos para o redirecionamento da execução fiscal. 5. Recurso especial a que se dá parcial provimento.” (REsp n. 1.734.646/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, j. 5.6.2018, DJe 13.6.2018 – destaques nossos)

24 “O Tribunal de origem indeferiu o redirecionamento da Execução Fiscal, ao argumento de que a existência de distrato social arquivado na Junta Comercial implica dissolução regular da empresa. 1. Fosse isso verdade, é forçoso reconhecer que a subsistência de tributos inadimplidos, por si só, levaria a um desfecho paradoxal, uma vez que a dissolução regular da empresa pressupõe justamente a inexistência de débitos pendentes. 2. Na realidade, o distrato social é apenas uma das etapas para a extinção da sociedade empresarial. É necessária a posterior realização do ativo e pagamento do passivo; somente após tais providências é que será possível decretar a extinção da personalidade jurídica.” (REsp n. 1.741.006/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 16.11.2018) “A inobservância do procedimento integral de extinção da pessoa jurídica é inteiramente dissociada dos efeitos da mera inadimplência, pois tem-se situação gravíssima de encerramento voluntário das atividades empresariais (formalizado ou não pelo distrato social), com presunção de confusão patrimonial (pois os membros da sociedade não se desincumbiram da obrigação de realizar o ativo e quitar o passivo), o que se amolda perfeitamente ao conceito de infração de lei e do contrato social. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu o Tribunal de origem, a ausência da realização da liquidação societária – etapa procedimental obrigatória (pois prevista em lei) e antecedente lógico da extinção da pessoa jurídica – não se confunde com a situação de mera inadimplência, representando, antes, situação em que não há extinção da personalidade jurídica da empresa, a qual passa a ostentar, consequentemente, a condição de sociedade irregular. Nesse contexto, havendo infração à lei tributária, civil e comercial/empresarial (art. 4º, § 2º, da LEF), justifica-se, à luz da legislação processual, o redirecionamento, ocasião que viabilizará ao sócio-gerente a oportunidade de comprovar, eventualmente, a ocorrência de situação que justifique a exclusão de sua responsabilidade.” (REsp n. 1.838.833/SP [2019/0279342-0] – destaques nossos)

25 “Processual civil e administrativo. Recurso especial. Agravo de instrumento. Responsabilidade de sócios. Dissolução regular. Distrato. Averiguação quanto às etapas subsequentes. Retorno dos autos ao tribunal de origem. 1. O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência pacífica de que o distrato social é apenas uma das etapas necessárias à extinção da sociedade empresarial, não constituindo condição suficiente para atestar a regularidade da dissolução, haja vista ser indispensável a posterior realização do ativo e pagamento do passivo, os quais, conjuntamente, são requisitos para a decretação da extinção da personalidade jurídica. 2. In casu, mostra-se primordial o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que mediante a análise do conteúdo fático probatório dos autos se verifique o cumprimento das etapas subsequentes ao distrato. 3. Recurso Especial parcialmente provido.” (REsp n. 1.758.820/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 21.11.2018 – destaques nossos)

26 “Tributário. Processual civil. Execução fiscal. Agravo legal. Novo julgamento oportunizado. Distrato social. Redirecionamento do feito para os sócios administradores. 1. Novo julgamento do agravo legal oportunizado pelo C. STJ, ante o provimento parcial do recurso especial fazendário. 2. No caso vertente, a execução fiscal foi ajuizada em 27/07/2007 (fls. 19) e não foi possível efetivar a penhora de bens da empresa executada, a fim de garantir o crédito fiscal, uma vez que houve o Distrato Social da executada datado de 16/12/2002, conforme Ficha Cadastral JUCESP de fls. 96/97. Conforme certificado às fls. 28, houve a citação da executada, porém, o representante legal, Sr. Joaquim Germano da Silva, informou que a empresa encerrou suas atividades desde 1998, não possuindo bens para penhora, sendo certo o endereço fornecido tratar-se da residência do Sr. Joaquim. 3. O Sr. Ministro Herman Benjamin deu parcial provimento ao recurso especial (ARESP nº 829.800), considerando que, superada a premissa segundo a qual a simples averbação do distrato social configuraria dissolução regular da empresa, deve o acórdão recorrido ser anulado para, em continuação do julgamento do Agravo interposto pela Fazenda Nacional, prosseguir o Tribunal de origem na análise do preenchimento dos demais requisitos para o redirecionamento pretendido. 4. Consoante entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça, deve ser incluído no polo passivo da demanda executiva o representante legal contemporâneo à dissolução irregular da sociedade, eis que responsável pela citada irregularidade, a atrair a incidência do disposto no art. 135, III, do CTN. 5. Os administradores da executada indicados devem ser incluídos no polo passivo da demanda, uma vez que integravam o quadro societário quando da dissolução da empresa, conforme se verifica da Ficha Cadastral JUCESP acostada aos autos. 6. Agravo legal provido.” (Agravo de Instrumento n. 0017911-15.2014.4.03.0000/SP, j. 21.10.2016 – destaques nossos)

“Agravo de instrumento. Execução fiscal. Distrato por si só não é suficiente para caracterizar a dissolução regular da sociedade empresária. Necessidade de realização dos demais atos liquidatórios previstos no Código Civil. Embargos de declaração acolhidos. Caráter infringente. Decisão reconsiderada. Agravo provido. 1. O C. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que o arquivamento do distrato social na Junta Comercial é apenas uma das etapas para a extinção da sociedade empresária. Após a formalização do distrato há que se seguir a liquidação da pessoa jurídica, ou seja, realização do ativo, pagamento do passivo e, eventualmente, partilha entre os sócios dos bens remanescentes da empresa, para poder ser decretado o fim da sua personalidade jurídica. Em outras palavras, o mero distrato social não representa a extinção da personalidade jurídica. Precedentes. 2. Com a mera efetivação do distrato, ainda que devidamente registrado na Junta Comercial, sem quitação do passivo, e sem estar com a situação da sociedade regularizada perante o Fisco, o encerramento das atividades da empresa deve ser considerado irregular, pois não observado o procedimento legal, o que configura infração à lei, viabilizando o redirecionamento da execução fiscal, com fulcro no art. 135, inc. III, do CTN. 3. Constatada na execução fiscal a ausência de bens da sociedade, dissolvida sem que tenha sido respeitado o processo legal de extinção, cabe o redirecionamento do executivo fiscal para os sócios gerentes para busca do pagamento do crédito. O sócio que detinha poderes de gestão tanto quando da ocorrência dos fatos geradores, como quando de sua dissolução irregular, deve ser incluído no polo passivo do executivo fiscal. 4. Embargos de declaração da União acolhidos, com efeitos infringentes. 5. Decisão de fls. 73/74 reconsiderada, para dar provimento ao agravo de instrumento. Prejudicado o agravo legal de fls. 77/81.” (Embargos de Declaração em Agravo de Instrumento n. 0017509-31.2014.4.03.0000/SP, j. 4.6.2019 – destaques nossos)

“Embargos de declaração. Omissão existente. Acolhimento. 1. Nos termos do art. 1.022 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração são cabíveis para esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento, bem assim corrigir erro material. 2. O distrato social é apenas uma das etapas necessárias para a extinção da sociedade empresarial, sendo indispensável a posterior realização do ativo e pagamento do passivo; somente após tais providências é que será possível decretar a extinção da personalidade jurídica. 3. Em consonância com a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, estão presentes os pressupostos autorizadores para a inclusão do sócio no polo passivo da lide. 4. Embargos de declaração acolhidos e agravo de instrumento provido.” (Embargos de Declaração em Agravo de Instrumento n. 0030370-49.2014.4.03.0000/SP, j. 16.5.2018)

27 “Tributário. Recurso especial. Execução fiscal. Microempresa. Extinção regular. Inclusão do sócio-gerente no polo passivo da execução fiscal. Art. 9º da LC n. 123/2006. Artigos 134, VII, e 135, III, do CTN. Necessidade de observância. 1. O art. 9º, § 4º, da LC n. 123/2006 não estabelece hipótese nova para o reconhecimento da responsabilidade tributária do sócio-gerente de micro e pequenas empresas, tratando tão somente da possibilidade de baixa do ato constitutivo da sociedade empresária e esclarecendo que a consumação desse fato não implica em extinção de eventuais obrigações tributárias nem da responsabilidade tributária. 2. Esse dispositivo remete às hipóteses de responsabilidade tributária previstas nos artigos 134, VII, e 135, III, do Código Tributário Nacional. 3. Enquanto a responsabilidade subsidiária de que trata o inciso VII do art. 134 do CTN está limitada ao patrimônio social que subsistir após a liquidação, a responsabilidade pessoal decorrente da aplicação do art. 135, III, do CTN não encontra esse limite, podendo o sócio responder integralmente pelo débito com base em seu próprio patrimônio, independente do que lhe coube por ocasião da extinção da pessoa jurídica. 4. Na prática, em execução fiscal proposta em desfavor de micro ou pequena empresa regularmente extinta, é possível o imediato redirecionamento do feito contra o sócio, com base na responsabilidade prevista no art. 134, VII, do CTN, cabendo-lhe demonstrar a eventual insuficiência do patrimônio recebido por ocasião da liquidação para, em tese, poder se exonerar da responsabilidade pelos débitos exequendos. Feita essa demonstração, se o nome do sócio não estiver na CDA na condição de corresponsável, caberá ao fisco comprovar as situações que ensejam a aplicação do art. 135 do CTN, a fim de prosseguir executando os débitos que superarem o crédito recebido em face da liquidação da empresa. 5. Hipótese em que, considerada a situação fática descrita no acórdão a quo, a qual revela ter havido liquidação regular da pessoa jurídica, deve-se reconhecer a possibilidade de redirecionamento da execução fiscal, com base no art. 134, VII, do CTN. 6. Recurso especial provido.” (REsp n. 1.591.419/DF, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 26.10.2016)

“Esta Corte adota o posicionamento segundo o qual, em execução fiscal proposta em desfavor de micro ou pequena empresa regularmente extinta, é possível o imediato redirecionamento do feito contra o sócio-gerente, com base na responsabilidade prevista no art. 134, VII, do CTN, cabendo-lhe demonstrar a eventual insuficiência do patrimônio recebido por ocasião da liquidação para, em tese, poder se exonerar da responsabilidade pelos débitos exequendos, como o demonstra o julgado assim ementado: ‘Inclusão do sócio-gerente no polo passivo da execução fiscal. Art. 9º da LC n. 123/2006. Artigos 134, VII, e 135, III, do CTN. Necessidade de observância. 1. O art. 9º, § 4º, da LC n. 123/2006 não estabelece hipótese nova para o reconhecimento da responsabilidade tributária do sócio-gerente de micro e pequenas empresas, tratando tão somente da possibilidade de baixa do ato constitutivo da sociedade empresária e esclarecendo que a consumação desse fato não implica em extinção de eventuais obrigações tributárias nem da responsabilidade tributária. 2. Esse dispositivo remete às hipóteses de responsabilidade tributária previstas nos artigos 134, VII, e 135, III, do Código Tributário Nacional. 3. Enquanto a responsabilidade subsidiária de que trata o inciso VII do art. 134 do CTN está limitada ao patrimônio social que subsistir após a liquidação, a responsabilidade pessoal decorrente da aplicação do art. 135, III, do CTN não encontra esse limite, podendo o sócio responder integralmente pelo débito com base em seu próprio patrimônio, independente do que lhe coube por ocasião da extinção da pessoa jurídica. 4. Na prática, em execução fiscal proposta em desfavor de micro ou pequena empresa regularmente extinta, é possível o imediato redirecionamento do feito contra o sócio, com base na responsabilidade prevista no art. 134, VII, do CTN, cabendo-lhe demonstrar a eventual insuficiência do patrimônio recebido por ocasião da liquidação para, em tese, poder se exonerar da responsabilidade pelos débitos exequendos. Feita essa demonstração, se o nome do sócio não estiver na CDA na condição de corresponsável, caberá ao fisco comprovar as situações que ensejam a aplicação do art. 135 do CTN, a fim de prosseguir executando os débitos que superarem o crédito recebido em face da liquidação da empresa. 5. Hipótese em que, considerada a situação fática descrita no acórdão a quo, a qual revela ter havido liquidação regular da pessoa jurídica, deve-se reconhecer a possibilidade de redirecionamento da execução fiscal, com base no art. 134, VII, do CTN. 6. Recurso Especial Provido’ (REsp 1.591.419/DF, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 20/09/2016, DJe 26/10/2016). Isto posto, com fundamento nos arts. 932, IV e V, do Código de Processo Civil de 2015 e 34, XVIII, b e c, e 255, I e III, do RISTJ, dou parcial provimento ao Recurso Especial, para permitir o redirecionamento do feito contra o sócio-gerente, com base na responsabilidade prevista no art. 134, VII, do CTN, cabendo-lhe demonstrar a insuficiência do patrimônio recebido por ocasião da liquidação para exonerar-se da responsabilidade pelos débitos exequendos.” (REsp n. 1.782.441/SP [2018/0313762-5], Rel. Min. Regina Helena Costa, DJe 3.12.2018)

28 Tal entendimento não é novo, pois antes mesmo da promulgação da Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal já entendia dessa forma; apenas à guisa de exemplo, trazemos um julgado dos idos de 1982 daquela Corte (RE n. 96.607-2/RJ, Rel. Min. Soares Muñoz, j. 27.4.1982), em que, inclusive, é citada jurisprudência demonstrando o fato: “Não se aplica, no entanto, à sociedade por quotas de responsabilidade limitada o artigo 134 do Código Tributário Nacional, porque, ainda que doutrinariamente a sociedade por quotas de responsabilidade limitada possa ser considerada como sociedade de pessoas, não se elimina com isso o traço que a lei e a doutrina lhe conferem de sociedade em que a responsabilidade dos sócios é limitada a importância total do capital social (RE 80.249, Relator Ministro Leitão de Abreu, RTJ 76/599 e RE 85.826, Ministro Thompson Flores. RTJ 89/942). Incide, no entanto, sobre o diretor, gerente ou sócio da sociedade por quotas de responsabilidade limitada o art. 135, itens I e III, se o crédito tributário resulta de ato praticado por qualquer deles com excesso de poder, infração de lei ou contrato social ou do estatuto.” No mesmo sentido, encontramos o RE n. 91.096-4 de relatoria do Ministro Cunha: “[...] Não se trata de saber se a sociedade por cotas de responsabilidade limitada é de pessoa ou de capital, matéria controvertida, mas se em uma sociedade dessa forma, que tem seu capital integralizado, seus sócios são ou não responsáveis pelas dívidas sociais. E a resposta só pode ser negativa. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada caracteriza-se pelo fato da irresponsabilidade dos sócios pelas dívidas da sociedade, quando seu capital está integralizado. Por isto é que Aliomar Baleeiro, com sua autoridade de grande especialista em matéria tributária, escreveu: ‘Sociedade de pessoas, no art. 134 do CTN, são as em nome coletivo e outras, que não se enquadram nas categorias de sociedade anônima ou de cotas de responsabilidade limitada’ (Direito Tributário, p. 434). É que, como afirmamos, por princípio e por disposição legal, na sociedade por cotas de responsabilidade limitada o sócio só é responsável até o valor do capital, e, assim, uma vez este integralizado, cessa qualquer responsabilidade [...]”. Em outra decisão, agora do Ministro Luiz Fux, no REsp 76.192.515, há a seguinte manifestação: “[...] De fato, o respeito à separação da pessoa jurídica da pessoa dos sócios que a compõem é preceito basilar que não pode e nem deve ser indevidamente violado, pena de se desconhecer as prescrições normativas que regulam, em particular, o direito empresarial. A concessão de privilégios materiais e processuais inesgotáveis para o Fisco em detrimento dos direitos dos contribuintes não pode subsistir num ordenamento jurídico que prima pela preservação dos princípios e garantias constitucionais, merecendo limitação, senão por meio das leis ordinárias, que conflitam em premente constância, ao menos pela Constituição Pátria.”

29 Trata-se de Recurso Especial interposto pelo Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo, com fulcro na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região assim ementado (e-STJ, fls. 183/184): “Direito constitucional – livre iniciativa – norma e interpretação: questão constitucional – Supremo Tribunal Federal: RE 562.276, Plenário, sob o regime de repercussão geral – execução fiscal contra sociedade empresária – registro do distrato social, na Junta Comercial – responsabilização patrimonial de sócio e administrador: impossibilidade. 1. No RE 562.276, sob o regime da repercussão geral, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que a norma jurídica – ou a sua interpretação –, sem causa legítima, não pode criar nova espécie de responsabilização patrimonial de terceiro, por débito da pessoa jurídica [...].”

30 “No caso dos autos, não há comprovação da prática de omissões por parte dos sócios administradores, até porque realizaram o ato de encerramento junto ao órgão competente. Ainda, não há demonstração de que algum sócio tenha, pessoalmente, realizado intervenções junto com a pessoa jurídica. O distrato social não exime a devedora do cumprimento de seu dever legal de pagar o tributo devido, uma vez que, mesmo dissolvida, a obrigação subsiste e pode ser cobrada. Entretanto, embora exista débito, não há causa para a responsabilização do sócio que procedeu ao encerramento de maneira regular e deu publicidade a esse ato. Em verdade, a realização do registro junto a JUCESP demonstra boa-fé dos gestores em encerrar as atividades da pessoa jurídica, alertando a terceiros sobre a impossibilidade de firmar compromissos com a sociedade. Portanto, deve a credora buscar o adimplemento das dívidas deixadas em aberto, porém, não pode se valer do redirecionamento da execução fiscal para isso, vez que no caso não se mostra presente a responsabilidade objetiva dos sócios-administradores. Portanto, inaplicável ao caso os art. 51, 1.033 e 1.102 do Código Civil, eis que as normas de direito tributário são previstas por lei complementar, estando delineado o redirecionamento no art. 135 do CTN e tendo em vista a responsabilidade subjetiva dos sócios-administradores, a qual resguarda a relação de pessoalidade entre o ilícito (má gestão) e a consequência (débito). Desse modo, não restando comprovada a dissolução irregular da agravada, injustificável o redirecionamento da execução na pessoa do sócio, pois ocorreu a comunicação do encerramento da sociedade ao órgão competente (Junta Comercial), nos termos da Súmula n. 435 do C. STJ (grifou-se). Em consequência, acolher a pretensão recursal, para reputar que houve dissolução irregular da pessoa jurídica executada, o que viabilizaria o redirecionamento da execução fiscal contra seus sócios-gerentes, requer o revolvimento do acervo fático-probatório, providência interditada em sede de recurso especial em razão do óbice contido na Súmula 7/STJ.” (REsp n. 1.752.249/SP [2018/0165785-8])