Solidariedade por Interesse Comum (Art. 124, Inciso I, do CTN): os Trabalhos de Rubens Gomes de Sousa Preparatórios do CTN e sua Influência na Compreensão do Dispositivo

Solidarity Based on Common Interest (Art. 124, I, of the Brazilian National Tax Code): the Influence of Rubens Gomes de Sousa’s Preparatory Studies for CTN under the Comprehension of the Norm

Fabiana Carsoni Fernandes

Graduada em Direito pela PUC-SP. Mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP. Especialista em Direito Tributário pela GV/Law. LLM em Direito Societário pelo Insper. Conselheira do IBDT. Advogada. E-mail: fabiana.carsoni@marizadvogados.com.br.

Recebido em: 21-3-2022

Aprovado em: 30-3-2022

Resumo

Por meio deste artigo, a autora analisará trabalhos de Rubens Gomes de Sousa preparatórios do projeto de lei que deu origem ao CTN. O trabalho buscará demonstrar que a intenção de Gomes de Sousa, ao propor a regra de solidariedade fundada em interesse comum (art. 124, inciso I) não converge integralmente com a interpretação literal, sistemática e finalística da norma. O artigo concluirá que a solidariedade por interesse comum pode abranger ou uma pluralidade de contribuintes, ou uma pluralidade de responsáveis tributários.

Palavras-chave: solidariedade, interesse comum, responsabilidade tributária.

Abstract

The author will analyze papers issued by Rubens Gomes de Sousa during the preparatory studies for CTN. By doing that, the author seeks to demonstrate that Gomes de Sousa’s intention, during those studies, does not fully converge with the literal, systematic and finalistic interpretation of the solidarity rule based on common interest (art. 124, item I). The article concludes that solidarity based on common interest may encompass either a plurality of taxpayers, or a plurality of individuals that are tax liable.

Keywords: solidarity, common interest, tax liability.

1. Introdução

De acordo com o art. 124, inciso I, do Código Tributário Nacional (“CTN”), há solidariedade quando as pessoas tenham interesse comum na situação que constitui o fato gerador da obrigação principal.

Doutrina, de uma maneira geral, afirma que esse interesse é jurídico, e não econômico, manifestando-se quando duas ou mais pessoas praticam a situação definida em lei como necessária e suficiente à ocorrência do fato gerador. Tratar-se-ia, segundo diversas manifestações doutrinárias, de solidariedade entre contribuintes que ocupam uma mesma posição, ou o mesmo polo da relação, com isso, praticando o fato gerador em conjunto.

Não obstante esse entendimento doutrinário, em 2018, a Cosit editou o Parecer Normativo Cosit n. 14, de 2018, firmando premissas sobre a aplicação do inciso I do art. 124 do CTN que vão muito além daquelas comumente apresentadas pela doutrina. Em linhas gerais, a Cosit afirma que o referido dispositivo alcança não apenas os contribuintes que, em conjunto, pratiquem o fato gerador, como também, em caso de ilícitos dolosos, o responsável tributário e terceiros que se conectem com a ação ou omissão dolosas.

Diante dessa divergência interpretativa e, sobretudo, da amplitude conferida pela Cosit à compreensão de interesse comum, este trabalho se propõe a investigar e a definir o conteúdo do art. 124, inciso I, do CTN.

Para tanto, far-se-á uma incursão histórica nos trabalhos de Rubens Gomes de Sousa, autor do anteprojeto do CTN, que deu origem ao projeto de CTN e ao próprio CTN. Gomes de Sousa, além de autor do anteprojeto, integrou a Comissão que transformou o anteprojeto em projeto entre 1953 e 1954.

A importância de buscar os trabalhos de Gomes de Sousa está em que, no anteprojeto, já se aludia à solidariedade tributária na hipótese de interesse comum, tendo o autor, àquela época, apresentado considerações sobre o que, em sua visão, representaria o interesse comum.

Assim, nesse trabalho, investigar-se-á a perspectiva que ora é designada como histórico-genética do interesse comum, o que será feito a partir de trabalhos de Gomes de Sousa, verificando-se se essa perspectiva é confirmada ou, então, contraditada pela interpretação literal, finalística e sistemática da norma. Ao final, apresentar-se-á o que se considera ser o conteúdo e a extensão do art. 124, inciso I, do CTN, considerações essas que irão um pouco além daquilo que a doutrina tradicionalmente afirma, mas que certamente estarão aquém das balizas fixadas no Parecer Normativo Cosit n. 14/2018. Este parecer normativo não será esmiuçado no presente estudo. Não é o objetivo deste artigo. Mas as premissas que serão fixadas ao final do trabalho serão bastantes para infirmar a maior parte das conclusões contidas na orientação da Cosit.

2. A interpretação das leis

Antes de apresentarmos considerações sobre o art. 124, inciso I, do CTN, cabe-nos fazer brevíssimas colocações sobre a interpretação das leis. Esse não é o espaço para tratarmos do tema em minúcias. Faremos apenas algumas ponderações sobre os métodos interpretativos aos quais se fará referência doravante e sobre sua importância na teoria da argumentação.

O ato de interpretar é uma atividade de mediação pela qual o intérprete busca compreender o sentido do texto1. Sabe-se que a interpretação de qualquer lei é um ato complexo, não limitado à sua letra, é dizer, não se resumindo à extração do conteúdo semântico e gramatical de seu texto. A interpretação pode até ser um ponto de partida dessa atividade, mas o intérprete não deve se limitar a ela. Faz-se necessário também, e sempre que possível, buscar (i) elementos históricos, investigando-se o teor da norma ao tempo de sua edição, bem assim investigando-se o teor de normas que precederam aquela objeto de interpretação; (ii) elementos histórico-genéticos, que revelem a vontade e a intenção do legislador na criação da lei, buscando-se, por exemplo, exposições de motivos, projetos de lei, debates parlamentares, alterações que o projeto original sofreu durante sua tramitação etc.; (iii) elementos sistemáticos que correlacionem a norma interpretada com outras normas do ordenamento jurídico, inclusive com precedentes de nossos tribunais; e (iv) elementos finalísticos que, para além da intenção do legislador, demonstrem a finalidade da norma.

Na teoria da argumentação, Humberto Ávila realça a importância de se hierarquizar e classificar os argumentos. O autor aponta haver argumentos institucionais e não institucionais, prevalecendo aqueles sobre estes. Os argumentos institucionais, como o nome sugere, são determinados por atos institucionais – parlamentares, administrativos, judiciais –, tendo como ponto de referência, portanto, o ordenamento jurídico. Por sua vez, os argumentos não institucionais são meramente práticos, decorrendo do apelo ao sentimento de justiça que a interpretação eventualmente evoca, ou de questões econômicas, políticas ou mesmo éticas; não são, pois, reconduzíveis ao ordenamento jurídico. Os argumentos institucionais possuem maior capacidade de objetivação se comparados aos não institucionais2.

Humberto Ávila explica que, dentre os argumentos institucionais, os linguísticos (como os sintáticos, relacionados à sua estrutura gramatical; e os semânticos, relativos ao significado das expressões) e os sistemáticos (como os contextuais, relacionados a outras normas que, juntamente com a norma interpretada, compõem o sistema jurídico; e os jurisprudenciais, que dizem respeito aos precedentes jurisprudenciais) são dotados de maior força persuasiva na teoria da argumentação jurídica, o que exige ônus argumentativo maior para sua derrotabilidade. Tais argumentos, geralmente, prevalecem sobre os argumentos transcendentes (como os históricos, que recompõem o sentido que a norma tinha ao ser editada e fazem referência a textos normativos anteriores; e os genéticos, que dizem respeito a textos não normativos, a exemplo de discussões parlamentares, projetos de lei, discursos legislativos e exposições de motivos, referindo-se à formação do dispositivo objeto de interpretação) – embora cada caso tenha sua especificidade, não havendo regra estanque na atividade de hierarquizar argumentos. Por fim, como aponta o autor, podem aparecer os argumentos não institucionais, os quais, porém, tendo menor capacidade de objetivação, possuem força persuasiva igualmente menor3.

No próximo item deste trabalho, apresentaremos os elementos histórico-genéticos para a compreensão do art. 124, inciso I, do CTN, investigando os trabalhos de Rubens Gomes de Sousa dos quais resultou o CTN. Em seguida, investigaremos aspectos sistemáticos, finalísticos e linguísticos do dispositivo.

Com base em outros elementos interpretativos, notadamente o literal e o sistemático, procuraremos demonstrar que a compreensão da solidariedade por interesse comum vai além daquilo que consta dos trabalhos de Gomes de Sousa. Tentaremos evidenciar que a interpretação histórico-genética da lei é muito relevante, mas a ela não se resume, até porque a lei, como destacado por Karl Larenz, quando aplicada, irradia uma ação que, não raro, transcende aquilo que o legislador originalmente intentou, devendo-se compreender a norma em sua racionalidade, sem se prender, apenas, ao fato histórico da vontade do legislador4-5. Logo, a despeito da importância dos argumentos – nas denominações de Humberto Ávila – de caráter transcendente, como os histórico-genéticos, eles não nos parecem esgotar a compreensão do dispositivo, sendo somente em parte confirmados pelos argumentos linguísticos e sistemáticos, como se verá adiante.

3. O interesse comum em uma perspectiva histórico-genética

3.a. O Anteprojeto do CTN e os trabalhos de Rubens Gomes de Sousa

O anteprojeto e o projeto do CTN estabeleceram normas gerais em matéria de direito tributário, definindo, por exemplo, sujeição passiva, inclusive responsabilidade tributária, e solidariedade tributária, em atenção ao que dispunha o art. 5º, inciso XV, “b”, da Constituição Federal de 1946, em vigor à época da elaboração daqueles trabalhos e da promulgação do CTN6.

O art. 5º, inciso XV, “b”, da Constituição Federal de 1946 dispunha que cabia à União legislar sobre normas gerais de direito financeiro. Conquanto à época a doutrina reconhecesse a autonomia do direito financeiro e do direito tributário, dizia-se que a norma abrangia ambos os ramos do direito e que, especificamente em matéria tributária, cabia à lei federal dispor, por exemplo, sobre sujeição passiva e solidariedade tributária7-8.

No Anteprojeto do CTN, Rubens Gomes de Sousa propôs que a solidariedade tributária fosse disciplinada em capítulo próprio, inserido no título relativo ao sujeito passivo da obrigação tributária. Eis o que dispunha o art. 159 do Anteprojeto:

“Título III do sujeito passivo da obrigação tributária

Capítulo IV

Da solidariedade tributária

Art. 159. A obrigação tributária principal é solidária, independentemente de disposição legal expressa e sem benefício de ordem, quanto a tôdas as pessoas obrigadas ao pagamento do tributo em virtude de um mesmo fato gerador no qual tenham interêsse comum, indiviso ou não.

Parágrafo único. O disposto neste artigo é aplicável às pessoas que seriam excluídas da obrigação se o respectivo lançamento fôsse feito individualmente.”

Veja-se que, na proposta de Gomes de Sousa, a solidariedade independia de norma expressa que a instituísse quando mais de uma pessoa tivesse interesse comum no mesmo fato gerador, fosse ele indiviso ou não.

No projeto do CTN, a solidariedade tributária foi disciplinada no livro da obrigação tributária, no título das disposições gerais. Novamente, aludiu-se à solidariedade como resultante de interesse comum, indiviso ou não, de duas ou mais pessoas em um mesmo fato gerador. Contudo, no projeto, não se repetiu a afirmação de que a solidariedade independeria de lei. A redação do art. 80 do projeto e, em especial, de seu § 1º, de onde se colhia tal proposta, era a seguinte:

“Livro IV

Da obrigação tributária

Título I

Disposições gerais

Art. 80. A obrigação principal tem por objeto o pagamento de tributo ou de penalidade pecuniária, decorre exclusivamente da lei tributária, surge com a ocorrência do respectivo fato gerador e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

§ 1º A obrigação principal é solidária:

I. Sem benefício de ordem, quando resulte da existência de interêsse, indiviso ou não, comum a duas ou mais pessoas, em um mesmo fato gerador;

lI. Com benefício de ordem, quando resulte de disposição expressa de lei tributária, incluindo-se nesta hipótese os casos de responsabilidade tributária previstos neste Código.

§ 2º O disposto no parágrafo anterior aplica-se às pessoas que seriam excluídas de responsabilidade pelo crédito tributário, se o respectivo lançamento fôsse feito individualmente.”9

Ao analisar o projeto, Gomes de Sousa apontou que seu art. 80 era bastante semelhante ao art. 159 do anteprojeto, embora a Comissão tenha preferido tratar a responsabilidade não no capítulo atinente à sujeição passiva, mas, sim, dentre os elementos conceituais da obrigação tributária. Gomes de Sousa também afirmou que a regra que norteava a solidariedade, verificada na hipótese do chamado “interesse comum”, era pacífica no direito comparado, seja no plano legislativo, como no doutrinário, como se retira do seguinte trecho do Relatório Geral de Rubens Gomes de Sousa, aprovado pela Comissão Especial nomeada pelo Ministro da Fazenda para elaborar o projeto de CTN10:

“O § 1º do art. 80 provém do art. 159 do Anteprojeto, onde se achava referido ao sujeito passivo, parecendo à Comissão preferível colocá-lo entre os elementos conceituais da própria obrigação. O dispositivo estabelece como regra o caráter solidário da obrigação quanto a todos os contribuintes que tenham interêsse comum em um mesmo fato gerador. O princípio é pacífico na doutrina (Giannini, 11 Rapporio Giuridico d’Imposta, p. 121; Tesoro, Principii di Diritto Tributario, p. 108 e ‘Il Principio delta Solidarietà tra i Soggetti Passivi dell’Obbligazione Tributaria’, em Rivista di Diritto Pubblico, 1937, 1/229) e na legislação comparada (Giuliani Fonrouge, Anteproyecto de Codigo Fiscal, p. 391). Por esta razão foram rejeitadas as sugestões supressivas números 735 e 931, atendida porém a sugestão 158 no sentido de se admitir o benefício de ordem sempre que a solidariedade resulte, não de interêsse comum, mas de disposição de lei, inclusive nos casos de responsabilidade por débito de terceiro.”

Na ocasião, Gomes de Sousa fez referência a sugestões oferecidas ao anteprojeto de CTN. As sugestões supressivas não foram acolhidas. A Sugestão Supressiva n. 735, por ele referida, foi apresentada por Carlos da Rocha Guimarães, sob o fundamento de que o tema deveria ser tratado por leis especiais11.

A Sugestão n. 931, de autoria do Instituto Brasileiro de Direito Financeiro, estava calcada em manifestação de Carlos da Rocha Guimarães, em reuniões daquele instituto, no sentido de que, em se tratando de matéria de garantia do fisco, era preferível que lei especial de cada tributo dispusesse sobre o tema12.

Por sua vez, a Sugestão n. 158, de autoria de Gilberto de Ulhôa Canto, embora propusesse a supressão da expressão “interesse comum, indiviso ou não”, constante da parte final do caput do art. 159 do anteprojeto, tinha por objetivo excluir o benefício de ordem nos casos em que a pessoa tivesse participado originariamente do fato gerador, admitindo-o, por exemplo, quando a solidariedade resultasse, não de interesse comum, mas de disposição de lei, inclusive nos casos de responsabilidade de terceiro. Veja-se o teor da Sugestão n. 158:

“158. (A) Idem. (B) No art. 159, suprimir a parte final, a partir de ‘no qual tenham’. ( C) A exclusão do benefício de ordem não deve prevalecer para todos os casos de solidariedade previstos no Anteprojeto. Com a supressão sugerida, a exclusão do benefício de ordem fica reduzida aos casos em que a pessoa tenha participado originariamente no fato gerador. (D) Aprovada (87)”

Em que pese a anotação de Gilberto de Ulhôa Canto tivesse por objetivo estabelecer as hipóteses de exclusão do benefício de ordem, ela é importante, do ponto de vista histórico-genético ora investigado, para a perquirição do conceito de “interesse comum”. Veja-se que, para o autor, o benefício de ordem não deveria ser aplicado às situações de solidariedade por interesse comum, assim entendidos os casos em que duas ou mais pessoas tenham participado, na origem, do fato gerador. Esse era, ao ver de Ulhôa Canto, o conceito de interesse comum – o que não foi refutado por Gomes de Sousa no texto acima reproduzido.

A despeito de Ulhôa Canto, nessa passagem, não ter explicado os limites e a extensão dessa participação das pessoas no fato gerador, acredita-se que ela abarcava todos os indivíduos que, conjuntamente, praticassem o mesmo ato ou ocupassem a mesma posição no momento do nascimento da obrigação tributária.

Isso parece se confirmar quando Gomes de Sousa, ao justificar a manutenção, no projeto, da regra de solidariedade baseada no interesse comum, o faz, como visto linhas atrás, ancorado em doutrina e legislação alienígenas, das quais se colhia exatamente o que foi afirmado no parágrafo precedente, ou seja, que aqueles que praticassem o fato gerador conjuntamente, dele participando em conjunto, eram solidariamente obrigados.

Assim, por exemplo, no trabalho de A. D. Giannini, mencionado por Gomes de Sousa, afirma-se que sujeito passivo é a pessoa que integra determinada situação de fato considerada pela legislação tributária como pressuposto material do fato gerador do tributo. Quando duas ou mais pessoas encontram-se, quanto ao mesmo pressuposto material, na condição acima referida, ficam solidariamente obrigadas. Em outras palavras, se mais de uma pessoa participar, de igual modo, da situação de fato que integra o pressuposto material da hipótese de incidência, haverá solidariedade entre elas. Isso ocorre, sobretudo, segundo o autor, nos tributos cujos fatos geradores decorrem do conteúdo de negócios jurídicos; neles, a lei declara solidariamente obrigadas todas as pessoas que participam do negócio, e também, às vezes, aqueles que auferem resultados oriundos do negócio. Do mesmo modo, para o imposto sucessório, os herdeiros são solidariamente responsáveis. Há solidariedade também em relação ao imposto predial para os condomínios de imóvel indiviso, de acordo com a legislação. A lei também estabelece que sociedades em nome coletivo, sociedades em comandita, associações em participação (disciplinadas, no Brasil, como sociedades em conta de participação) e sociedades de fato são contribuintes, sem prejuízo da solidariedade das pessoas singulares que as compõem13.

Após enumerar uma série de situações em que a lei tributária italiana declara haver solidariedade entre duas ou mais pessoas, Giannini assevera que o legislador cria tal regra quando verifica ser da própria essência da obrigação que ela recaia sobre várias pessoas, o que se dá na hipótese de sua origem e de seu objeto serem únicosafinal, esse constitui o próprio fundamento da solidariedade14. A solidariedade tributária, portanto, ocorre quando mais de uma pessoa estiver ligada a um objeto único, considerado, expressa ou implicitamente, pela legislação tributária. Somente neste caso, prossegue Giannini, pode-se dizer que o pressuposto da obrigação tributária é único e que, por decorrência, é também única a dívida. O autor diz que não há solidariedade no caso de dívidas diversas, ou quando o tributo está relacionado a pressupostos fáticos sujeitos, segundo o direito tributário, a consideração e avaliação distintas, embora mais ou menos relacionadas entre si. Assim, na hipótese em que várias pessoas realizam atividade comercial em conjunto, gerando resultados que compartilham entre si, o objeto da tributação não será, propriamente, a atividade comercial, mas os rendimentos que cada um dos participantes retirar para si, individualmente, salvo se este constituir uma sociedade, ainda que de fato15.

Note-se que, para Giannini, quando mais de uma pessoa praticar ou integrar determinada situação de fato que representa o pressuposto material do fato gerador, haverá solidariedade entre elas, porque, neste caso, a origem e o objeto serão os mesmos, ou serão únicos, assim como única também será a obrigação tributária.

Em outras manifestações doutrinárias do direito italiano, a despeito de não referidas, naquela ocasião, por Rubens Gomes de Sousa, colhe-se orientação semelhante.

Augusto Fantozzi, por exemplo, em trabalho sobre a solidariedade tributária, afirma que a primeira e mais simples hipótese de pluralidade de sujeitos passivos ocorre quando os efeitos de um único fato gerador alcançam simultaneamente sujeitos distintos, na medida em que todos eles integram a relação prevista em lei como necessária e bastante para a ocorrência do fato gerador. Nestes casos, segundo o autor, há um princípio geral do direito tributário segundo o qual os efeitos do fato gerador atingem, em caráter solidário, todos os sujeitos: trata-se de uma pluralidade subjetiva de sujeitos passivos que pode ser definida como paritária16.

Em outra passagem de seu trabalho, Fantozzi diz existir um princípio geral de solidariedade, aplicável não apenas no âmbito do direito civil, mas também do direito tributário, princípio esse que encontra maior justificativa no último ramo em razão de constituir instrumento que funciona em favor da satisfação da obrigação tributária e, pois, em prol da arrecadação17.

O autor prossegue asseverando que, na hipótese de dois ou mais sujeitos, juntos, praticarem o ato ou fato previsto pela lei como pressuposto material do nascimento da obrigação tributária, haverá solidariedade, podendo o fisco acionar cada um, individualmente, porque, nesse caso, todos os sujeitos realizam por inteiro o fato imponível. Isso acontece quando dois ou mais sujeitos participam da causa do negócio do qual nasce uma única obrigação, e não duas ou mais obrigações (ou tantas obrigações quantos forem os sujeitos)18.

Francesco Tesauro explica que, na Itália, aplica-se em matéria tributária a regra de solidariedade passiva constante no art. 1.292 do Código Civil, segundo o qual “a obrigação é solidária quando mais devedores são todos obrigados à mesma prestação, de modo que cada um pode ser forçado ao cumprimento da totalidade, sendo que o cumprimento por parte de um deles libera os demais”. Na verificação e aplicação das regras de solidariedade tributária, deve o intérprete reconstruir sua disciplina, fazendo referência, inclusive, às normas do Código Civil. Apesar dessa aparente dificuldade, de acordo com o autor, o legislador tributário, em geral, tem a preocupação de, ao disciplinar os vários impostos, indicar os sujeitos passivos e estabelecer quando são obrigados solidariamente19.

Tesauro afirma ainda que, na Itália, há duas espécies de solidariedade tributária: a paritária e a dependente. A primeira ocorre quando o pressuposto material do tributo se refere a uma pluralidade de sujeitos, como pode acontecer no imposto devido na sucessão. Já no caso da solidariedade dependente, há um obrigado principal, que concretizou o pressuposto do tributo, e um obrigado dependente (o chamado responsável tributário), que não participou da realização do pressuposto, mas que, no entanto, está obrigado (solidariamente) porque concretizou o que se pode chamar de “fato gerador colateral”. O que distingue o responsável tributário do coobrigado da solidariedade paritária, segundo Tesauro, é o fato de que sua responsabilidade não resulta de sua contribuição para a realização do pressuposto do imposto, mas, sim, da participação em um fato adicional e diverso. Entre fato gerador principal – ao qual está vinculada a dívida da obrigação principal – e fato gerador secundário – do qual resulta a obrigação do responsável –, há uma relação de “prejudicialidade-dependência”. É o caso, por exemplo, do imposto de renda devido na hipótese de consolidação nacional de renda, em que cada sociedade controlada responde pelas dívidas que estão vinculadas à sua declaração de renda, ficando, porém, obrigada por dependência a controladora, a qual responde solidariamente pelas dívidas fiscais que se originam da renda das controladas. Diz-se haver solidariedade dependente, neste caso, porque o pressuposto material do fato gerador do imposto de renda é concretizado pela controlada, e não pela controladora20.

A distinção feita por Tesauro é bastante relevante para o estudo ora proposto por indicar que a solidariedade paritária nasce, apenas, quando mais de um sujeito pratica o fato gerador, integrando a situação de direito ou de fato que dá ensejo ao nascimento da obrigação tributária e, portanto, estando vinculados, conectados e obrigados a uma única prestação, nos termos do art. 1.292 do Código Civil italiano. Já na responsabilidade dependente requer-se a eleição de outro fato, distinto do pressuposto material que suporta a ocorrência do fato gerador, para que surja a solidariedade entre contribuinte e responsável. Na solidariedade dependente, portanto, não há objeto comum, diferentemente do que acontece na paritária.

Manifestação semelhante àquelas vistas nos parágrafos anteriores sobre o conteúdo e os efeitos da chamada responsabilidade paritária italiana foi colhida por Gomes de Sousa, à época, da doutrina argentina. No anteprojeto de Código Fiscal argentino, embora sem adoção dessa terminologia, estabeleceu-se haver solidariedade entre duas ou mais pessoas quando identificado estarem todas elas obrigadas a prestações que possuam uma origem comum. Como explicou Carlos Giuliani Fonrouge, a quem Gomes de Sousa também aludiu quando tratou da regra proposta no art. 159 do anteprojeto brasileiro, a norma argentina alcançava aqueles casos em que a dívida fiscal tinha origem em um fato comum, como pode acontecer nas hipóteses de condomínio e de sociedades de fato21.

As considerações precedentes sobre o art. 159 do anteprojeto do CTN são importantes, tendo em vista que indicam a intenção e o entendimento de Gomes de Sousa sobre o conteúdo da expressão “interesse comum” em um mesmo fato gerador. Para Gomes de Sousa, há interesse comum quando duas ou mais pessoas realizam em conjunto a situação que constitui o fato gerador, ou seja, quando há mais de um contribuinte vinculado a uma mesma prestação – tal como a solidariedade paritária do direito italiano. Gomes de Sousa parece não se referir à solidariedade entre responsáveis tributários.

Há outro dado histórico que parece confirmar que, para Rubens Gomes de Sousa, as normas atinentes à solidariedade aplicavam-se, somente, a contribuintes, e não aos responsáveis. Trata-se do § 1º do art. 163 do anteprojeto do CTN, cuja redação era a seguinte:

“Da responsabilidade tributária

Art. 163. Sem prejuízo do disposto no Capítulo V do Título VI do Livro V, a lei tributária poderá atribuir de modo expresso a responsabilidade pela obrigação tributária principal a terceira pessoa, expressamente definida, com exclusão da responsabilidade do sujeito passivo, ou em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação por parte dêste.

§ 1º Aplica-se ao responsável tributário o disposto neste Código relativamente aos devedores solidários.

§ 2º A expressão ‘contribuinte’ inclui, para todos os efeitos, o sujeito passivo e o responsável tributário.”

Ao se referir à norma do § 1º, transportada para o parágrafo único do art. 164 do projeto, Gomes de Sousa afirmou que ela estava em conformidade com o disposto na alínea II do § 1º do art. 80 do projeto, o qual dizia que a solidariedade comportaria benefício de ordem quando resultasse de disposição expressa de lei tributária, incluindo-se nesta hipótese os casos de responsabilidade tributária previstos no Código. Gomes de Sousa não fez remissão, à época, ao disposto no inciso I do mesmo dispositivo, o qual estabelecia solidariedade sem benefício de ordem, quando ela resultasse da existência de interesse comum a duas ou mais pessoas em um mesmo fato gerador22-23. Ou seja, ao que tudo indica, na visão do autor, o interesse comum era aplicável a contribuintes, enquanto as demais hipóteses de solidariedade decorrentes de lei poderiam abarcar tanto contribuintes como responsáveis.

Isso é o que parece ser haurido, também, de seus trabalhos doutrinários. Segundo o autor, há interesse comum, não quando duas ou mais pessoas apresentam interesse econômico em determinado fato24, mas, sim, quando possuem interesse jurídico nele, assim entendido como a hipótese em que praticam, todas elas, o mesmo pressuposto de fato ou de direito que faz nascer a obrigação tributária. Eis o que se retira da opinião manifestada por Rubens Gomes de Sousa em trabalho doutrinário, editado após a promulgação do CTN25 e, portanto, à luz do art. 124, inciso I, do Código:

“São solidariamente obrigadas pelo crédito tributário as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, segundo prevê o art. 124, I, do CTN. O interesse comum das pessoas não é revelado pelo interesse econômico no resultado ou no proveito da situação que constitui o fato gerador da obrigação principal, mas pelo interesse jurídico, que diz respeito à realização comum ou conjunta da situação que constitui o fato gerador. É solidária a pessoa que realiza conjuntamente com outra, ou outras pessoas, a situação que constitui o fato gerador, ou que, em comum com outras pessoas, esteja em relação econômica com o ato, fato ou negócio que dá origem a tributação; por outras palavras [...] pessoa que tira uma vantagem econômica do ato, fato ou negócio tributário.”

Essa leitura sobre o interesse comum foi sucessivamente propalada pela doutrina após a edição do CTN. Vejamos a seguir.

3.b. As manifestações doutrinárias concordantes com a perspectiva
histórico-genética de interesse comum

Há diversas manifestações doutrinárias que acolhem a orientação de Gomes de Sousa, contida nas lições acima reproduzidas.

De um modo geral, a doutrina afirma que o interesse comum, a que se refere o art. 124, inciso I, do CTN não é qualquer interesse. Não se trata de interesse econômico, pois que, se assim fosse, a solidariedade estaria presente na quase totalidade dos atos negociais. O interesse comum, para fins de perquirição da solidariedade, é de cunho jurídico, constatando-se quando duas ou mais pessoas ocupam a mesma posição da situação que dá lugar ao nascimento da obrigação tributária26. Há interesse comum, nessas condições, se duas ou mais pessoas adquirem renda em comum, como afirma Ricardo Mariz de Oliveira27, mas não há solidariedade se o acréscimo patrimonial for auferido individual e separadamente.

Sobre o conceito de interesse comum e sua configuração quando mais de uma pessoa ocupar a posição de contribuinte em relação a um mesmo fato, manifesta-se, por exemplo, Luís Eduardo Schoueri28-29, trazendo como exemplos a hipótese dos condôminos de imóvel em relação ao IPTU e do conjunto de vendedores de mercadoria em relação ao ICMS.

Paulo de Barros Carvalho critica a adoção da expressão “interesse comum” por sua vagueza e por não ser um dado satisfatório para a definição da solidariedade. A despeito disto, o autor afirma que a norma é dirigida, ou a contribuintes que ocupem a mesma posição em situações não bilaterais, como os coproprietários de um imóvel no caso do IPTU; ou, nas situações bilaterais, a contribuintes que ocupem o mesmo polo da relação, como no caso de dois ou mais vendedores da mesma mercadoria, e não seus adquirentes, pois, nos negócios bilaterais, há posição antagônica, contraposta, entre vendedores e compradores, e não interesse comum. Veja-se30:

“[...] o interesse comum dos participantes no acontecimento factual não representa um dado satisfatório para a definição do vínculo da solidariedade. Em nenhuma dessas circunstâncias cogitou o legislador desse elo que aproxima os participantes do fato, o que ratifica a precariedade do método preconizado pelo inc. I do art. 124 do Código. Vale, sim, para situações em que não haja bilateralidade no seio do fato tributado, como, por exemplo, na incidência do IPTU, em que duas ou mais pessoas são proprietárias do mesmo imóvel. Tratando-se, porém, de ocorrências em que o fato se consubstancie pela presença de pessoas em posições contrapostas, com objetivos antagônicos, a solidariedade vai instalar-se entre sujeitos que estiveram no mesmo polo da relação, se e somente se for esse o lado escolhido pela lei para receber o impacto jurídico da exação. É o que se dá no imposto de transmissão de imóveis, quando dois ou mais são os compradores; no ICMS, sempre que dois ou mais forem os comerciantes vendedores; no ISS, toda vez que dois ou mais sujeitos prestarem um único serviço ao mesmo tomador.”

Hugo de Brito Machado, em igual sentido, exemplifica que duas pessoas têm interesse comum na situação que constitui o fato gerador da obrigação quando marido e mulher, casados em comunhão de bens, auferem rendimentos. Ainda que determinada renda seja auferida por apenas um deles, o outro cônjuge responde solidariamente, visto que, em virtude do regime de bens, o rendimento recebido por um faz parte, também, do patrimônio do outro, e vice-versa31.

Em que pese a importância de todos os trabalhos preparatórios do CTN e dos trabalhos doutrinários acima referidos, acredita-se que a interpretação do art. 124, inciso I, vai além do que neles se afirma. É o que será explicado a seguir.

4. Outros elementos de interpretação do art. 124, inciso I, do CTN

É verdade que o interesse comum não é econômico, mas jurídico. Fosse diferente, como se disse, a solidariedade estaria presente na quase totalidade dos atos negociais – o que não foi o objetivo do legislador. Mas, afinal, o que isso significa dizer? Qualquer vínculo jurídico, mesmo que indireto, com a situação que faz nascer a obrigação tributária enseja a solidariedade? Mais, qualquer vínculo jurídico, mesmo que indireto, constitui hipótese de interesse comum que, a um só tempo, tem o condão de atribuir responsabilidade tributária a terceiro, além de criar solidariedade entre duas ou mais pessoas? Tentaremos responder a esses questionamentos a seguir.

De partida, é importantíssimo firmarmos a premissa de que o art. 124, inciso I, do CTN não constitui norma de atribuição de responsabilidade tributária. É o que deriva da interpretação literal, finalística e sistemática das normas que dispõem sobre essas matérias.

Com efeito, a afirmação acima é confirmada pelos elementos literal e finalístico, porque a solidariedade, conceitualmente, é um mecanismo de satisfação do crédito tributário pelos sujeitos passivos eleitos pela lei como tal, funcionando como garantia de adimplemento do crédito tributário32, enquanto a responsabilidade tributária é hipótese de atribuição, por lei, de sujeição passiva (art. 121, parágrafo único, inciso II, do CTN).

A afirmação anterior também é confirmada pelo elemento sistemático, ora chamado de topográfico. É que, pela topografia do CTN, vê-se que a solidariedade foi disciplinada em seção inserida no capítulo atinente ao sujeito passivo, ao lado de outras seções do mesmo capítulo que contêm disposições gerais acerca matéria e regras sobre capacidade tributária e domicílio tributário do sujeito passivo. A solidariedade não foi disciplinada no capítulo próprio da responsabilidade tributária, no qual se encontram as respectivas normas gerais e especiais. Assim, topograficamente, vê-se o seguinte:

“Capítulo IV (Sujeito Passivo)

Seção II (Solidariedade)

Demais seções: disposições gerais, capacidade tributária e domicílio tributário

Capítulo V (Responsabilidade Tributária).

Seções diversas: disposições gerais; sucessores; terceiros; por infrações.”

Com base nas mesmas considerações precedentes, Misabel Derzi afirma que a solidariedade não é espécie de sujeição passiva por responsabilidade indireta, o que se confirma por estar disciplinada em capítulo distinto daquele atinente à responsabilidade tributária. A solidariedade, para autora, é uma espécie de garantia, a mais ampla das fidejussórias, servindo, apenas, para graduar a responsabilidade daqueles sujeitos que compõem o polo passivo33.

Na mesma trilha, destaque-se o seguinte trecho do Acórdão n. 1402-002.143, de 5 de abril de 2016, da 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“Carf”):

“A solidariedade não é um mecanismo de eleição de responsável tributário. [...]

Tanto é assim, que o dispositivo em comento não integra o capítulo do CTN que trata da responsabilidade tributária.

Assim, a definição da sujeição passiva deve ocorrer em momento anterior ao estabelecimento da solidariedade. Ainda que tal assertiva tenha características de obviedade, seu escopo dirige-se à ressalva da fragilidade do inciso I, do mencionado art. 124, do CTN; muitas vezes utilizado de forma equivocada para estabelecer uma espécie de sujeição passiva de forma indireta.”

O art. 124, portanto, não é norma de responsabilidade tributária, mas de solidariedade, ou seja, regula o adimplemento do crédito tributário pelos sujeitos passivos coobrigados, por lei, o que se confirma pelos elementos literal e sistemáticos acima referidos.

Essa primeira constatação é importantíssima por revelar que o art. 124, inciso I, não permite, sozinho, que se atribua responsabilidade a terceiros (esta é regida, por exemplo, pelos arts. 134 e 135 CTN, em outro dado sistemático que corrobora a primeira afirmação). A responsabilidade de terceiro depende, em qualquer caso, de lei que o diga de modo expresso. O art. 124, inciso I, cuida, apenas, de solidariedade, ou seja, de um mecanismo de satisfação do crédito tributário pelos sujeitos passivos eleitos pela lei como tal.

Mas, então, se o referido dispositivo não institui, sozinho, e independentemente de lei específica, hipótese de responsabilidade tributária, o que vem a ser o interesse comum a que se refere? Trata-se da relação de fato ou de direito, ou o vínculo, que conecta contribuinte e responsável tributário, por exemplo? A resposta é negativa. Fosse afirmativa, a solidariedade entre contribuinte e responsável seria a regra do CTN toda vez que houvesse, em relação a determinado ato ou fato, contribuinte e responsável tributário34.

O elemento sistemático confirma que a solidariedade, para o CTN, quando há, segundo a lei de regência do tributo, além do contribuinte, um responsável tributário, não é a regra. É o que se colhe das disposições gerais, contidas no art. 128, em matéria de responsabilidade tributária:

“Art. 128 (Disposições Gerais):

Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.”

É sabido, e foi dito acima, que o CTN contém normas gerais, inclusive em matéria de responsabilidade tributária. A norma geral contida no CTN é no sentido de que a responsabilidade pelo adimplemento da obrigação tributária, segundo o art. 128, é somente da terceira pessoa vinculada ao fato gerador, eleita pela lei como responsável. Sem prejuízo, a lei pode atribuir ao contribuinte, supletivamente, responsabilidade pelo adimplemento do crédito tributário. Essas são as regras gerais dispostas no CTN.

Ocorre que normas especiais de determinados tributos podem criar solidariedade entre contribuinte e responsável. Admite-se que o façam. Com efeito, a lei pode estabelecer, com fundamento no art. 124, inciso II, do CTN, solidariedade entre contribuinte e responsável. Faz-se necessária a edição de lei nesse sentido, quer porque entre contribuinte e responsável não há interesse comum, quer porque a solidariedade entre eles não foi a regra adotada pelo CTN (art. 128).

Outras normas do CTN corroboram a afirmação de que a solidariedade entre contribuinte e responsável tributário não foi a regra ditada pelo legislador. Assim, por exemplo, os casos regidos pelo art. 133 (pessoa que adquire de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional que responde, ou integral e individualmente, ou subsidiariamente com o alienante), pelo art. 134 (que, embora aluda à solidariedade, parece criar hipótese de responsabilidade subsidiária ao estabelecer que ela tem lugar nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte35) e pelo art. 135 (cujas pessoas nele indicadas respondem pessoalmente pelo crédito tributário quando praticarem atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos36).

Se entre contribuinte e responsável não há, em todo e qualquer caso, solidariedade, conforme demonstram as normas do CTN, tal dado atesta que esse não é o significado, tampouco o alcance do interesse comum a que alude o art. 124, inciso I, do CTN.

De fato, não há interesse comum entre contribuinte e responsável. O interesse entre eles existente não é o mesmo, chegando a ser antagônico em negócios bilaterais, como anota a doutrina. Paulo de Barros Carvalho, na transcrição feita no tópico anterior, fez referência aos interesses contrapostos do vendedor (na alienação) e do comprador (na aquisição)37. Essa contraposição é típica de negócios bilaterais. Silvio Rodrigues explica que, em contratos bilaterais, como a compra e venda e a locação, os interesses são antagônicos, surgindo a avença para reduzir as oposições e compor as divergências das partes38. Por isso é que, diante dessa contraposição, não há interesse comum entre contribuinte e responsável. Logo, para a atribuição de solidariedade entre contribuinte e responsável em situações dessa natureza, faz-se necessária lei específica. A solidariedade, neste caso, terá fundamento no art. 124, inciso II, do CTN, e nunca no inciso I, porque, repita-se, entre eles não há interesse comum.

Eis o que leciona Luciano Amaro39:

“Sabendo-se que a eleição de terceiro como responsável supõe que ele esteja vinculado ao fato gerador (art. 128), é preciso distinguir, de um lado, as situações em que a responsabilidade do terceiro deriva do fato de ter ele ‘interesse comum no fato gerador’ (o que dispensa previsão na lei instituidora do tributo) e, de outro, as situações em que o terceiro tenha algum outro interesse (melhor diria, as situações com as quais ele tenha algum vínculo) em razão do qual ele possa ser eleito como responsável. Neste segundo caso é que a responsabilidade solidária do terceiro dependerá de a lei expressamente estabelecer. Por outro lado, o só fato de o Código Tributário Nacional dizer que, em determinada operação (p. ex. alienação de imóvel), a lei do tributo pode eleger qualquer das partes como contribuinte não significa dizer que, tendo eleito uma delas, a outra seja solidariamente responsável. Poderá sê-lo, mas isso dependerá de expressa previsão da lei (já agora nos termos do item II do art. 124).”

Se contribuinte e responsável tributário não têm, entre si, interesse comum, então este só se faz presente entre contribuintes, como comumente advoga a doutrina? Acredita-se que não, o que se justifica por outros elementos textuais e sistemáticos extraídos do CTN. Explica-se.

O art. 121, parágrafo único, inciso I, do CTN define contribuinte como aquele que tem relação pessoal e direta com a situação que constitua o fato gerador. O art. 124, inciso I, do mesmo código, ao tratar da solidariedade, faz referência às pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador. O art. 124, inciso I, não diz que a solidariedade é entre todos aqueles que tenham relação pessoal e direta com a mesma situação que constitua o fato gerador; diz, na verdade, que o vínculo solidário emerge de interesse comum em relação a um mesmo fato gerador.

Recorde-se que, para a obtenção de precisão, nos termos do art. 11, inciso II, “a” e “b”, da Lei Complementar n. 95, de 26 de fevereiro de 1998, o legislador deve, no processo de elaboração das leis, articular a linguagem, seja técnica ou comum, de modo a ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador pretende dar à norma, bem como deve expressar a ideia, quando repetida no texto, por meio das mesmas palavras, evitando o emprego de sinonímia com propósito meramente estilístico.

Em que pese a Lei Complementar n. 95 não existisse ao tempo da elaboração do CTN, de seu projeto e de seu a anteprojeto, muitas das normas nela contidas sempre permearam o processo legislativo, já que o legislador, em qualquer caso, objetiva que a lei seja clara e precisa, permitindo-se, assim, a compreensão de seu conteúdo e de sua extensão.

Nesse contexto, por uma questão de técnica legislativa, para assegurar precisão, não nos parece certo afirmar que contribuinte, para o CTN, é, a um só tempo, quem tem relação pessoal e direta com o fato gerador e quem, junto com outros contribuintes, tem interesse comum no fato gerador. São contribuintes solidários aqueles que tenham relação pessoal e direta com a mesma situação que constitua o fato gerador. Há, nesse caso, interesse comum dos contribuintes. Contudo, o interesse comum pode se apresentar em hipóteses outras que não apenas nos casos em que duas ou mais pessoas tenham relação pessoal e direta com fato gerador. Pode se apresentar quando há mais de um responsável integrando a situação de fato ou de direito que dá nascimento à responsabilidade tributária, isto é, quando há mais de um responsável vinculado a um mesmo fato gerador.

Some-se ao que dissemos até aqui um elemento histórico-genético. Nem no projeto, nem no anteprojeto, o contribuinte era qualificado como aquele que tem relação pessoal e direta com o fato gerador. Veja-se:

Anteprojeto

“Art. 146. Sujeito passivo da obrigação tributária principal é a pessoa natural, ou jurídica de direito privado ou de direito público interno, com personalidade jurídica própria ou por ficção legal que seja obrigada ao pagamento do tributo nos têrmos da lei tributária competente.”

Projeto

“Art. 90. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa natural ou jurídica de direito público ou privado, com personalidade jurídica própria ou por ficção legal, que seja obrigada ao pagamento de tributo ou de penalidade pecuniária.

Parágrafo único. A expressão ‘contribuinte’ designa o sujeito passivo da obrigação principal, quer a responsabilidade seja pessoal ou decorrente de lei tributária.

As normas reproduzidas acima diferem do art. 121, parágrafo único, do CTN, que define sujeito passivo (contribuinte ou responsável). Confrontando-se o conceito de contribuinte com a definição de solidariedade por interesse comum, ambas constantes no CTN, nota-se que o legislador adotou expressões distintas, o que indica, inclusive por uma questão de precisão legislativa, não haver necessária identidade entre ambas ou, por outros termos, o que indica que a segunda é mais abrangente do que a primeira.

As constatações dos parágrafos anteriores, extraídas da interpretação literal, histórico-genética e sistemática do CTN confirmam que a regra do interesse comum alcança os contribuintes que, juntos, praticarem ou incorrerem na situação de fato ou de direito que faz nascer a obrigação tributária, assim como abrange hipóteses em que há uma pluralidade de responsáveis, todos eles vinculados à mesma situação que dá azo ao fato gerador, na forma requerida pelo art. 128 do CTN40. Todos ocupam a mesma posição e agem na mesma direção em busca de um único fim. Todos, portanto, têm interesse comum: os contribuintes, quando sua relação for pessoal e direta com o fato gerador (art. 121, parágrafo único, inciso I, do CTN); os responsáveis, quando vinculados ao fato gerador (art. 128 do CTN).

Assim, por exemplo, o art. 124, inciso I, é aplicável aos condôminos de imóvel quanto ao IPTU, pois todos eles praticam, juntamente, o fato gerador, havendo, entre eles, um objeto comum, e sendo a todos eles comum a origem da relação que faz surgir a obrigação tributária. Isso é o que se extrai, por exemplo, das doutrinas italiana e argentina referidas no tópico 3.a.

No entanto, o art. 124, inciso I, não é aplicável, somente, ao caso de pluralidade de contribuintes. O dispositivo pode abranger situações envolvendo mais de um responsável, todos eles obrigados a uma única prestação. É o que pode acontecer, por exemplo, quando há mais de um contratante de um mesmo serviço envolvendo cessão de mão de obra, ficando todos eles, em conjunto, responsáveis pelo recolhimento da contribuição previdenciária de 11% sobre o valor da nota fiscal ou da fatura, na forma do art. 31 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991. O mesmo pode acontecer quando duas fontes pagadoras se obrigam, solidariamente, a entregar rendimento ao contribuinte, hipótese em que resta criado, entre elas, vínculo solidário em relação ao adimplemento, também, do imposto de renda na fonte.

Em todas as situações descritas nos dois parágrafos precedentes, há interesse comum. Contribuintes figuram na mesma situação que faz nascer o tributo; responsáveis integram a mesma posição que dá azo à sua sujeição passiva. Não há antagonismo, ou posições contrapostas. Isso poderia ocorrer se a solidariedade fosse entre contribuinte e responsável tributário.

O interesse comum, portanto, abrange aqueles que, juntos, possuam relação pessoal e direta com o mesmo fato gerador (contribuintes, nos termos do art. 121, parágrafo único, inciso I, do CTN), bem como alcança as pessoas que, juntas, tenham vínculo com o mesmo fato gerador (responsáveis tributários, na forma e nos limites do art. 128 do CTN).

A regra do interesse comum é elucidativa, ou didática. Isso porque a solidariedade, na hipótese de interesse comum, decorre da norma que define contribuinte, responsável tributário e os demais aspectos da hipótese de incidência tributária41. Se há mais de um proprietário do imóvel, todos eles são solidários pelo IPTU, na medida em que praticam em conjunto o fato gerador, consistente, dentre outras situações, na propriedade de bem imóvel localizado na zona urbana do Município (art. 32 do CTN). Se a lei atribui à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto, como autoriza o art. 45, parágrafo único, do CTN, quando há mais de uma fonte obrigada ao pagamento de uma mesma renda a seu titular (contribuinte), configura-se, entre elas, solidariedade.

Precisamente em razão de a norma relativa ao interesse comum ser apenas didática que Gomes de Sousa, na elaboração do art. 159 do anteprojeto, redigiu que tal hipótese de solidariedade independia de lei. Não significa que um tributo possa ser atribuído a alguém independentemente de lei e, pois, ao arrepio da legalidade. Significa, na verdade, que a lei de regência do próprio tributo, ao definir fato gerador, contribuinte e responsável tributário, automaticamente alça uma pluralidade de sujeitos passivos à condição de solidários por terem praticado, em conjunto, o fato gerador (contribuintes), ou por estarem, juntamente, a ele vinculados (responsáveis), ainda que não o diga de modo expresso.

De tudo o que se afirmou acima, retiram-se as seguintes conclusões:

– Art. 124, inciso I, constitui norma de solidariedade, e não de responsabilidade;

– Art. 124, inciso I, não funciona sozinho; antes, deve haver lei criando sujeição passiva (contribuinte e/ou responsável);

– Art. 124, inciso I, abrange contribuintes que pratiquem um mesmo fato gerador em conjunto;

– Art. 124, inciso I, abrange, também, responsáveis tributários que tenham vinculação com a mesma situação que constitua fato gerador, i.e., que pratiquem em conjunto o ato que dá nascimento à responsabilidade tributária.

As conclusões acima, hauridas da interpretação histórico-genética, literal, sistemática e finalística do art. 124, inciso I, do CTN, revelam o desacerto de muitas afirmações contidas no Parecer Normativo Cosit n. 4/2018.

De acordo com o referido parecer, o interesse comum é jurídico; o interesse econômico pode, quando muito, servir de indício da existência de interesse comum. Tem razão a Cosit, neste particular.

Segundo o mesmo parecer, o interesse comum ocorre no fato ou na relação jurídica vinculada ao fato gerador. Podem, assim, duas ou mais pessoas praticar o fato gerador (mais de um contribuinte). Ocorre que, na visão da Cosit, é possível que outras pessoas, além do contribuinte, estejam em relação ativa com o ato, fato ou negócio que dá origem ao fato gerador. Quem são essas pessoas? Qualquer pessoa pode estar ligada ao ato, fato ou negócio, conforme a Cosit? Não.

A Cosit apresenta alguns exemplos de solidariedade por interesse comum. Cita a hipótese de empresas integrantes de grupo econômico. Diz que a solidariedade somente emerge em situações excepcionais, quando houver irregularidade, detectada pelo abuso de personalidade jurídica em que se desrespeita a autonomia patrimonial e operacional das pessoas jurídicas mediante direção única, o que pode acontecer, segundo a Cosit, na hipótese de confusão patrimonial com o intuito de fraude a credores, principalmente à Fazenda Nacional, com objetivo de manipulação da ocorrência de fato gerador, de ocultação dos reais sócios do empreendimento e/ou de esvaziamento do patrimônio. Embora sem se escorar no dispositivo, em última análise, a Cosit refere-se às situações abrangidas pelo art. 50 do Código Civil, o qual disciplina a responsabilidade por abuso de personalidade jurídica.

Pode, sim, haver interesse comum e, pois, solidariedade na hipótese de confusão patrimonial quando, diante da promiscuidade das relações das partes e do uso compartilhado e baralhado de instalações e funcionários, for verificado que as partes ocupam o mesmo polo da relação jurídica ou da situação de fato que der azo ao nascimento da obrigação tributária, aplicando-se, assim, o inciso I do art. 124 do CTN42.

Até aqui, de certo modo, as constatações da Cosit parecem alinhadas às conclusões apresentadas linhas atrás.

Contudo, a Cosit dá um passo além – muito além – para afirmar que a solidariedade tem aplicação a situação de ilícitos (evasão, crime etc.). A pessoa que tem vínculo com o ilícito e também com o contribuinte ou com o responsável por substituição é responsável solidária, desde que se comprove o nexo causal em sua participação, consciente e com dolo, no ilícito.

Para a Cosit, a chamada “responsabilidade tributária solidária” do inciso I do art. 124 do CTN “decorre de interesse comum da pessoa responsabilizada na situação vinculada ao fato jurídico tributário, que pode ser tanto o ato lícito que gerou a obrigação tributária como o ilícito que a desfigurou”. A responsabilidade solidária por interesse comum decorrente de ato ilícito, prossegue, demanda que a pessoa responsabilizada tenha vínculo com o ato e com a pessoa do contribuinte ou do responsável por substituição, comprovando-se o nexo causal em sua participação consciente na configuração do ato ilícito com o resultado prejudicial ao fisco dele advindo.

Note-se que a Cosit propõe que o art. 124, inciso I, figure a um só tempo como regra de solidariedade e de atribuição de responsabilidade tributária, além de propor solidariedade entre contribuintes e responsáveis, independentemente de lei nesse sentido – tudo o que, conforme demonstramos acima, é incorreto.

A Cosit sugere que a solidariedade emerja se constatado: (i) abuso da personalidade jurídica em desrespeito à autonomia patrimonial e operacional das pessoas jurídicas (chamado pela Cosit de “grupo econômico irregular”); (ii) evasão e simulação e demais atos deles decorrentes, que acarretam penalidades nas órbitas administrativa e criminal; (iii) abuso de personalidade jurídica em operações realizadas com o intuito de acarretar supressão ou redução de tributos mediante manipulação artificial do fato gerador (chamado pela Cosit de “planejamento tributário abusivo”, quando há operações estruturadas em sequência, empresa-veículo, deslocamento da base tributária mediante a criação de empresas distintas, dentre outras situações apresentadas no parecer normativo).

Tamanha é a elasticidade da orientação da Cosit que ela admite a atribuição de responsabilidade solidária a assessores e consultores na hipótese de cometimento, doloso e consciente, do ato ilícito. Ocorre que não há, nesse caso, objeto único, nem origem única, em relação à mesma dívida tributária. O contrato de prestação de serviços de assessoria ou consultoria tem seu objeto e seus partícipes; o outro ato ou fato que desencadeia a ocorrência do fato gerador é diverso deste contrato, possuindo objeto e origem distintos. Não há, pois, interesse comum entre todas as pessoas envolvidas nessas distintas relações. Se coubesse atribuir responsabilidade tributária ao assessor ou contador, solidariamente com o contribuinte e outro responsável tributário, far-se-ia necessária a edição de lei específica neste sentido, a qual funcionaria – nesse caso sim – a um só tempo como norma de responsabilidade e de solidariedade – a última fulcrada no inciso II, e não no inciso I do art. 124 do CTN43.

O Carf já se pronunciou no sentido de afastar a responsabilidade solidária de escritório de advogados e de empresa de assessoria tributária, dada a inaplicabilidade do disposto no art. 124, inciso I44, como retratam as ementas abaixo, colhidas a título ilustrativo:

“Responsabilidade passiva tributária. Solidariedade. Escritório de advocacia. Interesse comum.

A aplicação da responsabilidade passiva solidária, contida no art. 124, I, do CTN, exige a presença de interesse jurídico comum, ou seja, que as pessoas sejam sujeitos da relação jurídica que deu azo à ocorrência do fato gerador. O mero interesse econômico entre tais sujeitos ou mesmo o interesse jurídico reflexo, oriundo de outra relação jurídica afasta a aplicação do mencionado dispositivo legal.” (Acórdão n. 2301-004.800, 2ª Seção, 3ª Câmara, 1ª Turma Ordinária)

“Sujeição passiva solidária. Empresas de assessoria. Inexistência.

O fato de as empresas de assessoria serem executoras do planejamento não significa que elas tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, muito menos que a obrigação decorra de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.” (Acórdão n. 2402-005.697, 2ª Seção, 4ª Câmara, 2ª Turma Ordinária)

O art. 124, inciso I, do CTN, repita-se, não é norma de atribuição de responsabilidade tributária. Mais, o dispositivo, conquanto abranja pluralidade de responsáveis tributários, não alcança terceiros que não tenham vínculo direto com a situação que desencadeia a ocorrência do fato gerador, como se dá com assessores e consultores45. A norma não se estende, portanto, àquele que, em que pese próximo ao evento que faz nascer a obrigação tributária, não o integre.

Por isso, a Cosit, a despeito de acertar em relação a algumas das balizas interpretativas sobre o art. 124, inciso I – notadamente por reconhecer que o interesse comum não é meramente econômico e, ainda, por atestar que a expressão pode alcançar contribuintes e também responsáveis –, acaba, alfim, indo muito além do que esse dispositivo exprime46.

A vagueza da expressão “interesse comum” acaba dando azo a interpretações variadas sobre o art. 124, inciso I, a exemplo daquela defendida pela Cosit. Ocorre que o estudo do tema, desde suas raízes e, principalmente, dos ideais de seu criador, revela que o referido dispositivo não é capaz de alçar qualquer terceiro à posição de solidário, tampouco representa norma de atribuição de responsabilidade tributária. O mesmo estudo revela, segundo entendemos, que dispositivo contém norma mais abrangente do que os ideais de seu criador, na medida em que o inciso I do art. 124 pode alçar ou contribuintes, ou responsáveis à condição de solidários: o que importa é que ocupem a mesma posição, atuando em direção única, praticando (contribuintes) ou se vinculando (responsáveis) ao fato gerador. A interpretação histórico-genética, nesse contexto, não esgota a compreensão da norma, sendo somente em parte confirmada pelos elementos literal, finalístico e sistemático acima apresentados47.

5. Conclusão

Os trabalhos de Rubens Gomes de Sousa, preparatórios do CTN, demonstram que na visão do autor a solidariedade por interesse comum alcança contribuintes que, juntos, pratiquem ou incorram na mesma situação de fato ou de direito que desencadeia o surgimento do fato gerador.

Ocorre que, para além da interpretação histórico-genética, a literalidade, a sistematicidade e a teleologia das normas, alfim, incorporadas ao CTN, notadamente aquelas que cuidam da sujeição passiva e da solidariedade, revelam que a regra do interesse comum alcança os contribuintes que, juntos, praticam ou incorrem na situação de fato ou de direito que faz nascer a obrigação tributária, assim como abrange hipóteses em que há uma pluralidade de responsáveis, todos eles vinculados à mesma situação que dá azo ao fato gerador, na forma requerida pelo art. 128 do CTN48. Todos ocupam a mesma posição e agem na mesma direção em busca de um único fim. Todos, portanto, têm interesse comum: os contribuintes, quando sua relação for pessoal e direta com o fato gerador (art. 121, parágrafo único, inciso I, do CTN); os responsáveis, quando vinculados ao fato gerador (art. 128 do CTN). A interpretação histórico-genética, nesse contexto, não esgota a compreensão da norma, porque o dispositivo pode alcançar responsáveis, e não somente contribuintes.

No Parecer Normativo Cosit n. 4/2018, a Cosit reconhece que o art. 124, inciso I, do CTN pode abranger contribuintes e responsáveis. Porém, além de afirmar que o dispositivo funciona, a um só tempo, como norma de solidariedade e de responsabilidade tributária, o órgão ainda valida a atribuição de solidariedade entre contribuintes e responsáveis, independentemente de lei nesse sentido, assim como valida a atribuição de responsabilidade tributária a terceiros que não pratiquem o fato gerador e que não tenham o vínculo requerido pelo art. 128 do CTN.

É bem verdade que as afirmações da Cosit contidas no Parecer Normativo Cosit n. 4/2018 acabam por jogar luzes sobre um debate – que nos parece incipiente – acerca do cabimento de uma interpretação histórico-evolutiva da norma, que busque desestimular comportamentos ilícitos, por meio da responsabilização de todos aqueles que, direta ou indiretamente, participaram de atos ou fatos que desencadearam o nascimento da obrigação tributária. Contudo, segundo entendemos, não há espaço para isso em nosso ordenamento jurídico. Seria extrapolar, em muito, os limites do dispositivo legal. A correção de desvios de conduta das partes deve ser feita por lei, e não à margem dela.

A orientação da Cosit, em larga medida, mais se alinha a proposições de lege ferenda – proposições essas, diga-se, de cabimento duvidoso dentro de nossas normas gerais em matéria tributária, contidas no CTN, e segundo as quais (i) solidariedade não constitui norma de atribuição de responsabilidade tributária; (ii) responsabilidade só cabe, por lei, quando há vínculo da terceira pessoa com o fato gerador; e (iii) nem solidariedade nem responsabilidade funcionam como instrumentos de punição de terceiras pessoas não vinculadas ao fato gerador, pelo que eventual ilicitude desses sujeitos deve ser reprimida com pena, e não com tributo.

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RODRIGUES, Silvio. Direito civil – dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

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TESAURO, Francesco. Instituições de direito tributário. Tradução de Fernando Aurelio Zilveti e Laura Fiore Ferreira. São Paulo: IBDT, 2017.

TESORO, Giorgio. Principi di diritto tributario. Bari: Dott. Luigi Macri, 1938.

1 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Tradução de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 439.

2 ÁVILA, Humberto. Argumentação jurídica e a imunidade do livro eletrônico. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS v. 19, março de 2001. Disponível em: http://www.seer.ufrgs.br/revfacdir/article/view/71526/40588. Acesso em: 17 mar. 2022, p. 161-162.

3 ÁVILA, Humberto. Argumentação jurídica e a imunidade do livro eletrônico. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS v. 19, março de 2001. Disponível em: http://www.seer.ufrgs.br/revfacdir/article/view/71526/40588. Acesso em: 17 mar. 2022, p. 162-170.

4 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Tradução de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 446 e 468.

5 O elemento histórico-genético é importante, mas possui certa limitação. Nas palavras de Gilberto de Ulhôa Canto, “A busca do elemento histórico na elaboração das leis não é, evidentemente, de se desprezar, muito embora haja que fugir ao exagero de erigi-la em fator preponderante sobre a inteligência que resulta do próprio texto [...]”. (CANTO, Gilberto de Ulhôa. Estudos e pareceres de direito tributário. São Paulo: RT, 1975, p. 360). Na mesma trilha, Ricardo Mariz de Oliveira afirma que os elementos histórico-genéticos “são apenas instrumentos de compreensão da lei posta no ordenamento positivo, e não a própria lei, de sorte que devem ser empregados com parcimônia, inclusive com atenção a casos em que eles não trazem qualquer ajuda para a interpretação, e a outros em que chegam a conter explicações incompatíveis com o texto legal, sendo que estes últimos casos põem em evidência a possibilidade de haver desconformidade entre a ‘intentio legislatoris’ e a ‘intentio legis’ ou ‘mens legis’” (OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Desafios para a interpretação no direito tributário (a problemática da remissão). Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT ano 17, n. 101. Belo Horizonte, set./out. de 2019. Disponível em: http://www.bidforum.com.br/PDI0006.aspx?pdiCntd=255855. Acesso em: 14 fev. 2022).

6 Nesse sentido, o art. 1º do CTN diz que: “Art. 1º Esta Lei regula, com fundamento na Emenda Constitucional n. 18, de 1º de dezembro de 1965, o sistema tributário nacional e estabelece, com fundamento no artigo 5º, inciso XV, alínea b, da Constituição Federal as normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, sem prejuízo da respectiva legislação complementar, supletiva ou regulamentar.”

7 Vide, porém, a posição de Carlos da Rocha Guimarães, manifestada à época dos trabalhos relacionados ao anteprojeto do CTN, para quem, com vistas a assegurar a autonomia de cada ente federativo, em atenção ao princípio federativo, o CTN não deveria esgotar a disciplina tributária, em respeito aos amplos poderes conferidos às administrações tributárias locais para dispor sobre os tributos de sua competência (GUIMARÃES, Carlos da Rocha. Observações ao Anteprojeto do Código Tributário Nacional. Revista de Direito Administrativo n. 34, 1953, p. 446-470).

8 As Constituições seguintes, de 1967 e 1988, extirparam qualquer dúvida que antes pudesse existir sobre a necessidade de as normas gerais tributárias estarem dispostas em lei de âmbito nacional, pois o art. 18, § 1º, da primeira dispunha que cabia à lei complementar firmar normas gerais em matéria tributária, enquanto o art. 146, inciso III, alíneas “a” e “b”, da atual Constituição dispõe competir à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria tributária, especialmente sobre: (a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos referidos na Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; (b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários. É por isto que o CTN foi recepcionado por tais ordens constitucionais com status de lei complementar. Sobre o tema, sua evolução e as controvérsias sobre normas gerais tributárias terem que ser disciplinadas por lei complementar, vide: COSTA, Alcides Jorge. Normas gerais de direito tributário: visão dicotômica ou tricotômica. In: BARRETO, Aires Fernandino (coord.). Direito tributário contemporâneo: estudos em homenagem a Geraldo Ataliba. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 11-26.

9 Sobre o teor do § 2º, Gomes de Sousa afirmou que: “O § 2º art. 80, complementar do anterior, abrange na regra da solidariedade os contribuintes que seriam excluídos da obrigação se lançados individualmente. É o caso dos contribuintes cuja parcela individual no interêsse comum seja inferior ao mínimo porventura previsto na lei tributária para a sujeição ao impôsto. Como é lógico, a norma não atinge os contribuintes imunes ou beneficiados por isenção pessoal, que invocarão essas qualidades.” (BRASIL. Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: IBGE, 1954, p. 190)

10 BRASIL. Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: IBGE, 1954, p. 190.

11 BRASIL. Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: IBGE, 1954, p. 506 e 517.

12 INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO FINANCEIRO. Codificação do direito tributário: contribuição do IBDF ao estudo do projeto de Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: IBDF, 1955, p. 189.

13 GIANNINI, A. D. Il raporto giuridico d’imposta. Milano: Dott A. Giuffré, 1937, p. 118-119.

14 GIANNINI, A. D. Il raporto giuridico d’imposta. Milano: Dott A. Giuffré, 1937, p. 120.

15 GIANNINI, A. D. Il raporto giuridico d’imposta. Milano: Dott A. Giuffré, 1937, p. 121.

16 FANTOZZI, Augusto. La solidarietá nel diritto tributário (collana di teoria e pratica tributaria). Torino: UTET, 1968, p. 37-38.

17 FANTOZZI, Augusto. La solidarietà nel diritto tributario (collana di teoria e pratica tributaria). Torino: UTET, 1968, p. 61.

18 FANTOZZI, Augusto. La solidarietà nel diritto tributario (collana di teoria e pratica tributaria). Torino: UTET, 1968, p. 61.

19 TESAURO, Francesco. Instituições de direito tributário. Tradução de Fernando Aurelio Zilveti e Laura Fiore Ferreira. São Paulo: IBDT, 2017, p. 130-131.

20 TESAURO, Francesco. Instituições de direito tributário. Tradução de Fernando Aurelio Zilveti e Laura Fiore Ferreira. São Paulo: IBDT, 2017, p. 131-133.

21 FONROUGE, Carlos M. Giuliani. Anteproyecto de Código Fiscal: estudio sobre lo contencioso fiscal en la legislacion argentina y comparada. Buenos Aires: Seccion Publicaciones del Seminario de Ciencias Juridicas y Sociales, 1942, n. 38, p. 391.

22 BRASIL. Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: IBGE, 1954, p. 241.

23 Em seu trabalho, como mencionado, Gomes de Sousa fez remissão a dispositivo diverso daquele relativo ao interesse comum. Mas, se tivesse silenciado a respeito, a conclusão poderia ter sido outra. É que, se o § 1º do art. 163 do anteprojeto estabelecia, sem remissões ou exceções, que as normas de solidariedade do CTN poderiam ser aplicadas aos responsáveis, isso poderia significar que há interesse comum entre dois ou mais responsáveis que tenham vinculação com a mesma situação que constitua fato gerador, i.e., que pratiquem em conjunto o ato que dá nascimento à responsabilidade tributária, assim como solidariedade entre responsáveis na ausência de interesse comum entre eles, ou entre contribuinte e responsável, nos dois últimos casos, se a lei o declarar.

24 No sentido de que o interesse econômico serve apenas de indício da existência de interesse comum, vide: RFB. Parecer Normativo Cosit n. 4, de 10 de dezembro de 2018. Brasília: DOU, 12 dez. 2018, seção 1, p. 23. Falarei sobre ele a seguir.

25 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 67.

26 Não há uniformidade de pensamento sobre a matéria. Sustentando a possibilidade de solidariedade por interesse comum entre sujeitos que se encontrem em polos distintos da relação jurídica, por exemplo, entre alienante do imóvel e seu adquirente, em relação ao ITBI, vide: FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária: e o Código Civil de 2002. São Paulo: Noeses, 2005, p. 69.

27 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Solidariedade tributária passiva e responsabilidade tributária passiva – características e inexistência simultânea. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Grupos econômicos. Porto Alegre: CEU; LexMagister; IICS, 2015, p. 138.

28 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 573-574.

29 A jurisprudência do STJ é caudalosa nesse sentido. Cito, em meio a tantos outros, o seguinte julgado: STJ. Recurso Especial n. 884.845/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, Brasília, j. 5.2.2009.

30 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 314.

31 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros, p. 131.

32 Nas palavras de Caio Augusto Takano, a solidariedade constitui “técnica de graduação da responsabilidade tributária, que tem por objetivo fortalecer as garantias do crédito tributário” (TAKANO, Caio Augusto. Em busca de um interesse comum: considerações acerca dos limites da solidariedade tributária do art. 124, inc. I, do CTN. Revista Direito Tributário Atual v. 41. São Paulo: IBDT, 2019, p. 87).

33 DERZI, Misabel Abreu Machado. Nota de atualização. In: BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 13. ed. atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 1.125.

34 No tópico 3.a, viu-se que Gomes de Sousa também fez referência ao trabalho de Giorgio Tesoro, autor que, tratando da responsabilidade de terceiros, e não propriamente de solidariedade por interesse comum, afirmou que, na legislação tributária italiana, a responsabilidade de terceiros normalmente é solidária, e não subsidiária (art. 1.188 do Código Civil); assim, ao contrário do que acontece no direito civil, no âmbito tributário, a administração pública normalmente não tem o dever de exigir o adimplemento da obrigação tributária junto ao contribuinte, podendo fazê-lo diretamente do responsável (TESORO, Giorgio. Principi di diritto tributario. Bari: Dott. Luigi Macri, 1938, p. 108). A regra adotada no Brasil, contudo, é distinta.

35 Nesse sentido, dentre tantos outros, vide: AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 356. Em sentido oposto, defendendo tratar-se de solidariedade, cite-se, por exemplo: SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 607.

36 Contudo, repetidamente, o Judiciário afirma que a hipótese seria de solidariedade ou de subsidiariedade – tudo o que é equivocado. No sentido de que a responsabilidade do terceiro é dele e só dele no caso do art. 135 do CTN, vide, dentre tantos outros: OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Solidariedade tributária passiva e responsabilidade tributária passiva – características e inexistência simultânea. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Grupos econômicos. Porto Alegre: CEU; LexMagister; IICS, 2015, p. 145. Em linha oposta, Hugo de Brito Machado sustenta que “Dizer que são pessoalmente responsáveis as pessoas que indica não quer dizer que a pessoa jurídica fica desobrigada. A presença do responsável, daquele a quem é atribuída a responsabilidade tributária nos termos do art. 135 do Código Tributário Nacional, não exclui a presença do contribuinte.” (MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional: artigos 96 a 138. São Paulo: Atlas. v. II, p. 594)

37 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 314.

38 RODRIGUES, Silvio. Direito civil – dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 3, p. 308-309.

39 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 345.

40 Em sentido oposto, Ricardo Mariz de Oliveira diz que o art. 124, inciso I, do CTN é dirigido somente aos contribuintes, porque a solidariedade é entre pessoas que tenham o dever de cumprir a obrigação tributária como contribuintes, ostentando essa posição no momento da ocorrência do fato gerador, para cujo nascimento agem pessoalmente e manifestam capacidade contributiva (OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Solidariedade tributária passiva e responsabilidade tributária passiva – características e inexistência simultânea. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Grupos econômicos. Porto Alegre: CEU; LexMagister; IICS, 2015, p. 137).

41 Essa parece ser a posição de Luciano Amaro quando afirma que se a lei definir como contribuinte a figura do comprador, havendo mais de um comprador, ambos serão solidários, não porque a lei tenha eventualmente vindo a proclamar essa solidariedade, mas porque ela decorre do interesse comum de ambos no fato da aquisição. O mesmo ocorre em relação ao imposto predial, segundo o autor, quando há copropriedade (AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 345-346).

42 Foi buscando o conceito de “grupo econômico”, a que se refere o art. 30, inciso IX, da Lei n. 8.212, que o Superior Tribunal de Justiça, por sua 2ª Turma, no julgamento do Recurso Especial n. 1.144.884/SC, em 7 de dezembro de 2010, asseverou que há solidariedade entre empresas que, conquanto formalmente distintas, atuam sob mesmo comando, compartilhando instalações, bens e funcionários. Pelos relatos contidos na decisão, parecia haver confusão patrimonial. Contudo, em se tratando de contribuição previdenciária, concluiu-se pela incidência da regra do art. 124, inciso II, do CTN c/c art. 30, inciso IX, da Lei n. 8.212/91, não se aludindo ao interesse comum, porque configurado, no plano fático, grupo econômico entre empresas formalmente distintas mas que atuavam sob comando único e compartilhando funcionários, o que justificaria, segundo o Tribunal, a solidariedade pelo pagamento das contribuições previdenciárias incidentes sobre a remuneração dos trabalhadores a serviço de todas ela indistintamente.

43 Eventual lei nesse sentido seria inconstitucional, porque o art. 128 do CTN requer vínculo do responsável com o fato gerador que lhe coloque em proximidade tal com o evento que desencadeia o surgimento da obrigação tributária de sorte a conferir-lhe meios de adimplir o tributo sem ônus demasiados a seu próprio patrimônio, dado que a capacidade contributiva à qual se dirige a carga tributária é revelada, não pelo responsável, mas pelo contribuinte, pelo que deve ser assegurado àquele ou a retenção do tributo, ou seu ressarcimento ágil, eficaz, imediato e expedito (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 83). Isso não é possível em relação a assessores e consultores. Logo, mesmo que a responsabilidade estivesse contida em lei complementar, ela seria inconstitucional. O ilícito porventura cometido por essas pessoas ou empresas deve ser combatido com penalidades, administrativas e/ou penais, mas não com tributo – o qual, despiciendo dizer, não se confunde com pena (art. 3º do CTN).

44 Anote-se que o Supremo Tribunal Federal, não por interpretação do art. 124, inciso I, mas, sim, das normas do CTN que disciplinam responsabilidade tributária, afastou a possibilidade de leis estaduais criarem responsabilidade de contadores e advogados. Sustentou-se que tais leis (i) ampliaram o rol das pessoas que podem ser pessoalmente responsáveis pelo crédito tributário; (ii) dispuseram diversamente do CTN sobre as circunstâncias autorizadoras da responsabilidade pessoal do terceiro (cf. STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.284/GO, Plenário, Rel. Min. Roberto Barroso, Brasília, j. 15.9.2021; e STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.845/MT, Plenário, Rel. Min. Roberto Barroso, Brasília, j. 12.2.2020).

45 Essa também é a posição de Marco Aurélio Greco, para quem assessores ou consultores, por ele chamados de “terceiros instrumentais”, podem ter interesse econômico decorrente do fato gerador (e.g., remuneração calculada sobre a economia tributária), mas não na própria situação que constitua o fato gerador, descabendo atribuir-lhes responsabilidade pelo crédito tributário com esteio no art. 124, inciso I, do CTN. Nesses casos, segundo o autor, pode haver espaço, apenas, e se for o caso, para responsabilidade nos âmbitos civil e criminal (GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 629-640).

46 Para uma análise crítica e profunda sobre todas as situações elencadas pela Cosit no Parecer Normativo n. 4/2018 e sobre seus erros e acertos, vide: TAKANO, Caio Augusto. Em busca de um interesse comum: considerações acerca dos limites da solidariedade tributária do art. 124, inc. I, do CTN. Revista Direito Tributário Atual v. 41 São Paulo: IBDT, 2019, p. 85-118.

47 O que nos parece confirmar as afirmações de Humberto Ávila no sentido de que, na teoria da argumentação, os argumentos dessa estatura, chamados pelo autor de transcendentes, em geral, têm menor força persuasiva em relação aos sistemáticos linguísticos, conforme mencionado no tópico 2 deste estudo (ÁVILA, Humberto. Argumentação jurídica e a imunidade do livro eletrônico. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS v. 19, março de 2001. Disponível em: http://www.seer.ufrgs.br/revfacdir/article/view/71526/40588. Acesso em: 17 mar. 2022, p. 162-170).

48 Em sentido oposto, Ricardo Mariz de Oliveira diz que o art. 124, inciso I, do CTN é dirigido somente aos contribuintes, porque a solidariedade é entre pessoas que tenham o dever de cumprir a obrigação tributária como contribuintes, ostentando essa posição no momento da ocorrência do fato gerador, para cujo nascimento agem pessoalmente e manifestam capacidade contributiva (OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Solidariedade tributária passiva e responsabilidade tributária passiva – características e inexistência simultânea. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Grupos econômicos. Porto Alegre: CEU; LexMagister; IICS, 2015, p. 137).