O Direito Penal como Instrumento para garantir a Arrecadação Tributária

Criminal Law as an Instrument to ensure Tax Collection

Martha Leão

Professora do Mackenzie e do Mestrado Profissional do IBDT. Doutora e Mestre em Direito Tributário pela USP. Mestre em Teoria do Direito e Democracia Constitucional pela Università Degli Studi di Genova. E-mail: martha.leao@humbertoavila.com.br.

Raquel Lima Scalcon

Professora da FGV Direito SP (graduação e pós-graduação). Estágio pós-doutoral na Universidade Humboldt de Berlim/Alemanha. Doutora pela UFRGS, onde se graduou. E-mail: raquelscalcon@gmail.com.

Recebido em: 23-2-2022

Aprovado em: 29-3-2022

Resumo

O artigo aborda e critica a utilização do Direito Penal como um instrumento de pressão para o aumento da arrecadação tributária. A análise é feita a partir da discussão proposta na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.980, em trâmite no Supremo Tribunal Federal. Por meio dessa ação, a Procuradoria-Geral da República propõe a declaração de inconstitucionalidade do art. 83 da Lei n. 9.430/1996 (na redação dada pela Lei n. 12.350/2010), regra que exige o esgotamento das instâncias administrativas para o envio de representação penal relativamente a alguns crimes contra a ordem tributária e contra a Previdência Social, sob o argumento de que essa confirmação administrativa não seria necessária para os crimes tidos como formais. A pretensão é possibilitar que o Ministério Público ofereça denúncias antes da confirmação administrativa acerca da existência e validade de créditos tributários e previdenciários, quando se tratar de um crime meramente “formal”. Este artigo, portanto, abordará os riscos envolvidos nessa argumentação e a insegurança jurídica que uma possível decisão favorável do Supremo Tribunal Federal geraria no ordenamento jurídico.

Palavras-chave: direito penal, crimes contra a ordem tributária e contra a Previdência Social, crimes formais, insegurança jurídica.

Abstract

The article discusses and criticizes the use of Criminal Law as an instrument of pressure to increase tax collection. The analysis is based on the discussion proposed in the Direct Action of Unconstitutionality (“ADIn”) n. 4.980, pending in the Brazilian Supreme Court (“Supremo Tribunal Federal). Through this action, the Attorney General’s Office proposed a declaration of unconstitutionality of article 83 of Law n. 9.430/96 (in the wording given by Law n. 12.350/10), a rule that requires the exhaustion of administrative instances for the submission of criminal representation in relation to some crimes against the tax order and against Social Security, on the grounds that this administrative confirmation would not be necessary for crimes considered to be “formal”. The intention is to enable the Public Ministry to file complaints before administrative confirmation about the existence and validity of tax and social security credits, when it is a merely “formal” crime. This article, therefore, will address the risks involved in this argument and the legal uncertainty that a possible favorable decision of the Brazilian Supreme Court would generate in the legal system.

Keywords: criminal law, crimes against the tax order and against Social Security, formal crimes, legal uncertainty.

[“O Direito Penal é um mal necessário e, quando se transpõem os limites da necessidade, resta apenas o mal. Acho que é este o caso com que nos defrontamos, Sr. Presidente. Não há como nem por onde convalidar interpretação que, com o devido respeito, permita o uso de remédio de caráter penal, para obter resultado tributário que é impossível de ser logrado na via civil.”] Ministro Cezar Peluso1.

Introdução

O Supremo Tribunal Federal julgou, no dia 10 de março de 2022, o mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.980. Entendeu o Tribunal, por maioria, pela improcedência do pedido formulado, com a consequente declaração de constitucionalidade do art. 83 da Lei n. 9.430/19962. Referida ação visa à declaração de inconstitucionalidade do art. 83 da Lei n. 9.430/1996 (na redação dada pela Lei n. 12.350/2010), cujo teor exige o esgotamento das instâncias administrativas para o envio de representação fiscal para fins penais relativamente a alguns crimes contra a ordem tributária e contra a Previdência Social. Segundo a redação hoje vigente, “A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente”.

O que se postula no caso, salienta-se, não é a declaração da inconstitucionalidade desse artigo na íntegra, mas apenas da sua aplicação aos crimes que, embora ali listados, seriam meramente “formais” e, por isso, não poderiam ter sido abarcados pelo art. 83. Diz a Procuradoria-Geral da República, na petição inicial da ADIn, que o dispositivo, tal como hoje redigido e interpretado, violaria a proporcionalidade, porque “colocaria em risco a adequada persecução de delitos que, por sua natureza tributária, procuram tutelar a função social do patrimônio público e social, criando, para além de permanência de uma situação de inconstitucionalidade, a definição de um quadro amplamente favorável à impunidade”3. Em apertada síntese, o que se pretende é possibilitar que o Ministério Público ofereça denúncias antes ou independentemente da confirmação administrativa acerca da existência e validade de créditos tributários e previdenciários, quando se tratar de um crime meramente “formal”.

Os argumentos apresentados pela Procuradoria-Geral da República para justificar essa declaração de inconstitucionalidade são os seguintes: (i) primeiro, a qualificação de alguns crimes contra a ordem tributária e contra a Previdência Social como crimes formais, isto é, como crimes que independeriam da confirmação do crédito tributário (do prejuízo ao Erário) para a sua consumação; (ii) segundo, o entendimento de que, independentemente dessa qualificação dos crimes como formais, o lançamento de ofício já seria suficiente para a comprovação da existência de uma dívida perante a Fazenda Pública; e (iii) terceiro, a compreensão de que a proteção contra “a sonegação” não estaria devidamente garantida caso não se autorizasse o envio da representação fiscal para fins penais ao órgão acusador mesmo antes do final do processo administrativo. Nesse sentido, a manifestação da Procuradoria-Geral da República:

“45. Nessas hipóteses de delitos formais, prescinde-se de qualquer ato de formalização tributária como premissa para verificação do delito. Assim, revela-se dispensável o lançamento definitivo para configuração da justa causa legitimadora da persecução criminal, conforme já decidiu a Corte. Se há adequação típica do fato à norma penal tributária, indícios de autoria e prova da materialidade, é plenamente viável o oferecimento de denúncia.

46. Feita essa distinção, percebe-se que o agente administrativo não deve aguardar o fim do processo administrativo fiscal para comunicar a prática delitiva de cunho formal ao Ministério Público, conforme estipula o art. 83 da Lei 9.430/96. Isso porque a regra se funda na premissa de que para a consumação dos delitos é necessário o lançamento definitivo, o que não é verdadeiro para os crimes formais.

[...] De mais a mais, ainda que não se reconheça a natureza formal do delito de apropriação indébita previdenciária, o lançamento de ofício já comprova que o réu é devedor da Fazenda através da constituição do crédito tributário (art. 142, CTN).

[...] 63. Assim, a importância do devido recolhimento contempla a potencialidade de influir na redistribuição das riquezas e no desenho da política econômica voltada ao desenvolvimento nacional, que são objetivos da República Federativa do Brasil (art. 3º, CR). É essa função ético-social do tributo que demanda proteção pelo Direito Penal.

[...] Tendo em vista a demonstrada relevância do bem jurídico supraindividual tutelado pelos tipos penais mencionados pelo art. 83 da Lei 9.430/1996, não se afigura constitucionalmente legítimo o dispositivo que dificulta a persecução criminal ao condicionar a notitia criminis ao encerramento do procedimento administrativo fiscal. Ausente a comunicação, o órgão acusador carecerá de elementos essenciais para o oferecimento de denúncia em tempo oportuno.

[...] O art. 83 da Lei 9.430/1996 viola os artigos 3º; 150, inciso II, 194, caput e inciso V; e 195 da Constituição, segundo uma lógica de proporcionalidade na proteção aos bens jurídicos neles contemplados. Com efeito, o expediente que veicula constitui medida que torna insuficiente a defesa do funcionamento do sistema tributário constitucionalmente exigida.”4

Nesse contexto, este trabalho se propõe a enfrentar três questões específicas: em primeiro lugar, avaliar se a discussão sobre a qualificação de crimes tributários e contra a Previdência Social como formais ou como materiais e sua relação com o exaurimento da esfera administrativa, tal como apresentada pela Procuradoria-Geral da República na referida ADIn, está bem posta; em segundo lugar, examinar se haveria desproporcionalidade na exigência de confirmação do crédito tributário para o envio da representação fiscal para fins penais relativamente a esses crimes, ou, ao contrário, se a permissão de apresentação de denúncia penal, antes da confirmação do crédito tributário, consubstanciaria um instrumento (inconstitucional) de pressão para a arrecadação tributária, tendo em vista que o recolhimento do tributo importa no encerramento do processo; e, em terceiro lugar, considerando a ausência de trânsito em julgado do processo e a possibilidade de oposição de embargos com efeitos infringentes, analisar quais seriam as consequências de uma possível decisão favorável do Supremo Tribunal Federal relativamente ao pedido da Procuradoria-Geral da República, tendo em vista especialmente as exigências de segurança jurídica aplicáveis diretamente aos âmbitos do Direito Tributário e do Direito Penal. Cada uma dessas questões merece análise pormenorizada.

I. Crimes tributários e contra a Previdência Social: breves considerações sobre as relações entre (i) a qualificação como “crime formal” ou “material”, (ii) o exaurimento da via administrativa e (iii) o momento consumativo do delito

Na ADIn ora examinada, a sua autora, a Procuradoria-Geral da República, busca a declaração de inconstitucionalidade do art. 83 da Lei n. 9.430/1996 relativamente aos crimes tributários e contra a Previdência Social que, embora submetidos a tal regra, seriam meramente “formais”. Em sua petição inicial, contudo, ela simplesmente não indica quais crimes, no seu entender, seriam formais e quais seriam materiais. Tampouco esclarece o conteúdo de sentido que atribuiu a tais conceitos. Apesar dessa atecnia, é possível considerar que o art. 168-A do Código Penal, no entender da Procuradoria-Geral da República, seria um exemplo de crime meramente formal5, já que assim postulou na ADIn:

“requer-se [...] seja julgado procedente o pedido, a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade do art. 83 da Lei 9.430/1996, com a alteração promovida pela Lei 12.350/2010, no que se refere aos crimes formais, especialmente o de apropriação indébita previdenciária. Subsidiariamente, requer seja dada interpretação conforme ao dispositivo para declarar que os delitos formais, sobretudo o de apropriação indébita previdenciária, consumam-se independentemente do exaurimento da esfera administrativa.”6 (Destaque nosso)

A redação do pedido, contudo, permite afirmar que haveria, na compreensão da Procuradoria-Geral da República, outros crimes formais referidos no art. 83 da Lei n. 9.430/1996 – para além do art. 168-A do Código Penal. Aparentemente, esse delito foi mencionado apenas a título de exemplo, haja vista o emprego do advérbio de modo “especialmente”. Se a nossa leitura é correta, temos ao menos três problemas importantes relativamente à seção postulatória desta ADIn: (i) recurso a termos disputados e controversos na dogmática penal (crime formal versus crime material); (ii) falta de esclarecimento do sentido que a Procuradoria-Geral da República atribui a tais termos e (iii) excessiva abertura do pedido, que não deixa claro exatamente quais crimes, em sua visão, seriam formais e por quê – e, consequentemente, também não permite a compreensão da extensão do pedido formulado ao Tribunal.

O exame do pedido com maior rigor analítico permite, no entanto, algumas implicações: segundo a tese defendida na ADIn, (a) os crimes tributários e contra a Previdência Social que são formais, por exemplo o art. 168-A do Código Penal, se consumariam independentemente do exaurimento da esfera administrativa; logo, (b) a exigência de esgotamento das instâncias administrativas para o envio de representação fiscal para fins penais ao órgão de persecução seria inconstitucional relativamente a tais crimes. Se prosseguirmos com esse exame, perceberemos outra premissa oculta, a saber: a de que os crimes tributários e contra a Previdência Social que são materiais somente se consumariam quando do exaurimento da via administrativa. Há, pois, uma proposta de vinculação entre três grandezas e/ou noções juridicamente distintas: (i) natureza formal ou material do crime; (ii) exaurimento da via administrativa e (iii) momento consumativo. Essa vinculação, contudo, não está bem-posta.

Vejamos. Uma primeira discussão envolve a contraposição entre “crime formal” e “crime material”. Tal nomenclatura, em si, já é repleta de desencontros e, por vezes, tratada indevidamente como sinônimo da distinção entre “crime de perigo” e “crime de dano/lesão” ao bem jurídico. Enquanto aquela distinção está no plano empírico, questionando se o tipo penal exige, para sua consumação, algum resultado concreto no mundo fático7, esta se orienta no plano abstrato, indagando se o tipo penal criminaliza um mero perigo (abstrato ou concreto) ou uma efetiva lesão/dano relativamente ao bem jurídico tutelado8. Trata-se, assim, de classificações distintas e autônomas. Tanto é que existem certos crimes materiais que são de perigo ao bem jurídico (como, por exemplo, o art. 250 do Código Penal: “Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem [...]”) e certos crimes formais que são de dano ao bem jurídico (como, por exemplo, o art. 317 do Código Penal: “Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem [...]”)9.

Portanto, uma coisa é discutir, na ADIn, quais crimes são “materiais” e quais seriam meramente “formais”. Outra, diferente, é discutir quais são “de perigo” e quais são “de dano” ao bem jurídico. Tudo isso depende da forma como interpretamos a norma penal criminalizadora e, a partir dela, construímos o tipo penal. E uma terceira análise ainda, distinta das anteriores, diz respeito à relação entre tais classificações e a exigência de lançamento definitivo e/ou esgotamento da via administrativa para o início da persecução penal dos crimes tributários e contra a Previdência Social.

Pois bem, definitivamente não resta claro, a partir da leitura da ADIn, qual é o sentido atribuído à expressão “crime formal” pela Procuradoria-Geral da República, tendo-se a impressão de que o termo é utilizado como sinônimo da seguinte ideia: crime formal seria aquele cuja consumação e, logo, a persecução penal independeria do esgotamento da via administrativa10. Contudo, a ideia de esgotamento da via administrativa não depende apenas da classificação de delitos como formais ou materiais (plano concreto), mas também da sua qualificação como crime de mero perigo ou crime de dano ao Erário (plano normativo). Ora, o dano ao Erário, nos crimes tributários e contra a Previdência Social, configura-se justamente pelo inadimplemento da obrigação de pagar o tributo.

E qual a relação disso com o esgotamento da via administrativa? A relação é aquela definida tanto pela Constituição como pela própria legislação específica de Direito Tributário. De um lado, a Constituição prescreve, em seu art. 5º, inciso LV, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, o que implica consequentemente o direito a um processo administrativo de autocontrole de legalidade dos atos administrativos-fiscais. De outro lado, o Código Tributário Nacional é firme em também reconhecer que a existência e validade do crédito tributário só ocorre depois de uma decisão final proferida em processo regular. Essa conclusão decorre da leitura, em conjunto, dos arts. 142 (“Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento [...]”), 151, inciso III (“Suspendem a exigibilidade do crédito tributário as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo [...]”) e 201 (“Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular”). Isso significa dizer que o dano ao Erário só estará configurado quando não houver qualquer grau de incerteza sobre a sua existência, validade e exigibilidade de acordo com a própria legislação tributária – o que só ocorre a partir da decisão final proferida no âmbito do processo administrativo-fiscal.

Desse modo, o adequado julgamento dessa ação dependerá, necessariamente, do esclarecimento por parte do Supremo Tribunal Federal tanto da classificação de “crime formal versus crime material” quanto da classificação de “crime de dano versus crime de perigo”. Contudo, o problema jurídico posto não irá se resolver apenas com esse exame próprio do Direito Penal, pois ainda restarão duas questões fundamentais em aberto, vinculadas diretamente à relação do Direito Penal com o Direito Tributário: (i) a natureza jurídica da exigência de esgotamento da via administrativa para certos delitos tributários e contra a Previdência Social e (ii) a relação entre a exigência de esgotamento da via administrativa e o momento consumativo do crime.

Note-se que as perguntas foram apresentadas nesta ordem de modo intencional. A resposta à primeira condiciona a segunda em uma típica relação de prejudicialidade. Ao menos quatro categorias dogmáticas distintas são utilizadas para justificar a exigência de confirmação administrativa do crédito, as quais não são propriamente compatíveis entre si, além de gerarem consequências materiais e processuais potencialmente distintas. São elas: (i) falta de justa causa para a ação penal; (ii) ausência de confirmação do próprio elemento do tipo objetivo do crime (plano da tipicidade objetiva); (iii) existência de condição objetiva de punibilidade do agente e (iv) existência de condição de procedibilidade para o exercício da ação penal. A adoção de uma específica noção dogmática para justificar a exigência de confirmação administrativa definitiva pode trazer impactos relevantes na discussão sobre o momento consumativo do crime – e também sobre a própria redação da Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal (“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”). Passamos a analisá-las individualmente.

Em primeiro lugar, caso se entenda que, ausente o esgotamento da via administrativa, não haveria justa causa para a ação penal, a questão seria de ordem eminentemente probatória (indícios mínimos de materialidade e autoria). Logo, o momento consumativo do crime poderia ser cronologicamente anterior ou juridicamente independente do exaurimento da via administrativa. Explica-se: caso o envio da representação fiscal para fins penais ao Ministério Público esteja condicionado ao final do processo administrativo-fiscal, então, do ponto de vista prático, poderia ser realmente inviável ao órgão acusatório apresentar uma denúncia desamparada dos dados com sigilo fiscal, porque, muito provavelmente, faltariam elementos fáticos e documentos para demonstrar a materialidade do delito11. Isso, contudo, não vincula as noções de esgotamento da via administrativa com a de consumação do crime. Pelo contrário, torna-as autônomas.

Em segundo lugar, caso se entenda que é o próprio elemento do tipo objetivo do crime tributário ou contra a Previdência Social que somente vem a ser configurado (preenchido) com o exaurimento da via administrativa, então, por coerência, será necessário aceitar uma vinculação insuperável entre o momento consumativo do crime e o esgotamento da via administrativa. Explica-se a partir de um exemplo concreto: o art. 168-A, § 1º, inciso I, do Código Penal, tipifica como crime “deixar de recolher contribuições devidas à previdência social”. Nesse contexto, é possível argumentar que esse fato típico somente estará configurado – com o consequente preenchimento do tipo objetivo do crime – quando não houver mais discussão administrativo-fiscal sobre (i) “se” a contribuição é “devida” ou (ii) “em que medida” ela é “devida”. Neste caso, como acima referido, haveria uma coincidência entre o esgotamento da via administrativa e a consumação do crime.

Em terceiro lugar, caso se entenda que o exaurimento da via administrativa é condição objetiva de punibilidade de certos crimes tributários (e contra a Previdência Social), então não haveria coincidência necessária entre o momento consumativo e o lançamento definitivo. O crime poderia já estar consumado, mas a sua punição estaria na dependência de um fato externo concreto distinto da conduta e do seu resultado. No entanto, essa categoria dogmática – “condição objetiva de punibilidade” – por si só já traz debates acalorados. Pensamos ter razão Assis Toledo quando afirma que tal categoria “não forma um grupo perfeitamente delimitado de características [...], trata-se duma série de casos diversificados, para os quais não podemos encontrar um denominador comum no terreno dogmático”12.

Finalmente, em quarto lugar, caso se entenda que o exaurimento da via administrativa é condição de procedibilidade e/ou perseguibilidade (i. e., condição específica para o exercício da ação penal), então o que ficaria suspenso e condicionado à constituição definitiva do crédito não seria “o crime ou a tipicidade da conduta”, mas meramente “o exercício da ação penal”13. Neste cenário, consumado estaria o delito em momento cronologicamente anterior ao esgotamento da via administrativa, mas o exercício do direito de ação penal ficaria subordinado e condicionado à ocorrência desse evento posterior e externo ao crime.

Feitas essas distinções, o que se observa é a ausência de uma interpretação unívoca sobre três noções autônomas: (i) natureza formal ou material do crime (e natureza de crime de perigo ou de crime de dano ao bem jurídico); (ii) exaurimento da via administrativa e (iii) momento consumativo do crime. Diante disso, a ADIn n. 4.980 é uma importante oportunidade de esclarecimento e de precisão conceitual de uma discussão conturbada que – ao menos para a Procuradoria-Geral da República – não se encerrou nem mesmo após a edição da Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal. Referida súmula resultou da pacificação jurisprudencial entre as Turmas do Tribunal do entendimento de que o exaurimento da via administrativa, com a confirmação da existência do débito tributário, conferiria “justa causa” à propositura da ação penal. Nesse sentido: “Se está pendente recurso administrativo que discute o débito tributário perante as autoridades fazendárias, ainda não há crime, porquanto ‘tributo’ é elemento normativo do tipo”14 e, na mesma direção, “Não esgotamento da via administrativa ao momento do oferecimento da denúncia. Ausência de justa causa para a ação penal. Anulação do processo desde a denúncia.”15

O Tribunal Pleno enfrentou a matéria no julgamento do Habeas Corpus n. 81.611. Em um acórdão que reflete longas discussões e votos discordantes, pacificou-se a orientação, pelo Tribunal, até o momento, de que careceria de “justa causa” a denúncia ofertada previamente à confirmação da existência do crédito tributário pelas instâncias administrativas com competência privativa para tanto. Esse julgado reflete, de um lado, o entendimento majoritário dos Ministros no sentido de que a criminalização dos ilícitos tributários no Brasil refletiria verdadeira técnica arrecadatória do Estado, sendo chamada pelos Ministros de “técnica auxiliar de arrecadação” [Ministro Sepúlveda Pertence, p. 53 do acórdão] e “instrumentos arrecadatórios” [Ministro Nelson Jobim, p. 71 do acórdão]. De outro lado, por 8 votos a 3, o Tribunal firmou posição no sentido da exigência de confirmação do crédito tributário nas vias administrativas tributárias para a propositura da ação penal. Nos termos do voto do Ministro Relator Sepúlveda Pertence, “princípios e garantias constitucionais eminentes decididamente não permitem é que, pela antecipada instauração da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia de questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório a que se devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal.”16 Entendimento diverso, segundo a Corte, redundaria em usurpação da competência privativa da autoridade fiscal: “trata-se, na verdade, é de não usurpar a competência privativa da Administração para o ato de constituição do crédito tributário (CTN, art. 142), sujeito ele mesmo, de resto, ao controle judicial de sua validade, quando se lhe anteponha pretensão de direito subjetivo violado do contribuinte.”17

O reconhecimento dessa limitação passou ainda pelo entendimento majoritário dos Ministros no sentido de que a permissão para a apresentação da ação penal antes da confirmação da própria existência do crédito tributário institucionalizaria, nas palavras do Ministro Nelson Jobim (p. 77, do acórdão), o uso extorsivo do Direito Penal como forma de pressionar contribuinte-responsável ao pagamento do tributo, ainda que o considerasse indevido. Nesse sentido, destacam-se algumas manifestações dos Ministros:

“[...] ao devedor ameaçado da ação penal, para alcançar a extinção da punibilidade, só restaria um caminho: dobrar-se à exigência fiscal do lançamento objeto da impugnação e renunciar a esta. Isso representaria, no entanto, o abuso do poder de instaurar o processo penal para constranger o cidadão a render-se incondicionalmente aos termos da exigência do Fisco, com a renúncia não só da faculdade – que a lei complementar lhe assegura de impugnar o lançamento mediante procedimento administrativo nela previsto, mas também, e principalmente, de eminentes garantias constitucionais, sintetizadas na do ‘devido processo legal’.” [Ministro Sepúlveda Pertence, p. 35 do acórdão] (Destaques nossos)

“Toda vez que se discutiu, no Congresso Nacional, a questão desse tipo ilícito, estava algo na base dessa discussão, que é algo real e que temos que levar em conta. E esta realidade é qual? A possibilidade, ou não, de você aumentar ou reduzir, pela lei, a capacidade extorsiva que possa se dar a um fiscal na ação de fiscalização efetiva. Isso precisamos dizer. Se não contarmos com esse dado da realidade, não saberemos julgar os casos conforme a necessidade que se impõe à uma corte constitucional da natureza da nossa.” [Ministro Nelson Jobim, p. 77 do acórdão] (Destaques nossos)

“[...] pendendo reclamação ou recurso administrativo, o Fisco não pode exigir nem cobrar o tributo, na esfera civil. E, não o podendo, temos de, sob pena de conspícuo absurdo, admitir não possa muito menos fazê-lo, de modo indireto, na esfera penal, desvirtuando os propósitos e a vocação político-normativa do Código Penal, e transformando o processo penal em sub-rogatório da execução fiscal que não pode ser iniciada. [...] É que seria inexplicável e intolerável desvirtuamento da função normativa penal autorizar o Fisco a exigir, pela força coercitiva da ignomínia que sempre representa ao réu a pendência de uma ação penal, tributo que não pode exigir por via de ação civil!” [Ministro Cezar Peluso, p. 115 e 117 do acórdão] (Destaques nossos)

Essas manifestações, às quais outras poderiam ser somadas, evidenciam o reconhecimento do Tribunal – naquela composição, salienta-se – pelos limites que devem ser impostos ao uso do Direito Penal para a consecução de finalidades outras, que não aquelas diretamente relacionadas com a proteção, em última instância, dos bens jurídicos incapazes de serem protegidos pelas demais esferas do Direito. O julgamento da ADIn n. 4.980 permite, portanto, a retomada pela Corte dessas discussões, realizando, de forma mais assertiva (i) o acertamento conceitual da classificação de crimes tributários e contra a Previdência Social como formais ou materiais (e como crimes de perigo ou de dano ao bem jurídico tutelado); (ii) a ratificação (ou retificação) da natureza jurídica da exigência de exaurimento da via administrativa para início da persecução criminal como vinculada à ausência de justa causa e (iii) a indicação sobre o momento consumativo dos crimes em questão a partir do esclarecimento das questões anteriores e da “natureza jurídica” da eventual exigência de esgotamento da esfera administrativa18. Estabelecidas essas premissas, passa-se então a analisar a viabilidade da utilização instrumental do Direito Penal para o incremento da arrecadação tributária.

II. A inadequação da utilização do Direito Penal como instrumento de arrecadação tributária – um risco iminente na ADIn n. 4.980

O caráter instrumental do Direito consiste nessa qualidade que todos reconhecem à norma jurídica de servir de meio posto à disposição das vontades para obter – mediante comportamentos humanos – o alcance das finalidades desejadas pelos titulares daquelas vontades19. O Direito é um instrumento para a realização de finalidades. Esta ideia é antiga e recorrente, mas merece retorno. Nesse sentido, Tamanaha destaca que a visão instrumental do Direito, ou seja, a ideia de que ele é um meio para uma finalidade, é “um dado adquirido” e “quase uma parte do ar que respiramos”20. Jhering também já a expressava com maestria: “o Direito não é um fim em si mesmo, mas um meio para um fim”21. Embora seja incontroversa essa natureza instrumental do Direito em geral, há fins constitucionalmente válidos e fins constitucionalmente inválidos. A proteção dos bens jurídicos por meio do Direito Penal depende necessariamente de uma relação, ao menos instrumental, com a consecução da dignidade humana22. Não se questiona, nesse trabalho, a premissa de que, em situações excepcionais de evidente caráter doloso, se configure dignidade penal para a proteção dos bens jurídicos atingidos pela conduta fraudulenta de deixar de recolher tributos.

A questão em debate, contudo, diz respeito a saber se essa proteção deveria (ou poderia) ser ampla o suficiente para permitir representação fiscal para fins penais mesmo antes de confirmada a própria existência do crédito tributário. Essa permissão, em nosso entender, se afasta do caráter finalístico do Direito Penal (de proteção, em última ratio, dos bens jurídicos que garantem a dignidade humana) para lhe conferir finalidades “extrapenais. Portanto, o que subjaz à ação constitucional proposta pela Procuradoria-Geral da República é a institucionalização do uso instrumental do Direito Penal com a finalidade de aumentar a arrecadação tributária, transformando a penalização da conduta (ainda incerta) em um instrumento de pressão para o recolhimento do tributo – mesmo se pendente de sua própria confirmação de existência e validade. Veja-se que a criminalização do ilícito tributário poderia, em tese, ter tanto uma justificação ética (“puede ser fruto de la convicción de que se há logrado um sistema fiscal, dentro de lo que cabe, justo, merecedor del respeto de todos y de que, por tanto, la infración tributaria resulta intolerable) como uma justificação meramente utilitarista (“o puode ser el produto de la comprobación estadística de que casi todo el mundo defrauda y que, por consiguinte, es preciso desencadear el terror penal para que la gente satisfaga los tributos”)23. Nesse cenário, Machado destaca que, no Brasil, o uso desmedido desse instituto representa exatamente a busca pelo “efeito intimidativo da pena” sobre os contribuintes, o que caracterizaria o uso abusivo do Direito Penal24.

Essa constatação é evidenciada pelo fato de que a legislação penal prescreve a extinção da punibilidade desses crimes contra a ordem tributária e contra a Previdência Social diante do pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais. Nesse sentido, a análise combinada do art. 83 da Lei n. 9.430/1996 e do art. 9º da Lei n. 10.684/2003:

Lei n. 9.430/1996

Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.”

Lei n. 10.684/2003

“Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

§ 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.”

Isso significa dizer que o pagamento integral do tributo, mesmo nesses crimes tidos como formais pela Procuradoria-Geral da República, implica a extinção da punibilidade com relação a essas condutas. O Estado diante das opções de punir o suposto sonegador e favorecer o pagamento do tributo, preferiu a segunda hipótese; noutro dizer, renuncia ao poder de punir, a fim de ensejar maior arrecadação25. Veja-se a incoerência decorrente dessa constatação: embora se defenda que esses seriam crimes de mera conduta/formais, e, nesse sentido, independentes dos resultados produzidos, a reversão do resultado (o inadimplemento tributário) gera a própria extinção da punibilidade. Em outras palavras, o entendimento arguido revela que, para a persecução penal, não importaria o resultado (o crédito inadimplido); embora para a extinção da punibilidade, importaria, sim, a reversão do resultado (o adimplemento do crédito).

Essa constatação revela um problema de coerência. A coerência é um postulado normativo. Do ponto de vista semântico, coerência conota a ideia de “qualidade, condição ou estado de harmonia entre dois fatos ou duas ideais; relação harmônica/conexão”26. Não há um descompasso entre esta definição semântica e o postulado da coerência para o Direito. Nas palavras de Bracker, “um conjunto de sentenças é substancialmente coerente se houver uma conexão positiva entre seus elementos”27. Coerência não significa apenas consistência lógica, não obstante esta faça parte da ideia de coerência. Trata-se de uma exigência maior que essa e que pode ser observada em graus. Nesse sentido, Peczenick destaca que “quanto mais as declarações pertencentes a uma dada teoria se aproximam de uma estrutura de suporte perfeita, mais coerente esta teoria”28. Segundo Ávila, um conjunto de proposições qualifica-se como coerente se preenche os requisitos de (i) consistência e (ii) completude. De um lado, consistência significa ausência de contradição: um conjunto de posições é consistente se não contém, ao mesmo tempo, uma proposição e sua negação. De outro lado, completude significa a relação de cada elemento com o restante do sistema, em termos de integridade (o conjunto de proposições contém todos os elementos e suas negações) e de coesão inferencial (o conjunto de proposições contém suas próprias consequências lógicas)29.

O debate aqui enfrentado, portanto, possui um problema de consistência, na medida em que as duas proposições implicadas pela interpretação conferida pela Procuradoria-Geral da República são contraditórias: a (in)adimplência do crédito importa e não importa ao mesmo tempo, para a mesma finalidade. Noutro dizer, se a inadimplência do crédito tributário é irrelevante para a existência do crime, então o crime não pode deixar de existir pela sua adimplência, não sem uma contradição interna no próprio argumento.

Essa inconsistência, contudo, revela exatamente a pressão que a representação fiscal para fins penais exerce sobre os contribuintes-acusados para fins de adimplemento de uma obrigação tributária – seja ela efetivamente devida ou não. Na maior parte das vezes, trata-se de pessoas físicas empresárias, administradoras ou diretoras das pessoas jurídicas contribuintes ou responsáveis pelo tributo em discussão. Essas pessoas (físicas e jurídicas) são obrigadas a obedecer a um rígido controle de compliance, cujas diretrizes evidentemente não lidam de maneira harmônica com acusações penais (procedentes ou não). Nesse cenário, é nítida a pressão que a representação fiscal para fins penais gera sobre esses terceiros (que, por vezes, sequer tiveram contra si lavrados autos de infração relativamente àquele crédito tributário). A existência de uma persecução penal, ainda que sem a existência de indícios concretos de autoria e de materialidade contra aqueles terceiros, enseja prejuízos notórios à sua imagem, causando-lhe danos que muitas vezes compensam, do ponto de vista da sua imagem como gestor e da empresa gerida, mesmo o pagamento de um tributo não necessariamente devido, simplesmente com o propósito de encerramento daquela situação.

Esse contexto, contudo, mostra a capacidade de o Direito Penal servir de instrumento de pressão política para o recolhimento do tributo. Tal ramo do Direito, no entanto, não pode servir a esse tipo de finalidade. A criminalização de uma conduta equivale à última alternativa como forma de proteção dos bens jurídicos tidos como essenciais pela Constituição, tendo em vista a evidente aptidão desse ramo do Direito de restringir direitos fundamentais. Essa restrição, porém, só se justifica (e se torna proporcional) caso ponderada com o fim de estabelecer a proteção desses bens jurídicos que não poderiam mais ser protegidos de outra forma (ultima ratio). Não é esse o caso aqui analisado.

Os bens jurídicos a serem protegidos pela criminalização dos crimes contra a ordem tributária e dos crimes contra a Previdência Social seguem sendo protegidos pela exigência de que o início da ação penal esteja condicionado à confirmação definitiva da existência daquele crédito tributário, o que somente se verifica a partir do fim do processo administrativo no qual a Administração exerce o autocontrole sobre seus atos, dentre eles, o lançamento tributário. Essa aliás não é verdadeiramente uma escolha legislativa e sim uma escolha constitucional: foi a Constituição que determinou, em seu art. 5º, inciso LV, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, o que significa dizer que os atos administrativos, para a sua confirmação diante de um conflito (ou seja, diante da apresentação de uma impugnação por parte do cidadão interessado) dependerão da existência de um processo administrativo. Essa garantia, no entanto, só se torna eficaz diante da suspensão de qualquer efeito à essa cobrança durante o trâmite desse processo de autocontrole. Daí por que a legislação, como decorrência da determinação constitucional, pontua, de um lado, que as reclamações e os recursos em sede de processo administrativo suspendem a exigibilidade do crédito tributário (art. 151, inciso III, do Código Tributário Nacional) e, de outro lado, exige essa confirmação para a representação penal contra os contribuintes-responsáveis por aquele inadimplemento tributário (art. 83 da Lei n. 9.430/1996).

A exigência do prévio exaurimento da via administrativa para a representação fiscal para fins penais é uma decorrência direta também da determinação explícita do art. 142 do Código Tributário Nacional no sentido de que “compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento”. Por isso, a afirmação de Machado, no sentido de que “enquanto cobrador de tributos o Estado age corporificado por órgãos especializados nessa tarefa” e “em respeito à autonomia das instâncias, o Estado, no exercício da jurisdição penal, somente pode agir quando constada e afirmada, pela autoridade competente, aquela conduta que atinge a integridade da ordem tributária, objeto jurídico protegido nesses tipos penais”30. No mesmo sentido, Antônio e Fonseca em trabalho mais recente sobre o tema destacam que, sem a confirmação da existência da dívida tributária, ou seja, sem crédito tributário definitivamente constituído, inviável que se cogite a existência de ilícito penal; se o mero inadimplemento não pode ser punido penalmente, com ainda mais razão não se pode punir penalmente aquele que nem mesmo é inadimplente, já que o ilícito penal pressupõe, necessariamente, o ilícito tributário31.

Esses limites na utilização do Direito Penal como instrumento da arrecadação tributária já foram reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal, conforme mencionado. A jurisprudência firmada até aqui foi enfática em estabelecer a inconstitucionalidade da instrumentalização da persecução penal para a promoção de outros fins que não a proteção, em última instância, dos bens jurídicos incapazes de serem protegidos pelas demais esferas do Direito. Sobre esse entendimento jurisprudencial, é interessante notar ainda que, já naquela ocasião, os argumentos apresentados para refutar essa interpretação – no sentido de que seria sim devida a instauração do processo penal mesmo antes da confirmação da existência do crédito tributário no processo administrativo fiscal – eram “extrajurídicos”. Tratava-se de argumentos desvinculados da discussão de cunho tributário ou penal sobre a existência do crédito, de um lado, ou sobre a existência do crime, de outro, e vinculados às ideias de eficácia da punição e temor da prescrição penal32. Nesse sentido, novamente o Ministro Relator Sepúlveda Pertence: “de certo modo me antecipei, sobretudo no aditamento ao voto hoje proferido, à linha central da argumentação da eminente Ministra Ellen Gracie, que ousei chamar de extrajurídica. Não se discutiu, efetivamente, o que representa, na equação do crime material contra a ordem tributária, o acertamento definitivo e a liquidação, a quantificação do crédito tributário. Mas se desenhou, com tintas fortes, o temor da prescrição [...].”33

Pois bem, é exatamente esse tipo de argumento que retorna na presente discussão: a pretensão da Procuradoria-Geral da República apoia-se, assim como naquela ocasião, em argumentos extrajurídicos, vinculados diretamente à pretensão de diminuição da sonegação e de diminuição da impunidade, para defender a possibilidade de validar, de modo institucional, o uso instrumental do Direito Penal como (mais uma) ferramenta arrecadatória do Estado.

Todas as considerações anteriores demonstram que a decisão tomada, no mérito, pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a ação direta de inconstitucionalidade no dia 10 de março de 2022 se mostra condizente com o ordenamento jurídico posto e com a sua própria jurisprudência, afastando, por maioria, a argumentação sustentada pela Procuradoria-Geral da República. Considerando, no entanto, a ausência de trânsito em julgado da causa e a possibilidade da oposição de embargos com efeitos infringentes, é ainda salutar analisar os riscos que uma mudança de entendimento sobre o tema geraria do ponto de vista da segurança jurídica.

III. A decisão do Supremo Tribunal Federal e os riscos de uma mudança de entendimento do ponto de vista da segurança jurídica

Diante da possibilidade de uma mudança de jurisprudência que passe a permitir a representação fiscal para fins penais mesmo antes de finalizado o processo administrativo tributário de autocontrole com relação à legalidade do crédito tributário, é preciso analisar os riscos que essa mudança geraria em termos de segurança jurídica para os processos administrativos em andamento. A pergunta que se impõe nesse caso é a seguinte: se o Supremo Tribunal Federal passar a não mais exigir o esgotamento da via administrativa para um crime tributário ou contra a Previdência Social que, até aquele exato dia, somente podia ser investigado e perseguido penalmente após a constituição definitiva do crédito, como ficarão os casos em andamento perante a administração tributária? As notícias sobre o tema indicam a previsão de existência de uma “enxurrada” de ações penais diante de uma possível decisão favorável do Supremo Tribunal Federal34.

A resposta à questão proposta, contudo, não nos parece indicar a possibilidade dessa “enxurrada”. A aplicação imediata desse novo entendimento implicaria evidente violação ao princípio da irretroatividade, aplicável de forma pacífica tanto no âmbito do Direito Penal como do Direito Tributário. O princípio da irretroatividade está ligado à necessidade de que o direito seja prospectivo, já que, nas palavras de Raz, “uma pessoa não pode ser guiada por uma lei retroativa; que não existe, no momento da ação”35. Para guiar comportamentos, o direito precisa, necessariamente, atuar para o futuro.

Analisando a questão do ponto de vista da segurança jurídica, Ávila destaca que o fenômeno da retroatividade de normas causa tanto uma frustração da confiança normativa com relação ao passado (confiava-se em uma norma cuja eficácia foi anulada), quanto o nascimento de uma desconfiança jurídica com relação ao futuro (passa-se a desconfiar de que também a eficácia da norma presente pode ser alterada futuramente). Tal regra está vinculada à promoção da segurança jurídica que exige a realização de um estado de calculabilidade. A calculabilidade significa a capacidade de o cidadão antecipar as consequências alternativas atribuíveis pelo Direito a fatos ou a atos, comissivos ou omissivos, próprios ou alheios, de modo que a consequência efetivamente aplicada no futuro se situe dentro daquelas alternativas reduzidas e antecipadas no presente. Como a calculabilidade é vinculada à realização dos direitos de liberdade e de dignidade, aquela deve envolver a capacidade do cidadão de verificar as linhas de ação de modo a poder, com autonomia e responsabilidade, escolher aquilo que vai fazer36. Nesse ponto, haveria um problema evidente na aplicação direta e imediata dessa nova norma: aplicar-se-ia nesse caso um novo critério penal para fatos já efetivamente ocorridos, surpreendendo o contribuinte com consequências inequivocadamente inesperadas, tendo em vista o teor expresso da lei até então vigente.

Assim, a despeito de qualquer alteração no texto constitucional vigente desde a pacificação da sua jurisprudência sobre o tema aqui analisado, caso o Supremo Tribunal Federal entenda pela mudança da sua própria jurisprudência, se espera que, ao menos, o Tribunal reconheça ser indevida a aplicação imediata desse (possível) novo entendimento aos processos administrativos-fiscais hoje em andamento.

Conclusões

As considerações feitas até aqui demonstram a importância do julgamento da ADIn n. 4.980 para a determinação dos estreitos limites entre o Direito Penal e o Direito Tributário. Embora a decisão proferida (ainda sem publicação) pelo Supremo Tribunal Federal tenha relevância para definir e ratificar (ou retificar) questões isoladas de ambas essas áreas do Direito, sua grande importância está exatamente em delimitar o uso que o Estado pode fazer da persecução penal como forma de pressão sobre os contribuintes-acusados, especialmente tendo em vista o fato de que, no Brasil, o pagamento do tributo exclui a punibilidade dos crimes contra a ordem tributária e Previdência Social. O que se espera, portanto, é que o Supremo Tribunal Federal seja firme em defender aquilo que nos parece bastante evidente a partir da Constituição posta (e inalterada) desde que firmou sua jurisprudência hoje vigente sobre esses limites.

Em outras palavras, espera-se, de qualquer sorte, que o Supremo Tribunal Federal não permita que a discussão penal-tributária que bate às suas portas sirva de “cortina de fumaça” para autorizar a instrumentalização do Direito Penal como forma de encerramento forçado de litígios tributários, risco iminente desta ADIn n. 4.980. Como destacam Drüen e Butler, do ponto de vista do Direito alemão, mas plenamente aplicável ao Direito brasileiro, é preciso distinguir as diferenças materiais existentes entre essas esferas: o Direito Penal deve punir apenas as infrações que tenham um alto grau de ilicitude ética-social (sozialethisches Unwerturteil); ou seja, a própria natureza da infração deve ser criminal para ser submetida ao Direito Penal37. Tal como mencionado no início desse trabalho, o Direito Penal é um mal necessário para a vida em sociedade, mas isso não significa que seu uso possa ser estendido para além das situações em que ele é, em um última instância, efetivamente necessário.

Referências bibliográficas

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1 BRASIL, STF, Habeas Corpus n. 81.611, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 10.12.2003, p. 118.

2 BRASIL, STF, ADIn n. 4.980, Rel. Min. Nunes Marques, Tribunal Pleno, j. 10.3.2022, sem acórdão publicado.

3 BRASIL, STF, ADIn n. 4.980, p. 25 da Petição Inicial.

4 BRASIL, STF, ADIn n. 4.980, p. 17-22 da Petição Inicial.

5 A doutrina diverge quanto a essa classificação relativamente às hipóteses típicas do art. 168-A do Código Penal. Conferir: FALAVIGNO, Chiavelli. Comentário ao art. 168-A do Código Penal. In: SOUZA, Luciano Anderson de. Código penal comentado. São Paulo: RT, 2021, p. 653. Ver ainda ESTELLITA, Heloisa. Crimes previdenciários: arts. 168-A e 337-A do CP. Revista Brasileira de Ciências Criminais ano 9, n. 36, 2001, p. 310-350 (311 ss.) e, da mesma autora, A tutela penal e as obrigações tributárias na Constituição. São Paulo: RT, 2001, p. 212 ss.

6 BRASIL, STF, ADIn n. 4.980, p. 26 da Petição Inicial.

7 Conforme explica Assis Toledo, os crimes materiais (ou de resultado material – Erfolgsdelikte) “são aqueles cuja conduta está relacionada com o resultado previsto no tipo. A não ocorrência desse resultado impede a consumação do crime”. Já os delitos de mera atividade (ou “formais” – Tätigkeitsdelikte) seriam aqueles nos quais “a ação humana esgota a descrição do tipo [...], o resultado causal da ação, se eventualmente existente, não entra em consideração para o juízo de tipicidade, pois o tipo desses delitos encerra, de forma nítida, um desvalor da ação proibida” (TOLEDO, Francisco Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 142 ss.). Em sentido similar, ver HILGENDORF, Eric; VALERIUS, Brian. Direito penal. Parte geral. Traduzido por Orlandino Gleizer. São Paulo: Marcial Pons, 2019, p. 52 e CIRINO, Juarez. Direito penal. Parte geral. 6. ed. Curitiba: ICPC, 2014, p. 109.

8 Conforme explica Assis Toledo, é com vista ao bem jurídico protegido “que se fala em crimes de dano e em crimes de perigo” (TOLEDO, Francisco Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 143).

9 TOLEDO, Francisco Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 143-144.

10 BRASIL, STF, ADIn n. 4.980, p. 26 da Petição Inicial.

11 Importante, no ponto, a ressalva feita por Heloisa Estellita: “O que o artigo 198, CTN (e mesmo o artigo 83 da Lei 9.430/1996), autoriza é a revelação dos dados estritamente necessários para formular uma representação fiscal para fins penais (§ 3º, I), ou seja, aquela que comunica a suspeita da prática de um crime tributário (artigo 83 da Lei 9.430/1996) – e não [...] outros crimes.” (ESTELLITA, Heloisa. O acesso do MP a dados protegidos por sigilo fiscal e a decisão do STJ. Consultor Jurídico, fevereiro de 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-fev-17/estellita-acesso-mp-dados-sigilo-fiscal-stj. Acesso em: 22 fev. 2021.

12 TOLEDO, Francisco Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 157.

13 Sobre a categoria dogmática “condição de procedibilidade”, ver TOLEDO, Francisco Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 157-158.

14 BRASIL, STF, Habeas Corpus n. 83.414-1, Primeira Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 2.3.2004.

15 BRASIL, STF, Habeas Corpus n. 86.321, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 4.10.2005.

16 BRASIL, STF, Habeas Corpus n. 81.611, Tribunal Pleno, Voto do Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 10.12.2003, p. 53 do acórdão.

17 BRASIL, STF, Habeas Corpus n. 81.611, Tribunal Pleno, Voto do Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 10.12.2003, p. 33 do acórdão.

18 Há uma diferença fundamental, em termos de fundamento e de função, entre as esferas administrativa e criminal que será explicitada a partir dessa decisão. Nesse sentido: “in this light, a criminal penalty has the function of punishment and deterrence and is dependent on the individual culpability of the offender. In contrast to this, an administrative penalty has the function to safeguard the tax system in the multitude of annual millions of cases by increasing the costs of non-compliant behavior of taxpayers” (SEER, Roman; WILMS, Anna Lena. General report. In: SEER, Roman; WILMS, Anna Lena (ed.). Surcharges and penalties in tax law. EATLP Annual Congress Milan, 2015. Tax Series v. 14. Amsterdam: IBFD, 2015, p. 27).

19 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 24.

20 No original: “An instrumental view of law – the idea that law is a means to an end – is taken for granted in the United States, almost a part of the air we breathe.” (TAMANAHA, Brian Z. Law as a means to an end: threat to the rule of law. New York: Cambridge University Press, 2006, p. 1)

21 No original: Das Recht [ist] nicht Selbstzweck, sonder nur Mittel zum zweck. [...]” (JHERING, Rudolph von. Der Zweck im Recht. 4. ed. Tomo I. Leipzig: Breitkopf & Härtel, 1904, p. 425)

22 ESTELLITA, Heloisa. O princípio constitucional da isonomia e o crime de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias (art. 168-A, § 1º, I, do Código Penal). In: ESTELLITA, Heloisa (coord.). Direito penal empresarial. São Paulo: Dialética, 2001, p. 96-105 (96).

23 MOURULLO, Gonzalo Rodríguez. Presente y futuro del delito fiscal. Madrid: Civitas, 1974, p. 24-25.

24 MACHADO, Hugo de Brito. Crimes contra a ordem tributária. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 208 e ss.

25 ESTELLITA, Heloisa. O princípio constitucional da isonomia e o crime de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias (art. 168-A, § 1º, I, do Código Penal). In: ESTELLITA, Heloisa (coord.). Direito penal empresarial. São Paulo: Dialética, 2001, p. 96-105 (104).

26 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 488.

27 BRACKER, Susanne. Kohärenz und juristiche interpretation. Kiel: Nomos Verlagsgesellschaft, 2000, p. 194.

28 PECZENIK, Aleksander. On law and reason. 2. ed. Dordrecht: Springer, 2008, p. 132.

29 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 169-170.

30 MACHADO, Hugo de Brito. Crimes contra a ordem tributária. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 274.

31 ANTÔNIO, Nacle Safar Aziz; FONSECA, Fernando Daniel de Moura. O sistema tributário constitucional e os crimes fiscais: circunstâncias impeditivas da persecução penal. Revista Direito Tributário Atual v. 44. São Paulo: IBDT, 2020, 377-407 (388).

32 Sobre o uso de consequências externas às normas (ou extrajurídicas), vide: DIAS, Daniela Gueiros. Consequencialismo judicial no direito tributário brasileiro. São Paulo: IBDT, 2021, p. 58 e ss.

33 BRASIL, STF, Habeas Corpus n. 81.611, Tribunal Pleno, Voto do Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 10.12.2003, p. 69 do acórdão.

35 No original: “One cannot be guided by a retroactive law. It does not exist at the time of action.” (RAZ, Joseph. The authority of law: essays on law and morality. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2009, p. 214)

36 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 6. ed. São Paulo: Malheiros/JusPodivm, 2021, p. 454; 635.

37 No original: “there is also a material difference: criminal law shall solely punish infringements that have a high degree of socio-ethical wrongfulness (sozialethisches Unwerturteil). As has been stated, the very nature of the infringement must be ‘criminal’” (DRÜEN, Klaus-Dieter; BUTLER, Philipp. Germany. In: SEER, Roman; WILMS, Anna Lena (ed.). Surcharges and penalties in tax law. EATLP Annual Congress Milan, 2015. Tax Series v. 14. Amsterdam: IBFD, 2015, p. 355-388 (362)).