A Loucura como Método – Uma Perspectiva Hamletiana da Responsabilidade Solidária na Interposição Fraudulenta de Terceiros
Madness as a Method – A Hamletian Perspective on Joint Liability in Fraudulent Interposition of Third Parties
Carlos Augusto Daniel Neto
Advogado. Pós-Doutorando na UERJ. Doutor em Direito Tributário pela USP. Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP. Ex-Conselheiro Titular da 1ª e da 3ª Seção do Carf. Professor de Direito Tributário e Aduaneiro em cursos de extensão, graduação e pós-graduação. Advogado. E-mail: carlos.daniel@ddtax.com.br.
Recebido em: 25-4-2022 – Aprovado em: 26-5-2022
https://doi.org/10.46801/2595-6280.51.6.2022.2166
Resumo
Este artigo tem a finalidade de analisar a consistência jurídica da utilização de regras do Código Tributário Nacional, em especial o art. 124, e do art. 95 do Decreto-lei n. 37/1966 para a responsabilização solidária de todos os participantes em operações de importação, nas hipóteses de ocorrência da infração de interposição fraudulenta de terceiros. Pretende-se demonstrar quem é o sujeito passivo direto da sanção prevista para essa infração, assim como a ausência de fundamentos jurídicos para aplicação das regras de responsabilidade mencionadas. Ao final, pretende-se apresentar uma proposta de diagnóstico para se compreender a razão de as regras seguirem sendo utilizadas no âmbito da jurisprudência administrativa, a despeito dos erros que serão apontados.
Palavras-chave: interposição fraudulenta de terceiros; responsabilidade solidária; infração; direito tributário; direito aduaneiro.
Abstract
This article aims to analyze the legal consistency of the use of rules of the National Tax Code, especially article 124, and article 95 of Decree-law n. 37/1966 for the joint liability of all participants in import operations, in case of charges of fraudulent interposition of third parties infraction. It is intended to demonstrate who is the direct subject of the sanction provided for this infraction, as well as the absence of legal grounds for the application of the joint liability rules mentioned above. In the end, it is intended to present a diagnostic proposal to understand why the rules continue to be used in the context of administrative jurisprudence, despite the errors that will be pointed out.
Keywords: fraudulent interposition of third parties; joint liability; infraction; tax law; customs law.
Introdução
O agir sem razão que o justifique ou valide é comumente designado como loucura, apesar de que nem sempre ela será reflexo de uma patologia psiquiátrica. Em Hamlet, clássico de Shakespeare, a loucura é usada como método, pelo protagonista, para desvendar o assassinato de seu pai e armar a vingança contra o tio usurpador – é o agir sem razão aparente, enquanto oculta motivo mais profundo, e que não deixa de ser um agir estratégico.
No Direito, há também decisões que carecem em absoluto de razões jurídicas, isto é, lastro fundante em normas de validade. Essa loucura – aqui usada como atributo da decisão que não lastreada em razões jurídicas – pode, por vezes, ocultar um estratagema de iludir alguém.
Nesse contexto, este artigo irá analisar especificamente a consistência dos fundamentos adotados para a imputação de responsabilidade solidária, a um ou mais sujeitos, pelo pagamento da multa equivalente ao valor aduaneiro das mercadorias, nas hipóteses de aplicação da pena de perdimento pela ocorrência de ocultação, mediante simulação ou fraude, de partícipes de operação de comércio exterior, infração capitulada no art. 23, V, do Decreto-lei (DL) n. 1.455/1976 (usualmente referida como “interposição fraudulenta de terceiros”).
Para tanto, é mister que se faça uma apresentação analítica da hipótese infracional em comento, bem como do arcabouço legislativo acerca das hipóteses de sujeição passiva por multas aduaneiras, com a finalidade de propor respostas para três questionamentos simples: (i) quem deverá ser o sujeito passivo da penalidade estabelecida no art. 23, V e § 3º, do DL n. 1.455/1976?; (ii) é cabível a responsabilização solidária dos partícipes da operação com fulcro no art. 124, I, do Código Tributário Nacional (CTN)?; (iii) é cabível a responsabilização solidária dos partícipes da operação com fulcro no art. 95 do DL n. 37/1966?
A opção por esses dois fundamentos distintos de responsabilização se deu em razão de serem os mais usualmente invocados, conjuntamente, nas autuações que envolvem a aplicação da multa equivalente ao valor aduaneiro1 (por todos, v. Acórdão Carf n. 3201-005.523, j. 24.07.2019). Não obstante, reconhecemos que em certos casos outros dispositivos também são invocados como fundamento, a exemplo do art. 135 do CTN.
Pretende-se apresentar uma perspectiva crítica sobre os fundamentos de responsabilização indicados anteriormente, para concluir que: (i) o sujeito passivo da multa em questão é o importador, ressalvadas as hipóteses em que este seja pessoa jurídica simulada ou tenha cedido seu nome ao adquirente/encomendante, que efetivamente realizou toda a operação; (ii) não há qualquer fundamento jurídico para se aplicar regras de responsabilização tributária para multas aduaneiras, mormente o art. 124 do CTN; (iii) a aplicação do art. 95 do DL n. 37/1966 à infração de interposição fraudulenta carece de fundamento legal e decorre de um equívoco crasso no processo de consolidação da legislação tributária.
Como se vê, as conclusões que serão endereçadas neste estudo vão de encontro ao entendimento que tem prevalecido hoje na jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a despeito da ostensiva ausência de fundamentos legais.
Há nos raciocínios, que serão postos em xeque adiante, loucura ou método? É o que será investigado a seguir.
1. O regime jurídico aduaneiro e a infração de interposição fraudulenta de terceiros
O Direito Aduaneiro, enquanto ramo autônomo do estudo jurídico, se estrutura sobre três conceitos centrais – mercadoria, território aduaneiro e importação/exportação – que são a base de delimitação das questões que lhe são afeitas2. Ele se relaciona à disciplina do controle aduaneiro sobre o comércio exterior, conforme competência estabelecida nos arts. 22, VIII, e 237 da Constituição Federal de 1988 (CF/1988)3, e exercida administrativamente pela Receita Federal do Brasil.
Esse controle se dá com uma finalidade estabelecida constitucionalmente, qual seja a “defesa dos interesses fazendários nacionais”, que se relacionam aos bens que são objeto da legislação aduaneira, o controle aduaneiro em si e a proteção dos interesses arrecadatórios relacionados às operações de comércio exterior (decorrente dos múltiplos tributos incidentes sobre esses negócios).
O controle aduaneiro, como explica Rodrigo Mineiro, representa o direito-dever do Estado de exercer o poder de polícia sobre as movimentações transfronteiriças de mercadorias, como forma de preservar a economia e o mercado nacionais4. Trata-se de um bem autônomo em relação ao interesse arrecadatório, como vem sendo reconhecido no âmbito do Carf, a exemplo da edição da Súmula n. 1605, que desvinculou o reconhecimento do dano ao Erário da comprovação de falta de pagamento de tributos6.
Essa observação é relevante, pois apesar de as atividades de controle aduaneiro e arrecadação e fiscalização tributárias serem ambas competências de um mesmo órgão (Receita Federal), são subsistemas normativos com regime jurídico próprio.
O sistema jurídico aduaneiro haure a sua base normativa atual do DL n. 37/1966, que buscou integrar o imposto de importação ao arcabouço normativo trazido pelo CTN, no mesmo ano, e atualizar a legislação propriamente aduaneira. A partir daí, diversos outros atos normativos foram editados, a exemplo do DL n. 1.455/1976, que interessa à análise que será empreendida, e se passou a realizar periodicamente a consolidação da legislação aduaneira e a regulamentar alguns aspectos, por meio dos Regulamentos Aduaneiros, que se iniciou em 1985 e se estende até a última versão, com o Decreto n. 6.759/2009 (RA/2009).
Pois bem, antes de avançar sobre a infração de interposição fraudulenta de terceiros, é preciso primeiro esclarecer que, conforme a Instrução Normativa RFB n. 1861/2018, as operações de importação realizadas no Brasil podem apresentar três modalidades distintas, a saber: (i) importação por conta própria; (ii) importação por conta e ordem de terceiros; e (iii) importação por encomenda.
Na importação por conta própria, o importador negocia diretamente com o fornecedor estrangeiro (exportador) as condições e os termos da operação internacional, responsabilizando-se pelos procedimentos aduaneiros, cambiais, de licenciamento de mercadorias etc., bem como pelo pagamento do preço contratado e dos tributos devidos. Na importação por conta e ordem de terceiros, a pessoa jurídica importadora é contratada para promover, em seu nome, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria estrangeira, adquirida no exterior por outra pessoa jurídica. Por fim, na importação por encomenda, a pessoa jurídica importadora é contratada para promover, em seu nome e com recursos próprios, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria estrangeira por ela adquirida no exterior para revenda a encomendante predeterminado7.
O DL n. 1.455/1976 compilou, em seus arts. 23 e 24, um rol extenso de infrações aduaneiras, relativas à importação ou à exportação de mercadorias, que deveriam ser consideradas como danosas ao Erário e, portanto, estariam sujeitas à penalidade máxima na seara aduaneira: a pena de perdimento.
Em rigor, o referido decreto-lei teve a finalidade expressa de alterar a “mecânica de apreensão de mercadorias estrangeiras em situação irregular no País, bem como os procedimentos fiscais a ela relativos”, pondo fim aos “leilões aduaneiros”, que se tornaram uma forma de introduzir mercadorias de forma legalizada, a preços aviltados.
As infrações listadas naqueles artigos, entretanto, não foram criadas pelo DL n. 1.455/1976 – veja-se, por exemplo, os arts. 23, IV, e 248, cujo conteúdo é inteiramente remissivo ao DL n. 37/1966. Na verdade, como esclarece a sua exposição de motivos, o novo decreto-lei buscou alterar o tratamento jurídico de uma série de infrações já existentes na legislação aduaneira. Senão vejamos:
“17. Nos artigos 23 e 24, com fulcro no art. 153 da Lei Magna, enumeram-se as infrações que, por constituírem dano ao Erário, são punidas com a pena de perdimento dos bens. De fato, todas as hipóteses arroladas, quase todas já existentes em legislação anterior, representam um comprometimento a dano de nossas reservas cambiais e uma inadimplência de obrigações tributárias essenciais.” (Grifos nossos)
Todavia, a interposição fraudulenta de terceiros só vai surgir posteriormente, com o acréscimo do inciso V e alguns parágrafos ao art. 23 do DL n. 1.455/1976, por meio do art. 59 da Lei n. 10.637/2002, com a seguinte redação:
“Art 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias:
[...]
V – estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros. (Incluído pela Lei n. 10.637, de 30.12.2002)
§ 1º O dano ao erário decorrente das infrações previstas no caput deste artigo será punido com a pena de perdimento das mercadorias. (Incluído pela Lei n. 10.637, de 30.12.2002)
§ 2º Presume-se interposição fraudulenta na operação de comércio exterior a não-comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados. (Incluído pela Lei n. 10.637, de 30.12.2002)9
§ 3º As infrações previstas no caput serão punidas com multa equivalente ao valor aduaneiro da mercadoria, na importação, ou ao preço constante da respectiva nota fiscal ou documento equivalente, na exportação, quando a mercadoria não for localizada, ou tiver sido consumida ou revendida, observados o rito e as competências estabelecidos no Decreto n. 70.235, de 6 de março de 1972. (Redação dada pela Lei n. 12.350, de 2010)”
Analiticamente, a infração descrita no inciso V consiste em ocultar algum dos partícipes da operação de comércio exterior10 (real vendedor, comprador ou responsável pela operação), utilizando-se de um meio específico (fraude ou simulação). A redação do dispositivo, per si, deixa evidente o aspecto objetivo da infração, isto é, a conduta valorada negativamente pelo legislador, que é a conduta de ocultar determinados sujeitos, utilizando-se de determinado método.
Ao se referir à ocorrência de fraude, como meio de ocultação, a legislação não exige apenas aquela que tenha como escopo a redução do montante de tributos a pagar, mas qualquer ação ou omissão dolosa tendente a fraudar o controle aduaneiro, induzindo em erro a fiscalização11, visando burlar o controle aduaneiro. A simulação, por sua feita, é realizada por meio de um conluio das partes negociantes para realizar dolosamente uma operação cuja forma seja utilizada para ocultar substância inexistente ou absolutamente incompatível com a causa típica da forma praticada, com o objetivo de prejudicar o controle aduaneiro, pela aposição de elementos falsos nas declarações negociais12.
Ressalte-se que, apesar de a infração ser tipicamente denominada de interposição fraudulenta de terceiros, é preciso observar que esta é apenas uma das formas da sua concretização, mediante um tipo específico de simulação subjetiva13. E mesmo a interposição de pessoas, sem o emprego de fraude ou simulação, não é suficiente para a aplicação da pena de perdimento14 – devendo-se estremar também as hipóteses em que há mero erro do importador, no preenchimento das declarações aduaneiras.
Assim, verificada a ocorrência dos pressupostos fáticos infracionais, a Receita Federal aplicará, nos termos do art. 23, § 1º, a pena de perdimento, que poderá ser convertida em multa equivalente ao valor aduaneiro, caso a mercadoria não possa mais ser localizada, ou já tenha sido consumida ou revendida, conforme o art. 23, § 3º.
Por último, deve-se identificar quem é o sujeito passivo direto da sanção aplicada.
Da leitura do art. 23, V, do DL n. 1.455/1976, pode-se concluir que o sujeito penalizado pelo perdimento ou multa equivalente é aquele que realiza a conduta de ocultar mediante fraude ou simulação, é o importador (nas operações de importação) ou exportador15 (nas operações de exportação), o responsável por promover o tráfego transfronteiriço de mercadorias.
Quem pode ocultar outros participantes da operação é justamente aquele que consta no conhecimento de embarque (bill of lading) e tem a responsabilidade de informar à Receita Federal, quando do registro da Declaração de Importação, quem é o exportador e o adquirente/encomendante da mercadoria (conforme estabelecido desde as INs SRF n. 225/2002 e n. 634/2006). Portanto, ao atuar dolosamente, por meio de fraude ou simulação, para ocultar os demais partícipes da operação, o importador se põe como sujeito passivo da infração em comento, e não aqueles destinatários do bem importado.
Há apenas duas exceções a essa conclusão, com base na distinção clássica tratada por Francesco Ferrara, ao apontar que a intromissão de um terceiro nas relações contratuais alheias pode assumir forma jurídica diversa, o que impõe a distinção entre (i) interposta pessoa real e (ii) interposta pessoa simulada16.
Na hipótese de importador com existência efetiva, o adquirente/encomendante será o sujeito passivo da sanção quando não haja qualquer avença jurídica típica entre eles, mas uma mera forma, desprovida de causa jurídica, na qual o importador se mantém passivo e inerte durante todas as tratativas de importação, servindo apenas para emprestar seu nome e seus dados documentais ao real interessado na operação (nomen commodat).
Nesse caso, a sanção pela interposição fraudulenta é aplicada diretamente ao ocultado, que foi o real responsável pelos atos de importação e a ocultação, todos realizados pelo por meio do nome que lhe foi emprestado/cedido. O importador, por sua vez, será penalizado com a multa de 10% do valor da operação, pela cessão de nome e documentos, prevista no art. 33 da Lei n. 11.488/200717, tendo valorado o legislador ser desproporcional a punição dele com a pena de perdimento ou multa equivalente, nos casos em que não teve nenhuma atuação positiva na realização da infração, tendo apenas cedido seu nome.
A outra exceção é a hipótese de o importador ser uma pessoa simulada, isto é, ser uma mera casca vazia, sem existência econômica efetiva, sendo criada pelo ocultado apenas para acobertar a sua participação na operação de comércio exterior.
Nesse caso, uma vez requalificada a operação à luz da verificação do importador como mero simulacro, este tem existência jurídica nula, e o ocultado assume o papel de real responsável pela importação e se torna sujeito passivo direto das sanções cabíveis.
Uma vez fixado quem é o sujeito passivo da infração, pode-se passar com segurança ao enfrentamento dos dois fundamentos usualmente invocados para responsabilização solidária: o art. 124 do CTN e o art. 95 do DL n. 37/1966.
2. A responsabilização solidária com base no art. 124, I, do CTN
O art. 124, I, do CTN tem sido utilizado como fundamento para a responsabilização de partícipes de operação de comércio exterior, pela multa equivalente à pena de perdimento, inclusive com o respaldo do Carf. Vejamos, inicialmente, o que dispõe o referido artigo, verbis:
“Art. 124. São solidariamente obrigadas:
I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;”
Por exemplo, o Acórdão CSRF18 n. 9303-009.20319, por unanimidade, restabeleceu a responsabilidade solidária pela multa aduaneira em interposição fraudulenta, sob o argumento de que o responsável atuou “com o intuito de beneficiar-se dos negócios jurídicos praticados pela empresa da qual era sócio [...] fica evidente a sua participação e interesse”, e que estariam atendidos os requisitos dos arts. 124, I, e 135, III, do CTN. A mesma validação se deu no Acórdão CSRF n. 9303-006.48020, que adotou lógica semelhante.
Com a devida vênia, não há o menor lastro de fundamento jurídico que justifique a extrapolação do art. 124, I, do CTN para multas aduaneiras, que não possuem natureza de crédito tributário. O fato de ambos, controle aduaneiro e tributação, estarem a cabo da Receita Federal, e a circunstância da cobrança dos tributos sobre a importação se dar conjuntamente ao procedimento de desembaraço aduaneiro, não permite que se confundam dois regimes jurídicos absolutamente diferentes21.
A distinção entre as matérias é reconhecida estruturalmente no próprio art. 1º da Lei n. 11.457/2007, fundante da Secretaria da Receita Federal do Brasil, “que tem por finalidade a administração tributária e aduaneira da União”. Não bastasse isso, a conclusão é corroborada pelo fato de as normas aduaneiras e tributárias haurirem seu fundamento de validade de disposições distintas na CF/1988 (art. 22, VIII, para as normas aduaneiras, e art. 24, I, para as tributárias22).
Indo além da distinção reconhecida na própria legislação mencionada, o CTN não possui alcance objetivo sobre exações que não pertençam ao sistema tributário nacional. O seu escopo regulatório é definido de forma categórica no art. 1º23, e possui função de norma geral em matéria tributária, com fundamento de validade no art. 146, III, da CF/1988.
A estruturação do CTN, em si, facilita sobremaneira o desfazimento desse equívoco, em face da forma didática como promoveu a inclusão de conceitos doutrinários no texto da lei, como forma de “assegurar ao código plenitude de sua eficácia”, em face da elaboração precária do Direito Tributário à época de sua elaboração24. Em razão disso, é possível fazer uma “engenharia reversa” da semântica do art. 124, I, com a finalidade de aclarar seu alcance a partir do próprio Direito Positivo.
Inicialmente, ele se insere dentro do Título II – Obrigação Tributária – e trata do “interesse comum no fato gerador da obrigação principal”. A obrigação principal, conforme art. 113, § 1º, do CTN, “surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária”, enquanto o fato gerador, nos termos do art. 114, é “a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”. Essa situação a que se refere o art. 114, por reflexo do próprio conceito de tributo, prescrito no art. 3º do CTN, não pode ser um ato de caráter ilícito.
Trata-se de um arcabouço normativo que diz respeito à ocorrência de fatos geradores tributários, que dão causa ao nascimento da obrigação principal a que se refere o art. 113, § 1º, do CTN, que se qualifica como crédito tributário, nos termos do art. 139 do CTN25, e como componente da Dívida Ativa Tributária, nos termos do art. 39, § 2º, da Lei n. 4.320/196426.
Sequer poder-se-ia dizer que o fato de o DL n. 37/1966 regulamentar o Imposto de Importação atrairia para todas as multas previstas naquele diploma legal o caráter de obrigação e crédito tributários e, portanto, a regência do CTN. O Imposto de Importação é tratado exclusivamente no Título I, ao passo que o Título II trata exclusivamente do Controle Aduaneiro, evidenciando se tratar de coisas diversas. Para além disso, basta observar que o DL n. 37/1966 prevê regras de responsabilidade de terceiros próprias para o Imposto de Importação (art. 32) e para as multas decorrentes de infrações aduaneiras (art. 95).
Não há, portanto, qualquer dispositivo no DL n. 37/1966 ou no CTN que justifique a incidência do art. 124, I, às multas aduaneiras. Tampouco a constatação desenvolvida aqui é, em absoluto, inaugural. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou em inúmeros precedentes no sentido de que o CTN não tem eficácia sobre infrações que não tenham caráter tributário – por todos, veja-se excerto do AgRg no Ag n. 1.418.126/MG:
“2. O Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar os dispositivos legais pertinentes ao tema, concluiu que o art. 135, III, do Código Tributário Nacional – CTN não se aplica às execuções fiscais para a cobrança de débitos não-tributários. Nesse sentido: AgRg no AREsp 15.159/RJ, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 30.08.2011; AgRg no AgRg no Ag 1260660/RS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 18.03.2011; AgRg no REsp 1208897/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 22.02.2011. 3. Agravo regimental não provido.” (AgRg no Ag 1418126/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 20.10.2011, DJe 26.10.2011)”27 (Grifos nossos)
No âmbito do Carf28, o tema já foi objeto de diversas decisões que afastaram a imputação de responsabilidade solidária por multas aduaneiras, com base no CTN, não obstante essas decisões venham sendo revertidas pela 3ª CSRF, a exemplo dos precedentes arrolados no início deste item. Nesse sentido, mencionam-se os Acórdãos Carf n. 3402-007.09229, 3402-003.85830, e reproduz-se trecho do voto vencedor do Acórdão n. 3402-003.883, verbis:
“2. Insta registrar que a presente autuação refere-se à uma exigência aduaneira e não tributária, haja vista que a sanção aqui imposta é, exclusivamente, a aplicação de multa decorrente da conversão da pena de perdimento de mercadoria importada mediante interposição fraudulenta. Nesse sentido, a exigência aqui tratada apresenta um regime jurídico próprio, i.e., aduaneiro, e não tributário, o que decorre de pressupostos jurídicos próprios, exatamente como tem ressaltado a nossa melhor doutrina: [...]
3. Logo, em se tratando de responsabilidade para fins de exigência da sanção aqui tratada, o fundamento legal a ser invocado é aquele próprio do regime aduaneiro, i.e., o art. 95, inciso I do Decreto-lei n. 37/66. [...]
5. Percebe-se, pois, que o fiscal ignora essa distinção de regimes jurídicos e trata o presente caso como se tributário fosse, convocando, por conseguinte, para fins de responsabilização, o artigos 124, inciso I do CTN. Ao assim fazer, a fiscalização incorre em notório erro de direito.” (Grifos nossos).
Esse entendimento pela inaplicabilidade das regras do CTN às multas aduaneiras, por terem regimes jurídicos distintos, não fica restrito ao campo da responsabilidade. A sua evocação é comum também em matéria de decadência, a exemplo da recente Súmula Carf n. 184 (“O prazo decadencial para aplicação de penalidade por infração aduaneira é de 5 (cinco) anos contados da data da infração, nos termos dos artigos 138 e 139, ambos do Decreto-Lei n. 37/66 e do artigo 753 do Decreto n. 6.759/2009.”31), cujos precedentes adotam como ratio decidendi exatamente a existência de um regime jurídico próprio para infrações aduaneiras, distinto do tributário.
Como se vê, por qualquer ângulo que se analise a questão, não há razão jurídica para os acórdãos e as autuações que seguem aplicando o art. 124, I, às multas aduaneiras. Sequer pode-se dizer que um colegiado como a 3ª CSRF é alheio à distinção de regimes jurídicos existentes, visto que a tem aplicado rigidamente em matéria de decadência (e.g., Acórdão CSRF n. 9303-010.198). O que explica ignorar essa distinção apenas em relação à sujeição passiva?
Avançando, resta agora analisarmos a aplicabilidade do art. 95 do DL n. 37/1966, este sim presente na esmagadora maioria das autuações que envolvem interposição fraudulenta de terceiros, e acatada com foros de verdade absoluta, no âmbito do Carf.
3. A inaplicabilidade do art. 95 do DL n. 37/1966 à infração do art. 23, V, do DL n. 1.455/1976
Retomando o que dissemos anteriormente, na infração do art. 23, V, do DL n. 1.455/1976, o sujeito passivo direto será o importador, ressalvadas duas exceções já aclaradas anteriormente. Em razão disso, a Receita Federal e o Carf convocam, maciçamente, a aplicação do art. 95, V ou VI, do DL n. 37/1966 para justificar a responsabilização dos ocultados na operação de comércio exterior.
O regramento jurídico das infrações aduaneiras consta nos arts. 94 e 95 do DL n. 37/1966, verbis:
“Art. 94. Constitui infração toda ação ou omissão, voluntária ou involuntária, que importe inobservância, por parte da pessoa natural ou jurídica, de norma estabelecida neste Decreto-Lei, no seu regulamento ou em ato administrativo de caráter normativo destinado a completá-los.
§ 1º O regulamento e demais atos administrativos não poderão estabelecer ou disciplinar obrigação, nem definir infração ou cominar penalidade que estejam autorizadas ou previstas em lei.
§ 2º Salvo disposição expressa em contrário, a responsabilidade por infração independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.
Art. 95. Respondem pela infração:
[...]
V – conjunta ou isoladamente, o adquirente de mercadoria de procedência estrangeira, no caso da importação realizada por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora. (Incluído pela Medida Provisória n. 2.158-35, de 2001)
VI – conjunta ou isoladamente, o encomendante predeterminado que adquire mercadoria de procedência estrangeira de pessoa jurídica importadora. (Incluído pela Lei n. 11.281, de 2006)”
A leitura atenta do art. 94 permite verificar que ele define semanticamente o termo “infração” como “toda ação ou omissão [...] que importe inobservância [...], de norma estabelecida neste Decreto-Lei, no seu regulamento ou em ato administrativo de caráter normativo destinado a completá-los”. Em outras palavras, esse artigo restringe de quais diplomas normativos deverão emanar as normas cujo descumprimento será qualificado como “infração”, para fins do DL n. 37/1966.
Inclusive, § 1º deste artigo reforçou essa restrição, ao estabelecer que o regulamento e demais atos administrativos não poderão estabelecer ou disciplinar obrigação, nem definir infração ou cominar penalidade que estejam autorizadas ou previstas em lei. Trata-se de um comando direcionado aos agentes administrativos, para proscrever expressamente a possibilidade de se utilizar de regulamentos e atos administrativos complementares para ampliar o conjunto de hipóteses infracionais sujeitas ao regime do DL n. 37/1966, por meio da reprodução de hipóteses de obrigação, infração ou penalidade previstas em outras leis, no seu regulamento, burlando o escopo restritivo do art. 94.
Esse dispositivo, apesar de pouco estudado, é importantíssimo para a delimitação do alcance do regime infracional aduaneiro: caso haja uma infração prevista na Lei n. XXX/YY, a administração não poderá arrastá-la para dentro do regulamento ou de atos administrativos complementares, como forma de vinculá-la ao regime previsto no DL n. 37/1966.
Para bem compreendê-lo, entretanto, é preciso esclarecer o que são os regulamentos e atos administrativos complementares a que ele se refere.
A expedição de regulamentos é uma função normatizadora atípica da Administração Pública, a quem cabe primordialmente o fiel cumprimento das leis, como forma de evitar que o Parlamento tenha que se ocupar de minúcias técnicas e operacionais relacionadas à execução das leis, dispensando a edição de uma legislação excessivamente complexa e extensa.
Essa competência regulamentar é usualmente atribuída pela própria legislação, que lhe delega poderes para complementar a normatividade de certas disposições legais, ou dar maior densidade a certos conceitos indeterminados utilizados nos textos normativos.
A CF/1988 atribui ao Poder Executivo esse poder regulamentar, com fundamento no art. 84, IV, autorizando o Presidente a expedir decretos e regulamentos, atos infralegais, para a fiel execução das leis32. A sua função, portanto, é aumentar o grau de concreção da legislação e regulamentar suas minúcias executivas, e nunca inaugurar na ordem jurídica33.
O próprio DL n. 37/1966 foi um texto legal criado para ser posteriormente complementado por normas infralegais, visto que em diversos dispositivos faz referência a formas ou condições prescritas em regulamento. Dignos de menção são, especialmente, os arts. 176 e 178 do DL n. 37/1966, verbis:
“Art. 176. O Poder Executivo regulamentará as disposições deste Decreto-Lei dentro do prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da data de sua publicação.
Art. 178. Este Decreto-Lei entrará em vigor em 1 de janeiro de 1967, salvo quanto às disposições que dependam de regulamentação, cuja vigência será fixada no regulamento.”
Como se vê, há uma determinação expressa no art. 176 para que o Poder Executivo regulamente os diversos dispositivos que demandam essa complementação normativa. E para que não se tenha dúvida de que esses regulamentos têm natureza executiva, faz-se menção à exposição de motivos do DL n. 37/1966, que é categórica a esse respeito, verbis:
“15. A exemplo de Códigos Aduaneiros modernos, o projeto dispõe tão sòmente sôbre matéria de natureza substantiva, deixando-se aos regulamentos tôda a matéria de procedimento, a fim de que se mantenham sempre atuais os métodos e sistemas de trabalho, que hoje se exigem cada vez mais simplificados.” (Grifos nossos)
Portanto, fica claro que os procedimentos relativos a forma e condições de concretização dos diversos dispositivos do DL n. 37/1966 depende de decretos regulamentares executivos, tanto que o art. 178 lhes nega vigência enquanto não estabelecidas as regulamentações próprias.
Em suma, fica claro que o DL n. 37/1966 (e leis supervenientes) deverá dispor acerca do direito material aduaneiro, e os seus regulamentos tratarão de matéria procedimental, podendo ser atualizados sempre para os métodos e sistemas de trabalho mais modernos, com o passar do tempo. Esse trecho da exposição de motivos corrobora a relevância do art. 94, § 1º, do DL n. 37/1966, ao servir de instrumento para barrar tentativas de inovar no direito material aduaneiro por intermédio da competência regulamentar.
Além disso, ao tratar sobre o papel dos regulamentos no que diz respeito às infrações aduaneiras, o art. 34, IV, do DL n. 37/1966 é categórico ao restringir o seu conteúdo a regras sobre a apuração de infrações aduaneiras:
“Art. 34. O regulamento disporá sobre:
IV – apuração de infrações por descumprimento de medidas de controle estabelecidas pela legislação aduaneira.”
Mais uma vez, o art. 94, § 1º, encontra coro no art. 34, IV, demonstrando a coerência desse corpo normativo ao restringir o regime jurídico infracional aduaneiro às infrações capituladas neste decreto-lei.
Por fim, os atos administrativos complementares serão atos inferiores aos regulamentos, por parte de órgãos da Administração Pública envolvidos com a atividade de controle aduaneiro, tais como Portarias, Instruções Normativas e outros, e que se sujeitam a restrições ainda maiores de conteúdo do que os regulamentos executivos.
Avançando, pode-se concluir também, por uma regra básica da hermenêutica, que as palavras idênticas utilizadas em um mesmo diploma normativo possuem um mesmo sentido – postulado este que ganho foros de legislação, com o art. 11, II, b, da Lei Complementar (LC) n. 95/199834 –, sobretudo quando o termo é definido no próprio texto legal, como o termo “infração” utilizado no caput do art. 95 do DL n. 37/1966 (“Art. 95. Respondem pela infração:”) que possui o mesmo sentido da definição estabelecida pelo art. 94.
Fixado esse ponto, pode-se avançar com segurança para a segunda parte do raciocínio desenvolvido, para discutir a aplicabilidade do art. 95 do DL n. 37/1966 à infração prevista no art. 23, V, do DL n. 1.455/1976. De pronto, pode-se afirmar que, a despeito da jurisprudência do Carf, da doutrina e da Receita Federal maciçamente reconhecerem a aplicabilidade dessa regra de responsabilização a esses casos, não há fundamento jurídico no direito material para tanto.
A construção do argumento parte de peças já dispostas alhures, ao se esclarecer que os arts. 23 e 24 do DL n. 1.455/1976, em sua redação original, relacionavam diversas infrações já existentes no âmbito do DL n. 37/1966, nos seus arts. 104 e 10535, sujeitando-as ao perdimento em razão da ocorrência de dano ao Erário.
O DL n. 1.455/1976 pretendeu, com isso, submetê-las a “regras inteiramente inovadoras e capazes de assegurar maior eficácia e densidade ao sistema de penalidades sobre importações irregulares”, conforme sua exposição de motivos. Ele não pretendeu aumentar o alcance do DL n. 37/1966, tanto que optou pela técnica de remissão legislativa36 para definir as infrações, mas apenas estabelecer um novo rito processual para as infrações punidas com pena de perdimento (arts. 25 a 27), determinar a redestinação ao exterior (arts. 28 e 29) e estabelecer mecanismos menos onerosos para administração, guarda e alienação dos bens apreendidos.
Rigorosamente falando, caso se pretendesse incluir as infrações no DL n. 37/1966, poder-se-ia simplesmente editar um decreto-lei alterando dispositivos daquele diploma existente, como ocorreu em outros casos, em que se alteraram infrações no próprio texto – a exemplo do que o DL n. 1.804/1980 fez ao ampliar o alcance da infração do art. 105, XVI37, e a Medida Provisória (MP) n. 38/2002 tentou fazer com o art. 105, XVII38, mas não foi convertida em lei. Aliás, a MP n. 38/2002 foi editada no mesmo exercício em que a Lei n. 10.637/2002, que, por meio do seu Art. 59, optou por incluir o inciso V no art. 23 do DL n. 1.455/1976, ao invés de promover a referida inclusão no bojo do DL n. 37/1966.
O papel exercido pelo DL n. 1.455/1976 é de estabelecer um novo regime jurídico procedimental para as infrações dos arts. 104 e 105 do DL n. 37/1966, e não criar ou ampliar as infrações existentes. Ela não tem, nesse aspecto, caráter de decreto regulamentar ou de ato administrativo complementar, em relação ao DL n. 37/1966, pois não dispõe sobre “apuração de infrações por descumprimento de medidas de controle estabelecidas pela legislação aduaneira” (como estabelece o art. 34, IV, do DL n. 37/1966), mas cria um regime jurídico próprio e novo, em substituição ao então existente.
Em suma:
(i) a definição de “infração”, para fins do regime do DL n. 37/1966, alcança apenas as normas estabelecidas naquele mesmo decreto-lei, ou em seu regulamento e atos administrativos complementares;
(ii) como demonstrado, o DL n. 1.455/1976 não tem natureza de regulamento executivo ou de ato complementar em relação ao DL n. 37/1966. Desse modo, as infrações arroladas nos seus arts. 23 e 24 se sujeitam ao regime jurídico dos arts. 94 e 95 do DL n. 37/1966 apenas quando elas tenham existência em ambos os decretos-lei; e
(iii) a infração prevista no art. 23, V, do DL n. 1.455/1976 foi incluída pela Lei n. 10.637/2002, e não possui previsão no âmbito do DL n. 37/1966, razão pela qual não pode se subsumir à definição de “infração” do art. 94, tampouco pode ser alcançada pelo art. 95.
Como se vê, trata-se de um raciocínio silogístico e de clareza irretocável. Não obstante, o que explica essa correlação tida por tão natural entre o art. 95 do DL n. 37/1966 e a infração em comento?
Em um trabalho de arqueologia legislativa, a origem desse equívoco reside na edição do Decreto n. 91.030/1985, a primeira versão do Regulamento Aduaneiro, que teve uma dupla função: por um lado, trouxe disposições regulamentares a respeito de dispositivos que demandavam essa complementação, para sua fiel execução, e por outro promoveu uma ampla consolidação de decretos-lei existentes em matéria aduaneira, reunindo em um só lugar a legislação esparsa. Ele consolidou, por exemplo, dispositivos do CTN, que seriam aplicáveis ao imposto de importação (e.g., art. 93), do DL n. 399/1968 (e.g., art. 519), além de muitos dispositivos do próprio DL n. 1.455/1976.
Sobre essa dupla função, esclarece Rodrigo Mineiro Fernandes:
“Apenas em 1985, com a edição do Decreto n. 91.030, entrou em vigor o Regulamento Aduaneiro, consolidando as normas aduaneiras e regulamentando o Decreto-lei n. 37/66. Posteriormente, foram editados os Regulamentos Aduaneiros de 2002 (Decreto n. 4.543, de 26/12/2002) e de 2009 (Decreto n. 6.759, de 05/02/2009, atualmente em vigor).”39 (Grifos nossos)
Nessa consolidação, mais precisamente no seu art. 499, que instituiu o art. 94 do DL n. 37/1966, o Poder Executivo promoveu uma alteração redacional que, a despeito de parecer trivial, iria futuramente desaguar na problemática ora endereçada. Para facilitar, apresenta-se a distinção redacional por meio de uma planilha comparativa:
Regulamento Aduaneiro de 1985 |
Decreto-lei n. 37/1966 |
Art. 499. Constitui infração toda ação ou omissão, voluntária ou involuntária, que importe inobservância, por parte da pessoa natural ou jurídica, de norma estabelecida ou disciplinada neste Regulamento ou em ato administrativo de caráter normativo destinado a completá-lo. |
Art. 94. Constitui infração toda ação ou omissão, voluntária ou involuntária, que importe inobservância, por parte da pessoa natural ou jurídica, de norma estabelecida neste Decreto-Lei, no seu regulamento ou em ato administrativo de caráter normativo destinado a completá-los. |
Fosse o RA/1985 um decreto estritamente regulamentar, isto é, sem inovar no direito material normatizado em seu bojo, a alteração citada não teria o condão de aumentar o alcance do art. 94 do DL n. 37/1966. Entretanto, em razão da sua função consolidadora, o RA/1985 trouxe para o seu interior infrações que não constavam no DL n. 37/1966, a exemplo dos seus arts. 51640, 51941 e 52042. O cotejo apresentado evidencia uma alteração do alcance normativo do texto consolidado.
Melhor explicando: ao alterar a redação consolidada, para alcançar todas as infrações estabelecidas “neste Regulamento”, e acrescentar nele normas punitivas que não estavam no DL n. 37/1966, o Poder Executivo estendeu, por meio de ato infralegal, o regime jurídico dos arts. 94 e 95 do referido decreto a ilícitos não previstos neste, em afronta direta à definição de “infração” estabelecida no art. 94, e utilizada como base para delimitar o alcance dos dispositivos seguintes.
Esse equívoco não ficou restrito a essa versão do Regulamento Aduaneiro. Veja-se, por exemplo, o cotejo com o RA/2002, editado pelo Decreto n. 4.543/2002:
Regulamento Aduaneiro de 2002 |
Decreto-lei n. 37/1966 |
Art. 602. Constitui infração toda ação ou omissão, voluntária ou involuntária, que importe inobservância, por parte de pessoa física ou jurídica, de norma estabelecida ou disciplinada neste Decreto ou em ato administrativo de caráter normativo destinado a completá-lo. |
Art. 94. Constitui infração toda ação ou omissão, voluntária ou involuntária, que importe inobservância, por parte da pessoa natural ou jurídica, de norma estabelecida neste Decreto-Lei, no seu regulamento ou em ato administrativo de caráter normativo destinado a completá-los. |
Da mesma forma que o RA/1985, a sua sucessora cuidou não apenas de regulamentar, mas também de consolidar a legislação aduaneira esparsa43. Nesse momento, inclusive, consolidou-se no art. 618, XXII, uma hipótese infracional recém-criada pela MP n. 66/2002, em seu art. 59:
“Art. 618. Aplica-se a pena de perdimento da mercadoria nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-lei n. 37, de 1966, art. 105, e Decreto-lei n. 1.455, de 1976, art. 23 e § 1º, com a redação dada pela Lei n. 10.637, de 2002, art. 59):
XXII – estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros.”
A partir desse momento, uma infração criada pela MP n. 66/2002, posteriormente convertida na Lei n. 10.637/2002, que promovia uma alteração no DL n. 1.455/1976, passou a ser normatizada pelo regime infracional aduaneiro do DL n. 37/1966, a despeito do seu art. 94 restringi-lo às infrações estabelecidas nele.
Ao se verificar essa discreta alteração legislativa, perpetuada ao longo de dezenas de anos e sucedida pela consolidação crescente de novas infrações ao bojo do regulamento, estando elas estabelecidas no DL n. 37/1966 ou não, diria Polônio que “embora seja loucura, há nela certo método”.
A consolidação legislativa é alvissareira, por concentrar em um único diploma diversos textos normativos correlatos que, por vezes, se espraiam em dezenas de textos distintos. Ela corresponde à técnica legislativa de exame, triagem, seleção e reunião de leis em coletâneas, facilitando a sua consulta44, e a sua característica principal, conforme estabelecido no art. 13, §§ 1º e 2º, da LC n. 95/1998, é a ausência de modificação do alcance dos dispositivos consolidados, preservando-se o seu conteúdo normativo original, mesmo diante de alterações redacionais45.
Portanto, restam dúvidas de que o Regulamento Aduaneiro, ao consolidar diversas infrações não previstas originalmente no DL n. 37/1966, e alterar a redação do art. 94 deste decreto-lei, promoveu uma ampliação, desamparada de lei, do alcance do regime infracional estabelecido pelos arts. 94 e 95 do DL n. 37/1966, “autorizando” a sua aplicação a infrações estabelecidas em outros diplomas legais, a exemplo do art. 23, V, do DL n. 1.455/1976.
Conclusões
Após uma análise rigorosa dos fundamentos normativos por trás da responsabilidade solidária de terceiros por multas aduaneiras nas infrações de interposição fraudulenta, verificou-se que o sujeito passivo direito da sanção na infração do art. 23, V, do DL n. 1.455/1976 é o importador, ressalvadas as hipóteses em que (i) este seja mero simulacro, uma simulação de pessoa jurídica; ou (ii) não teve participação ativa na operação, mas apenas cedeu seu nome e documentos para o ocultado.
Avançando, demonstrou-se exaustivamente que não há, no ordenamento jurídico brasileiro, qualquer dispositivo que enderece as regras de sujeição passiva do CTN às multas de natureza aduaneira, créditos de natureza absolutamente diversa, e que nada tem a ver com o conceito de tributo e suas multas correlatas, estas sim com caráter de obrigação principal, nos termos da legislação tributária. Apesar disso, a Receita Federal segue autuando os responsáveis com base em regras tributárias, mormente o art. 124, I, do CTN.
No Carf, apesar de ter reconhecido a distinção entre regime jurídico aduaneiro e o tributário em diversas oportunidades, a exemplo da recém aprovada Súmula Carf n. 184, a 3ª CSRF não tem aplicado o mesmo critério diante da discussão dos fundamentos da sujeição passiva, tampouco apresenta razões jurídicas para aplicar o CTN às multas aduaneiras para determinadas matérias, mas não para outras.
Quanto ao art. 95 do DL n. 37/1966, demonstrou-se analiticamente que este não pode ser aplicado aos ilícitos, ainda que de caráter aduaneiro, que não estejam estabelecidos naquele decreto-lei, em razão da definição de “infração” estabelecida pelo art. 94. Apesar disso, demonstrou-se que os sucessivos Regulamentos Aduaneiros, em sua dúplice função, regulamentadora e consolidadora, alteraram sutilmente a redação consolidada do art. 94 do DL n. 37/1966, e instituíram infrações não estabelecidas neste decreto-lei, ampliando ilegalmente o alcance original desse dispositivo e o seu conteúdo normativo.
Essa ampliação do alcance do dispositivo, por força de uma alteração redacional na consolidação, somada à incorporação de outras infrações não estabelecidas no DL n. 37/1966, teve como efeito uma ampliação do alcance das regras que compõem o regime jurídico infracional do DL n. 37/1966 a outras infrações às quais ele não seria aplicável, por força das próprias regras restritivas do referido decreto-lei.
Nas consolidações legislativas, diferentemente das relações sinérgicas, a soma do todo não pode ser maior que o somatório de suas partes. Não obstante, o equívoco redacional na consolidação segue sendo repetido, a cada nova edição do regulamento.
Ao invés de apresentar conclusões peremptórias aqui, prefere-se deixar ao leitor a função de determinar se a manutenção dos entendimentos atacados, apesar da carência de razão jurídica que lhes dê suporte, é loucura de fato ou, simplesmente, método para garantir um resultado não respaldado pela lei.
De todo modo, fica a sensação que teve o personagem Marcelo, de que “há algo de podre no reino da Dinamarca”46.
Referências
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STAATS, Johann-Friedrich. Verweisung und Grundgesetz. In: RÖDIG et al. (ed.). Studien zu einer Theorie der Gesetzgebung. Berlin: Springer, 1976.
1 “SUJEIÇÃO PASSIVA. INTERESSE COMUM. INFRAÇÃO. PRÁTICA OU BENEFÍCIO PRÓPRIO. REAL ADQUIRENTE NA IMPORTAÇÃO.
São solidariamente obrigadas as pessoas jurídicas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal.
Na importação realizada com interposição fraudulenta de terceiro, em que for identificado o real adquirente da mercadoria, tanto o importador oculto como o ostensivo podem ser qualificados como contribuintes dos tributos e penalidades incidentes na operação. Aplicação do art. 124, I do CTN e art. 95, I do Decreto-Lei n. 37/66” (Acórdão Carf n. 3201-005.523, j. 24.07.2019).
2 Cf. BASALDÚA, Ricardo Xavier. Introducción al Derecho Aduanero. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1988.
3 “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: VIII – comércio exterior e interestadual;
Art. 237. A fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda.”
4 FERNANDES, Rodrigo Mineiro. Introdução ao Direito Aduaneiro. São Paulo: Intelecto, 2018, p. 13-14.
5 “A aplicação da multa substitutiva do perdimento a que se refere o § 3º do art. 23 do Decreto-lei n. 1.455, de 1976 independe da comprovação de prejuízo ao recolhimento de tributos ou contribuições.”
6 Nesse sentido é o escólio de Rosaldo Trevisan: “A aplicação das penalidades previstas no art. 23 do Decreto-Lei n. 1.455/1976 não demanda demonstração de qual tenha sido o dano ao Erário. Uma leitura sistemática do referido art. 23 (aqui já transcrito) afasta o equívoco, pois é cristalino que o texto (essencialmente no caput e no § 1º) não está a dizer que só quando ocasionarem dano ao Erário as infrações ali referidas serão punidas com o perdimento. Ele está, sim, trazendo claramente duas afirmações: (a) as infrações ali relacionadas consideram-se dano ao Erário; e (b) o dano ao Erário é punido com o perdimento. Disso, silogisticamente se pode afirmar que as infrações ali relacionadas são punidas com o perdimento. Não há margem para discussão se houve ou não dano ao Erário” (Acórdão Carf n. 3403-002.842, j. 25.03.2014).
7 Para uma análise aprofundada sobre cada uma das espécies de importação, desenvolvendo a forma como o risco é alocado entre as partes envolvidas, Cf. DANIEL NETO, Carlos Augusto. A interposição fraudulenta de terceiros de segundo nível na jurisprudência do Carf. In: CREPALDI, R.; PINTO, R. A. L.; LOSTADO, S. Direito Aduaneiro Contemporâneo. São Paulo: Dialética, 2022, p. 75-80.
8 “Art 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias:
IV – enquadradas nas hipóteses previstas nas alíneas “a” e “b” do parágrafo único do artigo 104 e nos incisos I a XIX do artigo 105, do Decreto-lei número 37, de 18 de novembro de 1966.
Art. 24. Consideram-se igualmente dano ao Erário, punido com a pena prevista no parágrafo único do artigo 23, as infrações definidas nos incisos I a VI do artigo 104 do Decreto-lei numero 37, de 18 de novembro de 1966.”
9 Não se irá tratar aqui sobre a hipótese de interposição fraudulenta na modalidade presumida, tendo em vista que nessas hipóteses não costuma haver a imputação de responsabilidade a outras pessoas jurídicas, bastando a não comprovação da origem, a disponibilidade e a transferência dos recursos empregados na operação, por parte do importador ou do exportador. Desse modo, essa relevante hipótese sancionatória passa ao largo do cerne do tema ora enfrentado.
10 BARBIERI, Luís Eduardo Garrossino. Interposição fraudulenta de pessoas: tipicidade da infração e a necessidade de comprovação do dolo. Questões Controvertidas do Direito Aduaneiro. São Paulo: IOB, 2014, p. 422.
11 BARBIERI, Luís Eduardo Garrossino. Interposição fraudulenta de pessoas: tipicidade da infração e a necessidade de comprovação do dolo. Questões Controvertidas do Direito Aduaneiro. São Paulo: IOB, 2014, p. 423.
12 Para uma análise mais ampla sobre a definição de simulação, especificamente relacionada às operações de interposição fraudulenta, cf. DANIEL NETO, Carlos Augusto. A simulação na interposição fraudulenta de terceiros. Revista Direito Tributário Atual, n. 36, São Paulo, IBDT, 2016, p. 80-84.
13 DANIEL NETO, Carlos Augusto. A Simulação na interposição fraudulenta de terceiros. Revista Direito Tributário Atual, n. 36, São Paulo, IBDT, 2016, p. 84.
14 SARTORI, Ângela; DOMINGO, Luiz Roberto. Dano ao Erário pela ocultação mediante fraude – a interposição fraudulenta de terceiros nas operações de comércio exterior. In: PEIXOTO, M. M.; SARTORI, A.; DOMINGO, L. R. Tributação Aduaneira à luz da jurisprudência do Carf. São Paulo: MP, 2013, p. 60.
15 Tomar-se-á, por referência, para o restante da exposição, apenas as operações de importação, com a ressalva de que as conclusões são igualmente aplicáveis à exportação.
16 FERRARA, Francisco. A simulação dos negócios jurídicos. Campinas: Red Livros, 1999, p. 287.
17 “Art. 33. A pessoa jurídica que ceder seu nome, inclusive mediante a disponibilização de documentos próprios, para a realização de operações de comércio exterior de terceiros com vistas no acobertamento de seus reais intervenientes ou beneficiários fica sujeita a multa de 10% (dez por cento) do valor da operação acobertada, não podendo ser inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais).”
18 Câmara Superior de Recursos Fiscais.
19 J. 18.07.2019.
20 J. 14.03.2018.
21 Sobre isso, Cf. RIBEIRO, Diego Diniz. Morte e vida da autonomia do regime jurídico aduaneiro. Revista Eletrônica Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-fev-10/direto-carf-morte-vida-autonomia-regime-juridico-aduaneiro#_ftnref8. Acesso em: 13 mar. 2022.
22 “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;”
23 “Art. 1º Esta Lei regula, com fundamento na Emenda Constitucional n. 18, de 1º de dezembro de 1965, o sistema tributário nacional e estabelece, com fundamento no artigo 5º, inciso XV, alínea b, da Constituição Federal as normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, sem prejuízo da respectiva legislação complementar, supletiva ou regulamentar.”
24 MINISTÉRIO DA FAZENDA. Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Ministério da Fazenda, 1954, p. 8.
25 “Art. 139. O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta.”
26 “Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias.
§ 2º Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de sub-rogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais.”
27 Na mesma linha, v. REsp n. 856.828/MG, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 11.09.2008; AgRg no REsp 1117415/SC, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 1ª Turma, j. 23.03.2010, DJe 16.04.2010; AgRg no REsp 1407182/PR, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, j. 03.03.2015, DJe 09.03.2015.
28 Deve-se esclarecer que o rito do Decreto n. 70.235/1972, conforme seu art. 1º, é aplicável para créditos tributários federais constituídos por auto de infração ou notificação de lançamento, e não seria, per si, aplicável às multas aduaneiras. A adoção desse rito decorre de um comando remissivo expresso constante no art. 23, § 3º, do DL n. 1.455/1976. Sobre esse tema, cf. DANIEL NETO, Carlos Augusto; RIBEIRO, Diego Diniz. A necessidade de distinguishing na aplicação da súmula Carf n. 11 às multas administrativas aduaneiras. In: BICALHO, R. B.; MINEIRO, P. H. A. (coord.). O Atual Direito Aduaneiro. São Paulo: Dialética, 2021, p. 132-136.
29 J. 19.11.2019.
30 J. 21.02.2017.
31 Acórdãos Precedentes: 9303-010.198, 9303-009.237, 9303-007.645, 3402-007.222, 3402-007.092, 3402-005.287 e 3201-002.818.
32 “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;”
33 Nesse sentido, cf. ATALIBA, Geraldo. Decreto regulamentar no sistema brasileiro. RDA, Rio de Janeiro, v. 97, jul./set. 1969, p. 21-33; ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p. 92.
34 “Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas:
II – para a obtenção de precisão:
b) expressar a idéia, quando repetida no texto, por meio das mesmas palavras, evitando o emprego de sinonímia com propósito meramente estilístico;”
35 Repise-se a exposição de motivos dessa lei: “17. Nos artigos 23 e 24, com fulcro no art. 153 da Lei Magna, enumeram-se as infrações que, por constituírem dano ao Erário, são punidas com a pena de perdimento dos bens. De fato, todas as hipóteses arroladas, quase todas já existentes em legislação anterior, representam um comprometimento a dano de nossas reservas cambiais e uma inadimplência de obrigações tributárias essenciais”.
36 Na expressão de Salvador Coderch, a norma de remissão incorpora o objeto de remissão à sua normativa própria (CODERCH, Pablo Salvador. La disposición final terceira de la compilación catalana y la técnica legislativa de las remisiones estáticas. Anuario de Derecho Civil, v. 37, n. 4, 1984, p. 975-1006). A sua característica essencial é exatamente a assunção integral do objeto da remissão pela cláusula remissiva, realizando uma função de transferência ou de transmissão (Übertragungsfunktion), sem alterá-lo (STAATS, Johann-Friedrich. Verweisung und Grundgesetz. In: RÖDIG et al. (ed.). Studien zu einer Theorie der Gesetzgebung. Berlin: Springer, 1976, p. 244-246).
37 “XVI – Fracionada em diversas remessas postais internacionais, de modo a iludir o pagamento, no todo ou em parte, do impôsto de importação; (redação original)
XVI – fracionada em duas ou mais remessas postais ou encomendas aéreas internacionais visando a elidir, no todo ou em parte, o pagamento dos tributos aduaneiros ou quaisquer normas estabelecidas para o controle das importações ou, ainda, a beneficiar-se de regime de tributação simplificada; (Redação dada pelo Decreto-Lei n. 1.804, de 03.09.1980)”
38 “XVII – estrangeira, em trânsito no território aduaneiro, quando o veículo terrestre que a conduzir, desviar-se de sua rota legal, sem motivo justificado; (redação original)
XVII – estrangeira, em trânsito no território aduaneiro, quando o veículo terrestre que a conduzir for desviado de sua rota legal com intenção de violação, supressão ou substituição de carga; (Redação dada pela Medida Provisória n. 38, de 2002 – não convertido em lei)”
39 FERNANDES, Rodrigo Mineiro. Introdução ao Direito Aduaneiro. São Paulo: Intelecto, 2018, p. 21. No mesmo sentido é a lição de André Parmo Folloni: “A função do Regulamento Aduaneiro é preponderantemente procedimental e de condensação da legislação vigente. [...] Ao estabelecer esses procedimentos, o regulamento não transborda os limites legais, pois possibilita justamente a fiel execução das leis, sua missão constitucional. Encaixa-se naquela categoria dos regulamentos de execução que são os únicos admitidos pelo Direito brasileiro” (FOLLONI, André Parmo. Tributação sobre o comércio exterior. São Paulo: Dialética, 2005, p. 79).
40 “Art. 516. Aplicar-se-á ainda a pena de perdimento da mercadoria (Decreto-lei n. 1.455/76, art. 23, I a III, e parágrafo único):
I – importada ao desamparo de guia de importação ou documento de efeito equivalente, quando a sua emissão estiver vedada ou suspensa na forma da legislação específica em vigor;
II – importada e que for considerada abandonada pelo decurso do prazo de permanência em recinto alfandegado, nas condições previstas no artigo 461.”
41 “Art. 519. A pena de perdimento da mercadoria será ainda aplicada aos que, em infração às medidas de controle fiscal estabelecidas pelo Ministro da Fazenda para o desembaraço aduaneiro, circulação, posse e consumo de fumo, charuto, cigarrilha e cigarro de procedência estrangeira, adquirirem, transportarem, venderem, expuserem à venda, tiverem em depósito, possuírem ou consumirem tais produtos (Decreto-lei n. 399/68, arts. 2º e 3º e seu § 1º).”
42 “Art. 520. Aplica-se, por igual, a pena de perdimento da mercadoria saída da Zona Franca de Manaus sem autorização da autoridade aduaneira, quando estiver no regime instituído pelo Decreto-lei n. 288, de 28 de fevereiro de 1967 (Decreto-lei n. 288/67, art. 39).”
43 Apenas para fins de completude, ressalte-se que o mesmo equívoco é perpetuado no RA/2009 (Decreto n. 6.759/2009), com a adoção da mesma redação adotada pelo RA/2002 em seu art. 673.
44 FREIRE, Natália de Miranda. Técnica e processo legislativo. São Paulo: Del Rey, 2002, p. 85.
45 “Art. 13. As leis federais serão reunidas em codificações e consolidações, integradas por volumes contendo matérias conexas ou afins, constituindo em seu todo a Consolidação da Legislação Federal. (Redação dada pela Lei Complementar n. 107, de 26.4.2001)
§ 1º A consolidação consistirá na integração de todas as leis pertinentes a determinada matéria num único diploma legal, revogando-se formalmente as leis incorporadas à consolidação, sem modificação do alcance nem interrupção da força normativa dos dispositivos consolidados. (Inciso incluído pela Lei Complementar n. 107, de 26.4.2001)
§ 2º Preservando-se o conteúdo normativo original dos dispositivos consolidados, poderão ser feitas as seguintes alterações nos projetos de lei de consolidação:”
46 SHAKESPEARE, William. Hamlet e Macbeth. Tradução de Anna Amélia de Queiroz. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995, Cena IV do Ato I.